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STONE, Lawrence - O ressurgimento da narrativa reflexões sobre uma nova velha história.pdf

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O	
   RESSURGIMENTO	
   DA	
   NARRATIVA:	
   REFLEXÕES	
   SOBRE	
   UMA	
   NOVA	
   VELHA	
  
HISTÓRIA	
  
Lawrence	
  Stone1	
  
I	
  
	
  
	
   Os	
  historiadores	
   sempre	
  contaram	
  estórias2.	
  Desde	
  Tucídides	
  e	
  Tácito	
  a	
  
Gibbon	
   e	
   Macaulay,	
   a	
   composição	
   de	
   uma	
   narrativa	
   em	
   prosa	
   viva	
   e	
   elegante	
  
sempre	
   foi	
   considerada	
   como	
   sua	
  maior	
   ambição.	
  A	
  história	
   era	
   vista	
   como	
  um	
  
ramo	
   da	
   retórica.	
   Nos	
   últimos	
   cinquenta	
   anos,	
   porém,	
   essa	
   função	
   de	
   contar	
  
estórias	
   adquiriu	
   uma	
   reputação	
   negativa	
   entre	
   os	
   que	
   se	
   consideram	
   a	
   si	
  
mesmos	
  na	
   vanguarda	
  da	
  profissão,	
   os	
   praticantes	
   da	
   chamada	
   "nova	
  história"	
  
do	
  período	
  posterior	
  a	
  Segunda	
  Guerra	
  Mundial3.	
  Na	
  França,	
  o	
  contar	
  estórias	
  foi	
  
desqualificado	
  como	
  "historie	
  événementielle".	
  Agora,	
  porém,	
  vejo	
  sinais	
  de	
  uma	
  
tendência	
   subterrânea	
   que	
   vem	
   atraindo	
   muitos	
   "novos	
   historiadores"	
  
importantes	
  de	
  volta	
  para	
  alguma	
  forma	
  de	
  narrativa.	
  	
  
Antes	
  de	
  iniciar	
  um	
  exame	
  das	
  indicações	
  de	
  tal	
  mudança	
  e	
  de	
  avançar	
  al-­‐
gumas	
   especulações	
   sobre	
   suas	
   possíveis	
   causas,	
   seria	
   melhor	
   esclarecer	
   uma	
  
série	
  de	
  coisas.	
  A	
  primeira	
  é	
  a	
  acepção	
  em	
  que	
  aqui	
  se	
  entende	
  a	
  "narrativa”	
  4.	
  A	
  
narrativa	
   aqui	
   designa	
   a	
   organização	
   de	
   materiais	
   numa	
   ordem	
   de	
   sequência	
  
cronológica	
  e	
  a	
  concentração	
  do	
  conteúdo	
  numa	
  única	
  estória	
  coerente,	
  embora	
  
possuindo	
  sub-­‐tramas.	
  A	
  história	
  narrativa	
  se	
  distingue	
  da	
  história	
  estrutural	
  por	
  
dois	
  aspectos	
  essenciais:	
  sua	
  disposição	
  é	
  mais	
  descritiva	
  do	
  que	
  analítica,	
  e	
  seu	
  
enfoque	
   central	
   diz	
   respeito	
   ao	
   homem,	
   e	
   não	
   às	
   circunstâncias.	
   Portanto,	
   ela	
  
trata	
  do	
  particular	
  e	
  do	
  específico,	
  de	
  preferência	
  ao	
  coletivo	
  e	
  ao	
  estatístico.	
  A	
  
narrativa	
   é	
   uma	
  modalidade	
   de	
   escrita	
   histórica,	
  modalidade	
   esta,	
   porém,	
   que	
  
também	
  afeta	
  e	
  é	
  afetada	
  pelo	
  conteúdo	
  e	
  pelo	
  método.	
  	
  
 
1 Sou muito grato à minha mulher e meus colegas, os professores Robert Darnton. Nalalie Davis. Felix Gilbert. 
Charles Gillispie. Theodore Rabb, Carl Schorske e muitos outros, pelas valiosas críticas a um esboço inicial desde 
artigo. Aceitei a maioria das sugestões, mas a responsabilidade pelo produto final cabe apenas a mim. 
 
2 Utiliza-se nesta tradução o pouco consagrado "estória", para manter a distinção com a “história", conforme o uso de 
"story" e "history" no original. 
 
3 Não se deve confundir esses "novos historiadores" recentes com os "novos historiadores" americanos de uma 
geração anterior, como Charles Deard e James Harvey Robinson. 
 
4 Sobre a história da narrativa, ver L Gossman, Augustin Thierry and Liberal Historiography" History and Theory. 
Beiheft XV. 1979. H. White; Methahistory: The Historical Imagtnation in the Nineteenlh Century. Baltimore, 1973. 
Agradeço ao professor Randolph Starn por chamar minha atenção para este último. 
O	
  tipo	
  de	
  narrativa	
  em	
  que	
  estou	
  pensando	
  não	
  é	
  o	
  do	
  simples	
  cronista	
  ou	
  
analista	
   de	
   coisas	
   passadas.	
   É	
   a	
   narrativa	
   orientada	
   por	
   algum	
   "princípio	
  
fecundo",	
  e	
  que	
  possui	
  um	
  tema	
  e	
  um	
  argumento.	
  O	
  tema	
  de	
  Tucídides	
  eram	
  as	
  
guerras	
  do	
  Peloponeso	
  e	
  seus	
  efeitos	
  catastróficos	
  sobre	
  a	
  sociedade	
  e	
  a	
  política	
  
gregas;	
  o	
  de	
  Gibbon	
  era	
  o	
  declínio	
  e	
  queda	
  do	
  Império	
  Romano;	
  o	
  de	
  Macaulay,	
  o	
  
surgimento	
   de	
   uma	
   disposição	
   participativa	
   liberal	
   nas	
   correntes	
   da	
   política	
  
revolucionária.	
  Os	
  biógrafos	
  contam	
  a	
  estória	
  de	
  uma	
  vida,	
  desde	
  o	
  nascimento	
  
até	
   a	
   morte.	
   Nenhum	
   historiador	
   narrativo,	
   no	
   sentido	
   em	
   que	
   aqui	
   os	
   defini,	
  
deixa	
   a	
   análise	
   totalmente	
   de	
   lado,	
   mas	
   ela	
   não	
   constitui	
   o	
   arcabouço	
   de	
  
sustentação	
   em	
   torno	
   do	
   qual	
   constroem	
   sua	
   obra.	
   E,	
   por	
   fim,	
   eles	
   estão	
  
profundamente	
   preocupados	
   com	
   os	
   aspectos	
   retóricos	
   de	
   sua	
   apresentação.	
  
Quer	
   suas	
   tentativas	
   dêem	
   certo	
   ou	
   não,	
   eles	
   certamente	
   pretendem	
   alcançar	
  
concisão,	
   espírito	
   e	
   elegância	
   estilística.	
   Não	
   se	
   contentam	
   em	
   lançar	
   palavras	
  
numa	
  página	
  e	
  ali	
  deixá-­‐las,	
  pensando	
  que,	
  na	
  medida	
  em	
  que	
  a	
  história	
  é	
  uma	
  
ciência,	
  dispensa	
  o	
  auxílio	
  de	
  qualquer	
  arte.	
  
Não	
  se	
  deve	
  considerar	
  que	
  as	
  correntes	
  aqui	
   identificadas	
  se	
  apliquem	
  a	
  
grande	
  massa	
  dos	
  historiadores.	
  O	
  que	
  se	
  tenta	
  é	
  apenas	
  assinalar	
  uma	
  mudança	
  
perceptível	
  de	
  conteúdo,	
  método	
  e	
  estilo	
  entre	
  uma	
  parcela	
  muito	
  reduzida,	
  mas	
  
desproporcionalmente	
   destacada,	
   da	
   profissão	
   histórica	
   como	
   um	
   todo.	
   A	
  
história	
   sempre	
   teve	
   muitas	
   sedes,	
   e	
   assim	
   deve	
   continuar	
   para	
   prosperar	
   no	
  
futuro.	
  O	
  triunfo	
  de	
  um	
  gênero	
  ou	
  escola	
  sempre	
  acaba	
  levando	
  a	
  um	
  sectarismo	
  
estreito,	
  ao	
  narcisismo	
  e	
  autobajulação,	
  ao	
  desprezo	
  ou	
  tirania	
  em	
  relação	
  aos	
  de	
  
fora,	
   e	
   outras	
   características	
   desagradáveis	
   e	
   contraproducentes.	
   Todos	
   nós	
  
conhecemos	
  exemplos	
  disso.	
  Em	
  alguns	
  países	
  e	
  instituições,	
  foi	
  pernicioso	
  que,	
  
nos	
  últimos	
  trinta	
  anos,	
  os	
  "novos	
  historiadores"	
  tenham	
  conseguido	
  se	
  impor	
  de	
  
tal	
   maneira,	
   e	
   será	
   igualmente	
   pernicioso	
   se	
   a	
   nova	
   corrente,	
   se	
   é	
   que	
   é	
   uma	
  
corrente,	
  alcançar,	
  aqui	
  e	
  ali,	
  um	
  mesmo	
  tipo	
  de	
  dominação.	
  
É	
  também	
  fundamental	
  estabelecer	
  de	
  uma	
  vez	
  por	
  todas	
  que	
  este	
  ensaio	
  
tenta	
  mapear	
  transformações	
  observadas	
  no	
  estilo	
  histórico,	
  sem	
  fazer	
  juízos	
  de	
  
valor	
   sobre	
   as	
   modalidades	
   boas	
   e	
   as	
   não	
   tão	
   boas	
   de	
   escrita	
   histórica.	
   Em	
  
qualquer	
   estudo	
   historiográfico,	
   é	
   difícil	
   evitar	
   juízos	
   de	
   valor,	
  mas	
   este	
   ensaio	
  
não	
  pretende	
  erguer	
  qualquer	
  bandeira	
  nem	
  conflagrar	
  uma	
  revolução.Ninguém	
  
está	
  sendo	
  instado	
  a	
  jogar	
  fora	
  sua	
  calculadora	
  e	
  contar	
  uma	
  estória.	
  
