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Curso Medicina Atual em Neuroimagem – aula 5 1 Neurocisticercose Flávio Túlio Braga1 1 – Médico Radiologista da Santa Casa de Misericórdia e do Centro de Medicina Diagnóstica Fleury, São Paulo, SP. 1 – Introdução A cisticercose é a infecção parasitária mais comum do sistema nervoso central, sendo endêmica em países da América Central, América do Sul, África e em alguns países asiáticos. Pode comprometer o parênquima encefálico, o sistema ventricular e o espaço subaracnóide (em ordem decrescente de freqüência), sendo a principal causa de crises convulsivas nestas nações. Resultado de saneamento básico deficiente, ela ocorre quando há ingestão de ovos do parasita (Taenia solium) por meio de água ou alimentos contaminados ou pela autocontaminação (ânus-mão-boca). Nestas situações, os ovos eclodem no intestino e liberam as oncosferas, que representam o primeiro estágio larval. Estas perfuram a mucosa intestinal e ganham a corrente sangüínea disseminando-se, principalmente, para os sistemas nervoso e muscular e transformando-se no segundo estágio larval denominado cisticerco. Como o processo de disseminação é hematogênico, as lesões encefálicas têm predomínio supra-tentorial e localizam-se, mais comumente na transição córtico-subcortical. Dentre as manifestações clínicas, as convulsões são as mais comuns, presentes em até 70% dos casos. Cefaléia, ataxia, vômitos, sinais neurológicos focais, hidrocefalia, vasculites com conseqüentes infartos e distúrbios neuropsiquiátricos diversos podem estar presentes a depender das regiões acometidas. Os critérios diagnósticos para neurocisticercose descritos na tabela 1 foram propostos por Del Brutto e colaboradores. Tabela 1. Critérios diagnósticos de neurocisticercose Critérios Absolutos • Demonstração histológica do parasita (biópsia cerebral ou de medula) • Visualização direta do parasita (fundo de olho) • Lesão cística com escólex na TC ou RM Menores • Lesão compatível na imagem • Cisticercose fora do SNC • Manifestações clínicas sugestivas • ELISA positivo no líquor Maiores • Lesão altamente sugestiva na imagem • Testes imunológicos positivos • Resolução das lesões intracranianas após tratamento específico Epidemiológicos • Contato permanente com T. solium • Proveniente ou residente de área endêmica • Viagens freqüentes a áreas endêmicas Graus de confiabilidade diagnóstica Definitivo • 1 critério absoluto • 2 maiores + 1 menor + 1 epidemiológico Provável • 1 maior + 2 menores • 1 maior + 1 menor + 1 epidemiológico • 3 menores + 1 epidemiológico Curso Medicina Atual em Neuroimagem – aula 5 2 2 – Estágios da neurocisticercose 2.1 – Fase vesicular Caracterizada por uma lesão cística (vesícula) com escólex no seu interior. Não está associada a processo inflamatório (figura 1). Figura 1. A e B. Neurocisticercose fase vesicular. Observamos imagens císticas com nódulo excêntrico que representa o escólex (setas). O parasita encontra-se vivo. 2.2 – Fase vesicular-coloidal Com a morte da larva, ocorre a liberação de antígenos que promovem uma marcada resposta inflamatória, com quebra da barreira hêmato-encefálica e realce periférico (anelar) pelo meio de contraste. O líquido no interior da vesícula torna-se turvo. O escólex, em geral, não mais é caracterizado nesta fase. O edema vasogênico ao redor da lesão é acentuado (figura 2). Figura 2. Neurocisticercose fase vesicular-coloidal. Com a morte do parasita ocorre uma degeneração do cisto de forma que o escólex não mais é caracterizado e o líquido no seu interior torna-se turvo (setas em A). A liberação de antígenos desencadeia uma resposta inflamatória, sendo caracterizado realce anelar das lesões (setas em B). Nesta fase, os cisticercos mortos mostram-se circundados por halo de edema (setas em C). Curso Medicina Atual em Neuroimagem – aula 5 3 2.3 – Fase granular-nodular Nesta fase o cisto se retrai, sua cápsula torna-se mais espessada e o edema diminui. O realce tende a assumir um padrão nodular (figura 3-A). 2.4 – Fase nodular calcificada Aqui ocorre retração e mineralização total do cisticerco, sem edema circunjacente (figura 3-B). Figura 3. A. Neurocisticercose fase granular-nodular. Nesta fase o edema desaparece e o padrão de realce da lesão pelo contraste assume aspecto nodular (seta). B – Neurocisticercose forma nodular calcificada. Aqui observamos múltiplas calcificações randomicamente distribuídas pelo parênquima encefálico. As formas acima descritas representam um continuum. Vale ressaltar que a ocorrência de lesões em diferentes fases evolutivas em um mesmo indivíduo é comum. Além disso, lesões calcificadas podem apresentar reativação antigênica, com processo inflamatório e realce periférico pelo contraste e edema vasogênico. Nestas situações há, geralmente, uma piora clínica dos pacientes, que muitas vezes voltam a apresentar crises convulsivas (figura 4) A ressonância magnética (RM) é superior à tomografia computadorizada (TC) na avaliação de pacientes com neurocisticercose, principalmente para a detecção de lesões intraventriculares e cisternais. Para estas situações a seqüência 3D CISS é de grande valia. A TC apresenta sensibilidade superior à RM na detecção de lesões parenquimatosas calcificadas. Para se tentar melhorar o desempenho da RM neste contexto, pode-se utilizar a seqüência T2 ecogradiente. Curso Medicina Atual em Neuroimagem – aula 5 4 Figura 4. A – Paciente com lesão calcificada no lobo frontal direito associada a gliose do parênquima adjacente (seta). Clinicamente não apresentava crises convulsivas. B e C – Exame realizado 5 anos após o da imagem A, pelo fato das crises convulsivas retornarem. Observa-se edema vasogênico e impregnação pelo gadolíneo ao redor da lesão calcificada (setas). Este achado é compatível com reativação antigênica da lesão calcificada. 3 – Forma racemosa da neurocisticercose A forma racemosa da doença acomete principalmente o espaço subaracnóide e caracteriza-se pela ausência do escólex e por uma proliferação exuberante das vesículas, assumindo aspecto em “cachos de uva” (Figs. 5 e 6). Figura 5. Neurocisticercose racemosa na fissura sylviana direita A B Curso Medicina Atual em Neuroimagem – aula 5 5 Figura 6. Neurocisticercose racemosa. A - Imagens císticas nas fissuras sylvianas e cisternas da base (setas) com algumas áreas de impregnação periférica pelo gadolínio. B – Infartos parenquimatosos (setas) determinados pela arterite secundária à presença dos cistos no espaço subaracnóide. 4 – Leitura recomendada Amaral LL, Ferreira RM, da Rocha AJ, Ferreira NP. Neurocysticercosis: evaluation with advanced magnetic resonance techniques and atypical forms. Top Magn Reson Imaging 2005;16:127-44. Del Brutto OH, Rajshekhar V et al. Proposed diagnostic criteria for neurocysticercosis. Neurology 2001;57:177-83. Grossman RI, Yousem DM. Neuroradiology: The requisites. Mosby; 2nd edition, 2003. Osborn A, Blaser S, Salzman K. Diagnostic imaging: Brain. AMIRSYS, 2004. Scott W Atlas. Magnetic resonance imaging of the brain and spine. Lippincott Williams & Wilkins; 3rd edition, 2002.
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