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10/10/2017 Os Crimes Omissivos Impróprios e a Posição de Garante http://www.bdr.sintese.com/NXT/gateway.dll?f=templates$fn=default.htm$vid=BDR:SP2 1/13 Parte Geral Doutrina Os Crimes Omissivos Impróprios e a Posição de Garante RÓBSON DE VARGAS Mestrando em Ciências Criminais PUCRS, Especialista em Direito Constitucional Unesa, Especialista em Ciências Penais PUCRS, Professor na área de Direito Público no Centro Universitário Estácio de Sá Santa Catarina. Advogado. RESUMO: O presente artigo procura, a partir de uma conceituação do crime omissivo impróprio, destacar os principais aspectos acerca da responsabilidade do garantidor, que nesta espécie de crime, possui o dever jurídico de evitar o resultado. Inicialmente, será abordada a distinção entre crimes omissivos próprios e impróprios, apresentandose os principais critérios de distinção entre ambos. Em seguida, a abordagem é acerca das características, estrutura e elementos dos crimes omissivos impróprios. Posteriormente, serão apresentadas as fontes do dever de evitar o resultado, destacandose algumas teorias que analisam a posição de garante. PALAVRASCHAVE: Teoria do delito; crimes omissivos impróprios; o dever jurídico de evitar o resultado; a posição de garante. ABSTRACT: This article attempts, based on a conception of crime omission inappropriate, highlight the main aspects concerning the liability of the guarantor, that this kind of crime, has a legal duty to avoid the result. Initially, it will be addressed the distinction between proper and improper omissive crimes, presenting the main criteria for distinguishing between them. Then the approach is about the characteristics, structure and elements of crimes omissive inappropriate. Subsequently, we present the sources of the duty to avoid the result, pointing out some theories that analyze the position of guarantor. KEYWORDS: Theory of the offense; crimes omissive inappropriate; the legal duty to avoid the result; the position of guarantees. SUMÁRIO:Notas introdutórias; 1 Os crimes omissivos próprios e impróprios: distinções necessárias; 2 A estrutura e os elementos dos crimes omissivos impróprios; 3 As fontes do dever de evitar o resultado; Considerações finais; Referências. NOTAS INTRODUTÓRIAS Quando nos voltamos para uma compreensão sobre a conduta punível, é possível observar que o destaque está sempre com a ação, compreendida como um comportamento humano e voluntário, conscientemente dirigido a uma determinada finalidade. Na doutrina, dada à quantidade de tipos penais, a ação é sempre representada em primeiro lugar, para, logo em seguida, serem tratados os fatos puníveis omissivos. 10/10/2017 Os Crimes Omissivos Impróprios e a Posição de Garante http://www.bdr.sintese.com/NXT/gateway.dll?f=templates$fn=default.htm$vid=BDR:SP2 2/13 RDP Nº 82 OutNov/2013 PARTE GERAL DOUTRINA 71 Todavia, esse modelo de sistematização não retira da omissão a significativa relevância que o instituto possui na dogmática penal. Longe disso. Mas, o que se observa a partir de então, é que a omissão acaba muitas vezes não sendo compreendida ou analisada com a profundidade merecida, motivando, assim, o surgimento de inúmeras dúvidas e incertezas, que transitam desde a tipificação do próprio fato omissivo, até o momento da decisão judicial final. Deste modo, a proposta do presente trabalho é contribuir para o debate em torno dos crimes omissivos na sua forma imprópria, de maneira a se analisar um pouco mais detidamente as fontes do dever jurídico de evitar o resultado e, por, assim dizer, os deveres do garantidor, visando a harmonizar esse tipo penal ao princípio da reserva legal, já que são conhecidos os problemas em torno da dificuldade em se delimitar o sentido do que seja este dever jurídico de agir. 1 OS CRIMES OMISSIVOS PRÓPRIOS E IMPRÓPRIOS: DISTINÇÕES NECESSÁRIAS Os crimes omissivos se dividem estruturalmente em dois tipos: os crimes omissivos próprios e os impróprios. Segundo anota Fábio D'Avila, a primeira distinção entre crimes omissivos próprios e impróprios remete à antiga classificação de Heinrich Luden, segundo o qual os omissivos próprios eram os crimes em que a mera inatividade, independente do resultado a um direito subjetivo alheio, era suficiente para a violação de um dever impositivo estabelecido em lei, enquanto que os crimes