	
  
II	
  
	
  
Antes	
  de	
  observar	
  as	
  correntes	
  recentes,	
  primeiramente	
  é	
  preciso	
  explicar	
  
o	
  abandono,	
  por	
  parte	
  de	
  muitos	
  historiadores,	
  há	
  cerca	
  de	
  cinquenta	
  anos	
  atrás,	
  
de	
  uma	
  tradição	
  que,	
  durante	
  dois	
  séculos,	
  encarou	
  a	
  narrativa	
  como	
  modalidade	
  
ideal.	
   Em	
   primeiro	
   lugar,	
   apesar	
   de	
   acaloradas	
   afirmativas	
   em	
   contrário,	
  
reconheceu-­‐se	
   amplamente,	
   com	
   certa	
   razão,	
   que	
   as	
   respostas	
   de	
   tipo	
  
cronológico	
   a	
   perguntas	
   sobre	
   o	
   quê	
   e	
   como,	
   mesmo	
   que	
   orientadas	
   por	
   um	
  
argumento	
  central,	
  de	
  fato	
  não	
  avançam	
  muito	
  para	
  responder	
  a	
  perguntas	
  sobre	
  
o	
  porquê.	
  Além	
  disso,	
  naquela	
  época,	
  os	
  historiadores	
  se	
  encontravam	
  sob	
  a	
  forte	
  
influência	
   tanto	
   da	
   ideologia	
   marxista,	
   quanto	
   da	
   metodologia	
   das	
   ciências	
  
sociais.	
   Por	
   decorrência,	
   estavam	
   interessados	
   em	
   sociedades,	
   e	
   não	
   em	
  
indivíduos,	
  e	
  confiavam	
  que	
  se	
  poderia	
  chegar	
  a	
  uma	
  "a	
  história	
  científica"	
  que,	
  
com	
  o	
  tempo,	
  criaria	
  leis	
  generalizadas	
  para	
  explicar	
  a	
  transformação	
  histórica.	
  
Neste	
  ponto,	
  devemos	
  parar	
  mais	
  uma	
  vez,	
  para	
  definir	
  o	
  que	
  se	
  entende	
  
por	
   "a	
   história	
   científica".	
   A	
   primeira	
   "a	
   história	
   científica"	
   foi	
   formulada	
   por	
  
Ranke	
  no	
  século	
  XIX,	
  e	
  se	
  baseava	
  no	
  estudo	
  de	
  novas	
  fontes.	
  Acreditava-­‐se	
  que	
  a	
  
detalhada	
   crítica	
   textual	
   de	
   registros	
   até	
   então	
   intocados,	
   enterrados	
   em	
  
arquivos	
  oficiais,	
   estabeleceria	
  definitivamente	
  os	
   fatos	
  da	
  história	
  política.	
  Nos	
  
últimos	
   trinta	
   anos,	
   apareceram	
   três	
   tipos	
   muito	
   diferentes	
   de	
   "história	
  
científica",	
  correntes	
  na	
  profissão,	
  todos	
  baseados	
  não	
  em	
  novos	
  dados,	
  mas	
  em	
  
novos	
   modelos	
   ou	
   novos	
   métodos:	
   o	
   modelo	
   econômico	
   marxista,	
   o	
   modelo	
  
ecológico-­‐demográfico	
   francês	
   e	
   a	
   metodologia	
   "cliométrica"	
   americana.	
  
Segundo	
  o	
   velho	
  modelo	
  marxista,	
   a	
  história	
   avança	
  num	
  processo	
  dialético	
  de	
  
tese	
  e	
  antítese,	
  através	
  de	
  um	
  conflito	
  de	
  classes,	
  elas	
  mesmas	
  criadas	
  por	
  uma	
  
transformação	
  no	
  controle	
  sobre	
  os	
  meios	
  de	
  produção.	
  Nos	
  anos	
  1930.	
  essa	
  idéia	
  
resultou	
   num	
   determinismo	
   econômico-­‐social	
   bastante	
   simplista,	
   que	
   afetou	
  
muitos	
   jovens	
  estudiosos	
  da	
  época.	
  É	
  uma	
  noção	
  de	
  "história	
  científica"	
  que	
  foi	
  
firmemente	
   defendida	
   por	
   marxistas	
   até	
   o	
   final	
   dos	
   anos	
   1950.	
   Deve-­‐se	
   notar,	
  
porém,	
  que	
  a	
  atual	
  geração	
  de	
  "neo-­‐marxistas"	
  parece	
  ter	
  abandonado	
  a	
  maioria	
  
dos	
  princípios	
  básicos	
  dos	
  historiadores	
  marxistas	
  tradicionais	
  da	
  década	
  de	
  1930.	
  
Agora	
   estão	
   tão	
   interessados	
   pelo	
   estado,	
   a	
   política,	
   a	
   religião	
   e	
   a	
   ideologia	
  
quanto	
  seus	
  colegas	
  não-­‐marxistas,	
  e	
  nesse	
  meio-­‐tempo	
  parecem	
  ter	
  renunciado	
  
à	
  pretensão	
  de	
  estarem	
  buscando	
  uma	
  "história	
  cientifica".	
  
O	
   segundo	
   sentido	
   da	
   "história	
   científica"	
   é	
   o	
   empregado	
   pela	
   escola	
  
Annales	
  de	
  historiadores	
  franceses,	
  desde	
  1945,	
  entre	
  os	
  quais	
  Emmannuel	
  Le	
  Roy	
  
Ladurie	
  pode	
  figurar	
  como	
  porta-­‐voz,	
  embora	
  um	
  tanto	
  extremado.	
  Segundo	
  ele,	
  
a	
  variável	
  fundamental	
  na	
  história	
  são	
  as	
  mudanças	
  no	
  equilíbrio	
  ecológico	
  entre	
  
a	
   oferta	
   alimentar	
   e	
   a	
   população,	
   equilíbrio	
   este	
   a	
   ser	
   necessariamente	
  
determinado	
   por	
   estudos	
   quantitativos	
   da	
   produtividade	
   agrícola,	
   das	
  
transformações	
  demográficas	
  e	
  preços	
  dos	
  alimentos	
  na	
  longa	
  duração.	
  Esse	
  tipo	
  
de	
  "a	
  história	
  científica"	
  surgiu	
  a	
  partir	
  de	
  uma	
  combinação	
  entre	
  um	
  prolongado	
  
interesse	
   francês	
   pela	
   geografia	
   e	
   demografia	
   históricas	
   e,	
   de	
   outro	
   lado,	
   a	
  
metodologia	
   quantitativa.	
   Le	
   Roy	
   Ladurie	
   nos	
   disse	
   claramente	
   que	
   "a	
   história	
  
que	
  não	
  é	
  quantificável	
  não	
  pode	
  pretender	
  ser	
  científica"	
  5.	
  
O	
   terceiro	
   sentido	
   da	
   "história	
   científica"	
   é	
   basicamente	
   americano,	
   e	
   se	
  
baseia	
  na	
  pretensão,	
  expressa	
  em	
  alto	
  e	
  bom	
  tom	
  pelos	
  "cliometristas",	
  de	
  que	
  
apenas	
   sua	
   própria	
  metodologia	
   quantitativa	
  muito	
   especial	
   pode	
   ter	
   qualquer	
  
 
5 E. Le Roy Ladurie. The Territory of the Historian, trad. B. and S. Reynolds (Hassocks, 1979), p. 15, e pt. i, passim. 
 
ambição	
   de	
   ser	
   científica6.	
   Segundo	
   eles,	
   a	
   comunidade	
   histórica	
   pode	
   ser	
  
dividida	
   em	
   dois.	
   Há	
   "os	
   tradicionalistas",	
   entre	
   os	
   quais	
   incluem-­‐se	
   os	
  
historiadores	
   narrativos	
   do	
   velho	
   estilo,	
   tratando	
  principalmente	
   da	
   política	
   do	
  
estado	
   e	
   da	
   história	
   constitucional,	
   e	
   os	
   "novos"	
   historiadores	
   econômicos	
   e	
  
demográficos	
   das	
   escolas	
   Annales	
   e	
   Past	
   and	
   Present	
   -­‐	
   embora	
   estes	
   últimos	
  
utilizem	
   a	
   quantificação	
   e	
   os	
   dois	
   grupos	
   tenham	
   sido	
   inimigos	
   ferrenhos	
   por	
  
várias	
   décadas,	
   principalmente	
   na	
   França.	
   Totalmente	
   à	
   parte	
   estão	
   os	
   "histo-­‐
riadores	
  científicos",	
  os	
  cliometristas,	
  que	
  se	
  definem	
  mais	
  por	
  uma	
  metodologia	
  
do	
   que	
   por	
   algum	
   assunto	
   ou	
   interpretação	
   específica	
   sobre	
   a	
   natureza	
   da	
  
transformação	
   histórica.	
   São	
   historiadores	
   que	
   constroem	
   modelos	
  
paradigmáticos,	
   às	
   vezes	
   contrafatuais	
   sobre	
   mundos	
   que	
   nunca	
   existiram	
   na	
  
vida	
   real,	
   e	
   testam	
   a	
   validade	
   dos	
   modelos	
   com	
   as	
   mais	
   sofisticadas	
   fórmulas	
  
matemáticas	
   e	
   algébricas,	
   aplicadas	
   a	
   grandes	
   quantidades	
   de	
   dados	
   eletro-­‐
nicamente	
   processados.	
   Seu	
   campo	
   específico	
   é	
   a	
   história	
   econômica,	
   que	
  
praticamenteconquistaram	
  nos	
   Estados	
  Unidos,	
   e	
   têm	
   feito	
   grandes	
   incursões	
  
na	
   história	
   da	
   política	
   democrática	
   recente,	
   aplicando	
   seus	
   métodos	
   ao	
   com-­‐
portamento	
  nas	
  votações,	
  tanto	
  por	
  parte	
  dos	
  eleitores	
  quanto	
  dos	
  eleitos.	
  Essas	
  
grandes	
   empreitas	
   são,	
   necessariamente,	
   resultado	
   de	
   um	
   trabalho	
   de	
   equipe,	
  
bastante	
   parecido	
   com	
   a	
   construção	
   das	
   pirâmides:	
   equipes	
   de	
   auxiliares	
  
diligentes	
   reúnem	
   dados,	
   codificam-­‐nos,	
   programam-­‐nos	
   e	
   passam-­‐nos	
   pela	
  
trituração	
   do	
   computador,	
   todos	
   sob	
   a	
   direção	
   autocrática	
   de	
   um	
   chefe	
   de	
  
equipe.	
   Os	
   resultados	
   não	
   podem	
   ser	
   verificados	
   por	
   nenhum	
   dos	
   métodos	
  
tradicionais,	
   visto	
   que	
   as	
   provas	
   documentais	
   estão	
   fechadas	
   em	
   gravações	
  
computadorizadas	
   particulares,	
   não	
   sendo	
   expostas	
   em	
   notas	
   de	
   rodapé	
   nas	
  
publicações.	
  De	
  qualquer	
  maneira,	
  os	
  dados	
  são	
  muitas	
  vezes	
  expressos	
  de	
  uma	
  
forma	
   tão	
  matematicamente	
   obscura	
   que	
   são	
   ininteligíveis	
   para	
   a	
  maioria	
   dos	
  
historiadores	
   profissionais.	
   O	
   único	
   consolo	
   para	
   os	
   leigos	
   perplexos	
   é	
   que	
   os	
  
membros	
   dessa	
   ordem	
   sacerdotal	
   discordam	
   ferozmente	
   em	
   público	
   sobre	
   a	
  
validade	
  das	
  descobertas	
  de	
  cada	
  um	
  deles.	
  	
