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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E ECONÔMICAS INSTITUTO DE ECONOMIA PADRÃO-OURO: ORIGENS, FUNCIONAMENTO E O CASO BRASILEIRO GABRIEL PERUSSI DA SILVA RIO DE JANEIRO 2016 2 1. INTRODUÇÃO O padrão-ouro foi um sistema monetário internacional, adotado por diversos países entre a segunda metade do século XIX e a Primeira Guerra Mundial, quando fora abandonado para que os países pudessem financiar seus elevados gastos com a guerra. Com o término da guerra, existiram diversas tentativas de se voltar à conversibilidade, embora sem muito sucesso. O padrão-ouro tem como premissa básica o equilíbrio da economia, exigindo das economias que o adotavam grandes reservas metálicas ou considerável quantia de divisas conversíveis para cobrir os déficits da balança de pagamentos. O presente trabalho tem como objetivo apresentar a implantação do padrão-ouro no Brasil e as consequências decorrentes dele. Além desta introdução, ele está dividido em três seções. A primeira trata das origens e o desenvolvimento do padrão-ouro no cenário mundial, fazendo um apanhado geral sobre a importância das operações de crédito para o desenvolvimento do sistema e como a expansão do comércio exterior o impactou. Na segunda seção, trataremos dos mecanismos de ajustes de preços e dos fluxos de metais, a fim de demonstrar como o câmbio e as taxas de juros impactavam os preços. Na terceira e última seção apresentaremos como se deu o desenvolvimento do padrão-ouro no cenário brasileiro, num momento de mudança econômica, onde ocorria uma transição de uma economia exportadora escravista para uma economia baseada no trabalho livre assalariado. 2. ORIGEM E DESENVOLVIMENTO DO PADRÃO-OURO Antes de tratarmos da aplicação do padrão-ouro na economia brasileira, faz-se necessário traçar um panorama das origens e o desenvolvimento desse sistema. Conforme aponta Gontijo (2014, p. 246-247) o padrão-ouro “resultou do desenvolvimento histórico do sistema de bancos de emissão, que se formaram a partir de meados do século XIV, na esteira do surgimento da negociabilidade”. Até aquele período, os instrumentos de crédito não ocorriam na forma de um papel negociável, não podendo ser utilizados como comprovante de débito ou transferido a terceiro sem o 3 devido reconhecimento de um tabelião. As letras de câmbio 1 mudariam a maneira como eram negociados os instrumentos de crédito. A princípio, eram uma espécie de fatura a prazo, enviada ao comprador para cobrança, passível de ser repassada a terceiros ou descontada junto a um escriturário (uma espécie de precedente do corretor) ou em instituições bancárias. Assim como os outros mecanismos de crédito (notas de vendas a prazo, certificado de depósitos, ordens de pagamentos, etc.), as letras de câmbio começaram a circular amplamente, compondo o meio circulante, juntamente com o ouro e outros títulos (GONTIJO, 2014, p. 247). Com o desenvolvimento do comércio, a atividade de cambista se espalhou pela Europa Ocidental. Os cambistas passaram a receber depósitos em ouro e prata, emitindo certificados de depósitos e, posteriormente, passaram a conceder empréstimos através de ordens de pagamentos, denominadas notas bancárias. Com isto, ampliaram-se e espalharam-se pela Europa as instituições bancárias. Conforme afirma Gontijo (2014): “nos países com bancos de emissão, essas notas circulavam lado a lado com as moedas metálicas e as “moedas de troco”, as letras de câmbio, os títulos do Exchequer2 ainda não vencidos, veiculando a compra/venda de bens e serviços” (GONTIJO, 2014, p. 248). As notas bancárias eram conversíveis em moeda-mercadoria, mas esta conversibilidade era facilmente abalada de acordo com as variações das reservas de metais do país. No período compreendido entre 1870 e 1914, a Inglaterra era a principal potência econômica mundial e os demais países deveriam alinhar-se às suas diretrizes se quisessem obter sucesso econômico. A Revolução Industrial provocou um acelerado desenvolvimento financeiro na Europa Oriental e nos Estados Unidos e, por volta de 1840, surgiram novos sistemas financeiros, conquanto não tão desenvolvidos como o britânico. Já a Segunda Revolução Industrial proporcionou um novo dinamismo nas transações comerciais, dando início a um novo progresso técnico e econômico. O desenvolvimento de barcos a vapor, ferrovias e a fabricação de máquinas e equipamentos a vapor, contribuíram para o aumento nas produções de bens 1 As letras de câmbio que inicialmente representavam uma ordem de pagamento ou certificado de depósito emitido por cambistas, isto é, por “negociantes de dinheiro”, tornaram-se uma fonte de crédito, “uma promessa de pagamento para determinado momento futuro” (GONTIJO, 2014, p. 247). 