omissivos impróprios tinham como fundamento um determinado resultado que conferia a omissão às características de uma conduta comissiva 1. Luiz Luisi também faz essa ressalva, asseverando que se deve a Luden a divisão dos delitos omissivos próprios e impróprios, sendo que os primeiros consistiriam em descumprimento de um mandato, enquanto que os segundos seriam impróprios por serem causa de um resultado que normalmente é causado por uma ação 2. Embora se reconheça existirem vários critérios que buscam analisar a distinção entre crimes omissivos próprios e impróprios, os mais destacados são o do resultado e do tipo penal. Sobre o critério do resultado, Fábio D'Avila assim analisa: 10/10/2017 Os Crimes Omissivos Impróprios e a Posição de Garante http://www.bdr.sintese.com/NXT/gateway.dll?f=templates$fn=default.htm$vid=BDR:SP2 3/13 72 RDP Nº 82 OutNov/2013 PARTE GERAL DOUTRINA O critério do resultado em sua configuração atual afirma uma compreensão do crime omissivo próprio como a mera desobediência ao mandamento legal, independentemente da ocorrência de um possível resultado normativamente vinculado, o qual, muitas vezes, poderá não apenas existir, mas até mesmo traduzir o fim último do referido preceito, não pertencendo, no entanto, ao tipo de crime. [...] Em contrapartida, os crimes omissivos impróprios são aqueles cuja existência está vinculada à ocorrência do resultado (típico) que tem o sujeito, na condição de garante, o dever de evitar. 3 Por seu turno, o critério do tipo penal estabelece que os crimes omissivos próprios são aqueles que possuem uma expressa previsão legal, na qual a omissão está diretamente tipificada, enquanto que nos omissivos impróprios não existe um tipo penal específico, mas os mesmos são o resultado da combinação de uma cláusula geral com o tipo penal de um crime omissivo. Por sua vez, esse critério, elaborado por Armin Kaufmann, pode ser considerado um "ponto de viragem" na orientação doutrinária alemã, por mudar os critérios distintivos até existentes. Partindo de um critério axiológico, Kaufmann visualizou duas hipóteses de classificação: a primeira seria considerar como omissão imprópria as hipóteses em que a omissão é equiparada à ação; a segunda, as hipóteses em que o problema da equiparação não é resolvido pelo legislador, mas através da jurisprudência e da doutrina. 4 Realçando esse entendimento, Figueiredo Dias alude que o critério fundamental de distinção entre crimes de omissão próprios (puros) e impróprios (impuros) passa pela circunstância decisiva de que os impróprios não encontram previsão em um tipo legal de crime, tornandose indiscutível o recurso à cláusula de equiparação, que, por sua vez, tem como fundamento a premissa de que relativamente a certo tipo de ilícito, o desvalor da omissão corresponde no essencial ao desvalor da ação 5. Ainda, segundo Figueiredo Dias, esse será o caso [...] quando, e apenas quando, sobre o agente recaia um dever de evitar activa ou positivamente a realização típica, rectior, de obstar à verificação do resultado típico dito abreviadamente dever de garantia ou dever degarante apesar de um tal dever se não encontrar referido na descrição típica. 6 10/10/2017 Os Crimes Omissivos Impróprios e a Posição de Garante http://www.bdr.sintese.com/NXT/gateway.dll?f=templates$fn=default.htm$vid=BDR:SP2 4/13 RDP Nº 82 OutNov/2013 PARTE GERAL DOUTRINA 73 O critério classificatório do tipo penal, o qual vincula a questão da equiparação nas hipóteses de omissão não tipificadas em lei, é apontado por Fábio D'Avila como o que melhor agrupa os problemas jurídicodogmáticos que envolvem os crimes omissivos impróprios. No seu entendimento, [...] não restam dúvidas de que a Garantlehre foi elaborada tendo por base os crimes omissivos impróprios, que, por não terem um tipo penal próprio, exigiam uma construção doutrinária que viabilizasse a imputação de condutas omissivas, consideradas, em casos particulares, equivalentes ao agir positivo. Este sim era, e ainda é, o grande problema da omissão imprópria e não, evidentemente, o resultado. Em verdade, a Garantlehre é apenas consequência da mais destacada e distintiva característica da omissão imprópria: a ausência de um Tatbestand. 