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SOLUÇÃO DE CONTENÇÃO DE CAVES E FUNDAÇÕES ESPECIAIS EM EDIFÍCIO DE GRANDE PORTE EM MAPUTO – MOÇAMBIQUE Rui Tomásio JetSJ Geotecnia Lda, Lisboa, Portugal, rtomasio@jetsj.com Alexandre Pinto JetSJ Geotecnia Lda, Lisboa, Portugal, apinto@jetsj.com Rute Coelho JetSJ Geotecnia Lda, Lisboa, Portugal, rcoelho@jetsj.com Ricardo Kaidussis Dura Soletanche Bachy Lda, Maputo, Moçambique, ricardo.nicolas@durasb.co.mz RESUMO: Na sequência dos trabalhos de reconversão urbana da cidade de Maputo, têm vindo a ser construídos alguns edifícios de médio a grande porte, com vários pisos enterrados, determinando a necessidade de recurso a técnicas de contenção periférica e fundações especiais exigentes e adequadas aos condicionamentos locais, em particular os de natureza geológica e geotécnica e os associados às condições de vizinhança. Neste contexto, no presente artigo são apresentados os principais critérios de conceção e de execução adotados em trabalhos de escavação e contenção periférica para a execução de caves e de fundações especiais de um edifício, atualmente em construção, com 3 pisos enterrados e 26 pisos elevados no cruzamento da Avenida Julius Nyerere com a Rua de Kassuende, em pleno centro da cidade de Maputo. PALAVRAS-CHAVE: Contenção Periférica, Fundações Especiais, Estacas de Grande Diâmetro. 1 INTRODUÇÃO Os trabalhos de escavação e construção dos pisos enterrados do edifício em referência encontram-se em curso, ao abrigo de uma solução de contenção periférica, condicionada pelas complexas condições de vizinhança (Figura 1 e Figura 3), com recurso a uma cortina de estacas, travada a apenas um nível por troços de banda de laje, em substituição das tradicionais ancoragens provisórias, conferindo um travamento mais rígido à contenção e, sobretudo, evitando a ocupação do subsolo dos terrenos vizinhos (Pinto & Pita, 2011). No âmbito da solução de fundações especiais prevista para o edifício em referência, condicionada pelo valor das cargas a transmitir ao terreno, assim como pelo dispositivo geológico e geotécnico do local, sublinha-se o recurso a uma solução de laje de ensoleiramento sobre estacas de grande diâmetro (combined piled raft foundations - CPRF) (Duc Long, 2011), com injeção da respetiva ponta. Figura 1. Localização da obra. Esta última metodologia, utilizada originalmente em pontes e viadutos (Manai, 2011), permite assegurar o incremento da capacidade de carga na ponta das estacas, com vantagens associadas à economia de prazo e de custo dos trabalhos. Destacam-se ainda os trabalhos de controlo de qualidade e de execução da obra, em particular os ensaios de integridade realizados nas estacas, assim como a instrumentação e observação da obra, nomeadamente durante os trabalhos de escavação, comparando-se os mesmos com os estimados em fase de projeto. 2 PRINCIPAIS CONDICIONAMENTOS 2.1 Geologia e Geotecnia Os terrenos onde se localiza a obra, na zona Central - Nascente da cidade, são caracterizados por litologias pertencentes à Formação “Ponta Vermelha - TeVs”, datada do Terciário e composta por areias, de grão fino a médio, siltosas, de tons avermelhados, alaranjados e amarelados, medianamente compactas a compactas, aumentando a compacidade em profundidade. Esta informação foi confirmada através dos resultados do Estudo Geológico e Geotécnico, o qual permitiu a definição do zonamento geotécnico que orientou o desenvolvimento do Projecto (Figuras 2 e 5). Refere-se ainda que o nível freático não foi detetado até às profundidades prospetadas (39m abaixo da superfície do terreno). Figura 2. Parâmetros geomecânicos adotados. 2.2 Condições de Vizinhança O local da intervenção localiza-se numa zona Central - Nascente da cidade Maputo, sendo o recinto da escavação delimitado por estruturas de reduzido a médio porte e por importantes arruamentos, como é o caso da Av. Julius Nyerere. A solução estudada e implementada para a contenção periférica foi assim concebida com o objetivo de limitar as deformações em todas as estruturas e infraestruturas vizinhas (Figuras 1 e 3). Figura 3. Principais condições de vizinhança. 2.3 Prazo para a Execução dos Trabalhos As soluções estudadas e implementadas para os trabalhos de escavação e contenção periférica, assim como de fundações especiais, foram concebidas com o objetivo de minimizar o respetivo prazo de execução, sem, naturalmente, colocar em causa as indispensáveis condições de segurança e de boa funcionalidade para o edifício e para as estruturas e infraestruturas vizinhas ao mesmo. 