  
Esses	
  três	
  tipos	
  de	
  "história	
  científica"	
  em	
  certa	
  medida	
  se	
  sobrepõem,	
  mas	
  
apresentam	
   diferenças	
   suficientes,	
   e	
   com	
   certeza	
   aos	
   olhos	
   de	
   seus	
   próprios	
  
praticantes,	
  para	
  justificar	
  a	
  elaboração	
  dessa	
  tríplice	
  tipologia.	
  
Outras	
   explicações	
   "científicas"	
   da	
   transformação	
   histórica	
   granjearam	
  
prestígio	
   durante	
   algum	
   tempo,	
   e	
   depois	
   saíram	
   de	
   moda.	
   O	
   estruturalismo	
  
francês	
  produziu	
  algumas	
  teorizações	
  brilhantes,	
  mas	
  não	
  criou	
  uma	
  única	
  obra	
  
histórica	
   importante	
   -­‐	
  a	
  menos	
  que	
  se	
  considerem	
  os	
  textos	
  de	
  Michel	
  Foucault	
  
como	
   obras	
   primariamente	
   históricas,	
   e	
   não	
   de	
   filosofia	
   moral	
   com	
   exemplos	
  
extraídos	
   da	
   história.	
   O	
   funcionalismo	
   parsoniano,	
   precedido	
   pela	
   Teoria	
  
 
6 Um artigo inédito de R. W. Fogel. "Scientific History and Tradicional History". 1979: apresenta os argumentos mais 
persuasivos que se podem invocar para considerá-la como a única e verdadeira história "cientifica". Mas continuo sem 
me convencer. 
Científica	
   da	
   Cultura	
   de	
   Malinowski7,	
   teve	
   uma	
   longa	
   vida,	
   apesar	
   de	
   não	
  
conseguir	
  apresentar	
  uma	
  explicação	
  sobre	
  a	
  transformação	
  ao	
  longo	
  do	
  tempo,	
  
e	
   a	
  despeito	
  do	
   fato	
  óbvio	
  de	
  que	
  o	
  encaixe	
  entre	
  as	
  necessidades	
  materiais	
   e	
  
biológicas	
  de	
  uma	
  sociedade	
  e	
  as	
   instituições	
  e	
  valores	
  com	
  que	
  ela	
  vive	
  nunca	
  
foi	
   perfeito	
   e,	
   na	
   verdade,	
   é	
   freqüentemente	
   muito	
   precário.	
   Tanto	
   o	
  
estruturalismo	
   como	
  o	
   funcionalismo	
  deram	
   idéias	
   valiosas,	
  mas	
  nenhum	
  deles	
  
chegou	
   sequer	
   perto	
   de	
   oferecer	
   aos	
   historiadores	
   uma	
   explicação	
   científica	
  
abrangente	
  da	
  transformação	
  histórica.	
  	
  
Esses	
  três	
  grupos	
  principais	
  de	
  "historiadores	
  científicos",	
  que	
  floresceram	
  
respectivamente	
   dos	
   anos	
   1930	
   aos	
   anos	
   1950,	
   dos	
   anos	
   1950	
   aos	
  meados	
   dos	
  
anos	
   1970,	
   e	
   dos	
   anos	
   1960	
   ao	
   começo	
   dos	
   anos	
   1970,	
   tinham	
   uma	
   extrema	
  
confiança	
  de	
  que	
  os	
  grandes	
  problemas	
  da	
  explicação	
  histórica	
  eram	
  solúveis,	
  e	
  
que	
   eles	
   os	
   resolveriam	
   com	
   o	
   tempo.	
   Supunham	
   que	
   finalmente	
   se	
  
apresentariam	
   soluções	
   inflexíveis	
   para	
   questões	
   até	
   o	
   momento	
   tão	
  
desconcertantes,	
  como	
  as	
  causas	
  das	
  "grandes	
  revoluções"	
  ou	
  da	
  passagem	
  do	
  
feudalismo	
  para	
  o	
  capitalismo,	
  e	
  das	
   sociedades	
   tradicionais	
  para	
  as	
  modernas.	
  
Esse	
  otimismo	
  impetuoso,	
  tão	
  patente	
  dos	
  anos	
  1930	
  aos	
  anos	
  1960,	
  escorava-­‐se,	
  
nos	
   dois	
   primeiros	
   grupos	
   de	
   "historiadores	
   científicos",	
   na	
   crença	
   de	
   que	
  
condições	
  materiais	
   como	
   as	
   transformações	
   na	
   relação	
   entre	
   a	
   população	
   e	
   a	
  
oferta	
   alimentar,	
   as	
   transformações	
   nos	
   meios	
   de	
   produção	
   e	
   conflitos	
   de	
  
classes,	
   eram	
   as	
   forças	
   motoras	
   da	
   história.	
   Muitos,	
   mas	
   nem	
   todos,	
  
consideravam	
   os	
   desenvolvimentos	
   intelectuais,	
   culturais,	
   religiosos,	
  
psicológicos,	
   jurídicos	
   e	
  mesmo	
   políticos,	
   como	
  meros	
   epifenômenos.	
   Como	
   o	
  
determinismo	
  econômico	
  e/ou	
  demográfico	
  ditava	
  em	
  larga	
  medida	
  o	
  conteúdo	
  
do	
   novo	
   gênero	
   de	
   pesquisa	
   histórica,	
   a	
   modalidade	
   mais	
   adequada	
   para	
  
organizar	
   e	
   apresentar	
   os	
   dados	
   era	
   a	
   analítica,	
   mais	
   do	
   que	
   a	
   narrativa,	
   e	
   os	
  
próprios	
  dados	
  deviam	
  ter	
  uma	
  natureza	
  quantitativa	
  ao	
  máximo	
  possível.	
  
Os	
  historiadores	
  franceses,	
  que	
  na	
  década	
  de	
  1950	
  e	
  1960	
  encontravam-­‐	
  se	
  
à	
   frente	
   deste	
   ousado	
   empreendimento,	
   desenvolveram	
   uma	
   disposição	
  
hierárquica	
  padronizada:	
  em	
  primeiro	
  lugar,	
  tanto	
  em	
  ordem	
  de	
  sequência	
  como	
  
em	
  ordem	
  de	
  importância,	
  vinham	
  os	
  fatos	
  econômicos	
  e	
  demográficos;	
  a	
  seguir,	
  
a	
   estrutura	
   social,	
   e,	
   em	
   último	
   lugar,	
   os	
   desenvolvimentos	
   intelectuais,	
  
religiosos,	
  culturais	
  e	
  políticos.	
  Esses	
  três	
  terços	
  eram	
  vistos	
  como	
  se	
  fossem	
  os	
  
andares	
  de	
  uma	
  casa:	
  cada	
  um	
  se	
  apóia	
  sobre	
  as	
  fundações	
  do	
  nível	
  inferior,	
  mas	
  
os	
  que	
  estão	
  por	
  cima	
  exercem	
  pouco	
  ou	
  nenhum	
  efeito	
  sobre	
  os	
  de	
  baixo.	
  Em	
  
algumas	
   mãos,	
   a	
   nova	
   metodologia	
   e	
   as	
   novas	
   questões	
   geraram	
   resultados	
  
quase	
   espetaculares.	
   Os	
   primeiros	
   livros	
   de	
   Fernand	
   Braudel,	
   Pierre	
   Goubert	
   e	
  
Emmanuel	
  Le	
  Roy	
  Ladurie	
  figuram	
  entre	
  os	
  maiores	
  textos	
  históricos	
  de	
  todos	
  os7 Bronislaw Malinowski. A Scientific Theory of Culture, and Other Essays. Chapei Hill. N. C 1944. 
tempos	
   e	
   lugares8.	
   Por	
   si	
   sós,	
   justificam	
   plenamente	
   a	
   adoção	
   da	
   abordagem	
  
analítica	
  e	
  estrutural	
  por	
  toda	
  uma	
  geração.	
  
O	
  resultado,	
  porém,	
  foi	
  um	
  violento	
  revisionismo	
  histórico.	
  Como	
  apenas	
  o	
  
primeiro	
   terço	
   é	
   que	
   importava	
   realmente,	
   e	
   como	
   o	
   tema	
   eram	
   as	
   condições	
  
materiais	
  das	
  massas,	
  e	
  não	
  a	
  cultura	
  da	
  elite,	
  tornou-­‐se	
  possível	
  falar	
  na	
  história	
  
da	
  Europa	
  Continental	
  do	
  século	
  XIV	
  ao	
  século	
  XVIII	
  como	
  "l'historié	
   immobile".	
  
Le	
   Roy	
   Ladurie	
   argumentou	
   que	
   nada,	
   absolutamente	
   nada,	
   mudou	
   ao	
   longo	
  
desses	
   cinco	
   séculos,	
   visto	
   que	
   a	
   sociedade	
   se	
  manteve	
   obstinadamente	
   presa	
  
em	
  sua	
  "eco-­‐demografia"	
  tradicional	
  inalterada9.	
  Neste	
  novo	
  modelo	
  da	
  história,	
  
movimentos	
  como	
  o	
  Renascimento,	
  a	
  Reforma,	
  o	
  Iluminismo	
  e	
  o	
  surgimento	
  do	
  
estado	
   moderno	
   simplesmente	
   desapareceram.	
   Foram	
   ignoradas	
   as	
  
transformações	
   maciças	
   da	
   cultura,	
   arte,	
   arquitetura,	
   literatura,	
   religião,	
  
educação,	
  ciência,	
  direito,	
  constituição,	
  construção	
  civil,	
  burocracia,	
  organização	
  
militar,	
  sistemas	
  tributários	
  e	
  assim	
  por	
  diante,	
  as	
  quais	
  ocorreram	
  nos	
  escalões	
  
superiores	
  da	
  sociedade	
  durante	
  esses	
  cinco	
  séculos.	
  
