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FACULDADE 2 DE JULHO CURSO DE DIREITO GEILDO PEREIRA QUEIROZ AS PERSPECTIVAS NA REINSERÇÃO SOCIAL E FAMILIAR DO MENOR EM ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL NA INSTITUIÇÃO LAR VIDA NA CIDADE DE SALVADOR/BA. Salvador 2014 GEILDO PEREIRA QUEIROZ AS PERSPECTIVAS NA REINSERÇÃO SOCIAL E FAMILIAR DO MENOR EM ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL NA INSTITUIÇÃO LAR VIDA NA CIDADE DE SALVADOR/BA. Monografia apresentada ao curso de Direito da Faculdade 2 de Julho como pré-requisito para a obtenção do grau de bacharel em Direito, sob a orientação da Profª Fabiana Neiva Almeida Lino Salvador 2014 Q3 p Queiroz, Geíldo Pereira. As perspectivas na reinserção social e familiar do menor em acolhimento institucional na instituição lar Vida na cidade de Salvador/Ba. – Salvador, 2014. 65fl. Orientadora: Profª. Espec. Fabiana Neiva Almeida Lino. Monografia (Graduação) - Faculdade 2 de Julho, 2014. 1. Menor 2. Situação de Abandono 3. Acolhimento Institucional 4. Família 5. Crianças e Adolescentes 6.Vulnerabilidade. I. Título. II. Lino, Fabiana Neiva Almeida III. Faculdade 2 de Julho. CDU: 34 GEILDO PEREIRA QUEIROZ AS PERSPECTIVAS NA REINSERÇÃO SOCIAL E FAMILIAR DO MENOR EM ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL NA INSTITUIÇÃO LAR VIDA NA CIDADE DE SALVADOR/BA. Monografia apresentada ao curso de Direito da Faculdade 2 de Julho, como pré - requisito para obtenção do grau de Bacharel em Direito pela Banca Examinadora composta pelos membros: ( ) Aprovado Data / / Profª Esp. Fabiana Neiva Almeida Lino (orientadora) __________________________________________________________________________ Profº Profº OBS: Dedico este trabalho de conclusão de curso a meu padrinho Peter Michael Blatz (in memorian) que não pôde me ver formar, a minha madrinha Isabel Calasans da Cruz Blatz, a meu pai Inácio de Queiroz (in memorian), a minha mãe Judite Nascimento Pereira que me concedeu o direito à vida, aos professores, amigos e colegas pelo incentivo constante e compreensão, o meu muito obrigado a todos. AGRADECIMENTOS Após os cinco anos de faculdade, chegou o grande dia, e para agradecer o que me foi proporcionado, agradeço primeiramente a Deus pela vida com saúde e sabedoria, aos meus padrinhos Peter Blatz (In memoriam) e Isabel Calasans Blatz, pelo patrocino desta conquista, pelo incentivo e por todo apoio, os meus pais Inácio de Queiroz (In memoriam) e Judite Pereira pela minha existência. A todos os funcionários da Faculdade Dois de Julho, em especial Juliana Pamponet, Márcia Brito e Roberto do financeiro. Aos meus queridos professores pela atenção e colaboração. A professora Maria das Graças Neves, pela ajuda e disponibilidade durante meu estagio no Núcleo de Praticas Jurídicas, em especial a minha orientadora professora Drª. Fabiana Neiva Almeida Lino, pela forma brilhante em nortear minha pesquisa acadêmica com uma dedicação singular e total empenho para esclarecer os meus questionamentos. Pela oportunidade que me foi concedida quando me tornei estagiário do Núcleo de Praticas Jurídico, pelo apoio e por todo ensinamento e paciência que teve comigo. Agradeço também a todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram para este momento. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS art. artigo CC Código Civil CF Constituição Federal CMDCA Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente ECA Estatuto da Criança e do Adolescente ONU Organização das Nações Unidas RESUMO QUEIROZ, Geildo Pereira. As perspectivas na reinserção social e familiar do menor em acolhimento institucional na instituição Lar Vida na cidade de Salvador/Ba. Orientadora. Profª Fabiana Neiva Almeida Lino. Salvador: Faculdade 2 de Julho, 2014. Monografia (Graduação em Bacharel em Direito). O presente trabalho tem o objetivo de apresentar o menor em situação de abandono, demonstrando quais as perspectivas para o menor em acolhimento institucional, abordando o aspecto histórico evolutivo do menor e da família até os dias atuais. Falando das dificuldades pelas quais passam crianças e adolescentes que ficam vulneráveis diante do abandono familiar, social e governamental, Identificando ainda as principais causas pelas quais crianças e adolescentes são abandonadas pelos pais e familiares. Além disso, traça o aspecto jurídico e social do menor à luz da nossa Constituição Federal vigente e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), demonstrando que a omissão e negligência dos pais, da sociedade e do Estado, ao fugirem de suas responsabilidades geram automaticamente a vulnerabilidade desses menores diante da ausência dos direitos garantidos na Constituição Federal e elencados no ECA. Para isto foi utilizada na temática pesquisada a técnica de revisão bibliográfica, metodologia qualitativa e entrevista na instituição Lar Vida. Palavras-chave: Menor. Situação de Abandono. Acolhimento Institucional. Família. Crianças e Adolescentes. Vulnerabilidade. ABSTRACT Queiroz, Geildo Pereira. Perspectives on social and family reintegration of the child in residential care institution in Home Life in Salvador / Ba. Guidance. Prof. Lino Almeida Fabiana Neiva. Salvador: Faculty July 2, 2014 Monograph (Undergraduate LL.B.). This paper aims to present the smallest in situations of abandonment, demonstrating that the outlook for the lowest in institutional care, addressing the evolutionary historical aspect of the child and the family to the present day. Speaking of the difficulties they are children and adolescents who are vulnerable in front of family, social and governmental abandonment, yet Identifying the main reasons why children and adolescents are abandoned by their parents and family. Moreover, traces the legal and social aspects of the child in light of our current Constitution and the Statute of the Child and Adolescent (ECA), demonstrating that the omission and neglect of parents, society and the state, to flee their responsibilities automatically generate the vulnerability of such children in the absence of the rights guaranteed in the Constitution and listed in the ECA. To this was used in the technique of thematic researched literature review, methodology and qualitative interview at the institution Home Life. Keywords: Minor. Situation of neglect. Institutional host. Family. Children and Adolescents. Vulnerability. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 11 CAPÍTULO I - ESCORÇO EVOLUTIVO DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.......................................................................................................15 CAPÍTULO II - DOS DIREITOS E DEVERES DAS CRIANÇAS E DOS ADOLESCENTES E A DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL................................................................................................................ 23 CAPÍTULO III - A FAMÍLIA...................................................................................... 42 3.1 ASPECTOS HISTÓRICOS DA FAMÍLIA ........................................................... 43 3.2 PODER FAMILIAR ............................................................................................. 52 3.3 A PERDA DO PODER FAMILIAR ...................................................................... 53 3.4 PRINCIPIOLOGIA DO DIREITO DE FAMÍLIA E CF/88 ..................................... 54 3.4.1 Princípio da pluralidade das entidades familiares ....................................... 54 3.4.2 Princípio da igualdade entre o homem e a mulher ..................................... 54 3.4.3 Princípio da igualdade substancial entre os filhos ...................................... 54 3.4.4 Princípio da afetividade ............................................................................... 55 3.4.5 Princípio da solidariedade familiar .............................................................. 55 3.4.6 Princípio da função social da família ........................................................... 55 3.4.7 Princípio da plena proteção das crianças e do adolescente ....................... 56 3.4.8 Princípio da convivência familiar ................................................................. 56 3.4.9 Princípio da intervenção mínima do Estado no direito de família ............... 56 3.4.10 Princípio da dignidade da pessoa humana ............................................... 56 3.5 PRINCIPIOLOGIA DO DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ........... 57 3.5.1 Princípio da absoluta prioridade .................................................................. 57 3.5.2 Princípio do melhor interesse .................................................................... 57 3.5.3Princípio da paternidade responsável .......................................................... 58 3.5.4 Princípio da proteção integral a criança e o adolescente ........................... 