2 “Nome oficial da conta de Chancellor of the Exchequer do Reino Unido com o Banco da Inglaterra. Corresponderia, nos Estados Unidos, às contas do Departamento do Tesouro com os Bancos da Reserva Federal. No Brasil, se aproximaria da conta do Tesouro Nacional junto ao Banco Central. Esta conta é destinada às grandes receitas do país e é de onde são pagas as despesas do governo” (SANDRONI, 2010, p. 323). 4 industrializados, diminuindo os custos com transportes e intensificando as trocas comerciais. Sendo a Inglaterra o grande centro industrial da primeira metade do século XIX, era importante ampliar suas relações comerciais com outros países, de modo a importar matérias-primas e a exportar manufaturados. Londres, enquanto principal centro financeiro da Europa, tinha a necessidade de fazer com que sua moeda fosse aceita internacionalmente e, para isso, foram criadas condições de pagamento para as economias dependentes. A Inglaterra detinha também o poder de ditar as taxas de juros, como meio de compensar possíveis desequilíbrios em sua balança de pagamentos, garantindo, assim, que o padrão-ouro funcionasse segundo suas regras (liberdade de movimento de capitais, taxa de câmbio fixa e política monetária passiva) 3 . Londres possuía maior capacidade de atrair capital do que os outros países, através de aumento nas taxas de juros, em períodos de déficits em sua balança comercial, pois comandava o sistema. O padrão-ouro tinha como premissa básica o equilíbrio da economia e, para que isso acontecesse, o Banco Central detinha a responsabilidade de garantir a paridade entre a moeda e o ouro. De acordo com Serrano (2002), o ajustamento da balança comercial também poderia ocorrer sem movimentos de ouro, pois: o país central que emite moeda-chave num padrão referido ao ouro de fato pode fechar o saldo de sua balança de pagamentos em sua própria moeda nacional. Isso permite que esse país tenha déficits globais da balança de pagamentos de, praticamente, qualquer tamanho. No entanto, isso não quer dizer que o país não tenha que se preocupar com sua posição externa. Existem duas coisas que o país não pode deixar que ocorram: a) déficits de conta corrente crônicos; e b) é necessário que o preço oficial do ouro em relação à moeda local (a paridade) seja fixo, em termos nominais, pelo máximo de tempo possível (SERRANO, 2002, p. 238). Na seção a seguir, abordaremos como os preços básicos da economia (salários, taxas de juros e câmbio) impactam diretamente na formação de preços de toda a cadeia produtiva e também como o padrão-ouro se caracteriza por ser um sistema de frequentes desequilíbrios. 3 Sobre as regras de funcionamentodo padrão-ouro ver, dentre outros: Barry Eichengreen e Patricia Clavin. 5 3. OS FLUXOS DE METAIS E OS MECANISMOS DE AJUSTE DE PREÇOS Para David Hume, os preços da economia eram proporcionais à abundância de moeda em circulação 4 . Com a expansão das transações comerciais, o fluxo de metais era intensificado e, a partir deste aumento ou redução do montante de dinheiro em circulação, os desequilíbrios na balança comercial seriam ajustados através da variação de preços internos em relação aos preços do resto do mundo (GONTIJO, 2014, p. 255). De modo a ilustrar essa situação, onde a quantidade de dinheiro em circulação impactaria nos preços da economia, Hume propõe um cenário hipotético no qual, da noite para o dia, quatro quintos do dinheiro existente na Grã-Bretanha desapareceriam (HUME, 1987, p. 174). Após este fato, os salários e os preços das mercadorias internas cairiam na mesma proporção, tornando-os mais baratos no mercado externo e com isso haveria um aumento das exportações, fazendo com que entrasse mais dinheiro na Grã- Bretanha, até o momento em que a quantidade de dinheiro na Grã-Bretanha e nos outros países atingisse o mesmo nível. Esses mecanismos apresentados por Hume representavam, de maneira simples, uma aplicação da teoria quantitativa da moeda 5 . Como aponta Gontijo (2014, p. 266) “a expansão da produção carrega consigo a necessidade de se aumentar a importação de insumos, enquanto o aumento resultante da renda implica no aumento das importações de bens de consumo”. Logo, o aumento das exportações, quer seja de insumos, quer seja de bens de consumo, retiraria moeda de circulação no país. 4 Ver Escritos sobre Economia – David Hume (1752). 