Essa	
   curiosa	
   cegueira	
   foi	
   decorrência	
   de	
   uma	
   sólida	
   crença	
   de	
   que	
   tais	
  
questões	
   pertenciam	
   à	
   terceira	
   parte,	
   uma	
   mera	
   superestrutura	
   superficial.	
  
Quando	
   alguns	
   estudiosos	
   desta	
   escola	
   começaram,	
   recentemente,	
   a	
   utilizar	
  
seus	
  métodos	
  estatísticos	
  comprovados	
  em	
  problemas	
  como	
  a	
  alfabetização,	
  o	
  
conteúdo	
  das	
  bibliotecas,	
  a	
  ascensão	
  e	
  queda	
  da	
  devoção	
  cristã,	
  eles	
  definiram	
  
suas	
  atividades	
  como	
  uma	
  aplicação	
  da	
  quantificação	
  a	
  "le	
  troisiéme	
  niveau".	
  
	
  
III	
  
	
  
A	
   primeira	
   causa	
   do	
   atual	
   ressurgimento	
   da	
   narrativa	
   é	
   uma	
   desilusão	
  
generalizada	
   com	
   o	
   modelo	
   determinista	
   econômico	
   de	
   explicação	
   histórica	
   e	
  
essa	
  tríplice	
  disposição	
  hierárquica	
  dele	
  originada.	
  A	
  cisão	
  entre	
  a	
  história	
  social	
  e	
  
a	
   história	
   intelectual	
   teve	
   as	
   mais	
   infelizes	
   consequências.	
   Ambas	
   se	
   tornaram	
  
isoladas,	
   estreitas,	
   voltadas	
   para	
   si	
   mesmas.	
   Nos	
   Estados	
   Unidos,	
   a	
   história	
  
intelectual,	
   que	
   antes	
   havia	
   sido	
   o	
   estandarte	
   da	
   profissão,	
   enfrentou	
   tempos	
  
difíceis	
   e,	
   por	
   um	
   certo	
   período,	
   perdeu	
   a	
   confiança	
   em	
   si10:	
   a	
   história	
   social	
  
prosperou	
   como	
   nunca,	
   mas	
   seu	
   orgulho	
   por	
   suas	
   realizações	
   isoladas	
   não	
  
passava	
  do	
  prenúncio	
  de	
  uma	
  subseqüente	
  perda	
  da	
  vitalidade,	
  quando	
  começou	
  
a	
   declinar	
   a	
   fé	
   em	
   explicações	
   puramente	
   econômicas	
   e	
   sociais.	
   Os	
   registros	
  
históricos	
   agora	
   obrigaram	
   muitos	
   de	
   nós	
   a	
   reconhecer	
   que	
   existe	
   um	
   fluxo	
  
 
8 F. Braudel. La Méditerranée et le Monde Méditerranéen à l'époque de Philippe II. Paris. 1949: P. Goubert. Beauvais 
et le Beauvaisis de 1600 à 1730. Paris. 1960: E. Le Roy Ladurie. Les paysans du Languedoc. Paris. 1966. 
 
9 E. Le Roy Ladurie, "L'historié Immobile", em seu Le Territoire de l'Historien. 2 vol. Paris. 1973-8. ii, o artigo 
foi escrito em 1973. 
 
10 R. Darnton. "Inlelleclual and Cullural Hislory", in M. Kämmen (org.). History in Our Time, Ithaca. Nova York. 
1980. 
bidirecional	
   extraordinariamente	
   complexo	
   de	
   interações	
   entre	
   fatos	
   relativos,	
  
de	
  um	
  lado,	
  à	
  população,	
  oferta	
  alimentar,	
  clima,	
  oferta	
  monetária,	
  preços,	
  e,	
  de	
  
outro	
   lado,	
   os	
   valores,	
   idéias	
   e	
   costumes.	
   Formam,	
   com	
   as	
   relações	
   sociais	
   de	
  
posição	
  ou	
  classe,	
  uma	
  única	
  rede	
  de	
  significados.	
  
Muitos	
  historiadores	
  agora	
  acreditam	
  que	
  a	
  cultura	
  do	
  grupo,	
  e	
  mesmo	
  a	
  
vontade	
   do	
   indivíduo,	
   são,	
   pelo	
   menos	
   potencialmente,	
   agentes	
   causais	
   de	
  
transformação	
   tão	
   importantes	
   quanto	
   as	
   forças	
   impessoais	
   da	
   produção	
   ma-­‐
terial	
  e	
  do	
  crescimento	
  demográfico.	
  Não	
  existe	
  nenhuma	
  razão	
  teórica	
  pela	
  qual	
  
estas	
   últimas	
   devam	
   sempre	
   determinar	
   as	
   primeiras,	
   e	
   não	
   vice-­‐versa,	
   e,	
   na	
  
verdade,	
  acumulam-­‐se	
  as	
  indicações	
  de	
  exemplos	
  em	
  contrário11.	
  A	
  contracepção,	
  
por	
  exemplo,	
  é	
  nitidamente	
  tanto	
  um	
  produto	
  de	
  um	
  estado	
  mental	
  quanto	
  de	
  
circunstâncias	
  econômicas.	
  Pode-­‐se	
  encontrar	
  a	
  prova	
  disso	
  na	
  ampla	
  difusão	
  da	
  
prática	
  anticoncepcional	
  por	
  toda	
  a	
  França,	
  muito	
  antes	
  da	
  industrialização,	
  sem	
  
grandes	
   pressões	
   populacionais	
   a	
   não	
   ser	
   em	
   pequenas	
   propriedades	
   rurais,	
   e	
  
quase	
   um	
   século	
   antes	
   do	
   que	
   qualquer	
   outro	
   país	
   ocidental.	
   Hoje	
   em	
   dia,	
  
também	
  sabemos	
  que	
  a	
  família	
  nuclear	
  é	
  anterior	
  à	
  sociedade	
  industrial,	
  e	
  que	
  os	
  
conceitos	
  de	
  privacidade,	
   amor	
  e	
   individualismo	
   surgiram,	
   analogamente,	
   entre	
  
alguns	
  dos	
  setores	
  mais	
  tradicionais	
  de	
  uma	
  sociedade	
  tradicional,	
  a	
  Inglaterra	
  no	
  
final	
  do	
  século	
  XVII	
  e	
  começo	
  do	
  século	
  XVIII,	
  e	
  não	
  em	
  decorrência	
  de	
  processos	
  
econômicos	
  e	
  sociais	
  modernizadores	
  de	
  data	
  posterior.	
  A	
  ética	
  protestante	
   foi	
  
um	
  produto	
  colateral	
  de	
  um	
  movimento	
  religioso	
  espiritual,	
  que	
  se	
  enraizou	
  nas	
  
sociedades	
  anglo-­‐saxãs	
  da	
  Inglaterra	
  e	
  Nova	
  Inglaterra,	
  séculos	
  antes	
  que	
  fossem	
  
necessários	
   ritmos	
   constantes	
   de	
   trabalho	
   ou	
   que	
   fosse	
   construída	
   a	
   primeira	
  
fábrica.	
   Por	
   outro	
   lado,	
   existe	
   uma	
   correlação	
   inversa,	
   pelo	
   menos	
   na	
   França	
  
oitocentista,	
   entre	
   a	
   alfabetização,	
   a	
   urbanização	
  e	
   a	
   industrialização.	
  Os	
  níveis	
  
de	
   alfabetização	
   se	
   revelam	
   como	
   guias	
   precários	
   para	
   atitudes	
   mentais	
  
"modernas''ou	
   profissões	
   "modernas"12.	
   Assim,	
   os	
   elos	
   entre	
   a	
   cultura	
   e	
   a	
  
sociedade	
  são	
  de	
  fato	
  muito	
  complexos,	
  e	
  parecem	
  variar	
  no	
  tempo	
  e	
  no	
  espaço.	
  
E	
   difícil	
   não	
   suspeitar	
   que	
  o	
  declínio	
  do	
  engajamento	
   ideológico	
   entre	
  os	
  
intelectuais	
  ocidentais	
  também	
  desempenhou	
  seu	
  papel.	
  Se	
  observamos	
  três	
  das	
  
batalhas	
   históricas	
   mais	
   renhidas	
   e	
   apaixonadas	
   dos	
   anos	
   1950	
   e	
   1960	
   -­‐	
   a	
  
ascensão	
  ou	
  declínio	
  da	
  nobreza	
  na	
  Inglaterra	
  seiscentista,	
  a	
  ascensão	
  ou	
  queda	
  
do	
   rendimento	
   real	
   do	
   operariado	
   nas	
   primeiras	
   fases	
   da	
   industrialização,	
   e	
   as	
  
causas,	
  natureza	
  e	
  consequências	
  da	
  escravidão	
  americana	
  todas	
  constituíam,	
  na	
  
base,	
  discussões	
  ateadas	
  por	
  preocupações	
  ideológicas	
  do	
  momento.	
  Na	
  época,	
  
parecia	
  desesperadamente	
   importante	
  saber	
  se	
  a	
   interpretação	
  marxista	
  estava	
  
certa	
  ou	
  não,	
  e	
  por	
  isso	
  essas	
  questões	
  históricas	
  eram	
  relevantes	
  e	
  instigantes.	
  
 
11 M. Zuckerman, "Dreams that Men Dare to Dream: The Role of Ideas in Western Modernization", Social Science 
Hist.,ii (1978). 
 