3 PRINCIPAIS SOLUÇÕES ADOTADAS 3.1 Contenção Periférica A solução de contenção periférica estudada e implementada de forma a viabilizar a realização de uma escavação na vertical, com cerca de 10m de profundidade, foi condicionada pelas complexas condições de vizinhança, assim como pelas condições geológicas e geotécnicas, determinando o recurso a uma cortina de estacas moldadas, de betão armado, com diâmetro de 600mm, executadas com recurso a vara telescópica “Kelly”, afastadas a eixos de 1m (Figura 4 e 5). Figura 4. Planta do sistema de travamento da solução de contenção periférica. A cortina de estacas foi revestida através de betão projetado, armado e drenado. Sublinha-se o facto de, apesar da profundidade da escavação, a referida cortina de estacas ter sido travada apenas num único nível, correspondente à cota do piso “-1”, por troços de banda de laje e por uma treliça metálica, em substituição das tradicionais ancoragens provisórias, conferindo um travamento mais rígido à contenção e, sobretudo, evitando a ocupação dos terrenos vizinhos (Pinto & Pita, 2011). Figura 5. Vista da execução da banda de laje piso -1. Como já referido, o travamento da cortina de estacas foi materializado através de um único troço de banda de laje de betão armado, betonado contra o terreno, complementada, no alçado Poente, através de uma treliça com montantes e diagonais de aço, na zona da rampa de acesso aos pisos enterrados, facilitando assim a respetiva desmontagem. Aquando da execução das lajes dos pisos enterrados, esta banda de laje é integrada na estrutura da laje do piso “-1”. A banda de laje, com uma largura variável entre 6,8m e 7,8m, foi apoiada interiormente em microestacas, materializadas através de perfis H e seladas no interior das estacas de fundação, e exteriormente na própria cortina de estacas (Figuras 4 e 6). A cortina de estacas permite assegurar a dupla função de elemento contenção e de fundação dos pilares e das paredes, localizados na periferia da superestrutura, pelo que a ficha das estacas da cortina foi definida em função da magnitude das cargas actuantes sobre a mesma. Figura 6. Corte tipo 1-1 da solução de contenção periférica. 3.2 Fundações Atendendo ao tipo e amplitude das cargas a transmitir pelo edifício ao terreno, assim como ao dispositivo geológico e geotécnico do local, foi estudada e implementada uma solução de laje de ensoleiramento combinada com estacas de grande diâmetro (combined piled raft foundations - CPRF) (Duc Long, 2011), moldadas em betão armado, complementadas pela injeção do terreno localizado na respetiva ponta. Esta última metodologia, utilizada originalmente em pontes e viadutos (Manai, 2011), permite asseguraro incremento da capacidade de carga na ponta das estacas de grande diâmetro, com vantagens associadas à economia de prazo e de custo dos trabalhos. Todas as estacas de fundação foram realizadas a partir da plataforma de trabalho coincidente com a cota da laje do piso “-1”, antes da execução, à mesma cota, do troço de banda de laje de travamento, dispondo de um comprimento de furação não betonada de cerca de 7m (Figura 7). A laje de ensoleiramento geral foi executada com uma espessura de 0,35m em geral, sendo de 0,55m nas zonas junto aos maciços de encabeçamento das estacas, onde os esforços de flexão e de corte eram mais acentuados e, em paralelo, era importante assegurar uma transição de rigidez mais gradual da laje para os maciços de encabeçamento. Figura 7. Planta da solução de fundações. As estacas foram executadas com recurso a vara telescópica “kelly”, com diâmetros de 1000mm, 1200mm e 1500mm, consoante a magnitude das cargas solicitantes, tendo sido dimensionadas para transmitir as cargas ao terreno por ponta e por atrito lateral. A solução adotada consistiu assim, no essencial, na execução de uma laje de fundação associada a estacas de fundação de grande diâmetro, localizadas em pontos estratégicos, onde as cargas a transmitir ao terreno são de maior amplitude, de modo a poder transmitir as cargas oriundas da superestrutura aos terrenos competentes de forma compatível com a boa funcionalidade do edifício. Esta solução permitiu a uniformização dos deslocamentos ao nível da fundação e dos esforços a acomodar pelas estacas, existindo uma componente das cargas que é transmitida diretamente ao terreno mais superficial, correspondente à zona geotécnica ZG2, através da laje, aliviando, em consequência, o valor das cargas a acomodar pelas estacas, comparativamente com a solução convencional onde existiriam apenas estacas de fundação. De forma a assegurar o valor da tensão a transmitir pela ponta das estacas, definida em Projecto, com valores característicos de 8 a 9MPa, as estacas foram executadas com um encastramento mínimo de três diâmetros no terreno competente, constituído por areias muito compactas e adensadas pelo efeito das injeções de calda de cimento, correspondente à zona geotécnica ZG1. Com o objetivo de maximizar o valor da tensão mobilizável por atrito