7 Todavia, segundo Luiz Luisi, o fato de a conduta omissiva imprópria não estar expressamente tipificada em lei criou um sério problema em decorrência do postulado da reserva legal, uma vez que se objetou que tais crimes carecem de legalidade 8. Deste modo, tornase relevante uma abordagem, ainda que breve, sobre a estrutura normativa dos crimes omissivos impróprios, a fim de se apontar, em um segundo momento, as fontes do dever de garante. 2 A ESTRUTURA E OS ELEMENTOS DOS CRIMES OMISSIVOS IMPRÓPRIOS A omissão não é um simples nãofazer, mas o nãofazer uma determinada ação a qual o sujeito está em condições de poder realizála. Deste modo, todas as qualidades que constituem a ação em um sentido ativo também devem estar à disposição do sujeito para se poder falar de omissão 9. Sobre a estrutura dos crimes omissivos impróprios, é possível se reconhecer que é basicamente a mesma dos crimes omissivos próprios, os quais se consumam com a mera inobservância ao comando de agir, tendo o acréscimo do dever de garantidor e da superveniência, efetiva ou potencial, do resultado. A produção do resultado pertence ao tipo, sendo que o dever de agir é fundamento da antijuridicidade ou ilicitude. Assim, o garantidor responde pelo resultado porque vulnerou o dever de evitálo 10. 10/10/2017 Os Crimes Omissivos Impróprios e a Posição de Garante http://www.bdr.sintese.com/NXT/gateway.dll?f=templates$fn=default.htm$vid=BDR:SP2 5/13 74 RDP Nº 82 OutNov/2013 PARTE GERAL DOUTRINA Ao tratar dessa questão, Cezar Roberto Bitencourt informa que a omissão relacionase com o resultado pelo seu não impedimento, e não pela sua causação, sendo que esse não impedimento é erigido pelo direito à condição de causa, determinandose, dessa forma, a imputação objetiva do fato 11. Sendo assim, o que importa nos crimes omissivos impróprios é a constatação de uma causalidade hipotética, isto é, a possibilidade fática que teve o sujeito de evitar o resultado 12. De acordo com Munhoz Netto, a doutrina brasileira considera como elementos dos crimes omissivos impróprios a abstenção da atividade que a norma impõe; a superveniência do resultado típico em vista da omissão; e a ocorrência da situação de fato de que deflui o dever de agir. Há abstenção da atividade que a norma impõe quando o ordenamento estabelece a obrigação de evitar o resultado, sendo que é somente em decorrência de deveres jurídicos específicos de salvaguardar o bem que surge a condição de garantidor, característica da autoria nos crimes omissivos impróprios. A superveniência do resultado só acarreta responsabilidade penal se o garantidor não se esforçou em evitálo. Por fim, a situação de fato de que se origina o dever de agir é o estado de perigo eminente e evitável em que se encontra determinado bem jurídico, cuja proteção deve ser garantida pelo sujeito, o qual deve estar em condições de poder agir 13. Assim, estruturalmente, os crimes omissivos impróprios, os quais podem ser praticados dolosa ou culposamente, traduzem sempre uma infração a um dever de agir imposto por lei, em função da proteção de um bem jurídico, sendo que a mera possibilidade do sujeito em evitar o resultado não é suficiente para que se reconheça a existência do evento penal, devendo existir, necessariamente, a obrigação de zelar pela proteção do bem jurídico tutelado pela norma penal. Por conseguinte, a questão sensível e bem mais problemática é identificar as fontes dos deveres do garantidor. 10/10/2017 Os Crimes Omissivos Impróprios e a Posição de Garante http://www.bdr.sintese.com/NXT/gateway.dll?f=templates$fn=default.htm$vid=BDR:SP2 6/13 RDP Nº 82 OutNov/2013 PARTE GERAL DOUTRINA 75 3 AS FONTES DO DEVER DE EVITAR O RESULTADO A solução para se estabelecer uma relação entre a ação e a omissão e, assim, atender no que concerne à conduta omissiva imprópria não expressa no tipo, às exigências do princípio da reserva legal, foi o de compreender a omissão imprópria como sendo uma violação de um dever de agir imposto pela ordem jurídica. Construção doutrinária e jurisprudencial nas suas origens, a doutrina do garantidor passou a incorporarse nos textos legais, sendo que a maioria dos códigos penais do nosso tempo a tem reconhecido e explicitado 14. Contudo, conforme adverte Carlos Maria Romeo Casabona, el principal problema derivado de la posición de garante ha sido establecer criterios generales para determinar su existencia, dado que la ley penal, no ofrece ni puede ofrecer satisfactoriamente al menos un catálogo completo de posiciones de garante, por la propia "natureza de las cosas", y es al intérprete de la ley (al Juez, en último término) a quien corresponde encontrarlo. 