12 F. Furet e J. Ozouf. Lire et Écrire, Paris. 1977. Ver também K. Lockridge. Literacy in Colonial New 
England. Nova York. 1974. 
O	
  emudecimento	
  da	
  controvérsia	
  ideológica,	
  provocado	
  pelo	
  declínio	
  intelectual	
  
do	
  marxismo	
  e	
  pela	
  adoção	
  de	
  economias	
  mistas	
  no	
  Ocidente,	
  coincidiu	
  com	
  um	
  
declínio	
  no	
  ímpeto	
  da	
  pesquisa	
  histórica	
  em	
  levantar	
  as	
  grandes	
  questões	
  sobre	
  
os	
   porquês,	
   e	
   é	
   plausível	
   sugerir	
   que	
   existe	
   alguma	
   relação	
   entre	
   as	
   duas	
  
tendências.	
  
O	
   determinismo	
   econômico	
   e	
   demográfico	
   sofreu	
   um	
   enfraquecimento	
  
devido	
  ao	
  reconhecimento	
  das	
  idéias,	
  da	
  cultura	
  e	
  mesmo	
  da	
  vontade	
  individual	
  
como	
   variáveis	
   independentes.	
   Mas	
   não	
   só.	
   Foi	
   minado	
   também	
   pelo	
  
reconhecimento,	
   recuperado	
  uma	
  vez	
  mais,	
  de	
  que	
  o	
  poder	
  político	
  e	
  militar,	
  o	
  
uso	
  da	
  força	
  bruta,	
  têm	
  determinado	
  com	
  freqüência	
  a	
  estrutura	
  da	
  sociedade,	
  a	
  
distribuição	
  da	
   riqueza,	
  o	
   sistema	
  agrário	
  e	
  mesmo	
  a	
  cultura	
  da	
  elite.	
  Exemplos	
  
clássicos	
   são	
  a	
   conquista	
  normanda	
  da	
   Inglaterra	
  em	
   1066,	
  e	
  provavelmente	
  as	
  
vias	
  econômicas	
  e	
  sociais	
  divergentes	
  tomadas	
  pela	
  Europa	
  Oriental,	
  pela	
  Europa	
  
Norte-­‐Ocidental	
   e	
   pela	
   Inglaterra	
   nos	
   séculos	
   XVI	
   e	
   XVII13.	
   Os	
   historiadores	
  
futuros	
  com	
  certeza	
  irão	
  criticar	
  severamente	
  os	
  "novos	
  historiadores"	
  dos	
  anos	
  
1950	
  e	
  1960	
  por	
  não	
  terem	
  dedicado	
  atenção	
  suficiente	
  ao	
  poder:	
  à	
  organização	
  e	
  
ao	
   processo	
  decisório	
   políticos,	
   aos	
   caprichos	
   da	
  batalha	
   e	
   do	
   cerco	
  militar,	
   da	
  
destruição	
   e	
   da	
   conquista.	
   As	
   civilizações	
   surgiram	
   e	
   desapareceram	
   devido	
   a	
  
flutuações	
   na	
   autoridade	
   política	
   e	
   mudanças	
   nos	
   destinos	
   da	
   guerra,	
   e	
   é	
  
extraordinário	
   que	
   tais	
   assuntos	
   tenham	
   sido	
   descurados	
   por	
   tanto	
   tempo	
   por	
  
aqueles	
  que	
  se	
  consideravam	
  à	
  frente	
  da	
  profissão	
  histórica.	
  Na	
  prática,	
  a	
  grande	
  
massa	
  dos	
  historiadores	
  continuou	
  a	
  se	
  dedicar	
  à	
  história	
  política,	
  como	
  sempre	
  
haviam	
   feito,	
  mas	
   não	
   é	
   aí	
   que,	
   de	
  modo	
   geral,	
   pensava-­‐se	
   residir	
   a	
   ponta-­‐de-­‐
lança	
   da	
   profissão.	
   Um	
   reconhecimento	
   tardio	
   da	
   importância	
   do	
   poder,	
   das	
  
decisões	
   políticas	
   pessoais	
   dos	
   indivíduos,	
   dos	
   acasos	
   das	
   batalhas,	
   obrigou	
   os	
  
historiadores	
  a	
  voltarem	
  à	
  modalidade	
  narrativa,	
  apreciem-­‐na	
  ou	
  não.	
  Para	
  usar	
  
os	
  termos	
  de	
  Maquiavel,	
  só	
  se	
  pode	
  tratar	
  da	
  virtù	
  ou	
  da	
  fortuna	
  através	
  de	
  uma	
  
narrativa,	
   ou	
   mesmo	
   de	
   uma	
   anedota,	
   na	
   medida	
   em	
   que	
   a	
   primeira	
   é	
   um	
  
atributo	
  individual	
  e	
  a	
  segunda	
  consiste	
  num	
  acidente	
  feliz	
  ou	
  infeliz.	
  
O	
  terceiro	
  desenvolvimento	
  que	
  infligiu	
  um	
  sério	
  golpe	
  à	
  história	
  estrutural	
  
e	
   analítica	
   é	
   o	
   registro	
  misto	
   usado	
   até	
   o	
  momento	
   em	
   sua	
  metodologia	
  mais	
  
característica,	
  a	
  saber,	
  a	
  quantificação.	
  A	
  quantificação	
  certamente	
  amadureceu,	
  
e	
  agora	
  se	
  firmou	
  como	
  uma	
  metodologia	
  essencial	
  em	
  muitas	
  áreas	
  da	
  pesquisa	
  
histórica,	
   principalmente	
   a	
   história	
   demográfica,	
   a	
   história	
   da	
   estrutura	
   e	
  
modalidade	
   social,	
   a	
   história	
   econômica	
   e	
   a	
   história	
   dos	
   padrões	
   e	
  
comportamentos	
   eleitorais	
   em	
   sistemas	
   políticos	
   democráticos.	
   Seu	
   emprego	
  
levou	
  a	
  uma	
  grande	
  melhoria	
  na	
  qualidade	
  geral	
  do	
  discurso	
  histórico,	
  ao	
  exigir	
  a	
  
citação	
  de	
  números	
  precisos,	
  ao	
  invés	
  do	
  uso	
  indefinido	
  anterior	
  das	
  palavras.	
  Os	
  
historiadores	
   já	
   não	
   podem	
   mais	
   se	
   desobrigar	
   dizendo	
   "mais",	
   "menos"	
  
"crescente",	
   "em	
   baixa"	
   -­‐	
   termos	
   que	
   logicamente	
   implicam	
   comparações	
  
 
13 Refiro-me ao debate iniciado por Robert Brenner. "Agrarian Class Structure and Economy Development in Pre-
industrial Europe". Past and Present, no 70. tev. 1976.pp. 30 75 
numéricas	
   sem	
   nunca	
   exporem	
   explicitamente	
   a	
   base	
   estatística	
   para	
   suas	
  
afirmações.	
   A	
   quantificação	
   também	
   fez	
   com	
   que	
   o	
   argumento	
   baseado	
  
exclusivamente	
   no	
   exemplo	
   pareça	
   um	
   tanto	
   desacreditado.	
   Os	
   críticos	
   agora	
  
exigem	
  provas	
  estatísticas	
  de	
  apoio,	
  que	
  mostrem	
  que	
  os	
  exemplos	
  são	
  típicos,	
  e	
  
não	
   exceções	
   à	
   regra.	
   Tais	
   procedimentos	
  melhoraram	
   inquestionavelmente	
   a	
  
força	
   lógica	
   e	
   a	
   capacidade	
   de	
   persuasão	
   do	
   argumento	
   histórico.	
   E	
   não	
   há	
  
qualquer	
  discordância	
  que,	
  sempre	
  que	
  for	
  adequado,	
  fecundo	
  e	
  possível	
  a	
  partir	
  
dos	
  registros	
  disponíveis,	
  o	
  historiador	
  deve	
  levá-­‐los	
  em	
  conta.Existe,	
   porém,	
   uma	
   diferença	
   de	
   gênero	
   entre	
   a	
   quantificação	
   artesanal	
  
feita	
  por	
  um	
  único	
  pesquisador,	
  amontoando	
  números	
  numa	
  calculadora	
  de	
  mão	
  
e	
   montando	
   tabelas	
   e	
   porcentagens	
   simples,	
   e	
   o	
   trabalho	
   dos	
   cliometristas.	
  
Estes	
  se	
  especializam	
  na	
  reunião	
  de	
  enormes	
  quantidades	
  de	
  dados	
  por	
  meio	
  de	
  
equipes	
  de	
  auxiliares,	
  do	
  uso	
  do	
  computador	
  eletrônico	
  para	
  processá-­‐los	
  e	
  da	
  
aplicação	
   de	
   procedimentos	
   matemáticos	
   extremamente	
   sofisticados	
   aos	
  
resultados	
   obtidos.	
   Têm-­‐se	
   levantado	
   dúvidas	
   sobre	
   todos	
   os	
   estágios	
   desse	
  
processo.	
   Muitos	
   questionam	
   se	
   os	
   dados	
   históricos	
   são	
   suficientemente	
  
confiáveis	
  para	
  garantir	
   tais	
  procedimentos;	
   se	
   se	
  pode	
  confiar	
  que	
  as	
  equipes	
  
de	
   auxiliares	
   aplicam	
   procedimentos	
   uniformes	
   de	
   codificação	
   a	
   grandes	
  
quantidades	
   de	
   documentos	
   freqüentemente	
   muito	
   heterogêneos	
   e	
   mesmo	
  
ambíguos;	
   se	
   é	
   de	
   algum	
   modo	
   possível	
   confiar	
   que	
   todos	
   os	
   erros	
   de	
   co-­‐
dificação	
   e	
   programação	
   foram	
   eliminados;	
   e	
   se	
   o	
   refinamento	
   das	
   fórmulas	
  
matemáticas	
   e	
   algébricas	
   não	
   acaba	
   sendo	
   contraproducente,	
   na	
   medida	
   em	
  
que	
   confundem	
   a	
   maioria	
   dos	
   historiadores.	
   Finalmente,	
   muitos	
   se	
   sentem	
  
perturbados	
  pelo	
   fato	
  de	
  ser	
  praticamente	
   impossível	
  verificar	
  a	
  confiabilidade	
  
dos	
  resultados	
  finais,	
  visto	
  que	
  têm	
  de	
  depender	
  não	
  de	
  notas	
  publicadas,	
  mas	
  
de	
  gravações	
  computadorizadas	
  de	
  propriedade	
  particular,	
  abstraídas,	
  por	
  uma	
  
vez	
  dos	
  dados	
  brutos.	
  