58 CAPÍTULO IV - ASPECTO JURÍDICO DO MENOR ABANDONADO ................... 59 4.1 CAUSAS DO ABANDONO................................................................................. 61 4.2 A SITUAÇÃO DE RISCO SÓCIO JURÍDICO .................................................... 61 4.3 ATUAÇÃO DO CONSELHO TUTELAR ............................................................. 62 4.4 POLÍTICAS PÚBLICAS...................................................................................... 63 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 65 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 68 ANEXO A- ENTREVISTA PSICOLOGO INSTITUIÇÃO LAR VIDA........................ 71 ANEXO B- ENTREVISTA ASSISTENTE SOCIAL LAR VIDA................................. 73 11 INTRODUÇÃO O presente trabalho consiste em apresentar como as crianças e os adolescentes ficam vulneráveis diante do abandono familiar, social e governamental, numa sociedade capitalista, desigual, sendo muitas vezes agressiva, fazendo com que crianças e adolescentes fiquem as margens da Constituição Federal, perdendo valores perante a sociedade. A falta de cuidado familiar, o abandono por parte do estado que se preocupa apenas em observar o que lhe é interessante esquecendo o que esta expressa na Constituição Federal deixando de lado os princípios básicos da proteção ao menor. É lícito verberar que a transferência de valores e responsabilidades através de uma inversão por parte dos pais (família), da sociedade e do Estado em desfavor de crianças e adolescentes, as quais por diversos motivos, seja financeiro, familiar ou social, acabam desviando suas condutas. O objetivo geral deste trabalho é demonstrar o aspecto jurídico e social do menor à luz da Constituição Federal brasileira vigente e do Estatuto da Criança e do Adolescente demonstrando que a omissão e negligência dos pais, da sociedade e do Estado, ao fugirem de suas responsabilidades geram automaticamente a vulnerabilidade desses menores diante da ausência dos direitos garantidos elencados no Estatuto da Criança e adolescente (ECA). Além disso, objetiva-se identificar as principais causas pelas quais crianças e adolescentes são abandonadas pelos pais e familiares, em instituições públicas de apoio e amparo ao menor e ao Estado. Mostrar o fato jurídico atual com base no Estatuto da Criança e do Adolescente e A Constituição Federal fazendo um escorço evolutivo da proteção do menor desde o primeiro momento que se começa a discutir sua proteção no âmbito internacional pela Organização das Nações Unidas (ONU) e no âmbito nacional com nascimento do Código de Menores. Para isto será utilizando neste trabalho monográfico a metodologia de pesquisas bibliográficas, doutrinarias, jurisprudencial e entrevista institucional, no qual serão confrontadas ideias com o 12 propósito de desenvolver o trabalho com base em casos concretos discutindo possíveis soluções para o problema. Com esse trabalho busca-se avaliar a família e seu aspecto histórico na criação dos filhos, a perda do poder familiar, identificar as principais causas do abandono do menor, enumerar soluções práticas para o problema, discutir a omissão do Estado, das autoridades e órgãos competentes diante do caso, fazer uma análise crítica de quais são as perspectivas na reinserção social familiar do menor abandonado em instituição de acolhimento. Vale trazer à liça a proteção do Estado, ponto principal de apoio para que essas crianças se desenvolvam bem, fazendo um levantamento histórico desde o antigo código de menores até os dias atuais mostrando as principais mudanças que ocorreram ao longo do tempo, e como foi determinante a Constituição Federal brasileira de 1988. Também, faz-se necessário falar acerca da maior proteção constitucional conferida à criança e o ao adolescente e a proteção dada família na Constituição Federal de 1988 e dos direitos consagrados no Estado da Criança e do Adolescente. Analisar os direitos e deveres de crianças e adolescentes, a busca do convívio harmonioso para o bom desenvolvimento social, a proteção doutrinaria dada ao menor, no qual o Estado que tem o dever de desenvolver e aplicar políticas públicas, garantir direitos básicos como educação e saúde de qualidade, segurança pública. O trabalho está estruturado em capítulos que atendem às finalidades abaixo delineadas. No primeiro capítulo, intitulado de Escorço evolutivo do Estatuto da Criança e do Adolescente, é apresentada uma análise do tratamento dispensado à população infanto-juvenil brasileira ao longo da história desde o Código de menores ao ECA. Esse capítulo pretende estabelecer um substrato teórico que permita uma análise crítica que proponha uma reflexão acerca do menor em acolhimento institucional. 13 O segundo capítulo, que se refere aos direitos e deveres dos adolescentes e a doutrina da proteção integral, pretende mostrar que é dever assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes a vida, a saúde, a alimentação, a educação, ao esporte, ao lazer, a profissionalização, a cultura, á dignidade, ao respeito, a liberdade e a convivência familiar e comunitária independentemente da idade de cada um como fonte garantidora da preservação da dignidade humana para crianças e adolescentes. O terceirocapítulo tratará da família e seus aspectos históricos, o poder familiar, a perda do poder familiar e a principiologia do poder familiar, que pretende tratar da família em sentido amplo como sendo todos os indivíduos que estiverem ligados pelo vínculo da consanguinidade ou da afinidade, chegando a incluir estranhos. Ainda neste capitulo, constará um histórico da família desde a família clássica até a família moderna falando das principais mudanças e transformações que sofreu a família ao longo do tempo, discutindo o poder familiar como o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, no tocante à pessoa e aos bens dos filhos menores e da sua transformação ao longo dos anos e dos princípios constitucionais no que se refere à família. Este capítulo, ainda, versará a respeito dos princípios inerentes à criança e o adolescente previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Constituição Federal de 1988, são eles: princípio da prioridade Absoluta, princípio do Melhor Interesse, princípio da paternidade responsável e o princípio da proteção integral a criança e o Adolescente. Como resposta da consciência humana a necessidade especial de proteção da infância e juventude, fase da vida em que o ser humano não desfruta ainda de plena capacidade jurídica para atuar e necessita de outras pessoas por intermédio de quem possa exercer seus direitos, formou-se todo um corpus juris de direitos humanos das crianças e dos adolescentes, cujo caráter é garantista, surgindo assim uma gama de princípios. O quarto capítulo visa mostrar o aspecto jurídico do menor abandonado, as causas do abandono, a situação de risco sócio jurídico, a atuação do conselho 14 tutelar e as políticas públicas. Neste capítulo busca-se mostrar a gravidade do problema do menor em Instituição de acolhimento, em especial na Instituição Lar Vida, mostrando a situação sócio jurídica desses menores ao ser abandonados pela família, sociedade e o Estado. Desta forma, este capítulo pretende mostrar os principais fatores para o crescimento deste índice, as dificuldades na busca de soluções para o problema e como atua o Conselho Tutelar no amparo desses indivíduos e quais são as políticas públicas que estão em vigor na tentativa de trazer a eles uma vida mais justa. Ainda neste capítulo, serão discutidos temas referentes à questão do menor abandonado em instituição de acolhimento, o papel da família na sua reinserção social, fazendo uma análise crítica do assunto aqui abordado identificando as perspectivas do menor em acolhimento institucional e mostrar as formas de apoio que é prestado às instituições de acolhimento pelo poder público, enumerando as garantias da criança e do adolescente definidas na legislação brasileira. Através de estudos mais acurados acerca da temática pesquisada foi estabelecida a técnica de pesquisa de revisão bibliográfica, metodologia qualitativa e entrevista, sobre a qual é estabelecida a interpretação das informações obtidas pelas fontes. Procura-se observar o drama familiar social desses menores, apresentando quais são as perspectivas desses jovens na reinserção social e familiar ao deixarem a instituição de acolhimento Institucional, e quais são as políticas públicas que estão voltadas para esses indivíduos. 