15 Diante disso, a doutrina, ao buscar analisar a posição de garante nos crimes omissivos impróprios, apresenta diversas teorias, sendo que algumas são aceitas sem maiores discussões, como adequadas a resolver a problemática do dever de garante. A primeira é conhecida como a teoria formal do dever jurídico e das posições de garantia, a qual buscou estabelecer a posição de garante a partir de um catálogo estrito e rigoroso, em que o crime omissivo impróprio tinha como fundamento jurídico a lei, o contrato e a situação de perigo anterior criada pelo omitente 16. Conforme anota Figueiredo Dias, essa teoria é fruto acabado do pensamento jurídico naturalista e positivista dominante até o início do século XX, que acreditava na obediência à lei como forma de garantir certeza e segurança jurídica. Essa teoria restou abandonada pela doutrina e jurisprudência, devido à matriz da referência a valores da orientação neokantiana ter sucedido à visão naturalista e positivista do direito 17, e, também, porque, segundo Jescheck, essa delimitação apresentada pela teoria formal não atende ao conteúdo do dever jurídico de agir e, por essa razão, não proporciona nenhum elemento material delimitador desse dever 18. 10/10/2017 Os Crimes Omissivos Impróprios e a Posição de Garante http://www.bdr.sintese.com/NXT/gateway.dll?f=templates$fn=default.htm$vid=BDR:SP2 7/13 76 RDP Nº 82 OutNov/2013 PARTE GERAL DOUTRINA Jescheck observa, ainda, que a concepção teórica iniciada por Amir Kaufmann, e que ficou conhecida como teoria das funções, buscou determinar os deveres de garante a partir de critériosmateriais, buscando uma base de sentido social para os diferentes deveres, que teriam como fundamento uma função protetiva para o bem jurídico concreto ou uma função de vigilância de uma fonte de perigo 19. Ao comentar os critérios materiais, Figueiredo Dias assevera: No primeiro grupo onde cabem deveres como os dos pais relativamente a um filho menor, ou os dos guardas de um museu relativamente aos objetos de arte ali expostos , o bem jurídico carente de guarda deve ser protegido contra todos os perigos englobáveis no âmbito de proteção. No segundo grupo onde entram deveres como o do controlador do tráfego aéreo relativamente à movimentação dos aviões , o garante tem unicamente de fiscalizar fontes de perigo determinadas. 20 No entendimento de Casabona, tanto a teoria formal como a material (funções) apresentam inconvenientes, pois tendem a extrair da lei e das relações jurídicas e fáticas entre o sujeito e o bem jurídico posições de garante não estabelecidas inequivocamente e de modo suficiente, correndose o risco de que os deveres jurídicos sejam derivação de simples deveres morais ou, ao menos, de confundir estes com aqueles 21. Por sua vez, ao enfrentar a problemática, Eduardo Novoa Monreal observa que o mais interessante é uma busca empírica que estabeleça critérios gerais aptos para se conhecer mais a fundo as razões que explicam a obrigação de atuar do garante, e, com isso, dar forma no futuro a preceitos legais mais completos que os existentes. Qualquer outro caminho não conduz senão a um justificado aumento das críticas que merecem os delitos impróprios de omissão, especialmente por se distanciarem do princípio fundamental da legalidade do Direito Penal 22. 10/10/2017 Os Crimes Omissivos Impróprios e a Posição de Garante http://www.bdr.sintese.com/NXT/gateway.dll?f=templates$fn=default.htm$vid=BDR:SP2 8/13 RDP Nº 82 OutNov/2013 PARTE GERAL DOUTRINA 77 Não é por outra razão que Figueiredo Dias afirma que uma concretização dos deveres de garantia só é possível de se alcançar quando da conjugação das duas teorias, de modo a adotarmos uma teoria "material formal". Na sua concepção teórica, a verdadeira fonte dos deveres e das posições de garantia reside em algo muito mais profundo, a saber, na valoração autônoma da ilicitude material, completadora do tipo formal, através da qual a comissão por omissão vem a equipararse à acção na situação concreta, por força das exigências de solidariedade do homem para com os outros homens, dentro da comunidade. Caso em que será a "proximidade existencial do 'eu' e do 'outro'", o princípio dialógico do "sercomosoutros" e "serparaosoutros", o exercício da virtude cristã da "caridade" e do "amor do próximo" (ou como quer que prefiramos exprimirnos) que criam os deveres e as posições de garantia. 