5 “Teoria clássica segundo a qual o aumento do meio circulante provoca o aumento geral de preços. Assim, o poder aquisitivo da moeda seria inversamente proporcional ao seu montante em circulação. O economista norte-americano Irving Fisher, que desenvolveu a teoria, elaborou para ela uma fórmula conhecida com equação das trocas ou equação do câmbio. O enunciado diz que o produto da quantidade de moeda, legal e/ou escritural, pela sua velocidade de circulação, é igual à soma de todos os preços multiplicados pelo volume das mercadorias trocadas. A expressão algébrica é MV = PT, em que M é quantidade total de moeda, V é a velocidade de circulação, P é o nível geral de preços e T é o volume de transações de bens e serviços ocorridas na unidade de tempo (geralmente um ano). Como o autor inclui a moeda a moeda escritural (os depósitos bancários), a fórmula detalhada passa a ser: MV + M’V’ = PT, em que M’ representa a moeda escritural e V’ sua velocidade de circulação” (SANDRONI, 2010, p. 836). 6 Outro mecanismo de atração ou repulsão de moeda é a taxa de juros, que colaborava para equilibrar o balanço de pagamentos. Se houvesse pouco dinheiro em circulação, o Banco Central aumentava a taxa de juros, atraindo capital do restante do mundo, assim um país atraia capital enquanto os outros repulsavam e, desta maneira se seguia, até que se atingisse um equilíbrio, ou seja, que a quantidade de dinheiro em circulação nos países se igualasse. Abordando a questão através de um olhar ricardiano, a quantidade de dinheiro em circulação em um país dependeria de seu valor, logo a quantidade que circulava em uma determinada economia não poderia ser excessiva, de modo que reduzisse seu valor, nem escassa, o que aumentaria o seu valor. No capítulo XXVII de Princípios de Economia Política e Tributária, David Ricardo (1985) afirma que “não é necessário que o papel-moeda seja pagável em espécie para garantir o seu valor; basta que a sua quantidade seja regulada de acordo com o valor do metal adotado como padrão monetário” (Ricardo, 1817, p. 240). A partir da teoria das vantagens comparativas 6 , Ricardo analisa a produção de tecido e vinho pela Inglaterra e Portugal e supõe que haja uma interação comercial entre os dois países. De acordo com Ricardo, a Inglaterra possui vantagem comparativa na produção de tecido enquanto Portugal possui vantagem comparativa na produção de vinho. Imaginando que, se por uma inovação tecnológica, produzir vinho na Inglaterra ficasse mais barato, esta ainda possuiria vantagem na produção de tecido e continuaria exportando-o para Portugal, mas não receberia mais vinho na troca por tecido, mas, sim, dinheiro. A entrada do dinheiro derivado das transações comerciais elevaria a quantidade de dinheiro em circulação na Inglaterra e provocaria um aumento dos preços e salários, seguindo a mesma lógica de Hume. Assim, o déficit na balança comercial portuguesa diminuiria a quantidade de dinheiro em circulação no país, o que por sua vez reduziriam os preços internos e o superávit na balança comercial inglesa aumentaria a quantidade de dinheiro em circulação, elevando os preços internos. Desta maneira, com 6 “Concepção teórica sobre o comércio internacional desenvolvida por David Ricardo, em 1817. A principal consequência prática dessa concepção teórica é que cada país deveria dedicar-se ou especializar- se onde os custos comparativos fossem menores. O exemplo simplificado dessa concepção consiste em relacionar os custos de produção dos produtos A e B produzidos nos países X e Y. Os custos de produção do produto A são expressos em relação aos custos de produção do produto B. Possui vantagem comparativa o país em que for menor a relação dos custos de produção dos produtos A e B” (SANDRONI, 2010, p. 876). 7 preços mais baixos, Portugal aumentaria suas exportações e a Inglaterra diminuiria as suas, até que se atingisse um novo equilibro. Conforme aponta Gontijo (2007) “a intenção de Ricardo é demonstrar que, dada uma situação de especialização produtiva, induzida pelo livre comércio, a introdução de uma inovação técnica poderia inverter as vantagens comparativas, o que causaria, no primeiro momento, um desequilíbrio na balança comercial, que seria eliminado pela elevação/queda do nível de preços” (Gontijo, 2007, p. 420). Ao tentar explicar o processo inflacionário decorrente da suspensão da conversibilidade das notas do Banco da Inglaterra em ouro, originou-se a “controvérsia bullionista”, de onde Ricardo desenvolveu sua teoria monetária, seguindo a teoria monetária de Adam Smith, “considerando o dinheiro, em primeiro lugar, como uma mercadoria (ouro e prata) que, assim, deve distinguir-se do papel-moeda (notas bancárias)” (GONTIJO, 2007, p. 423). Os bullionistas 7 explicavam a inflação como consequência da emissão de papel- moeda inconversível pelo Banco, fato este que também ocorreu no Brasil, como veremos na próxima seção. 