15 CAPÍTULO I ESCORÇO EVOLUTIVO DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE A humanidade nunca se importou com obrigações e regras de respeito mútuo, e não seria diferente quando o assunto fosse criança ou adolescente, que sempre foram tratados como coisas insignificantes, utilizadas para satisfação pessoal do poder. Entre quase todos os povos antigos, tanto do Ocidente como do Oriente, os filhos, durante a menoridade, não eram considerados sujeitos de direito, porém servos da autoridade paterna. O regime era comum a diversos povos, oriundo das civilizações primitivas. O pai tinha o terrível jus vitae necis sobre seu filho não emancipado, podendo aliená-lo e, nos tempos mais recuados, até matá-lo. O filho “pertencia” ao pater, palavra esta que, segundo alguns romanistas, significava muito mais poder que paternidade propriamente dita, no sentido atual de relação parental e afetuosa de família. Vivia sob o poder absoluto do seu senhor, o chefe do clã, pontífice e autoridade única no interior do lar, como coisa de sua propriedade, sendo assim objeto do Direito e nunca sujeito de Direito. Entre os hebreus, a disponibilidade dos filhos chegava aos extremos, como o estado d´alma de Abraão, no transe místico, imaginando dar cumprimento exato à ordem divina, com a imolação de seu pequenino filho Isaac. Em Esparta, na antiga Grécia, a criança era objeto de Direito Estatal, no interesse da política preparatória dos recursos humanos para a formação dos seus contingentes guerreiros, com a seleção precoce dos fisicamente mais aptos. Assim teria legitimidade o sacrifício do infante portador de deficiência, com malformações congênitas ou doente, jogado nos despenhadeiros, considerado um peso morto na geografia humana daquela cidade-estado. 16 No código de Manu1, legislação indiana criada por volta de 1500 a.C., o filho de um brâmane com uma mulher de baixa categoria era chamado cadáver vivo. O código de Hamurabi2 cuidava de vários aspectos das questões relacionadas ao tema. Cominava a pena de morte para o homem livre que roubasse um filho menor de outro homem livre. Em outro dispositivo da lei favorecia com indenização o filho de menor idade impossibilitado de assumir os negócios no lugar do pai feito prisioneiro de guerra. Na evolução do Direito romano passou-se ao abrandamento consequente à distinção entre menores impúberes e menores púberes, equivalente, mais ou menos, aos institutos da incapacidade absoluta e incapacidade relativa do Direito Civil moderno. O Direito medieval atenuou um pouco mais a severidade de tratamento das pessoas de idade mais tenra, sob a influência do estoicismo e posteriormente do cristianismo, sem descurar, porém, o filial dever de respeito e temor reverencial à autoridade paterna. O Direito canônico manteve o princípio reverencial com preceito religioso (provindo do mandamento “Honrarás pai e mãe”), que tinha a mais profunda repercussão na educação doméstica cristã, em geral, e entre os católicos, em particular, pelas razões óbvias de serem os infantes mentalidades em desenvolvimento, impregnadas de submissão piedosa. Pregava assim o apóstolo Paulo inspirado na doutrina básica desenvolvida pelos doutores da Igreja. Estes, ao longo do tempo, pouco a pouco foram influenciando os costumes e direcionando o direito no sentido de suavizar o jugo parental e proteger o ser humano mais frágil da relação comunitária, a começar pela 1 O Código de Manu (do sânscrito,"Manu Smriti") é parte de uma coleção de livros bramânicos, enfeixados em quatro compêndios: o Mahabharata, o Ramayana, os Puranas e as Leis Escritas de Manu. Inscrito em sânscrito, constitui-se na legislação do mundo indiano e estabelece o sistema de castas na sociedade Hindu. 2 O Código de Hamurabi, representa um conjunto de leis escritas, sendo um dos exemplos mais bem preservados desse tipo de texto oriundo da Mesopotâmia. 17 proibição de expor menino batizado, depois quaisquer crianças, dentre outras normas de conduta decretadas em diversos concílios3, tais como os do século V, em Vaison4, e do século VI, em Agde5. A proibição de abandonara prole passou a ser sempre punida pela Igreja, como nas decretais de Gregório IX, com penas corporais e espirituais e com perda do poder paternal, penas que passaram a ser aplicadas também pelos tribunais leigos a partir dos séculos XIV e XV, “salvo em caso de calamidade pública”. O filho permanecia em estado de incapacidade civil em qualquer idade, enquanto estivesse na casa paterna, sustentado pelo chefe da família. De certo ponto em diante da marcha da História, passou-se, ao critério biológico para fixação da maioridade civil. Na maior parte dos povos europeus, a idade de 25 anos foi tomada como parâmetro. Eram, entretanto, a partir do século XVI, considerados com capacidade núbil as mulheres aos 12 anos de idade e os homens aos 15 anos. O tratamento diferenciado dos filhos no casamento, os legitimados, decorria do status privilegiado estabelecido no Direito Canônico ao proclamar como um dos seus sacramentos o matrimônio, que fundava a família legítima, a instituição por excelência da sociedade guiada pela Igreja Católica Apostólica Romana. As Ordenações do Reino, que tiveram larga aplicação no Brasil colônia, refletiam as regras do Concílio de Trento, de 1563, com relação aos filhos então anatematizados como espúrios: os adulterinos, incestuosos e sacrílegos. Fingiu-se ignorar a existência da filiação extramatrimonial que os juristas chamavam “natural”, gerada por solteiros ou viúvos livres para o casamento. Filhos que ficaram à margem do Direito, por muito tempo, para não escandalizar a sociedade piedosa que ditava regras de conduta inflexíveis em termos de moral familiar. Consagravam no Direito luso-brasileiro os velhos princípios de autoridade paterna, embora, evidentemente, 3 O concílio é uma reunião de autoridades eclesiásticas com o objetivo de discutir e deliberar sobre questões pastorais, de doutrina, fé e costumes. 4 O Vaison é uma comunidade pertencente ao departamento de Vaucluse na região de Provence- Alpes-Côte d'Azur, no sudeste da França. 5 Agde é uma comuna francesa de 19 988 (1999) do departamento de Hérault, na região Languedoc- Roussillon, situada à beira do mar Mediterrâneo, na desembocadura do rio Hérault. 18 não mais como o Direito romano em que a relação pai/filho era de caráter religioso e de natureza a sedimentar a força política do clã em torno do chefe incontestável. A passagem da Idade Média para a Moderna trouxe uma transição na proteção ao menor, o cunho possessivo, repressivo e de pura intervenção baseada em leis religiosas foi cedendo a um modelo de responsabilidades aos pais no tocante a educação de seus filhos, imposição de deveres para com a prole, na questão de moradia, saúde e alimentação, estabelecendo punições aos exageros na correção corporal para pais e tutores. A evolução da sociedade levou a mudança normativa de vários povos, tratando com maior interesse os direitos do menor enquanto pessoa em peculiar estado de desenvolvimento. Os abusos de violência física e sexual, principalmente doméstica, passou a inquietar a sociedade que via a necessidade de criação de tribunais especiais para julgamento de fatos relacionados ao menor. A partir de então, em diversos países, surgiram os Juizados Juvenis, como nos Estados Unidos por volta de 1870, quando foi criada a primeira Corte Juvenil, para que se desse tratamento diferenciado a conduta de crianças acusadas de crime, as quais antigamente eram julgadas pelo mesmo tribunal dos adultos. Em outros países, como Inglaterra no ano de 1905, Alemanha em 1908, Portugal em 1911, Argentina 1921, e no Brasil em 1923, aparecem os até então inexistentes Tribunais de Menores. Em 1924, a Liga das Nações6 em Genebra marca uma nova fase aos Direitos da Infância e da Juventude, recomendando aos estados filiados uma legislação específica para as crianças e adolescentes. A partir deste momento, o leque internacional se abriu. A pressão internacional conduzia os países a se adequarem às novas perspectivas mundiais como ocorreu na IX Conferência Internacional Americana de Bogotá, em 1948, atentando para a obrigação de auxiliar, alimentar, educar e amparar os filhos de menor idade, e em 1950 a Convenção de Roma, 6 A Liga das Nações foi uma organização internacional, idealizada em 28 de abril de 1919, em Versalhes, nos subúrbios de Paris, onde as potências vencedoras da Primeira Guerra Mundial se reuniram para negociar um acordo de paz. Sua última reunião ocorreu em abril de 1946. 