Buscar

Crimes omissivos impróprios e a posição de garante

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 13 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 13 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 13 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

10/10/2017 Os Crimes Omissivos Impróprios e a Posição de Garante
http://www.bdr.sintese.com/NXT/gateway.dll?f=templates$fn=default.htm$vid=BDR:SP2 1/13
Parte Geral ­ Doutrina
Os Crimes Omissivos Impróprios e a Posição de Garante
RÓBSON DE VARGAS
Mestrando em Ciências Criminais ­ PUCRS, Especialista em Direito Constitucional ­ Unesa,
Especialista em Ciências Penais ­ PUCRS, Professor na área de Direito Público no Centro
Universitário Estácio de Sá ­ Santa Catarina. Advogado.
RESUMO: O presente artigo procura, a partir  de uma conceituação do crime omissivo
impróprio, destacar os principais aspectos acerca da responsabilidade do garantidor, que
nesta espécie de crime, possui o dever jurídico de evitar o resultado. Inicialmente, será
abordada a distinção entre crimes omissivos próprios e  impróprios, apresentando­se os
principais  critérios  de  distinção  entre  ambos.  Em  seguida,  a  abordagem  é  acerca  das
características, estrutura e elementos dos crimes omissivos impróprios. Posteriormente,
serão  apresentadas  as  fontes  do  dever  de  evitar  o  resultado,  destacando­se  algumas
teorias que analisam a posição de garante.
PALAVRAS­CHAVE: Teoria do delito; crimes omissivos impróprios; o dever jurídico de
evitar o resultado; a posição de garante.
ABSTRACT:  This  article  attempts,  based  on  a  conception  of  crime  omission
inappropriate, highlight the main aspects concerning the liability of the guarantor, that this
kind  of  crime,  has  a  legal  duty  to  avoid  the  result.  Initially,  it  will  be  addressed  the
distinction between proper and improper omissive crimes, presenting the main criteria for
distinguishing between  them. Then  the  approach  is  about  the  characteristics,  structure
and elements of crimes omissive inappropriate. Subsequently, we present the sources of
the  duty  to  avoid  the  result,  pointing  out  some  theories  that  analyze  the  position  of
guarantor.
KEYWORDS:  Theory  of  the  offense;  crimes  omissive  inappropriate;  the  legal  duty  to
avoid the result; the position of guarantees.
SUMÁRIO:Notas  introdutórias;  1  Os  crimes  omissivos  próprios  e  impróprios:
distinções  necessárias;  2  A  estrutura  e  os  elementos  dos  crimes  omissivos
impróprios;  3  As  fontes  do  dever  de  evitar  o  resultado;  Considerações  finais;
Referências.
NOTAS INTRODUTÓRIAS
Quando nos voltamos para uma compreensão sobre a conduta punível,
é possível observar que o destaque está sempre com a ação, compreendida
como  um  comportamento  humano  e  voluntário,  conscientemente  dirigido  a
uma determinada finalidade. Na doutrina, dada à quantidade de tipos penais, a
ação é sempre representada em primeiro lugar, para, logo em seguida, serem
tratados os fatos puníveis omissivos.
10/10/2017 Os Crimes Omissivos Impróprios e a Posição de Garante
http://www.bdr.sintese.com/NXT/gateway.dll?f=templates$fn=default.htm$vid=BDR:SP2 2/13
RDP Nº 82 ­ Out­Nov/2013 ­ PARTE GERAL ­ DOUTRINA   71
 