23 Essa conjugação entre as duas teorias não afasta a necessidade de que os deveres do garante sejam expressos na lei, mas ressalta a necessidade de que esses deveres tenham por base critérios materiais, capazes de indicar o conteúdo social da omissão. No Código Penal brasileiro, em seu art. 13, § 2º, a posição do garantidor está fundada no dever de evitar o resultado, dever este que pode derivar da lei, do contrato ou da assunção fática de proteção do bem jurídico, ou, ainda, porque o sujeito com seu comportamento criou o risco da ocorrência do resultado. Percebese que restou adotado pelo legislador pátrio o critério da teoria formal, o qual limita os deveres de agir apenas a fontes formais. Segundo Juarez Tavares, esse modelo representado por três grupos de casos que fundamentam o dever de impedir o resultado, parece remontar a fórmula do penalista alemão Edmund Mezger, que é da década de trinta, e que não é satisfatória 24. Isso porque, ao dispor sobre esses três supostos do dever de agir, que foram acolhidos no Código Penal, Mezger já havia salientado a necessidade de delimitar com segurança os fundamentos desse dever, para evitar que meros deveres morais viessem a justificar a responsabilidade criminal. E agregava ainda que, em todos esses casos, deveria haver um inequívoco sentido de que a infração ao dever jurídico de agir devesse conduzir à responsabilidade criminal do sujeito. Não chegou, entretanto, Mezger a conclusões definitivas acerca da previsão dessa responsabilidade criminal, justamente porque partia de premissas formais e se satisfazia em ajustálas aos casos concretos. 25 10/10/2017 Os Crimes Omissivos Impróprios e a Posição de Garante http://www.bdr.sintese.com/NXT/gateway.dll?f=templates$fn=default.htm$vid=BDR:SP2 9/13 78 RDP Nº 82 OutNov/2013 PARTE GERAL DOUTRINA Deste modo, Juarez Tavares anota que buscar um conteúdo para os fundamentos da posição de garantidor leva a três situações: a) na vinculação entre o sujeito garantidor e a vítima em virtude de circunstâncias e condições sociais e familiares, de modo a obrigálo à proteção; b) nas relações de trabalho, em que uma pessoa se obriga profissionalmente à proteção de outras; c) na responsabilidade pelas fontes de produção de perigo, onde quem detém essas fontes tem a obrigação de evitar resultados lesivos delas decorrentes. Entretanto, esses deveres de agir não podem ser limitados apenas por fontes formais, já que a omissão não constitui matéria apenas jurídica, mas engloba um sentido social decorrente das relações entre as pessoas, das quais se exige de algumas proteção para com as outras 26. Convém assinalar, ainda, que essa formatação prevista no Código Penal acerca da relevância jurídicopenal da omissão é criticável em face de três princípios constitucionais: o da legalidade, da pessoalidade da pena e da proporcionalidade. Segundo leciona Paulo Queiroz, o Código Penal adota uma cláusula geral e vaga para tratar das fontes do dever de garante, não esclarecendo nada quanto ao seu conteúdo, remetendo a complementação do seu significado à lei penal em branco ou a uma outra lei, a um contrato ou uma situação concreta de criação de perigo, em geral ainda mais imprecisos e indeterminados, violando, com isso, o princípio da legalidade. Se isso não bastasse, a omissão imprópria viola o princípio da impessoalidade da pena, sobretudo naquelas hipóteses em que se pretende imputar ao omitente uma ação de outrem ou um evento puramente natural, sendo que a pena com a qual se pretende castigar o omitente é desproporcional e ofensiva ao princípio da igualdade, visto que equipara a simples omissão à ação, condutas cuja significação é muito distinta 27. Na interpretação de Zaffaroni e Pierangeli, temse a impressão de que o princípio da legalidade passa a sofrer uma importante exceção, embora, de outra parte, também se tenha a impressão de que a admissão dos tipos omissivos impróprios não expressos não faz mais do que esgotar o conteúdo proibitivo do tipo ativo, que de modo algum quis deixar certas condutas fora da proibição. 