19 deliberando que a privação de liberdade de um menor somente seria admitida se tivesse por objetivo a educação. Em 1959, a Declaração Universal dos Direitos das Crianças traz em seu preâmbulo que a criança tenha uma infância feliz e possa gozar, em seu próprio benefício e no da sociedade, os direitos e as liberdades enunciadas apelando para pais, homens, mulheres, organizações voluntárias, autoridades locais, governos nacionais, para reconhecimento dos direitos elencados na declaração e adotem medidas legislativas para fazer cumprir os princípios consignados na Declaração. Na América Latina, o Pacto de São José da Costa Rica, no ano de 1996, estabeleceu na convenção Americana sobre Direitos Humanos, um tratamento jurídico diferenciado para a menoridade, inserido no artigo 19 com a seguinte redação: “Toda criança tem direito às medidas de proteção que sua condição de menor requerer, por parte da família, da sociedade e do Estado”. A convenção de Roma, 04 de novembro de 1950, deliberou que a privação da liberdade de um menor somente será admitida se tiver por objetivo educá-lo. A vertente de preocupação sensibilizava cada vez mais os países europeus, diante da situação vexatória e desesperadora de crianças e adolescentes no mundo, as quais estavam desprovidas do mínimo de direitos humanos. Assim, em 1979, foi proclamado o Ano Internacional da Criança, e através da própria ONU elaborou-se a Convenção dos Direitos das Crianças, subscrita apenas em 1989, após a instituição das Regras Mínimas de Beijing (Assembléia Geral das Nações Unidas, Pequim em 1985). Em que todo o universo histórico foi acompanhado pelo Brasil, que aderiu na esfera legislativa e política as disposições externas, entretanto não conseguiu a nível real legitimar e executar os direitos da criança e do adolescente dentro da sociedade. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos7, ou Pacto de San José da Costa Rica, de 1969, aprovada no Brasil pelo decreto Legislativo nº 27, de 1992, e promulgada pelo Decreto Executivo nº 678, de 1992, exigiu respeito à vida humana 7 A Convenção Americana de Direitos Humanos também chamada de Pacto de San José da Costa Rica é um tratado internacional entre os países-membros da Organização dos Estados Americanos. 20 desde o memento da concepção, recomendando tratamento judicial especializado em face da menoridade, declarando que as medidas de proteção a que têm direito as crianças e os adolescentes são deveres da família, da sociedade e do estado, princípio que o Brasil inseriu na sua Constituição de 1988. A Convenção Internacional sobre o Consentimento para o casamento, Idade Mínima para o Casamento e Registro de Casamento, aprovada pela Assembléia Geral da ONU, de 10 de dezembro de 1962, teve aprovação no Brasil pelo Decreto- Lei nº 659, de 30 de junho de 1969, e promulgação pelo Decreto executivo nº 66.605, de 20 de maio de 1970. Resguardandoa liberdade individual e a Integridade física e psicológica das crianças. O Direito Internacional já vinha servindo de parâmetro ao legislador brasileiro, no tratamento da população infanto-juvenil, desde os tempos da Liga das Nações Unidas8. Da Declaração de 1924, resultou o conhecido Código Mello Mattos, baixado com o Decreto nº 17943-A, de 12 de outubro de 1927, o primeiro Código de Menores do Brasil e também o pioneiro na América Latina. Foi um avanço para a época, com tratamento diferenciado sob a influência da filosofia do amparo ao menor abandonado. Seguiu-se a lei nº 6.97, de 10 de outubro de 1979, o Código de Menores que elegeu como escopo o cuidado com o menor em situação irregular, no qual criança e adolescente era vista como objeto de direito. Faz-se necessário destacar que o cenário político e social nacional, do início do século XX, era bastante conturbado, passando a ser preocupante a situação da criminalidade juvenil. Nesse contexto nasce a primeira codificação exclusivamente voltada para tratar dos interesses das crianças e adolescente, o Código de Menores, sancionado em 1927, o chamado “Código Mello Mattos”, em homenagem ao autor do projeto. Nessa fase o Estado assume a responsabilidade legal pela tutela da criança órfã e abandonada. A criança desamparada, nesse período, fica institucionalizada, e 8 A Organização das Nações Unidas, também conhecida pela sigla ONU, é uma organização internacional formada por países que se reuniram voluntariamente para trabalhar pela paz e o desenvolvimento mundial. 21 recebe orientação e oportunidade para trabalhar. Destaca-se que a primeira codificação voltada para os menores tornou-se um marco referencial, cumprindo papel histórico. Ocorre a conscientização quanto à gravidade das precárias condições de sobrevivência das crianças pobres, que nessa época preponderava epidemias, superstição materna e o pátrio poder impermeável às orientações quanto às providências básicas de saúde e higiene. Era elevada a taxa de mortalidade infantil. No caso dos "expostos", entregues as Santas Casas de Misericórdia, o índice chegava a 70%. Para o Código de Menores a criança merecedora de tutela do Estado era o "menor em situação irregular". Este conceito vem a superar, naquele momento histórico, a dicotomia entre menor abandonado e menor delinquente, numa tentativa de ampliar e melhor explicar as situações que dependiam da intervenção do Estado. O Poder Judiciário cria e regulamenta o Juizado de Menores e todas suas instituições auxiliares. O Estado assume o protagonismo como responsável legal pela tutela da criança órfã e abandonada. A criança desamparada, nesta fase, fica institucionalizada, e recebe orientação e oportunidade para trabalhar. Instituía-se, assim, a legislação, primeira estrutura de proteção aos menores com a definição ideal para os Juizados e Conselhos de Assistência, trazendo clara a primeira orientação para que a questão fosse tratada sob enfoque multidisciplinar. Todavia, com o passar dos anos, o Código de Menores, em determinado momento, tornara-se insuficiente, frente à realidade modificada. Na transição entre uma e outra realidade, sob novos mecanismos de atenção ao problema da criança, destaca-se a atuação dos Juízes de Menores. Em seguida, com o processo de redemocratização, promulga-se a tão sonhada Constituição Cidadã de 19889, com significativos avanços. Nesse contexto privilegiado surge o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). 9 A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, também conhecida como Constituição Cidadã foi promulgada em 5 de outubro de 1988, é a lei fundamental e suprema do Brasil, servindo 22 A nova realidade social e democrática alterava o direito posto. Por isso, torna- se impossível a comparação, fora de contexto, entre dois diplomas que refletem suas épocas. Pode-se dizer que os méritos do ECA não apagam o brilho da obra de Mello Mattos, tendo em vista que um preparou o caminho para o outro. Assim sendo, ambos os diplomas, estão absolutamente vinculados aos avanços possíveis em seus respectivos períodos históricos. Não seria possível crianças e adolescentes sujeitos de direito, aptos à reivindicação e garantia, sem a anterior definição das obrigações sócio-estatais em favor do menor. A Constituição Federal de 1988 adotou a doutrina da proteção integral e, consequentemente, o Estatuto da Criança e do Adolescente adveio regulamentando os princípios e as normas da Carta Magna, que foi a mais explícita e a mais abrangente nas disposições sobre a infância e a juventude em geral. O ECA estabeleceu regras sobre o trabalho, profissionalização, capacidade eleitoral ativa, assistência social, seguridade social, educação, programação de radio e televisão, múnus públicos de proteção integral, o dever do Estado, garantias democráticas processuais, incentivo oficial a guarda, prevenção contra entorpecentes, defesa contra abuso sexual, estímulo a adoção, isonomia filial. Instituiu-se cabalmente de forma definitiva a política nacional de proteção integral da criança e do adolescente do Brasil. de parâmetro de validade a todas as demais espécies normativas, situando-se no topo do ordenamento jurídico 23 CAPÍTULO II DOS DIREITOS E DEVERES DOS ADOLESCENTES E A DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL Nos primórdios da humanidade, surgiu Código de Hamurabi, o primeiro código de leis que se tem notícia, escrito aproximadamente em 1700 a.C possivelmente pelo rei Hamurabi. O Código de Hamurabi foi encontrado em 1901 na região da antiga Mesopotâmia10. O código em comento foi o primeiro a destinar proteção ao menor, quando disponibiliza nove artigos, dentre os 282 que os compõem, para tratar da adoção. O Código de Hamurabi estabeleceu do artigo 185 ao artigo 193; 185. Se um homem adotar uma criança e der seu nome a ela como filho, criando-o, este filho crescido não poderá ser reclamado por outrem. 186. Se um homem adotar uma criança e esta criança ferir seu pai ou mãe adotivos, então esta criança adotada deverá ser devolvida à casa de seu pai. 187. O filho de uma concubina a serviço do palácio ou de uma hierodula não pode ser pedido de volta. 188. Se um artesão estiver criando uma criança e ensinar a ela sua habilitação, a criança não poderá ser devolvida. 189. Se ele não tiver ensinado à criança sua arte, o filho adotado poderá retornar à casa de seu pai. 190. Se um homem não sustentar a criança que adotou como filho e criá-lo com outras crianças, então o filho adotivo pode retornar à casa de seu pai. 191. Se um homem, que tenha adotado e criado um filho, fundado um lar e tido filhos, desejar desistir de seu filho adotivo, este filho não deve simplesmente desistir de seus direitos. Seu pai adotivo deve dar-lhe parte da legitima, e só então o filho adotivo poderá partir, se quiser. Ele não deve dar, porém, campo. Jardim ou casa a este filho. 