Todavia,  esse  modelo  de  sistematização  não  retira  da  omissão  a
significativa relevância que o instituto possui na dogmática penal. Longe disso.
Mas, o que se observa a partir de então, é que a omissão acaba muitas vezes
não  sendo  compreendida  ou  analisada  com  a  profundidade  merecida,
motivando,  assim,  o  surgimento  de  inúmeras  dúvidas  e  incertezas,  que
transitam  desde  a  tipificação  do  próprio  fato  omissivo,  até  o  momento  da
decisão judicial final.
Deste modo, a proposta do presente trabalho é contribuir para o debate
em  torno  dos  crimes  omissivos  na  sua  forma  imprópria,  de  maneira  a  se
analisar  um  pouco mais  detidamente  as  fontes  do  dever  jurídico  de  evitar  o
resultado e, por, assim dizer, os deveres do garantidor, visando a harmonizar
esse  tipo  penal  ao  princípio  da  reserva  legal,  já  que  são  conhecidos  os
problemas em torno da dificuldade em se delimitar o sentido do que seja este
dever jurídico de agir.
1 OS CRIMES OMISSIVOS PRÓPRIOS E IMPRÓPRIOS: DISTINÇÕES
NECESSÁRIAS
Os  crimes  omissivos  se  dividem  estruturalmente  em  dois  tipos:  os
crimes  omissivos  próprios  e  os  impróprios.  Segundo  anota  Fábio  D'Avila,  a
primeira distinção entre crimes omissivos próprios e impróprios remete à antiga
classificação de Heinrich Luden, segundo o qual os omissivos próprios eram os
crimes  em  que  a  mera  inatividade,  independente  do  resultado  a  um  direito
subjetivo  alheio,  era  suficiente  para  a  violação  de  um  dever  impositivo
estabelecido  em  lei,  enquanto  que  os  crimes  omissivos  impróprios  tinham
como  fundamento  um  determinado  resultado  que  conferia  a  omissão  às
características de uma conduta comissiva 1.
Luiz Luisi também faz essa ressalva, asseverando que se deve a Luden
a divisão dos delitos omissivos próprios e  impróprios, sendo que os primeiros
consistiriam em descumprimento de um mandato, enquanto que os segundos
seriam  impróprios  por  serem  causa  de  um  resultado  que  normalmente  é
causado por uma ação 2.
Embora se  reconheça existirem vários  critérios que buscam analisar a
distinção  entre  crimes  omissivos  próprios  e  impróprios,  os  mais  destacados
são o do resultado e do tipo penal. Sobre o critério do resultado, Fábio D'Avila
assim analisa:
10/10/2017 Os Crimes Omissivos Impróprios e a Posição de Garante
http://www.bdr.sintese.com/NXT/gateway.dll?f=templates$fn=default.htm$vid=BDR:SP2 3/13
72   RDP Nº 82 ­ Out­Nov/2013 ­ PARTE GERAL ­ DOUTRINA
 
O  critério  do  resultado  em  sua  configuração  atual  afirma  uma
compreensão  do  crime  omissivo  próprio  como  a  mera  desobediência  ao
mandamento legal,  independentemente da ocorrência de um possível resultado
normativamente vinculado, o qual, muitas vezes, poderá não apenas existir, mas
até  mesmo  traduzir  o  fim  último  do  referido  preceito,  não  pertencendo,  no
entanto, ao tipo de crime. [...] Em contrapartida, os crimes omissivos impróprios
são aqueles cuja existência está vinculada à ocorrência do resultado (típico) que
tem o sujeito, na condição de garante, o dever de evitar. 3
Por  seu  turno,  o  critério  do  tipo  penal  estabelece  que  os  crimes
omissivos próprios são aqueles que possuem uma expressa previsão legal, na
qual  a  omissão  está  diretamente  tipificada,  enquanto  que  nos  omissivos
impróprios  não  existe  um  tipo  penal  específico,  mas  os  mesmos  são  o
resultado da combinação de uma cláusula geral com o tipo penal de um crime
omissivo. Por sua vez, esse critério, elaborado por Armin Kaufmann, pode ser
considerado um "ponto de viragem" na orientação doutrinária alemã, por mudar
os critérios distintivos até existentes. Partindo de um critério axiológico,
Kaufmann  visualizou  duas  hipóteses  de  classificação:  a  primeira  seria
considerar  como  omissão  imprópria  as  hipóteses  em  que  a  omissão  é
equiparada à ação; a segunda, as hipóteses em que o problema da equiparação
não é resolvido pelo legislador, mas através da jurisprudência e da doutrina. 4
Realçando  esse  entendimento,  Figueiredo  Dias  alude  que  o  critério
fundamental  de  distinção  entre  crimes  de  omissão  próprios  (puros)  e
impróprios  (impuros)  passa  pela  circunstância  decisiva  de  que  os  impróprios
não encontram previsão em um tipo legal de crime, tornando­se indiscutível o
recurso à cláusula de equiparação, que, por sua vez, tem como fundamento a
premissa  de  que  relativamente  a  certo  tipo  de  ilícito,  o  desvalor  da  omissão
corresponde no essencial  ao  desvalor  da  ação  5.  Ainda,  segundo Figueiredo
Dias, esse será o caso
[...] quando, e apenas quando, sobre o agente recaia um dever de evitar
activa  ou  positivamente  a  realização  típica,  rectior,  de  obstar  à  verificação  do
resultado  típico ­ dito abreviadamente dever de garantia ou dever degarante ­
apesar de um tal dever se não encontrar referido na descrição típica. 6
10/10/2017 Os Crimes Omissivos Impróprios e a Posição de Garante
http://www.bdr.sintese.com/NXT/gateway.dll?f=templates$fn=default.htm$vid=BDR:SP2 4/13
RDP Nº 82 ­ Out­Nov/2013 ­ PARTE GERAL ­ DOUTRINA   73
 