lateral, valores característicos de 110 a 135kPa, ao nível das formações arenosas, as estacas deveriam possuir, para além do encastramento mínimo de três diâmetros, um comprimento mínimo de cerca de 20m. 4 MODELOS DE CÁLCULO 4.1 Contenção Periférica O comportamento da solução de contenção periférica foi modelado através de dois programas, vocacionados para o efeito e utilizados de forma complementar: Plaxis 2D e SAP2000. Através do programa Plaxis 2D foi simulado, para todas as fases construtivas, o comportamento geotécnico dos terrenos conforme parâmetros geomecânicos já apresentados (Figura 2), recorrendo ao modelo “Hardening Soil”, incluindo a reação ao nível do troço da banda de laje de travamento (Figura 8). Figura 8. Campos de deslocamentos horizontais – programa de elementos finitos (Plaxis 2D). Esta reação foi, posteriormente, transformada numa carga de faca e considerada na modelação do comportamento estrutural do mesmo troço de banda de laje de travamento (Figura 9), recorrendo, para tal, ao programa SAP2000. O modelo da laje em betão foi realizado com recurso a elementos do tipo “thick shell”, enquanto os elementos da treliça foram modelados com elementos do tipo “frame”. Figura 9. Campos de deslocamentos horizontais – programa de elementos finitos (Plaxis 2D). 4.2 Fundações O comportamento da solução de fundações de estacas combinado com a laje de fundação “combined piled raft foundations – CPRF” foi modelado tridimensionalmente através do programa SAP2000, considerando constantes elásticas na modelação da interação solo – estrutura diretamente sob a laje, assim como na base e no fuste das estacas (Figuras 10 e 11). Figura 10. Modelação tridimensional da solução CPRF. A laje de fundação foi modelada com elementos finitos do tipo “shell thick”, tal como os maciços de encabeçamento de estacas, com as espessuras correspondentes. Também as paredes e os núcleos, que aumentam a rigidez da laje de fundação, foram modelados com elementos do mesmo tipo “shell thick”. Por sua vez, as estacas foram modeladas com elementos lineares do tipo “frame”, com os diâmetros correspondentes. Salienta-se que, de modo a considerar o efeito de torção que se gera durante o encaminhamento de esforços através da laje para as estacas, foi reduzida a rigidez de torção da mesma, pelo que este fenómeno foi equilibrado através de momentos flectores segundo as duas direções principais (Figura 11). Figura 11. Estimativa de assentamento obtidos através do modelo tridimensional da laje de fundação. 5 CONTROLO DE QUALIDADE E CONTROLO DE EXECUÇÃO Atendendo ao enquadramento e à dimensão da obra destaca-se o apertado controlo de qualidade e controlo de execução adotado nos trabalhos associados à escavação e contenção periférica, assim como às fundações especiais, podendo ser destacados: Ensaios de integridade em todas as estacas da contenção periférica e da fundação, ensaios sónicos e ensaios “crosshole”, os últimos apenas em parte das estacas de fundação de 1500mm de diâmetro, de forma a validar as boas condições de integridade das referidas estacas (Figura 12). Figura 12. Planta do plano de instrumentação e observação. Plano de Instrumentação e Observação, com recurso a inclinómetros, na estrutura de contenção periférica, e a alvos topográficos, permitindo a avaliação, em tempo real, das deformações da contenção periférica e das estruturas vizinhas, possibilitando a sua comparação, em todas as fases construtivas, com os valores das mesmas deformações, estimadas em fase de Projecto. Em função desta análise comparativa poderiam, em tempo útil e se ultrapassados os critérios de alerta e de alarme, ser adotadas medidas de reforço, com vista à preservação das condições de segurança da obra e das estruturas e infraestruturas vizinhas (Figuras 13, 14, 15 e 16). Figura 13. Estimativa numérica de deslocamentos através do Plaxis 2D, para a fase de escavação na cota da laje do piso -1. Figura 14. Deslocamentos aferidos através do inclinómetro I2, para a fase de escavação na cota da laje do piso -1. Da análise dos resultados dos aparelhos colocados em obra, em particular os deslocamentos horizontais dos inclinómetros localizados a tardoz da cortina de estacas de contenção periférica, é possível constatar (Figuras 13, 14, 15 e 16) que os resultados obtidos através dessas leituras são, em geral, inferiores aos estimados através da modelação numérica com o programa Plaxis 2D. Figura 15. Estimativa numérica de deslocamentos através do Plaxis 2D, para a fase de escavação na cota do fundo da escavação. Figura 16. Deslocamentos aferidos através do inclinómetro I2, para a fase de escavação na cota do fundo da escavação. A análise efetuada para as diferentes fases da obra, nomeadamente para a fase de escavação até à cota da laje do piso -1, em