192. Se o filho de uma amante ou prostituta disser ao seu pai ou mãe adotivos: “Você não é meu pai ou minha mãe”, ele devera Ter sua língua cortada. 193. Se o filho de uma amante ou prostituta desejar a casa de seu pai, e desertar a casa de seu pai e mãe adotivos, indo para casa de seu pai, então o filho deverá ter seu olho arrancado. (www.angelfire.com/me/babiloniabrasil/hamur.html>.Acesso 15 de maio, 2014) Outra legislação antiga foi o Código de Manu que foi escrito aproximadamente, no ano 1000 a.C em sânscrito na Índia. O Código de Manu na 10 Mesopotâmia é a denominação de um planalto de origem vulcânica localizado no Oriente Médio, delimitado entre os vales dos rios Tigre e Eufrates, ocupado pelo atual território do Iraque e terras próximas. 24 Lei IX, X, estabelecia que aquele a quem a natureza não deu filhos poderia adotar um para que as cerimônias fúnebres não cessem.” A grande maioria dos povos antigos não considerava crianças e adolescentes como sujeitos de direito, e sim servos da autoridade paterna. A família da época tinha o filho na posição instrumental que era subordinado ao poder paterno. O filho quase não tinha nenhum direito e somente deveres com seu pai. Entre as civilizações antigas, Inca11, Maia12, Minoans13, Tribos Indígenas brasileiras, a disponibilidade dos filhos chegava ao extremo, com uso destes para rituais de sacrifício religioso. O sacrifício de crianças era comum para algumas religiões, em um tempo no qual as pessoas ainda não eram “civilizadas” e não entendiam as manifestações naturais e científicas, a religião esboçava seus primeiros passos, interpretando tudo a partir da interferência divina. Os argumentos que justicavam os sacrifícios de crianças e adolescentes eram muitos. Como por exemplo: o sacrifício para sustento e manutenção do poder divino, que diminuiria caso ele não acontecesse; as oferendas safrificais eram utilizadas para realizar uma troca com os deuses, que prometem favores aos humanos em retribuição pelos sacrifícios; a vida e o sangue das vítimas dos sacrifícios suscitam algum poder sobrenatural, que agrada aos deuses; a vítima do sacrifício é oferecida como bode expiatório, um alvo para a ira divina, que de outra maneira recairia sobre todas as pessoas. Coisas sacrificadas geralmente se tornam parte da renda da organização religiosa; torna-se a base da economia para sustentar os sacerdotes e os templos. Na passagem bíblica em Jeremias 7:30-31, Deus condena o sacrifício de crianças: “Fizeram os filhos de Judá o que é mal aos meus olhos. Ergueram o lugar 11 O Imperio Inca constituia uma entidade política soberana que emergiu das civilizações andinas antes da conquista pelos espanhóis. O Império Inca era uma colcha de retalhos de línguas, culturas e povos. 12 A civilização Maia foi uma cultura mesoamericana pré-colombiana, notável por sua língua escrita (único sistema de escrita do novo mundo pré-colombiano que podia representar completamente o idioma falado no mesmo grau de eficiência que o idioma escrito no velho mundo. 13 Minoans foi uma civilização da Idade do Bronze do Egeu, que surgiu na ilha de Creta e floresceu aproximadamente no século 27 aC até o século 15 aC. 25 alto de Tofet14, no vale de Ben-Erom para lá queimarem seus filhos e filhas, não lhes havendo eu ordenado tal coisa que nem me passava pela mente.” O pai tinha “jus vitae necis” sobre o filho não emancipado, ou seja, o “direito de vida e de morte” sobre o filho. Ele podia aliená-lo, vendê-lo como escravo ou até matá-lo, entregá-lo como indenização. O filho pertencia ao pater, que para alguns romanistas era muito mais poder que paternidade, no sentido atual parental de família. O pai tinha o poder absoluto sobre o filho, ele era a autoridade única do lar e este indivíduo que se encontrava sobre seu domínio era tratado como coisa de sua propriedade sendo assim considerado objeto do Direito. Esse sistema regimental era comum a vários povos advindos das civilizações primitivas no século IV. O pátrio poder era o que predominava na época garantindo ao pai que era o líder da família o absoluto poder sobre o filho. Este regime foi concebido e oriundo do direito romano, sua denominação vem do pátria potestas, que significa poder absoluto do pai sobre seu filho. Para esse regime jurídico ter se sustentado foi grande a influência das crenças religiosas. No âmbito patrimonial o filho nada possuía, pois ele não era considerado sujeito de Direito, tudo que ele adquiria pertencia ao pai, apenas as dívidas contraídas por ele não pertenciam ao pai, sendo elas se caso existissem de responsabilidade exclusiva do filho. Os filhos do pater poderiam ser tanto filhos biológicos, como irmãos, sobrinhos e filhos e adotivos. Na Roma Antiga, o conjunto familiar era tido como uma unidade jurídica e econômica subordinada a uma pessoa, dotada de um elevado grau de autoridade sobre todos os membros do conjunto familiar que era o pai. A palavra “família” é de origem latina (que é etimológicamente é "família" na língua portuguesa), significava originalmente o conjunto dos famuli (servos e 14 Tofet significa Lugar de chama. Situava-se no Vale de Hinom ao Sudoeste e ao Sul da antiga Jerusalém. Ali, segundo relatos bíblicos, faziam-se rituais de sacrifício humano dedicados aos deuses locais. Entre esses rituais estava o de sacrificar crianças fazendo com que estas passassem pelo fogo em oferta a Moloque , antigo Deus adorado pelos povos que habitavam a península arábica e a região do Oriente Médio. 26 escravos) vivendo debaixo de um mesmo teto. No contexto da época a família era considerada a unidade social básica, ainda mais relevante que a gens (clã, casta, grupo de famílias). O pater familias era o chefe e a única pessoa dotada de capacidade legal, ou sui iuris para cuidar da sua prole. As mulheres não podiam celebrar contratos válidos, nem possuir propriedade. Todos os bens e contratos eram propriedade do pater. Somente um cidadão romano, dotado de estatos civis, podia ser um pater familias. Só podia existir um detentor de tal estatuto dentro de cada conjunto familiar. Até mesmo os homens adultos estavam sobre a autoridade do pater enquanto este vivesse, e não podiam adquirir os direitos de pater familias até à sua morte. Com a evolução do Direito romano houve um pequeno avanço no que diz respeito a proteção dos menores com a distinção entre menores impuberes e menores puberes, sendo esta distinção mais ou menos, equivalente aos institutos da incapacidade absoluta e incapacidade relativa do Direito Civil moderno. A lei das XII Tábuas “suavizava” as penas cruéis quando o autor do crime de furto, fosse o menor impubere, e igualmente quanto a crime de dano. A Revolução Francesa ocorrida em 1789 a 1799 foi um acontecimento que mudou o contexto político e social da França e também de todo continente europeu na época com a quebra da monarquia absolutista, acabando com os privilégios feudais, aristocráticos e religiosos, criando os princípios de “Liberté, Égalité, Fraternité”, ou seja, Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Neste periodo histórico é instituido a igualdade filial entre os filhos legítimos e ilegítimos, naturais e espúrios, com os mesmos direitos. Foi uma grande mudança, pois era proclamado a proteção aos menores. Grande parte dos direitos adiquiridos foram restringidos com o Código Civil de Napoleão que restringia os direitos dos bastados de terem o reconhecimento da paternidade. Nos séculos XVIII e XIX surgiam os direitos da criança e do adolescente e também a luta pela sua efetivação. Neste contexto jurídico a melhor forma da constituição de família. Deste modo, o filho é qualificado pela noção de lealdade e inocência, que passa a ser moldadode acordo com sua classe social. O indivíduo 27 que não possuía família era taxado de “menor”, que para a época era tido na situação de delinquência e abandono, conceituado assim pela sociedade capitalista urbana. Ainda no século XIX nasce o controle social, característica das sociedades liberais, e a expressão infância vai adquirindo o conceito de proteção, conferindo aos pais uma maior responsabilidade com os filhos. Durante a Revolução Industrial propiciada no século XVIII entre os anos de 1780 a 1840, crianças e adolescentes foram muito exploradas com o trabalho infantil no interior das fábricas da Inglaterra. Cerca de 60% dos trabalhadores nas fábricas têxteis da Inglaterra e Escócia eram crianças e adolescentes. Esse fato se justifica porque a resistência deles ao trabalho era quase nula, eram mais fieis ao seu patrão e a mão de obra era mais barata. Como era de se esperar essa prática trouxe enormes prejuízos ao desenvolvimento físico e psicológico e também enorme dano à saúde dessas pessoas que se encontravam em fase de desenvolvimento. Os menores eram submetidos a trabalhos desumanos, muitas vezes em ambientes extremamente hostis e as atividades consumiam longos períodos diários. A partir do dado momento nasce à preocupação do Estado