O  critério  classificatório  do  tipo  penal,  o  qual  vincula  a  questão  da
equiparação nas hipóteses de omissão não tipificadas em lei, é apontado por
Fábio D'Avila como o que melhor agrupa os problemas jurídico­dogmáticos que
envolvem os crimes omissivos impróprios. No seu entendimento,
[...]  não  restam  dúvidas  de  que  a Garantlehre  foi  elaborada  tendo  por
base os crimes omissivos impróprios, que, por não terem um tipo penal próprio,
exigiam  uma  construção  doutrinária  que  viabilizasse  a  imputação  de  condutas
omissivas,  consideradas,  em  casos  particulares,  equivalentes  ao  agir  positivo.
Este  sim  era,  e  ainda  é,  o  grande  problema  da  omissão  imprópria  e  não,
evidentemente, o resultado. Em verdade, a Garantlehre é apenas consequência
da mais destacada e distintiva característica da omissão  imprópria: a ausência
de um Tatbestand. 7
Todavia, segundo Luiz Luisi, o fato de a conduta omissiva imprópria não
estar expressamente tipificada em lei criou um sério problema em decorrência
do  postulado  da  reserva  legal,  uma  vez  que  se  objetou  que  tais  crimes
carecem  de  legalidade  8.  Deste  modo,  torna­se  relevante  uma  abordagem,
ainda que breve, sobre a estrutura normativa dos crimes omissivos impróprios,
a fim de se apontar, em um segundo momento, as fontes do dever de garante.
2 A ESTRUTURA E OS ELEMENTOS DOS CRIMES OMISSIVOS
IMPRÓPRIOS
A  omissão  não  é  um  simples  não­fazer,  mas  o  não­fazer  uma
determinada  ação  a  qual  o  sujeito  está  em  condições  de  poder  realizá­la.
Deste modo, todas as qualidades que constituem a ação em um sentido ativo
também devem estar à disposição do sujeito para se poder falar de omissão 9.
Sobre  a  estrutura  dos  crimes  omissivos  impróprios,  é  possível  se
reconhecer  que  é  basicamente  a  mesma  dos  crimes  omissivos  próprios,  os
quais se consumam com a mera  inobservância ao comando de agir,  tendo o
acréscimo do dever de garantidor e da superveniência, efetiva ou potencial, do
resultado. A produção do resultado pertence ao tipo, sendo que o dever de agir
é fundamento da antijuridicidade ou ilicitude. Assim, o garantidor responde pelo
resultado porque vulnerou o dever de evitá­lo 10.
10/10/2017 Os Crimes Omissivos Impróprios e a Posição de Garante
http://www.bdr.sintese.com/NXT/gateway.dll?f=templates$fn=default.htm$vid=BDR:SP2 5/13
74   RDP Nº 82 ­ Out­Nov/2013 ­ PARTE GERAL ­ DOUTRINA
 