4. DESENVOLVIMENTO DO PADRÃO-OURO NO BRASIL O funcionamento do padrão-ouro no Brasil foi afetado por grandes mudanças pelas quais o país passava naquele momento. No final do século XIX, o Brasil vivia a abolição da escravatura e a transição do Império para a República. Ambas causaram grandes impactos no país. Durante o Império, a política monetária era definida pelo endividamento externo e manutenção da escassez do meio circulante, visando a conversibilidade da moeda. Segundo Filomeno (2010, p. 153) “a política monetária imperial adequava o volume de moeda às reduzidas necessidades monetárias de atividades econômicas baseadas em trabalho escravo, a despeito do desenvolvimento do comércio e da entrada de imigrantes antes de 1888”. 7 De acordo com Sandroni (2010): “Designação dado ao sistema monetário em que o papel-moeda élivremente conversível em metal e deve estar integralmente garantido por um encaixe metálico” (SANDRONI, 2010, p. 102). 8 A oferta monetária durante o Império foi em grande parte da história, controlada por um único banco governamental cujo objetivo era mais conter o surgimento do que promover as empresas privadas. Os incentivos aos negócios, quando ocorriam, se davam por meio de concessões exclusivas já que os recursos disponíveis bem como o governo estavam alinhados com os interesses dos grandes fazendeiros e comerciantes, para os quais a diversificação ou expansão acelerada da economia não era interessante (DEAN, 1986, p. 688). As pressões por uma reforma monetária eram cada vez maiores. No final do Império, chegara ao poder o Partido Liberal sob a chefia do Visconde de Ouro Preto em 7 de junho de 1888; desde o meio de 1887, o Visconde de Cruzeiros e o Visconde de Ouro Preto vinham implantando reformas radicais na política econômica. A principal proposta fora a autorização de bancos de emissão e a contratação de um empréstimo público de 100 mil contos-ouro para auxílio à agricultura. A proposta de lei foi aprovada pelo Senado, se transformando na Lei Bancária de 1888 cujos pontos principais eram: autorização dos bancos para emitir notas conversíveis em moeda imperial, desde que garantidas as emissões com o depósito de títulos da dívida pública; as emissões do Tesouro seriam recolhidas ante a emissão desses títulos e então os bancos substituiriam os títulos do Governo por ouro. No começo, notas bancárias seriam conversíveis em títulos do governo, passando então, num momento seguinte, a serem conversíveis parte em ouro e parte em títulos para no final, após todas as notas do Tesouro serem recolhidas, as notas bancárias seriam totalmente conversíveis em ouro (PELAEZ, 1971, p. 11-12). A transição do Império para a República marcou o debate entre os metalistas e os papelistas, como aponta Fonseca (2012). Segundo ele, os metalistas tinham como “prioridade da política econômica a estabilidade e a política cambial – e, por conseguinte, a definição de taxa de câmbio se tornava variável prioritária” (FONSECA, 2012, p. 218). O problema interno era o descontrole monetário e “para cobrir o déficit crescente, o governo não terá outro recurso que as emissões de papel inconversível” (PRADO JR., 1978, p. 220), do mesmo modo que apontavam os bullionistas britânicos, citados na seção anterior. Do outro lado do debate, os papelistas se preocupavam com o nível de atividade econômica, buscando encontrar qual o nível de oferta monetária condizente com o momento. Fonseca os classificou como pessoas de bom senso, pois “acreditavam que o governo deveria ajudar e não prejudicar a economia” e que “a atenção maior da política econômica deveria estar na taxa de juros, e não na taxa de câmbio” (FONSECA, 2012, p. 218). 9 Após a proclamação da República, o Governo Provisório que assumiu o poder se caracterizou pelo intervencionismo estatal na economia, sua principal preocupação, promovendo intensamente o crescimento econômico (FAUSTO, 1995, p. 252). A proclamação da República trouxe consigo a necessidade de recorrentes emissões que fragilizavam o sistema monetário. A princípio, ocorriam para atender a demanda por moeda em decorrência da intensificação das transações econômicas. A necessidade da ampliação da circulação monetária se acentuou com a libertação dos escravos e surgimento de uma grande massa de trabalhadores assalariados e, também, foi feita como forma de controlar os antigos donos de escravos que foram atingidos pela abolição sem ser indenizados (PRADO JR., 1978, p. 218). Esse auxílio aos fazendeiros foi emitido pelo Império sob a forma de títulos do governo, diretamente para seus credores urbanos, alimentando um repentino surto de prosperidade. O governo imperial seguiu com as emissões monetárias e de crédito, obtidos