em garantir ainda de maneira tímida a proteção das crianças e adolescente que eram submetidas ao trabalho considerado desumano. Uma grande parte da doutrina aponta que o início da legislação tutelar do menor se deu na Inglaterra, com o Ato da Moral e da Saúde de 1802, que reduziu a jornada de trabalho em 12 horas e proibiu o trabalho noturno do menor nas oficinas dos povoados, proteção essa mais tarde estendida às cidades, em 1819, com a Lei, que limitou a idade mínima para o trabalho em 9 anos. Durante a Primeira Guerra Mundial ocorrida na Europa de 1914 a 1918, foi grande o número de crianças e adolescentes recrutados e levados à guerra na falta de adultos. Entende- se que durante o período que durou a guerra quase nenhum 28 direito era respeitado, muito menos os pertencentes à criança e o adolescente, e com isso quase famílias inteiras eram dizimadas. Terminada a Primeira Guerra Mundial é criada em 1919 pela Liga das Nações o Comitê de Proteção da Infância. A existência desse Comitê faz com que os Estados não sejam os únicos soberanos em matéria dos direitos da criança. No ano de 1923 Eglantyne Jebb cidadã inglesa fundadora da Savethe Children, formula junto com a União Internacional de Auxílio à Criança a Declaração de Genebra sobre os Direitos da Criança, conhecida por Declaração de Genebra. Passado um ano, a Liga das Nações adota a Declaração de Genebra recomendando aos estados filiados cuidados legislativos próprios, destinados a beneficiar crianças e adolescentes. Já no ano de 1927, durante o IV Congresso Pan-americano da Criança, dez países americanos (Argentina, Bolívia, Brasil, Cuba, Chile, Equador, Estados Unidos, Peru, Uruguai e Venezuela) subscrevem a ata de fundação do Instituto Interamericano da Criança (IIN Instituto Interamericano Del Niño, atualmente vinculado à OEA e estendido à adolescência), organismo destinado à promoção do bem estar da infância e da maternidade na região. Precisamente no ano de 1939 começou a Segunda Guerra Mundial e em quase todas as guerras há relatos da utilização de crianças e adolescentes como soldados, e na Segunda Guerra mundial que durou até 1945, não foi diferente. Foi a partir da Segunda Guerra Mundial que estes indivíduos passaram a desempenhar um papel diferente em momentos distintos da Guerra. Na Rússia todas as crianças a partir dos 11 anos de idade já podiam servir ao exército, entretanto há relatos de crianças ainda mais novas nas linhas de frente do exército. Na Alemanha, quando seu poder combativo já tinha se exaurido, couberam às crianças e aos adolescentes a defesa de Berlim, tanto que a última aparição oficial de Hitler se deu na entrega de medalhas para esses jovens soldados. Durante o Holocausto ocorrido em 1939 início da Segunda Guerra Mundial e que terminou 1945 com o fim da guerra, aproximadamente 1,5 milhão de crianças foram mortas pelos alemães Nazistas. Sendo aproximadamente um milhão delas 29 judias, e dezenas de milhares de ciganos, além de crianças alemãs com deficiências físicas ou mentais que viviam em instituições, crianças polonesas, e crianças que moravam na parte ocupada da União Soviética. Neste período da história da humanidade todos os direitos concernentes ao ser humano estavam sendo violados com tamanha atrocidade. Estando as crianças em situação de vulnerabilidade, elas eram a arrancadas a força do seio de seus pais e levadas para o campo de concentração onde eram mortas, pois os nazistas defendiam o assassinato de crianças de grupos “indesejáveis” ou “perigosos”, de acordo com a sua visão ideológica, tanto como parte da “luta racial” quanto como medidas de segurança preventiva. Os alemães e seus colaboradores matavam crianças por estas duas razões e também como retaliação aos ataques, reais ou inventados, dos partisans. As chances de sobrevivência imediata dos adolescentes, judeus e de não-judeu, entre 13 e 18 anos eram maiores, já que podiam ser enviados para o trabalho escravo. Em 1945, os países tomam consciência das tragédias e atrocidades vividas durante a 2ª Guerra Mundial, o que os levou a criar a Organização das Nações Unidas (ONU) em prol de estabelecer e manter a paz e a proteção integral dos Direirtos Humanos incluindo os Direitos das Crianças e dos Adolescentes. No periodo compreendido no ano de 1946 o Conselho Econômico e Social das Nações Unidas recomenda a adoção da Declaração de Genebra. Logo após a II Guerra Mundial um movimento internacional se manifesta a favor da criação do Fundo Internacional de Emergência das Nações Unidas para a Infância UNICEF. Foi por meio da Carta das Nações Unidas, de 20 de Junho de 1945, que os povos apresentam a sua preocupação em preservar as gerações futuras do flagelo da guerra e proclamam a fé nos direitos fundamentais do Homem, na dignidade da pessoa humana, na igualdade de direitos entre homens e mulheres, a garantia de direitos das crianças e adolescentes. 30 Em 1948 a Assembléia Geral das Nações Unidas proclama a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Na Declaração os direitos e liberdades das crianças e adolescentes estão implicitamente incluídos. A Declaração Universal dos Direitos Humanos recomendou a fixação da idade mínima legal para a capacidade núbil, o consentimento dos pais ou responsáveis para o casamento de menores, a livre e consciente manifestação da vontade dos nubentes de quaisquer condições, a liberdade da iniciativa matrimonial aos homens e mulheres com a finalidade de coibir abusos em detrimento da inexperiência, ingenuidade e fragilidade das pessoas em fase de desenvolvimento. (TAVARES, 2001, pg 56) A Convenção de Roma de 1950 definiu que privação da liberdade de um menor somente será admitida se tiver por objetivo educá-lo. A criação das Nações Unidas simboliza a necessidade de um mundo de tolerância, de paz, de solidariedade entre as nações. Assim são tutelados os direitos de proteção a humanidade e a garantia que tais direitos seriam reconhecidos e respeitados por todos o povos. O desejo de fazer avançar o progresso social e económico de todos os povos. A criança deve estar plenamente preparada para uma vida independente na sociedade e deve ser educada de acordo com os ideais proclamadosna Carta das Nações Unidas, especialmente com espírito de paz, dignidade, tolerância, liberdade, igualdade e solidariedade. Em 20 de novembro de 1989 é criada a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança pela Assembléia Geral das Nações Unidas através da Resolução 44/25. É um tratado que visa à proteção de crianças e adolescentes de todo o mundo. A Convenção da ONU sobre os direitos das crianças em seu artigo primeiro dispõe que é criança todo ser humano com menos de dezoito anos de idade, a não ser que, em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes. 31 Em relação ao Estatuto da Criança e do Adolescente, no seu artigo 2º, dispõe que se considera criança, a pessoa até doze anos de idade incompletos e se considera adolescente a pessoa até dezoito anos de idade incompletos. A Organização Mundial da Saúde, define adolescente como o indivíduo que se encontra entre os dez e vinte anos de idade. Com isso essa fase caracteriza-se por alterações em diversos níveis, físico, mental e social, no qual representa para o indivíduo um processo de comportamento e privilégios típicos da infância e a aquisição de características e competências que o capacitem a assumir os deveres e papéis sociais. A Declaração Internacional sobre os Direitos da Criança, garante todos os direitos especiais que o menor precisa, em virtude de sua condição de indivíduo que não possui maturidade física e mental, suficiente para viver por conta própria e a ele é prestado dos os cuidados especiais, inclusive a devida proteção legal, tanto antes quanto após seu nascimento. Um dos primeiros direitos do ser humano é o de ter assegurada sua identidade. É neste sentido que a Convenção prevê o direito da criança de ser registrada imediatamente após seu nascimento, garantindo, assim, seu direito ao nome e à nacionalidade. Os estados membros, ao aderirem à Convenção, comprometem-se a respeitar a identidade, a nacionalidade e as relações familiares de suas crianças, fornecendo-lhes assistência e proteção apropriadas de modo que sua identidade seja prontamente restabelecida em face de qualquer privação ilegal desta. Os mesmos deverão, ainda, zelar para que a criança não seja separada da família, salvo nos casos de interesse maior do infante e de acordo com a legislação vigente de cada país e respeitando o procedimento judicial específico, tais como a suspensão ou perda do pátrio poder. 