Ao  tratar  dessa  questão,  Cezar  Roberto  Bitencourt  informa  que  a
omissão relaciona­se com o resultado pelo seu não  impedimento, e não pela
sua  causação,  sendo  que  esse  não  impedimento  é  erigido  pelo  direito  à
condição  de  causa,  determinando­se,  dessa  forma,  a  imputação  objetiva  do
fato  11.  Sendo  assim,  o  que  importa  nos  crimes  omissivos  impróprios  é  a
constatação de uma causalidade hipotética,  isto é,  a  possibilidade  fática que
teve o sujeito de evitar o resultado 12.
De  acordo  com  Munhoz  Netto,  a  doutrina  brasileira  considera  como
elementos  dos  crimes  omissivos  impróprios  a  abstenção  da  atividade  que  a
norma  impõe; a  superveniência do  resultado  típico em vista da omissão; e a
ocorrência da situação de fato de que deflui o dever de agir. Há abstenção da
atividade que a norma  impõe quando o ordenamento estabelece a obrigação
de  evitar  o  resultado,  sendo  que  é  somente  em  decorrência  de  deveres
jurídicos  específicos  de  salvaguardar  o  bem  que  surge  a  condição  de
garantidor,  característica  da  autoria  nos  crimes  omissivos  impróprios.  A
superveniência do resultado só acarreta responsabilidade penal se o garantidor
não  se esforçou em evitá­lo. Por  fim,  a  situação de  fato de que  se origina o
dever  de  agir  é  o  estado  de  perigo  eminente  e  evitável  em que  se  encontra
determinado bem jurídico, cuja proteção deve ser garantida pelo sujeito, o qual
deve estar em condições de poder agir 13.
Assim, estruturalmente, os crimes omissivos impróprios, os quais podem
ser praticados dolosa ou culposamente,  traduzem sempre uma  infração a um
dever  de  agir  imposto  por  lei,  em  função  da  proteção  de  um  bem  jurídico,
sendo  que  a  mera  possibilidade  do  sujeito  em  evitar  o  resultado  não  é
suficiente para que se reconheça a existência do evento penal, devendo existir,
necessariamente, a obrigação de zelar pela proteção do bem jurídico tutelado
pela  norma  penal.  Por  conseguinte,  a  questão  sensível  e  bem  mais
problemática é identificar as fontes dos deveres do garantidor.
10/10/2017 Os Crimes Omissivos Impróprios e a Posição de Garante
http://www.bdr.sintese.com/NXT/gateway.dll?f=templates$fn=default.htm$vid=BDR:SP2 6/13
RDP Nº 82 ­ Out­Nov/2013 ­ PARTE GERAL ­ DOUTRINA   75
 
3 AS FONTES DO DEVER DE EVITAR O RESULTADO
A solução para se estabelecer uma relação entre a ação e a omissão e,
assim, atender no que concerne à conduta omissiva imprópria não expressa no
tipo,  às  exigências  do  princípio  da  reserva  legal,  foi  o  de  compreender  a
omissão imprópria como sendo uma violação de um dever de agir imposto pela
ordem  jurídica.  Construção  doutrinária  e  jurisprudencial  nas  suas  origens,  a
doutrina do garantidor passou a  incorporar­se nos  textos  legais, sendo que a
maioria dos códigos penais do nosso tempo a tem reconhecido e explicitado 14.
Contudo, conforme adverte Carlos Maria Romeo Casabona,
el  principal  problema  derivado  de  la  posición  de  garante  ha  sido
establecer  criterios  generales  para  determinar  su  existencia,  dado  que  la  ley
penal,  no  ofrece  ni  puede  ofrecer  satisfactoriamente  al  menos  un  catálogo
completo de posiciones de garante, por la propia "natureza de las cosas", y es al
intérprete de la ley (al Juez, en último término) a quien corresponde encontrarlo.
15
Diante  disso,  a  doutrina,  ao  buscar  analisar  a  posição de garante  nos
crimes omissivos  impróprios,  apresenta  diversas  teorias,  sendo que algumas
são  aceitas  sem  maiores  discussões,  como  adequadas  a  resolver  a
problemática do dever de garante. A primeira é conhecida como a teoria formal
do  dever  jurídico  e  das  posições  de  garantia,  a  qual  buscou  estabelecer  a
posição de garante a partir de um catálogo estrito e rigoroso, em que o crime
omissivo  impróprio  tinha  como  fundamento  jurídico  a  lei,  o  contrato  e  a
situação de perigo anterior criada pelo omitente 16.
Conforme  anota  Figueiredo  Dias,  essa  teoria  é  fruto  acabado  do
pensamento  jurídico naturalista e positivista dominante até o  início do século
XX,  que  acreditava  na  obediência  à  lei  como  forma  de  garantir  certeza  e
segurança  jurídica.  Essa  teoria  restou  abandonada  pela  doutrina  e
jurisprudência,  devido  à  matriz  da  referência  a  valores  da  orientação
neokantiana  ter  sucedido  à  visão  naturalista  e  positivista  do  direito  17,  e,
também, porque, segundo Jescheck, essa delimitação apresentada pela teoria
formal não atende ao conteúdo do dever jurídico de agir e, por essa razão, não
proporciona nenhum elemento material delimitador desse dever 18.
10/10/2017 Os Crimes Omissivos Impróprios e a Posição de Garante
http://www.bdr.sintese.com/NXT/gateway.dll?f=templates$fn=default.htm$vid=BDR:SP2 7/13
76   RDP Nº 82 ­ Out­Nov/2013 ­ PARTE GERAL ­ DOUTRINA
 