que a cortina de estacas ficou em consola, e para afase de escavação correspondente à cota da laje de fundo, exemplifica a importância do Plano de Instrumentação e Observação da obra na gestão do risco geotécnico, associado aos trabalhos de escavação em meio urbano, ao permitir antecipar que os deslocamentos máximos, que deverão ser mobilizados apenas na fase final da escavação, serão, com grande probabilidade, inferiores, ou no máximo semelhantes, aos estimados por via numérica para a mesma fase final (Figura 15). Tendo por base as diferentes fases da obra aqui apresentadas (Figuras 17 e 18), as leituras aos aparelhos instalados continuarão a ser realizadas com periodicidade adequada à evolução dos mesmos trabalhos, de forma a permitir a continuação da gestão do risco geotécnico, através da interpretação atempada dos mesmos resultados (Figura 13). Figura 17. Vista dos trabalhos em Janeiro de 2014. Como já referido, esta interpretação permitirá, caso venham a ser detetados indícios de um comportamento não esperado da contenção periférica, aferido através da ultrapassagem dos critérios de alerta e de alarme, definidos em fase de Projecto, a implementação, em tempo útil, de eventuais medidas de reforço e/ou de eventuais alterações ao processo construtivo. As referidas medidas e alterações, se implementadas em tempo útil, permitirão assegurar as permanentes e indispensáveis condições de segurança para a obra, estruturas e infraestruturas vizinhas. Figura 18. Vista dos trabalhos em Fevereiro de 2014. Nas Figuras 17 e 18 são apresentadas diversas fotografias onde é percetível o faseamento e a evolução dos trabalhos da obra, até à data de submissão do presente artigo (escavação até à cota da laje de fundo e início dos trabalhos de execução dos maciços de encabeçamento). 6 CONCLUSÕES O caso apresentado no presente artigo permite destacar o potencial e o grau de exigência das soluções de engenharia geotécnica adotadas em fundações especiais e em estruturas de contenção periférica de edifícios de grande porte, com o objetivo de superar condicionamentos típicos deste tipo de obra, das quais se podem destacar: A dificuldade em executar e controlar o desempenho das ancoragens, seja por motivos de enquadramento legal, logístico ou por motivos técnicos. Estes últimos encontram-se, em geral, relacionados com o comportamento evolutivo dos solos tropicais, em termos de perda de resistência e de incremento da deformabilidade, determinado, sobretudo, pela variação do teor em água e pela descompressão induzida por trabalhos de escavação. A substituição da execução de ancoragens por quadros fechados, materializados por bandas de troços de lajes, permite o controlo eficaz das deformações das paredes de contenção periférica, além de possibilitar a integração de elementos de travamento das referidas paredes de contenção na estrutura definitiva das lajes dos pisos enterrados. A relevância do controlo de qualidade e de execução das obras, em particular a instrumentação e observação dos trabalhos de escavação e contenção periférica e a execução de ensaios de integridade e, sempre que oportuno, de ensaios de carga em fundações indiretas por estacas. O efeito da injeção do pé das estacas de fundação no incremento da respetiva capacidade de carga, por vezes perturbada pelo próprio processo construtivo, com vantagens económicas e de redução do prazo de execução das fundações de estruturas de grande porte. As vantagens do recurso a soluções do tipo “combined pile raft foundation (CPRF)”, em particular nas fundações de edifícios de grande altura, quando combinadas com a injeção do terreno localizado na base da estacas de fundação, quando o nível freático se localiza abaixo da cota final da escavação. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao Dono da Obra descrita, a autorização para a redação e apresentação do presente artigo. Destacam ainda a importante intervenção da empresa de fiscalização e coordenação do Projecto, Afaplan, assim como decisiva contribuição da empresa responsável pelos restantes projetos de engenharia, Betar, na compatibilização dos referidos projetos com as soluções apresentadas no artigo. REFERÊNCIAS Duc Long, P., Piled Raft – A Cost-Effective Foundation Method for High - Rises, Geotechnical Engineering Journal of the SEAGS & AGSSEA, Vol. 41, No.3, 2010. Manai, R., Enhancement of Pile Capacity by Shaft Grouting Technique in Rupsa Bridge Project, Geotechnical Engineering Journal of the SEAGS & AGSSEA, Vol. 41, No.3, 2010. Pinto, A. & Pita, X., Deep Excavations in Luanda City Centre, 15th African Regional Conference on Soil Mechanics and Geotechnical Engineering, Maputo, Mozambique. Session 5 – Retaining Structures, pp. 269–274, 2011.
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