Essas	
   questões	
   são	
   reais	
   e	
   não	
   desaparecerão.	
   Todos	
   nós	
   sabemos	
   de	
  
teses	
   de	
   doutorado,	
   de	
  monografias	
   ou	
   comunicações	
   publicadas	
   que	
   empre-­‐
gavam	
  as	
  técnicas	
  mais	
  sofisticadas	
  para	
  provar	
  o	
  óbvio	
  ou	
  pretender	
  provar	
  o	
  
implausível,	
   utilizando	
   fórmulas	
   e	
   linguagens	
   que	
   tornam	
   a	
   metodologia	
  
inverificável	
   para	
   o	
   historiador	
   comum.	
   Os	
   resultados	
   às	
   vezes	
   combinam	
   os	
  
defeitos	
  da	
   ilegibilidade	
  e	
  da	
   trivialidade.	
  Todos	
  nós	
  sabemos	
  de	
   teses	
  de	
  dou-­‐
torado	
  que	
  definham	
  inacabadas,	
  pois	
  o	
  pesquisador	
  não	
  conseguiu	
  manter	
  sob	
  
seu	
   controle	
   intelectual	
   o	
  mero	
   volume	
  de	
   coisas	
   apresentadas	
  pelo	
   computa-­‐
dor,	
   ou	
  que	
  gastou	
   tanto	
   esforço	
  para	
   preparar	
   os	
   dados	
  para	
   a	
  máquina	
  que	
  
seu	
   tempo,	
   paciência	
   e	
   dinheiro	
   acabaram	
   terminando.	
  Uma	
   conclusão	
   clara	
   é	
  
seguramente	
  que	
  sempre	
  que	
  possível,	
  a	
  amostragem	
  manual	
  é	
  preferível	
  e	
  mais	
  
rápida	
   do	
   que	
   passar	
   o	
   universo	
   inteiro	
   por	
   uma	
   máquina,	
   além	
   de	
   ser	
  
igualmente	
  confiável.	
  Todos	
  nós	
  sabemos	
  de	
  projetos	
  em	
  que	
  uma	
  falha	
   lógica	
  
no	
  argumento	
  ou	
  a	
  incapacidade	
  de	
  usar	
  o	
  simples	
  bom	
  senso	
  viciou	
  ou	
  tornou	
  
duvidosas	
  muitas	
  das	
  conclusões.	
  Todos	
  nós	
  sabemos	
  de	
  outros	
  projetos	
  em	
  que	
  
a	
  falta	
  de	
  registro	
  de	
  parte	
  de	
  uma	
  informação	
  no	
  estágio	
  de	
  codificação	
  levou	
  à	
  
perda	
   de	
   um	
   resultado	
   importante.	
   Todos	
   nós	
   sabemos	
   de	
   outros	
   em	
   que	
   as	
  
próprias	
  fontes	
  de	
  informação	
  são	
  tão	
  inconfiáveis	
  que	
  podemos	
  ter	
  certeza	
  de	
  
que	
   pouco	
   confiáveis	
   serão	
   as	
   conclusões	
   baseadas	
   em	
   sua	
   manipulação	
  
quantitativa.	
  Os	
  registros	
  paroquiais	
  são	
  um	
  exemplo	
  clássico,	
  aos	
  quais	
  vem	
  se	
  
dedicando	
  um	
  volume	
  de	
  trabalho	
  gigantesco	
  em	
  muitos	
  países,	
  e	
  apenas	
  parte	
  
dele	
  é	
  capaz	
  de	
  vir	
  a	
  produzir	
  resultados	
  que	
  valham	
  a	
  pena.	
  	
  
Apesar	
   de	
   suas	
   realizações	
   inquestionáveis,	
   não	
   se	
   pode	
   negar	
   que	
   a	
  
quantificação	
   não	
   respondeu	
   às	
   grandes	
   esperanças	
   de	
   vinte	
   anos	
   atrás.	
   A	
  
maioria	
   dos	
   grandes	
   problemas	
   da	
   história	
   continuam	
   tão	
   insolúveis	
   como	
  
sempre,	
   se	
   não	
   mais.	
   O	
   consenso	
   sobre	
   as	
   causas	
   das	
   revoluções	
   inglesa,	
  
francesa	
  ou	
   americana	
   continua	
   tão	
  distante	
   como	
   sempre,	
   apesar	
  do	
  enorme	
  
esforço	
  dedicado	
  a	
  elucidação	
  de	
  suas	
  origens	
  sociais	
  e	
  econômicas.	
  Trinta	
  anos	
  
de	
   pesquisa	
   intensiva	
   na	
   história	
   demográfica	
   mais	
   aumentaram	
   do	
   que	
  
diminuíram	
   nossa	
   perplexidade.	
   Não	
   sabemos	
   por	
   que	
   a	
   população	
   deixou	
   de	
  
crescer	
  em	
   inúmeras	
  áreas	
  da	
  Europa	
  entre	
  1640	
  e	
  1740:	
  não	
  sabemos	
  por	
  que	
  
ela	
   voltou	
   a	
   crescer	
   em	
   1740,	
   e	
   nem	
   mesmo	
   se	
   a	
   causa	
   foi	
   o	
   aumento	
   da	
  
fecundidade	
  ou	
  o	
  declínio	
  da	
  mortalidade.	
  A	
  quantificação	
  nos	
   informou	
  muito	
  
sobre	
   as	
   questões	
   sobre	
   o	
   quê	
   da	
   demografia	
   histórica,	
   mas,	
   até	
   agora,	
   rela-­‐
tivamente	
   pouco	
   sobre	
   os	
   porquês.	
   As	
   grandes	
   questões	
   sobre	
   a	
   escravidão	
  
americana	
   continuam	
   tão	
   esquivas	
   como	
   sempre,	
   apesar	
   de	
   ter-­‐lhes	
   sido	
   de-­‐
dicado	
   um	
   dos	
   estudos	
   mais	
   volumosos	
   e	
   sofisticados	
   jamais	
   elaborados.	
   A	
  
publicação	
  de	
  suas	
  descobertas,	
   longe	
  de	
  solucionar	
  muitos	
  problemas,	
  apenas	
  
aumentou	
  a	
  temperatura	
  do	
  debate14.	
  Ela	
  teve	
  o	
  efeito	
  benéfico	
  de	
  concentrar	
  a	
  
atenção	
  sobre	
  problemas	
  importantes,	
  tais	
  como	
  a	
  dieta,	
  a	
  higiene,	
  a	
  saúde	
  e	
  a	
  
estrutura	
  familiar	
  dos	
  negros	
  americanos	
  sob	
  a	
  escravidão,	
  mas	
  também	
  desviou	
  
a	
  atenção	
  dos	
  efeitos	
  psicológicos	
  tão	
  ou	
  mais	
  importantes	
  da	
  escravidão	
  sobre	
  
os	
  senhores	
  e	
  os	
  escravos,	
  simplesmente	
  porque	
  tais	
  questões	
  não	
  podiam	
  ser	
  
medidas	
  por	
  um	
  computador.	
  As	
  histórias	
  urbanas	
  estão	
  cheias	
  de	
  estatísticas,	
  
mas	
   as	
   tendências	
   de	
   mobilidade	
   continuam	
   obscuras.	
   Hoje	
   emdia,	
   ninguém	
  
tem	
  plena	
  certeza	
  se	
  a	
  sociedade	
  inglesa	
  era	
  mais	
  aberta	
  ou	
  mais	
  móvel	
  do	
  que	
  a	
  
sociedade	
   francesa	
  nos	
   séculos	
  XVII	
  e	
  XVIII,	
  ou	
  nem	
  mesmo	
  se	
  a	
  nobreza	
  ou	
  a	
  
aristocracia	
  estava	
  ascendendo	
  ou	
  decaindo	
  na	
  Inglaterra	
  antes	
  da	
  Guerra	
  Civil.	
  
Atualmente,	
   a	
   esse	
   respeito,	
   nossa	
   posição	
   não	
   é	
   melhor	
   do	
   que	
   a	
   de	
   James	
  
Harrington	
  no	
  século	
  XVII	
  ou	
  a	
  de	
  Tocqueville	
  no	
  século	
  XIX.	
  
Foram	
   justamente	
   aqueles	
   projetos	
   com	
   as	
   dotações	
   de	
   verbas	
   mais	
  
pródigas,	
   os	
   mais	
   ambiciosos	
   na	
   coleta	
   de	
   grandes	
   quantidades	
   de	
   dados	
   por	
  
legiões	
   de	
   pesquisadores	
   remunerados,	
   os	
   mais	
   cientificamente	
   processados	
  
 
14 R. W. Fogel e S. Engerman. Time on the Croat. Boston. Mass. 1974: P.A.. David et al. Reckoning with 
Slavery. Nova York. 1976; H. Gutman. Slavery and the Numbers Game. Urbana. 1975. 111. 
 
pela	
   última	
   palavra	
   na	
   tecnologia	
   eletrônica,	
   os	
  mais	
  matematicamente	
   sofisti-­‐
cados	
  na	
  apresentação,	
  que	
  até	
  agora	
  se	
  revelaram	
  como	
  os	
  mais	
  decepcionan-­‐
tes.	
  Hoje,	
  depois	
  de	
  vinte	
  anos	
  e	
  milhões	
  de	
  dólares,	
   libras	
  e	
   francos,	
  o	
  que	
  há	
  
para	
  mostrar,	
  pelo	
  gasto	
  de	
  tanto	
  tempo,	
  trabalho	
  e	
  dinheiro,	
  são	
  apenas	
  resul-­‐
tados	
   bastante	
  modestos.	
   Há	
   pilhas	
   enormes	
   dé	
   folhas	
   impressas	
   esverdeadas	
  
juntando	
  pó	
  nos	
  gabinetes	
  dos	
  estudiosos;	
  há	
  muitos	
   volumes	
  gordos	
  e	
  deses-­‐	
  
peradoramente	
   maçantes,	
   cheios	
   de	
   tabelas	
   de	
   números,	
   equações	
   algébricas	
  
abstrusas	
   e	
   porcentagens	
   levadas	
   até	
   duas	
   casas	
   decimais.	
   Também	
   existem	
  
muitas	
   novas	
   descobertas	
   valiosas	
   e	
   algumas	
   grandes	
   contribuições	
   para	
   o	
  
conjunto	
  relativamente	
  pequeno	
  de	
  obras	
  históricas	
  de	
  valor	
  permanente.	
  Mas,	
  
de	
  modo	
  geral,	
  a	
  sofisticação	
  dos	
  métodos	
  tem	
  mostrado	
  a	
  tendência	
  a	
  superar	
  a	
  
confiabilidade	
   dos	
   dados,	
   ao	
   passo	
   que	
   a	
   utilidade	
   dos	
   resultados	
   parece	
   -­‐	
   até	
  
certo	
   ponto	
   -­‐	
   estar	
   numa	
   proporção	
   inversa	
   à	
   complexidade	
   matemática	
   da	
  
metodologia	
  e	
  à	
  escala	
  grandiosa	
  da	
  coleta	
  de	
  dados.	
  