Jescheck  observa,  ainda,  que  a  concepção  teórica  iniciada  por  Amir
Kaufmann, e que ficou conhecida como teoria das funções, buscou determinar
os deveres de garante a partir de critériosmateriais, buscando uma base de
sentido social  para os diferentes deveres, que  teriam como  fundamento uma
função protetiva para o bem jurídico concreto ou uma função de vigilância de
uma fonte de perigo 19.
Ao comentar os critérios materiais, Figueiredo Dias assevera:
No primeiro grupo ­ onde cabem deveres como os dos pais relativamente
a um filho menor, ou os dos guardas de um museu relativamente aos objetos de
arte ali expostos ­, o bem jurídico carente de guarda deve ser protegido contra
todos os perigos englobáveis no âmbito de proteção. No segundo grupo ­ onde
entram  deveres  como  o  do  controlador  do  tráfego  aéreo  relativamente  à
movimentação  dos  aviões  ­,  o  garante  tem  unicamente  de  fiscalizar  fontes  de
perigo determinadas. 20
No  entendimento  de Casabona,  tanto  a  teoria  formal  como  a material
(funções)  apresentam  inconvenientes,  pois  tendem  a  extrair  da  lei  e  das
relações jurídicas e fáticas entre o sujeito e o bem jurídico posições de garante
não estabelecidas inequivocamente e de modo suficiente, correndo­se o risco
de que os deveres jurídicos sejam derivação de simples deveres morais ou, ao
menos, de confundir estes com aqueles 21.
Por  sua  vez,  ao  enfrentar  a  problemática,  Eduardo  Novoa  Monreal
observa  que  o  mais  interessante  é  uma  busca  empírica  que  estabeleça
critérios gerais aptos para se conhecer mais a fundo as razões que explicam a
obrigação  de  atuar  do  garante,  e,  com  isso,  dar  forma  no  futuro  a  preceitos
legais mais completos que os existentes. Qualquer outro caminho não conduz
senão a um justificado aumento das críticas que merecem os delitos impróprios
de  omissão,  especialmente  por  se  distanciarem  do  princípio  fundamental  da
legalidade do Direito Penal 22.
10/10/2017 Os Crimes Omissivos Impróprios e a Posição de Garante
http://www.bdr.sintese.com/NXT/gateway.dll?f=templates$fn=default.htm$vid=BDR:SP2 8/13
RDP Nº 82 ­ Out­Nov/2013 ­ PARTE GERAL ­ DOUTRINA   77
 