32 Na Convenção é estabelecido que são direitos fundamentais da criança, à integridade física e moral, à privacidade e à honra, à imagem, à igualdade, à liberdade, o direito de expressão, de manifestação de pensamento, sem distinção de qualquer natureza (raça, cor, sexo, língua, religião, convicções filosóficas ou políticas origem étnica ou social etc.), estabelecendo diretrizes para adoção e efetivação de medidas que garantam estes direitos por parte dos estados convencionados, objetivando garantir a proteção das crianças de qualquer forma de discriminação ou punição injusta. A Constituição Federal brasileira, assim como a maioria das constituições dos países ocidentais identificados com o constitucionalismo contemporâneo, reconhece a especificidade dos diferentes sujeitos de direitos e entre os principais objetivos desses países, está a redução de desigualdades, mas, sobretudo, o respeito à equidade ou às diferenças que constituem a realidade social, enquanto expressão de origem, raça, sexo, cor e idade. Assim, o projeto de sociedade expresso na Constituição brasileira afirma a opção por um Estado Democrático de Direito de caráter horizontalizado, com ênfase na redução de desigualdades, desde o reconhecimento das diferenças e especificidades. (COSTA, 2012, p.128) No que diz respeito aos direitos das crianças e dos adolescentes, a CF/88 buscou sua fundamentação no princípio da Dignidade da Pessoa Humana, incorporando também diretrizes dos Direitos Humanos no plano internacional, especificamente, seguindo os caminhos traçados na elaboração da Convenção Internacional dos Direitos da Criança. Já a partir do início da década de oitenta do século passado, começou a difundir na America Latina a discussão da Convenção Internacional dos Direitos da Criança. Foi observada, a atuação e a influência dos movimentos sociais emergentes na construção de textos jurídicos da área dos direitos da infância. Na situação específica do Brasil, o movimento coincidiu com os debates que antecederam a convocação da Assembléia Nacional constituinte e que prosseguiram durante a elaboração da Constituição. Assim, a situação das crianças dos adolescentes foi um dos temas das lutas populares por assegurar a positivação de direitos. Toda essa mudança legislativa somente pode ser compreendida desde a perspectiva história, na medida em que representou a superação de um modelo de 33 tratamento jurídico da infância e juventude, que já vigorava há cerca de um século na maioria dos países ocidentais. Trata-se das legislações de menores, fundamentadas na doutrina da situação irregular, como ficou conhecida na América Latina, que se caracterizava pela legitimação jurídica da intervenção estatal. O enfoque principal da Doutrina da Proteção estava em legitimar a potencial atuação judicial indiscriminada sobre os adolescentes em situação de dificuldade. Tendo como foco o “menor em situação irregular”, deixava de considerar as deficiências das políticas sociais, optando-se por soluções individuais que privilegiavam a institucionalização. Em nome dessa compreensão individualista, biologista, o Juiz aplicava a lei de menores sempre a partir de uma justificação positiva, a qual transitava entre o dilema de satisfazer um discurso assistencialista e uma necessidade de controle social. Antes da promulgação do ECA, crianças e adolescentes eram considerados como objetos de proteção, tratados a partir de sua incapacidade. As leis não eram para toda infância e adolescência, mas para uma categoria específica denominada de menores. Para designá-los eram utilizadas figuras jurídicas em aberto, como menores em situação irregular, em perigo moral ou material, em situação de risco, ou em circunstâncias especialmente difíceis. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, seguida pela edição da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e Adolescente), foi um marco legal no que se refere à proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes no plano interno brasileiro, já que antes do novo regramento constitucional não existia garantia de direitos as crianças e adolescentes no âmbito constitucional e estava em vigor no Brasil a Lei nº 6.697, de 10 de outubro de 1979 (Código de Menores), em que os menores eram considerados pessoas em situação irregular e objeto de direitos. O novo instituto jurídico declara o menor como pessoa em desenvolvimento e por tanto sujeito de direitos. O menor não pode de maneira em hipótese alguma ser tratado como objeto, de maneira desprezível. 34 O artigo 5º do ECA estabelece que não é admitido tratamento negligente a criança e o adolescente, o que pode resultar a os pais a perda do pátrio poder sobre o filho ou seja a retirada deste do seio familiar. Sendo inadmissível qualquer forma de discriminação, seja ela praticada pelo Poder Público ou pela sociedade. A exploração, a violência, a crueldade e a opressão em relação ao menor podem tipificar uma conduta delituosa. (art. 225 a 234 do ECA). Art. 225. Este Capítulo dispõe sobre crimes praticados contra a criançae o adolescente, por ação ou omissão, sem prejuízo do disposto na legislação penal. Art. 226. Aplicam-se aos crimes definidos nesta Lei as normas da Parte Geral do Código Penal e, quanto ao processo, as pertinentes ao Código de Processo Penal. Art. 227. Os crimes definidos nesta Lei são de ação pública incondicionada. Art. 228. Deixar o encarregado de serviço ou o dirigente de estabelecimento de atenção à saúde de gestante de manter registro das atividades desenvolvidas, na forma e prazo referidos no art. 10 desta Lei, bem como de fornecer à parturiente ou a seu responsável, por ocasião da alta médica, declaração de nascimento, onde constem as intercorrências do parto e do desenvolvimento do neonato: Pena - detenção de seis meses a dois anos. Parágrafo único. Se o crime é culposo: Pena - detenção de dois a seis meses, ou multa. Art. 229. Deixar o médico, enfermeiro ou dirigente de estabelecimento de atenção à saúde de gestante de identificar corretamente o neonato e a parturiente, por ocasião do parto, bem como deixar de proceder aos exames referidos no art. 10 desta Lei: Pena - detenção de seis meses a dois anos. Parágrafo único. Se o crime é culposo: Pena - detenção de dois a seis meses, ou multa. Art. 230. Privar a criança ou o adolescente de sua liberdade, procedendo à sua apreensão sem estar em flagrante de ato infracional ou inexistindo ordem escrita da autoridade judiciária competente: Pena - detenção de seis meses a dois anos. Parágrafo único. Incide na mesma pena aquele que procede à apreensão sem observância das formalidades legais. Art. 231. Deixar a autoridade policial responsável pela apreensão de criança ou adolescente de fazer imediata comunicação à autoridade judiciária competente e à família do apreendido ou à pessoa por ele indicada: Pena - detenção de seis meses a dois anos. Art. 232. Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento: Pena - detenção de seis meses a dois anos.: Art. 234. Deixar a autoridade competente, sem justa causa, de ordenar a imediata liberação de criança ou adolescente, tão logo tenha conhecimento da ilegalidade da apreensão: Pena - detenção de seis meses a dois anos. (www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em 18 de maio, 2014,) 35 Ao contrário do estabelecido na vigência do Código de Menores, o novo regramento, inaugurado com a Carta da República de 1988, garantiu às crianças e adolescentes a prioridade absoluta, bem como a proteção integral, ressaltando a condição de sujeitos de direitos e a necessidade de defesa diferenciada em razão da condição peculiar de desenvolvimento, o que representou uma radical mudança no que se refere á proteção dos seus direitos. A partir da entrada em vigor do Estatuto da Criança e do Adolescente o que se pode observa é uma mudança de paradigma, já que sob o manto do Código de Menores, o Juiz de Menores, exercia de forma centralizada as funções administrativas e jurisdicionais com o fim de aplicar o código aos menores, muitas vezes sem limites e invadindo a esfera de atuação privada dos pais, o que terminava por prejudicar a educação dos menores que não encontravam limite no próprio seio familiar. Com a atuação do Juiz de menores, a responsabilidade da família ficava de lado, já que a mesma era transferida para a autoridade judiciária, que no exercício da sua atividade jurisdicional acabava invadindo a esfera de atuação de outros poderes, como o poder da família sobre os menores, por exemplo, ao editar normas estabelecendo horários máximos de permanência dos menores nas ruas, através das portarias que disciplinavam o toque de recolher, em evidente afronta ao exercício do poder familiar, eis que os próprios pais são as autoridades responsáveis por disciplinar o horário de permanência dos filhos nas ruas. A doutrina da situação irregular, vigente no Código de Menores de 1979, não estabelecia direitos, era restritiva aos filhos das famílias pobres. A principal característica da citada doutrina era o tratamento dos menores como objetos de direitos, prevalecendo à segregação dos menores abandonados em internatos e dos envolvidos em práticas de atos ilícitos em casas de detenção mantidas pela FEBEM. A inauguração da doutrina da proteção integral rompe um paradigma com a garantia de direitos fundamentais às crianças e adolescentes e divisão de responsabilidades entre a família, a sociedade e o Estado, nos termos do art. 227 da Carta da República. Assim, é importante destacar que o referido dispositivo 36 constitucional enfatizou a fundamentalidade dos direitos da criança e do adolescente, cabendo com isso ao Estatuto da Criança e Adolescente a incumbência de sistematizar a doutrina da proteção integral. Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. § 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos: I - aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil; II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação. § 2º - A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência. § 3º - O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos: I - idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII; II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas; III - garantia de acesso do trabalhador adolescente e jovem à escola; IV - garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica; V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade; VI - estímulo do Poder Público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado; VII - programas de prevenção e atendimento especializado à criança, ao adolescente e ao jovem dependente de entorpecentes e drogas afins. § 4º - A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente. § 5º - A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros. § 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. § 7º - No atendimento dos direitos da criança e do adolescente levar-se- á em consideraçãoo disposto no art. 204. § 8º A lei estabelecerá: I - o estatuto da juventude, destinado a regular os direitos dos jovens; II - o plano nacional de juventude, de duração decenal, visando à articulação das várias esferas do poder público para a execução de políticas públicas.(www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em 18 de maio, 2014). 37 No Direito brasileiro a maioridade civil é atingida aos 18 anos de idade e do mesmo modo a maioridade penal. Sem embargo, a cidadania poderá ser exercitada a partir dos 16 anos, com o direito facultativo ao voto, sendo este obrigatório a partir dos 18 anos. Por sua vez, o Estatuto da Criança e do Adolescente divide a infância em duas fases, considerando criança a pessoa de até 12 anos de idade incompletos e adolescentes aquela entre 12 e 18 anos de idade incompletos. A Convenção Internacional dos Direitos da Criança estabelece, que os Estados membros deverão tomar todas as medidas administrativas, legislativas para a implementação dos direitos reconhecidos na Convenção, e, especialmente com relação aos direitos econômicos, sociais e culturais, retrata-se as medidas no alcance máximo de seus recursos disponíveis e, quando necessário, no âmbito da cooperação internacional. Os referidos direitos fundamentais, arrolados no artigo 5º da Constituição Cidadã, de 1988, são especificamente atribuídos à criança e ao adolescente no artigo 227 dessa Lei Maior, atribuindo a família, a sociedade e ao Estado a responsabilidade pelo bem estar dos infantes. Estes princípios, irradiados por toda a Convenção, refletem-se igualmente nas disposições preliminares contidas no Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990. (www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/direitos/tratado11.htm > Acesso em 8 junho, 2014). A partir do advento da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, caracterizou-se uma nova fase dos direitos da criança e do adolescente. No caso brasileiro, essa nova etapa expressou-se através da Constituição Federal e, em 1990, no Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069/90, bem como, no mesmo ano confirmou-se com a ratificação da Convenção Internacional pelo Congresso Nacional. Tratava-se da consolidação na legislação internacional, com influência gradativa nas Constituições de vários países, da Doutrina das Nações Unidas de Proteção Integral à Criança. A Doutrina da Proteção Integral considera-se como a base valorativa que fundamenta os direitos da infância e da juventude. Como parte do reconhecimento normativo de uma condição especial, ou peculiar, das pessoas desse grupo etário (zero a 18 anos), que devem ser respeitadas enquanto sujeitos de direitos. Crianças 38 e adolescentes, a partir de então, ainda que no texto normativo, foram reconhecidos em sua dignidade, pessoas em desenvolvimento, que necessitam de especial proteção e garantia dos seus direitos por parte dos adultos: Estado, família e sociedade. A proteção integral é a responsabilização do adulto pelo cuidado e garantia de condições para que crianças e adolescentes possam exercer sua cidadania, com dignidade. Crianças e adolescentes, titulares de direitos, são consideras sujeitos autônomos, mas com exercício de suas capacidades limitadas em face de sua etapa de vida. Titulares de direitos e também de obrigações ou responsabilidades, as quais são graduais na medida de seu estagio de desenvolvimento. A Doutrina da Proteção Integral tem nesses pressupostos, seus fundamentos e é composta de princípios jurídicos positivados na Convenção Internacional e na Constituição Federal. Entre os principais princípios destacam-se os princípios da prioridade absoluta; princípio do melhor interesse; princípio da brevidade excepcionalidade; princípio da condição peculiar de desenvolvimento; e princípio da livre manifestação, ou direito de ser ouvido. Na presente Doutrina encontra-se presentes nos seguintes documentos e tratados internacionais: Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, de 1989; Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração dos Direitos dos Menores, Regras de Beijing, de 1985; Regras das Nações Unidas a Proteção dos Menores Privados de Liberdade, de 1990; Diretrizes de Riad, de 1990; Regras Mínimas das Nações Unidas para a elaboração de Medidas Não Privativas de Liberdade e Regras de Tóquio, também de 1990. O conjunto de documentos internacionais superou, portanto, no âmbito normativo, a antiga concepção tutelar, trazendo a criança e o adolescente para a condição de sujeitos de direitos perante o Estado e a sociedade; estabelecendo a esses, por conseguinte, obrigações e limites de intervenção. A positivação de direitos destinados ao público infanto-juvenil, em consonância com a base doutrinaria, tem especial significado na medida em que rompeu com o tratamento jurídico destinado a esse público, até então: “direito do menor”. 39 Logo, a Doutrina da Proteção Integral, tem significado e sentido contextualizado e deve ser entendida como proteção especial aos direitos da pessoa em desenvolvimento, e não das pessoas em si. Caso contrário, continuar-se-ia a considerar a pessoa como se objeto fosse, o que fez parte da tradição histórica do tratamento de crianças e adolescentes pela sociedade e pelo Estado. “Lo que se protege son precisamente derechos y no directamente a la persona, pues de esta última forma pasa a ser Ella el objeto protegido”.(COSTA, 2012, p.133) Nesse Contexto, as alterações normativas no plano internacional, com forte influenciam nos Estados nacionais, em especial no caso brasileiro, significaram um importante avanço. De outra parte, tal compreensão histórica e contextualizada ajuda no entendimento acerca das razões pelas quais, no contexto de complexidade dos dias de hoje, ainda se observam intervenções sobre a vida de crianças e adolescentes como se estivesse vigente a “situação irregular”. Trata-se da predominância de uma cultura que faz parte da “epiderme ideológica”, que perpassava o conteúdo de tais leis, sendo superadas no plano internacional e constitucional da maioria dos Estados nacionais democrático, e que, no entanto, continua presente na “epiderme” institucional e judicial, ao menos no caso brasileiro, em muitos momentos e circunstancias. Nesse plano, subliminar, situa-se em alguma medida, a dificuldade de reconhecimento, em especial do público de adolescentes, como sujeitos de direitos. A Constituição brasileira estabelece, portanto, como sistema máximo de garantias, direitos individuais e sociais, dos quais são titulares todas as crianças e adolescentes, independente de sua situação social, pessoal ou mesmo de sua conduta a Doutrina da Proteção Integral. O artigo 3º do ECA declara que a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais da pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral. Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. (www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em 18 de maio, 2014). 40 QUADRO COMPARATIVO ENTRE O CÓDIGO DE MENORES E O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Base Doutrinária O Código de menores tratava o menor em pé de igualdade com os outros sujeitos infratores, inclusive os maiores. O Estatuto da Criança e do adolescente passou consagrar
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