Em	
   qualquer	
   análise	
   em	
   termos	
   dos	
   custos	
   e	
   benefícios,	
   o	
   retorno	
   da	
  
história	
   computadorizada	
   em	
   grande	
   escala	
   tem,	
   até	
   agora,	
   justificado	
   apenas	
  
ocasionalmente	
   o	
   investimento	
   de	
   tempo	
   e	
   dinheiro,	
   e	
   isso	
   tem	
   levado	
   os	
  
historiadores	
   a	
  buscarem	
  outros	
  métodos	
  de	
   investigar	
  o	
  passado,	
  que	
   lancem	
  
mais	
   luz	
   com	
  menos	
   problemas.	
   Em	
   1968,	
   Le	
   Roy	
   Ladurie	
   profetizou	
   que,	
   nos	
  
anos	
  1980,	
  "o	
  historiador	
  será	
  um	
  programador	
  ou	
  não	
  será	
  nada”15.	
  A	
  profecia	
  
não	
  se	
  cumpriu,	
  e	
  muito	
  menos	
  pelo	
  próprio	
  profeta.	
  
Os	
   historiadores,	
   portanto,	
   foram	
   obrigados	
   a	
   voltar	
   ao	
   princípio	
   da	
  
indeterminação,	
  ao	
  reconhecimento	
  de	
  que	
  as	
  variáveis	
  são	
  tão	
  numerosas	
  que,	
  
na	
  melhor	
  das	
  hipóteses,	
  apenas	
  generalizações	
  de	
  médio	
  alcance	
  são	
  possíveis	
  
na	
  história,	
  como	
  sugeriu	
  Robert	
  Merton	
  há	
  muito	
  tempo	
  atrás.	
  O	
  modelo	
  macro-­‐
econômico	
  é	
  um	
  castelo	
  no	
  ar,	
  e	
  a	
  "a	
  história	
  científica"	
  é	
  um	
  mito.	
  Explicações	
  
monocausais	
   simplesmente	
   não	
   funcionam.	
   O	
   emprego	
   de	
   modelos	
   de	
  
explicação	
   em	
   feed-­‐back,	
   construídos	
   em	
   torno	
   de	
   "afinidades	
   eletivas"	
  
weberianas,	
  parece	
  oferecer	
  instrumentos	
  de	
  melhor	
  qualidade	
  para	
  revelar	
  algo	
  
da	
   verdade	
   fugidia	
   sobre	
   a	
   causação	
   histórica,	
   especialmente	
   se	
   abandonamos	
  
qualquer	
   pretensão	
   de	
   que	
   essa	
   metodologia	
   seja,	
   em	
   qualquer	
   sentido,	
  
científica.	
  	
  
A	
  desilusão	
  com	
  o	
  determinismo	
  monocausal	
  econômico	
  ou	
  demográfico	
  e	
  
com	
  a	
  quantificação	
   levou	
  os	
  historiadores	
  a	
  começarem	
  a	
  colocar	
  um	
  leque	
  de	
  
questões	
   totalmente	
   novas,	
   muitas	
   delas	
   antes	
   impedidas	
   de	
   se	
   mostrarem	
  
devido	
   à	
   preocupação	
   com	
   uma	
   metodologia	
   estrutural,	
   coletiva	
   e	
   estatística	
  
específica.	
  Um	
  número	
  cada	
  vez	
  maior	
  dos	
  "novos	
  historiadores"	
  vem	
  tentando	
  
agora	
  descobrir	
  o	
  que	
  se	
  passava	
  na	
  cabeça	
  das	
  pessoas	
  no	
  passado,	
  e	
  como	
  era	
  
viver	
  naqueles	
  tempos,	
  questões	
  estas	
  que	
  reconduzem	
  inevitavelmente	
  ao	
  uso	
  
da	
  narrativa.	
  
 
15 E. Le Roy Laurie. Le Territoire de l'historien.i. p. 14 (trad. minha).	
  
Um	
   sub-­‐grupo	
   significativo	
   da	
   grande	
   escola	
   francesa	
   de	
   historiadores,	
  
liderado	
   por	
   Lucien	
   Febvre,	
   sempre	
   considerou	
   as	
   transformações	
   intelectuais,	
  
psicológicas	
   e	
   culturais	
   como	
   variáveis	
   independentes	
   de	
   importância	
   central.	
  
Mas,	
  por	
  muito	
  tempo,	
  eles	
  constituíram	
  uma	
  minoria,	
  que	
  ficou	
  para	
  trás,	
  num	
  
distante	
   refluxo,	
   enquanto	
   a	
   maré	
   da	
   "a	
   história	
   científica",	
   de	
   conteúdo	
  
econômico	
   social,	
   de	
   organização	
   estrutural	
   e	
   metodologia	
   quantitativa,	
  
avançava	
   impetuosamente	
  à	
   frente	
  deles.	
  Agora,	
  porém,	
  os	
   tópicos	
  pelos	
  quais	
  
se	
   interessavam	
   de	
   repente	
   entraram	
   na	
   moda.	
   No	
   entanto,	
   as	
   perguntas	
  
levantadas	
   não	
   são	
   inteiramente	
   as	
   mesmas,	
   visto	
   que	
   agora	
   derivam	
  
freqüentemente	
   da	
   antropologia.	
   Na	
   prática,	
   se	
   não	
   também	
   na	
   teoria,	
   a	
  
antropologia	
   tende	
  a	
  ser	
  uma	
  das	
  disciplinas	
  mais	
  a-­‐históricas,	
  com	
  sua	
   falta	
  de	
  
interesse	
  pela	
  transformação	
  ao	
  longo	
  do	
  tempo.	
  Não	
  obstante,	
  ela	
  nos	
  ensinou	
  
como	
  é	
  possível	
  elucidar	
  de	
  maneira	
  brilhante	
  um	
  sistema	
  social	
  e	
  um	
  conjunto	
  
de	
  valores	
  em	
  sua	
  totalidade,	
  com	
  o	
  uso	
  de	
  um	
  método	
  intensivo	
  de	
  registrar	
  em	
  
detalhesminuciosos	
  um	
  único	
  acontecimento,	
  desde	
  que	
  seja	
  situado	
  com	
  todo	
  
o	
   cuidado	
   em	
   seu	
   contexto	
   global,	
   e	
   com	
   todo	
   o	
   cuidado	
   analisado	
   pelo	
   seu	
  
significado	
  cultural.	
  O	
  modelo	
  arquetípico	
  dessa	
  "descrição	
  densa"	
  é	
  a	
  exposição	
  
clássica	
  de	
  Clifford	
  Geertz	
  sobre	
  uma	
  briga	
  de	
  galos	
  balinesa16.	
  Infelizmente,	
  nós	
  
historiadores	
   não	
   podemos	
   estar	
   efetivamente	
   presentes,	
   com	
   cadernos	
   de	
  
anotações,	
   gravadores	
   e	
   câmeras,	
   aos	
   acontecimentos	
   que	
   descrevemos,	
   mas	
  
podemos	
   constantemente	
   encontrar	
   uma	
   multidão	
   de	
   testemunhas	
   que	
   nos	
  
digam	
   como	
   seriam	
   eles.	
   Assim,	
   a	
   primeira	
   causa	
   para	
   o	
   ressurgimento	
   da	
  
narrativa	
  entre	
  alguns	
  dos	
  "novos	
  historiadores"	
  foi	
  a	
  substituição	
  da	
  sociologia	
  e	
  
da	
  economia	
  pela	
  antropologia,	
  como	
  a	
  ciência	
  social	
  de	
  maior	
  influência.	
  
Uma	
  das	
  mudanças	
  recentes	
  mais	
  impressionantes	
  no	
  conteúdo	
  da	
  história	
  
foi	
   um	
   aumento	
   bastante	
   súbito	
   do	
   interesse	
   pelos	
   sentimentos,	
   emoções,	
  
padrões	
  de	
  comportamento,	
  valores	
  e	
  estados	
  de	
  espírito.	
  A	
  este	
  respeito,	
  a	
   in-­‐
fluência	
  de	
  antropólogos	
  como	
  Evans-­‐Pritchard,	
  Clifford	
  Geertz,	
  Mary	
  Douglas	
  e	
  
Victor	
   Turner	
   foi	
   realmente	
   muito	
   grande.	
   Embora	
   a	
   psico-­‐história	
   seja,	
   até	
   o	
  
momento,	
  uma	
  área	
  em	
  larga	
  medida	
  catastrófica	
   -­‐	
  um	
  deserto	
   juncado	
  com	
  os	
  
destroços	
  de	
  refinados	
  veículos	
  de	
  aço	
  cromado	
  que	
  quebraram	
  logo	
  depois	
  de	
  
dar	
  a	
  partida	
  -­‐,	
  a	
  própria	
  psicologia	
  também	
  influiu	
  sobre	
  uma	
  geração	
  que	
  agora	
  
está	
  voltando	
  suas	
  atenções	
  para	
  o	
  desejo	
  sexual,	
  as	
  relações	
  familiares	
  e	
  os	
  elos	
  
emocionais,	
  conforme	
  afetam	
  os	
  indivíduos,	
  e	
  para	
  as	
  idéias,	
  crenças	
  e	
  costumes,	
  
conforme	
  afetam	
  o	
  grupo.	
  