Não  é  por  outra  razão  que  Figueiredo  Dias  afirma  que  uma
concretização dos deveres de garantia só é possível de se alcançar quando da
conjugação  das  duas  teorias,  de  modo  a  adotarmos  uma  teoria  "material­
formal". Na sua concepção teórica,
a  verdadeira  fonte  dos  deveres  e  das  posições  de  garantia  reside  em
algo muito mais profundo, a saber, na valoração autônoma da ilicitude material,
completadora  do  tipo  formal,  através  da  qual  a  comissão  por  omissão  vem  a
equiparar­se  à  acção  na  situação  concreta,  por  força  das  exigências  de
solidariedade  do  homem para  com os  outros  homens,  dentro  da  comunidade.
Caso  em que  será  a  "proximidade  existencial  do  'eu'  e  do  'outro'",  o  princípio
dialógico  do  "ser­com­os­outros"  e  "ser­para­os­outros",  o  exercício  da  virtude
cristã  da  "caridade"  e  do  "amor  do  próximo"  (ou  como  quer  que  prefiramos
exprimir­nos) que criam os deveres e as posições de garantia. 23
Essa conjugação entre as duas teorias não afasta a necessidade de que
os deveres do garante sejam expressos na lei, mas ressalta a necessidade de
que esses deveres  tenham por base critérios materiais, capazes de  indicar o
conteúdo social da omissão. No Código Penal brasileiro, em seu art. 13, § 2º, a
posição do garantidor está fundada no dever de evitar o resultado, dever este
que pode derivar da lei, do contrato ou da assunção fática de proteção do bem
jurídico, ou, ainda, porque o sujeito com seu comportamento criou o  risco da
ocorrência do resultado.
Percebe­se que restou adotado pelo legislador pátrio o critério da teoria
formal,  o  qual  limita  os  deveres  de  agir  apenas  a  fontes  formais.  Segundo
Juarez  Tavares,  esse  modelo  representado  por  três  grupos  de  casos  que
fundamentam o  dever  de  impedir  o  resultado,  parece  remontar  a  fórmula  do
penalista  alemão  Edmund Mezger,  que  é  da  década  de  trinta,  e  que  não  é
satisfatória 24. Isso porque,
ao  dispor  sobre  esses  três  supostos  do  dever  de  agir,  que  foram
acolhidos  no  Código  Penal,  Mezger  já  havia  salientado  a  necessidade  de
delimitar  com  segurança  os  fundamentos  desse  dever,  para  evitar  que meros
deveres  morais  viessem  a  justificar  a  responsabilidade  criminal.  E  agregava
ainda que, em todos esses casos, deveria haver um inequívoco sentido de que a
infração ao dever  jurídico de agir devesse conduzir à  responsabilidade criminal
do sujeito. Não chegou, entretanto, Mezger a  conclusões definitivas acerca da
previsão dessa responsabilidade criminal, justamente porque partia de premissas
formais e se satisfazia em ajustá­las aos casos concretos. 25
10/10/2017 Os Crimes Omissivos Impróprios e a Posição de Garante
http://www.bdr.sintese.com/NXT/gateway.dll?f=templates$fn=default.htm$vid=BDR:SP2 9/13
78   RDP Nº 82 ­ Out­Nov/2013 ­ PARTE GERAL ­ DOUTRINA
 