28 10/10/2017 Os Crimes Omissivos Impróprios e a Posição de Garante http://www.bdr.sintese.com/NXT/gateway.dll?f=templates$fn=default.htm$vid=BDR:SP2 10/13 RDP Nº 82 OutNov/2013 PARTE GERAL DOUTRINA 79 Diante desse cenário, Juarez Tavares assinala que a solução mais coerente com o princípio da legalidade, embora não exaustiva e perfeita, seria a previsão na parte especial do Código Penal, dos delitos que comportassem a punição pela omissão 29. E, não sendo isso possível, entende que uma solução seria, a partir deum critério de identidade 30, restringir a omissão imprópria apenas para determinados crimes (contra a vida, a integridade corporal e a liberdade), cuja natureza e consequências recomendam uma imediata e oportuna intervenção protetiva, que não pode ser postergada para não se tornar inócua. Em meio a esses percalços e disparidades, é necessário para a garantia da segurança jurídica e em respeito ao princípio da legalidade 31 limitar o dever jurídico de agir, especialmente a incidência da alínea b do § 2º do art. 13 do Código Penal, já que o tipo normativo se apresenta aberto, face sua determinação ampla e imprecisa. O enunciado normativo, que "de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado", abre espaço para muitas deduções e inferências teóricas, muitas vezes mal fundamentadas, que podem levar o intérprete à nela inserir deveres impostos pela mera convivência entre as pessoas, ou pelas relações concretas de vida, sem qualquer necessidade. Por tudo isso, dado o caráter especialmente restritivo da liberdade individual, próprio das leis penais, é essencial o respeito aos princípios da necessidade e proporcionalidade no que tange a proteção penal de bens jurídicos, devendo ser vedada incriminações vagas, imprecisas e abertas, que não se apresentam com clareza quanto aos termos e elementos constantes no tipo penal. 10/10/2017 Os Crimes Omissivos Impróprios e a Posição de Garante http://www.bdr.sintese.com/NXT/gateway.dll?f=templates$fn=default.htm$vid=BDR:SP2 11/13 80 RDP Nº 82 OutNov/2013 PARTE GERAL DOUTRINA CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir de uma diferenciação entre crimes omissivos próprios e impróprios, é possível perceber que estes últimos apresentam uma particularidade, que é representada pela figura do garantidor. Diante disso se constata que não há crime omissivo impróprio sem que exista o indispensável dever jurídico de agir para impedir o dano ou perigo ao bem juridicamente tutelado, respondendo o omitente pelo resultado quando tinha o dever de evitá lo. Como visto, a determinação desse dever de garantia é uma tarefa das mais difíceis para a dogmática penal, tendo o legislador brasileiro optado por adotar um nexo normativo formal entre a omissão e o resultado. Ao fazer isso, limitou os deveres de agir apenas a fontes formais, sem dispor sobre o mais importante, isto é, sobre o conteúdo para os fundamentos da posição de garantidor. Por essa razão, temos um cenário em que a normatização da omissão imprópria é imprecisa e problemática, a ponto de atingir os postulados do princípio da legalidade, responsável por firmar uma função limitadora ao Direito Penal. Por outro lado, a complexidade da questão indica que a solução não deve ser buscada apenas em uma teoria, mas, quem sabe, na conjugação de preceitos que permitam delimitar o conteúdo para os fundamentos da posição de garantidor, tudo em respeito aos direitos e às garantias fundamentais dos indivíduos, evitando valorações subjetivas de toda ordem, que paralelamente buscam criar novas fontes para esse dever de garante. REFERÊNCIAS BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, v. 1, 2002. CASABONA, Carlos Maria Romeo. Límites de los delitos de comisión por omisión. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 7, jul./set. 1994. D'AVILA, Fábio. Ofensividade e crimes omissivos próprios (contributo à com preensão do crime como ofensa ao bem jurídico). Coimbra: Coimbra, 2005. FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Direito penal. Parte Geral. Coimbra: Coimbra, t. I, 2004. JESCHECK, HansHeinrich. Tratado de derecho penal. Parte General. Trad. 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Manual de direito penal brasileiro. Parte Geral. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. 10/10/2017 Os Crimes Omissivos Impróprios e a Posição de Garante http://www.bdr.sintese.com/NXT/gateway.dll?f=templates$fn=default.htm$vid=BDR:SP2 13/13
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