mediante financiamento externo, como forma de auxílio às lavouras prejudicadas com a libertação dos escravos nesse período de transição (DEAN, 1986, p. 689). No início de 1890, Rui Barbosa havia formulado um articulado plano econômico que incluía a reorganização da política econômica nacional através da redução dos déficits governamentais, levantamento das taxas de importação em ouro, reforma da lei de sociedades anônimas e reforma do sistema bancário. Rui Barbosa via dois problemas a serem resolvidos da época do Império: 1) fornecer recursos às classes produtoras para ajudar no fomento da economia; e 2) eliminar o serviço da dívida externa. Após reflexão, Rui Barbosa conservou a Lei Bancária, permitindo o estabelecimento de bancos de emissão e a emissão de moeda para aumentar a liquidez na economia. A conversibilidade integral de papel em ouro era incompatível com o novo sistema econômico baseado no trabalho assalariado e com o problema da Balança de Pagamentos no Brasil (PELAEZ, 1971, p. 12-13). O primeiro ano da república foi caracterizado por especulação financeira e crescimento nos negócios além do aumento do papel dos governos estaduais na política econômico-financeira do país. No entanto, o desequilíbrio nas contas externas do país aliado às emissões descontroladas resultou na desvalorização da moeda nacional e queda da taxa de câmbio e “esta considerável depressão cambial trazia por seu turno graves consequências ao Tesouro público, obrigado ao vultoso serviço da dívida externa que se fazia em ouro” (PRADO JR., 1978, p. 221). 10 Como maneira de enfrentar a crise instaurada no país, o governo declarou uma moratória aos credores externos e esta suspensão dos pagamentos regularizava, num primeiro momento, a situação do Tesouro e aliviaria o mercado de câmbio, fortalecendo a moeda (PRADO JR., 1978, p. 222). Prado Jr. ainda afirma que houve algumas reformas, como cortes de despesas públicas, alienação de bens públicos, entre outros, que fizeram com que o Brasil se tornasse um “largo e seguro campo para a inversão de capitais”. Segundo Prado Jr. (1978) o capital estrangeiro começará a fluir para o Brasil em proporções consideráveis. E isto permitirá não somente restabelecer o equilíbrio das contas externas do país, [...], mas restabelecê-lo em um nível muito alto, tornando possível um largo aparelhamento material e uma sensível ascensão dos padrões da vida nacional. Instalar-se-ão grande e modernos portos, a rede ferroviária crescerá rapidamente, inauguram-se as primeiras usinas de produção de energia elétrica [...]. E tudo mais acompanhará este ritmo de crescimento (PRADO JR., 1978, p. 223). O princípio do padrão-ouro era que cada país dispusesse de reserva metálica ou divisas conversíveis grande o bastante para cobrir os déficits na balança de pagamentos. Segundo esse padrão, cada país deveria contribuir para o financiamento do comércio internacional mediante o tamanho de sua participação e das flutuações em suas Balanças de Pagamento. Países agroexportadores tinham elevadas participações no comercio internacional porém estavam sujeitos a oscilações mais agudas. Em uma economia com elevado coeficiente de importações “um brusco desequilíbrio na balança de pagamentos exigiria uma redução de grandes proporções no meio circulante, provocando verdadeira traumatização do sistema” (FURTADO, 2005, p. 157). No caso do Brasil, os desequilíbrios na Balança de Pagamentos eram mais amplos, pois refletiam a queda no preço do bem primário exportado no mercado mundial, o café. Tal contração no valor das exportações tardava algum tempo em exercer efeito sobre a procura de bens importados, criando então o desequilíbrio na Balança de Pagamentos. Além disso, o preço das manufaturas tardava emdiminuir em comparação com o dos produtos primários, piorando a relação de trocas; outro fator a se somar é o efeito da rigidez do serviço de capitais estrangeiros e a entrada de novas somas do exterior. Uma enorme quantia de reservas metálicas era necessária para o funcionamento do padrão-ouro, sendo ainda mais grave quando economia escravista exportadora era substituída pela assalariada livre. Isso ocorre visto que a crise nos países industrializados tem como reação a contração do volume de suas inversões e consequente redução da demanda global, ou seja, contração das importações e 11 liquidação de estoques. Os importadores então suspenderiam seus pedidos de bens produzidos nas economias exportadoras de produtos primários, acarretando a queda nos preços dessas mercadorias (FURTADO, 2005, p. 155-158). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BASTOS, P. P. 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