Deste  modo,  Juarez  Tavares  anota  que  buscar  um  conteúdo  para  os
fundamentos da posição de garantidor  leva a três situações: a) na vinculação
entre o sujeito garantidor e a vítima em virtude de circunstâncias e condições
sociais  e  familiares,  de  modo  a  obrigá­lo  à  proteção;  b)  nas  relações  de
trabalho,  em  que  uma  pessoa  se  obriga  profissionalmente  à  proteção  de
outras; c) na responsabilidade pelas fontes de produção de perigo, onde quem
detém  essas  fontes  tem  a  obrigação  de  evitar  resultados  lesivos  delas
decorrentes.  Entretanto,  esses  deveres  de  agir  não  podem  ser  limitados
apenas  por  fontes  formais,  já  que  a  omissão  não  constitui  matéria  apenas
jurídica,  mas  engloba  um  sentido  social  decorrente  das  relações  entre  as
pessoas, das quais se exige de algumas proteção para com as outras 26.
Convém assinalar, ainda, que essa formatação prevista no Código Penal
acerca  da  relevância  jurídico­penal  da  omissão  é  criticável  em  face  de  três
princípios  constitucionais:  o  da  legalidade,  da  pessoalidade  da  pena  e  da
proporcionalidade. Segundo leciona Paulo Queiroz, o Código Penal adota uma
cláusula  geral  e  vaga  para  tratar  das  fontes  do  dever  de  garante,  não
esclarecendo nada quanto ao seu conteúdo, remetendo a complementação do
seu significado à lei penal em branco ou a uma outra lei, a um contrato ou uma
situação  concreta  de  criação  de  perigo,  em  geral  ainda  mais  imprecisos  e
indeterminados,  violando,  com  isso,  o  princípio  da  legalidade.  Se  isso  não
bastasse,  a  omissão  imprópria  viola  o  princípio  da  impessoalidade  da  pena,
sobretudo naquelas  hipóteses  em que  se  pretende  imputar  ao  omitente  uma
ação  de  outrem  ou  um  evento  puramente  natural,  sendo  que  a  pena  com  a
qual se pretende castigar o omitente é desproporcional e ofensiva ao princípio
da  igualdade,  visto  que  equipara  a  simples  omissão  à  ação,  condutas  cuja
significação é muito distinta 27.
Na interpretação de Zaffaroni e Pierangeli,
tem­se a impressão de que o princípio da legalidade passa a sofrer uma
importante exceção, embora, de outra parte,  também se tenha a  impressão de
que a admissão dos tipos omissivos impróprios não expressos não faz mais do
que esgotar o conteúdo proibitivo do tipo ativo, que de modo algum quis deixar
certas condutas fora da proibição. 28
10/10/2017 Os Crimes Omissivos Impróprios e a Posição de Garante
http://www.bdr.sintese.com/NXT/gateway.dll?f=templates$fn=default.htm$vid=BDR:SP2 10/13
RDP Nº 82 ­ Out­Nov/2013 ­ PARTE GERAL ­ DOUTRINA   79
 
Diante  desse  cenário,  Juarez  Tavares  assinala  que  a  solução  mais
coerente com o princípio da legalidade, embora não exaustiva e perfeita, seria
a previsão na parte especial do Código Penal, dos delitos que comportassem a
punição pela omissão 29. E, não sendo isso possível, entende que uma solução
seria,  a  partir  deum  critério  de  identidade  30,  restringir  a  omissão  imprópria
apenas  para  determinados  crimes  (contra  a  vida,  a  integridade  corporal  e  a
liberdade),  cuja  natureza  e  consequências  recomendam  uma  imediata  e
oportuna  intervenção  protetiva,  que  não  pode  ser  postergada  para  não  se
tornar inócua.
Em meio a esses percalços e disparidades, é necessário para a garantia
da segurança jurídica e em respeito ao princípio da legalidade 31 limitar o dever
jurídico de agir, especialmente a  incidência da alínea b do § 2º do art. 13 do
Código  Penal,  já  que  o  tipo  normativo  se  apresenta  aberto,  face  sua
determinação ampla e imprecisa. O enunciado normativo, que "de outra forma,
assumiu a responsabilidade de impedir o resultado", abre espaço para muitas
deduções e inferências teóricas, muitas vezes mal fundamentadas, que podem
levar o intérprete à nela inserir deveres impostos pela mera convivência entre
as pessoas, ou pelas relações concretas de vida, sem qualquer necessidade.
Por  tudo  isso,  dado  o  caráter  especialmente  restritivo  da  liberdade
individual,  próprio  das  leis  penais,  é  essencial  o  respeito  aos  princípios  da
necessidade  e  proporcionalidade  no  que  tange  a  proteção  penal  de  bens
jurídicos, devendo ser vedada incriminações vagas, imprecisas e abertas, que
não se apresentam com clareza quanto aos termos e elementos constantes no
tipo penal.
10/10/2017 Os Crimes Omissivos Impróprios e a Posição de Garante
http://www.bdr.sintese.com/NXT/gateway.dll?f=templates$fn=default.htm$vid=BDR:SP2 11/13
80   RDP Nº 82 ­ Out­Nov/2013 ­ PARTE GERAL ­ DOUTRINA
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A  partir  de  uma  diferenciação  entre  crimes  omissivos  próprios  e
impróprios,  é  possível  perceber  que  estes  últimos  apresentam  uma
particularidade, que é representada pela  figura do garantidor. Diante disso se
constata que não há crime omissivo impróprio sem que exista o indispensável
dever  jurídico  de  agir  para  impedir  o  dano  ou  perigo  ao  bem  juridicamente
tutelado, respondendo o omitente pelo resultado quando tinha o dever de evitá­
lo.
Como visto, a determinação desse dever de garantia é uma tarefa das
mais difíceis para a dogmática penal,  tendo o  legislador brasileiro optado por
adotar um nexo normativo formal entre a omissão e o resultado. Ao fazer isso,
limitou os deveres de agir apenas a  fontes  formais, sem dispor sobre o mais
importante,  isto  é,  sobre  o  conteúdo  para  os  fundamentos  da  posição  de
garantidor.
Por essa razão, temos um cenário em que a normatização da omissão
imprópria  é  imprecisa  e  problemática,  a  ponto  de  atingir  os  postulados  do
princípio da legalidade, responsável por firmar uma função limitadora ao Direito
Penal. Por  outro  lado,  a  complexidade  da  questão  indica  que  a  solução  não
deve ser buscada apenas em uma teoria, mas, quem sabe, na conjugação de
preceitos que permitam delimitar o conteúdo para os fundamentos da posição
de garantidor,  tudo em respeito aos direitos e às garantias  fundamentais dos
indivíduos, evitando valorações subjetivas de  toda ordem, que paralelamente
buscam criar novas fontes para esse dever de garante.
REFERÊNCIAS
BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual  de  direito  penal.  Parte Geral.  São
Paulo: Saraiva, v. 1, 2002.
CASABONA, Carlos Maria Romeo.  Límites  de  los  delitos  de  comisión  por
omisión. Revista Brasileira de Ciências Criminais,  São Paulo,  n.  7,  jul./set.
1994.
D'AVILA, Fábio. Ofensividade e crimes omissivos próprios (contributo à com ­
preensão do crime como ofensa ao bem jurídico). Coimbra: Coimbra, 2005.
FIGUEIREDO  DIAS,  Jorge  de.  Direito  penal.  Parte  Geral.  Coimbra:
Coimbra, t. I, 2004.
JESCHECK, Hans­Heinrich. Tratado de derecho penal. Parte General. Trad.
José Luis Manzanares Samaniego. Granada: Comares, 1993.
LUISI,  Luiz.  Os  princípios  constitucionais  penais.  Porto  Alegre:  Sergio
Antonio Fabris, 2003.
10/10/2017 Os Crimes Omissivos Impróprios e a Posição de Garante
http://www.bdr.sintese.com/NXT/gateway.dll?f=templates$fn=default.htm$vid=BDR:SP2 12/13
RDP Nº 82 ­ Out­Nov/2013 ­ PARTE GERAL ­ DOUTRINA   81
 
MONREAL,  Eduardo  Novoa.  Fundamentos  de  los  delitos  de  omisión.
Buenos Aires: Depalma, 1984.
MUÑOZ CONDE, Francisco. Teoria geral do delito. Trad. Juarez Tavares e
Luiz Regis Prado. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988.
MUNHOZ NETTO, Alcides. Os crimes omissivos no Brasil (Comunicação ao
XIII Congresso Internacional de Direito Penal). Rio de Janeiro, 1982.
QUEIROZ, Paulo. Direito penal. Parte Geral. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2011.
TAVARES, Juarez. As controvérsias em torno dos crimes omissivos. Rio de
Janeiro: Instituto Latino­Americano de Cooperação Internacional, 1996.
ZAFFARONI,  Eugenio  Raúl;  PIERANGELI,  José  Henrique.  Manual  de
direito penal brasileiro. Parte Geral. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2001.
 
10/10/2017 Os Crimes Omissivos Impróprios e a Posição de Garante
http://www.bdr.sintese.com/NXT/gateway.dll?f=templates$fn=default.htm$vid=BDR:SP2 13/13

Outros materiais