Essa	
   alteração	
   na	
   natureza	
   das	
   questões	
   colocadas	
   provavelmente	
   tam-­‐
bém	
   está	
   relacionada	
   com	
   o	
   cenário	
   contemporâneo	
   dos	
   anos	
   1970.	
   Foi	
   uma	
  
década	
  em	
  que	
  os	
   ideais	
  e	
   interesses	
  mais	
  personalizados	
  ganharam	
  prioridade	
  
sobre	
   os	
   assuntos	
   públicos,	
   em	
   virtude	
   da	
   desilusão	
   generalizada	
   com	
   as	
  
perspectivas	
   de	
   mudança	
   por	
   meio	
   da	
   ação	
   política.	
   Portanto,	
   é	
   plausível	
  
 
16 C. Geertz. "Deep Play: Notes on the Balinese Cock-Fight", em seu The Interpretation of Cultures. Nova York. 1973. 
estabelecer	
  uma	
  conexão	
  entre	
  o	
  súbito	
  aumento	
  do	
   interesse	
  por	
  esses	
  temas	
  
no	
  passado	
  e	
  preocupações	
  semelhantes	
  no	
  presente.	
  
Esse	
  novo	
   interesse	
  pelas	
   estruturas	
  mentais	
   foi	
   estimulado	
  pelo	
   colapso	
  
da	
  história	
   intelectual	
  tradicional,	
  tratada	
  como	
  uma	
  espécie	
  de	
  caça	
   livresca	
  de	
  
idéias	
  remontando	
  nas	
  eras	
  (que	
  geralmente	
  termina	
  em	
  Aristóteles	
  ou	
  Platão).	
  
Os	
  "grandes	
  livros"	
  eram	
  estudados	
  num	
  vazio	
  histórico,	
  com	
  pouco	
  ou	
  nenhum	
  
esforço	
   de	
   situar	
   os	
   próprios	
   autores	
   ou	
   seu	
   vocabulário	
   lingüístico	
   em	
   seus	
  
verdadeiros	
   quadros	
   históricos.	
   A	
   história	
   do	
   pensamento	
   político	
   no	
   ocidente	
  
está	
   agora	
   sendo	
   reescrita,	
   basicamente	
   por	
   J.G.A.Pocock,	
   Quentin	
   Skinner	
   e	
  
Bernard	
   Bailyn,	
   com	
   uma	
   reconstrução	
   laboriosa	
   do	
   contexto	
   e	
   significado	
  
preciso	
  das	
  palavras	
  e	
  idéias	
  no	
  passado,	
  e	
  mostrando	
  como	
  mudaram	
  de	
  formas	
  
e	
   cores	
   no	
   decorrer	
   do	
   tempo,	
   como	
   camaleões,	
   para	
   se	
   adaptarem	
   a	
   novas	
  
circunstâncias	
  e	
  novas	
  necessidades.	
  
Simultaneamente,	
  a	
  tradicional	
  história	
  das	
  idéias	
  está	
  se	
  dirigindo	
  para	
  um	
  
estudo	
   sobre	
   as	
   transformações	
   nos	
   meios	
   de	
   comunicação	
   e	
   no	
   público	
  
receptor.	
  Surgiu	
  uma	
  nova	
  e	
  próspera	
  disciplina	
  da	
  história	
  da	
  imprensa,	
  do	
  livro	
  
e	
  da	
  alfabetização,	
  e	
  de	
  seus	
  efeitos	
  sobre	
  a	
  difusão	
  de	
  idéias	
  e	
  a	
  transformação	
  
de	
  valores.	
  
Uma	
  outra	
   razão	
   adicional	
   para	
  que	
   vários	
   "novos	
  historiadores"	
   estejam	
  
voltando	
  à	
  narrativa	
  parece	
   consistir	
   na	
   vontade	
  de	
   tornarem	
  suas	
  descobertas	
  
novamente	
  acessíveis	
  a	
  um	
  público	
  leitor	
  inteligente,	
  mas	
  não	
  especialista,	
  muito	
  
disposto	
  a	
  aprender	
  o	
  que	
  revelam	
  essas	
  questões,	
  métodos	
  e	
  dados	
  inovadores,	
  
mas	
   sem	
   estômago	
   para	
   tabelas	
   estatísticas	
   indigestas,	
   argumentos	
   analíticos	
  
áridos	
   e	
   uma	
   prosa	
   cheia	
   de	
   jargões.	
   Os	
   historiadores	
   estruturais,	
   analíticos	
   e	
  
quantitativos	
   estão	
   cada	
   vez	
   mais	
   falando	
   apenas	
   entre	
   eles,	
   e	
   com	
   mais	
  
ninguém.	
   Suas	
   descobertas	
   aparecem	
   em	
   revistas	
   profissionais	
   ou	
   em	
  
monografias	
  tão	
  caras,	
  e	
  com	
  edições	
  tão	
  reduzidas	
  (menos	
  de	
  mil	
  exemplares),	
  
que	
  na	
  prática	
  são	
  quase	
  que	
  inteiramente	
  compradas	
  apenas	
  por	
  bibliotecas.	
  E,	
  
no	
  entanto	
  o	
   sucesso	
  de	
  periódicos	
  históricos	
  populares,	
   como	
  History	
  Today	
   e	
  
L'hisloire,	
  demonstra	
  que	
  existe	
  um	
  grande	
  público	
  disposto	
  a	
  ouvir,	
  e	
  os	
  "novos	
  
historiadores"	
   agora	
   estão	
   ansiosos	
   em	
   falar	
   para	
   essa	
   audiência,	
   em	
   vez	
   de	
  
deixar	
   que	
   ela	
   se	
   alimente	
  de	
  manuais	
   e	
   biografias	
   populares.	
  As	
  questões	
  que	
  
estão	
   sendo	
   colocadas	
   pelos	
   "novos	
   historiadores"	
   são,	
   afinal,	
   as	
   que	
   nos	
  
preocupam	
   a	
   todos	
   atualmente:	
   a	
   natureza	
   do	
   poder,	
   da	
   autoridade	
   e	
   da	
  
liderança	
  carismática:	
  a	
  relação	
  entre	
  as	
  instituições	
  políticas	
  e	
  os	
  padrões	
  sociais	
  
e	
   sistemas	
   de	
   valores	
   subjacentes:	
   as	
   atitudes	
   frente	
   à	
   juventude,	
   à	
   velhice,	
   à	
  
doença	
   e	
   à	
   morte:	
   o	
   sexo,	
   o	
   casamento	
   e	
   o	
   concubinato,	
   o	
   nascimento,	
   a	
  
contracepção	
  e	
  o	
   aborto;o	
   trabalho,	
  o	
   lazer	
   e	
  o	
   consumo	
  conspícuo;	
   a	
   relação	
  
entre	
   a	
   religião,	
   a	
   ciência	
   e	
   a	
  magia	
   como	
  modelos	
   explicativos	
   da	
   realidade;	
   a	
  
força	
   e	
   a	
   direção	
   das	
   emoções	
   do	
   amor,	
   medo,	
   luxúria	
   e	
   ódio;	
   o	
   impacto	
   de	
  
alfabetização	
   e	
   da	
   educação	
   sobre	
   a	
   vida	
   das	
   pessoas	
   e	
   o	
   modo	
   de	
   encarar	
   o	
  
mundo;	
   a	
   importância	
   relativa	
   atribuídas	
   a	
   diferentes	
   grupos	
   sociais,	
   como	
   a	
  
família,	
   o	
   parentesco,	
   a	
   comunidade,	
   a	
   nação,	
   a	
   classe	
   e	
   a	
   raça;	
   a	
   força	
   e	
   o	
  
significado	
  do	
  ritual,	
  do	
  símbolo	
  e	
  do	
  costume	
  como	
  formas	
  de	
  dar	
  coesão	
  a	
  uma	
  
comunidade:	
  as	
  abordagens	
  morais	
  e	
   filosóficas	
  do	
  crime	
  e	
  do	
  castigo;	
  padrões	
  
de	
  submissão	
  e	
  surtos	
  de	
   igualitarismo;	
  os	
  conflitos	
  estruturais	
  entre	
  classes	
  ou	
  
grupos	
   sociais;	
   os	
   meios,	
   possibilidades	
   e	
   limitações	
   da	
   mobilidade	
   social;	
   a	
  
natureza	
   e	
   o	
   significado	
   do	
   protesto	
   popular	
   e	
   das	
   esperanças	
  milenaristas;	
   as	
  
alterações	
   no	
   equilíbrio	
   ecológico	
   entre	
   o	
   homem	
   e	
   a	
   natureza;	
   as	
   causas	
   e	
  
efeitos	
  da	
  doença.	
  São	
  todas	
  questões	
  candentes	
  na	
  atualidade,	
  e	
  dizem	
  respeito	
  
às	
  massas,	
  mais	
  do	
  que	
  às	
  elites.	
  Têm	
  maior	
  "relação"	
  com	
  nossas	
  próprias	
  vidas	
  
do	
  que	
  os	
  efeitos	
  de	
  reis,	
  presidentes	
  e	
  generais	
  mortos.	
  	
  
	
  
IV	
  
Como	
   resultado	
   da	
   convergência	
   dessas	
   correntes,	
   um	
   número	
   signifi-­‐
cativo	
  dos	
  mais	
  conhecidos	
  expoentes	
  da	
  “nova	
  história”	
  está	
  agora	
  voltando	
  à	
  
modalidade	
   narrativa,	
   antes	
   desprezada.	
   E,	
   no	
   entanto	
   os	
   historiadores	
   -­‐	
   e	
  
mesmo	
  os	
  editores	
  -­‐	
  ainda	
  parecem	
  um	
  pouco	
  constrangidos	
  com	
  isso.	
  Em	
  1979,	
  
o	
   Publishers	
  Weekly	
   -­‐	
   um	
   órgão	
   da	
   categoria	
   -­‐	
   elogiou	
   os	
  méritos	
   de	
   um	
   novo	
  
livro,	
  uma	
  estória	
  sobre	
  o	
  julgamento	
  de	
  Luís	
  XVI,	
  com	
  essas	
  curiosas	
  palavras:	
  "A	
  
opção	
  de	
  Jordan	
  pelo	
  tratamento	
  narrativo,	
  ao	
  invés	
  do	
  tratamento	
  erudito	
  (grifo	
  
meu)...	
  é	
  um	
  modelo	
  de	
  clareza	
  e	
  síntese17.	
  O	
  crítico	
  apreciou	
  manifestamente	
  o	
  
livro,	
   mas	
   achando	
   que	
   a	
   narrativa	
   é,	
   por	
   definição,	
   não-­‐erudita.	
   Quando	
   um	
  
membro	
  ilustre	
  da	
  escola	
  da	
  "nova	
  história"	
  escreve	
  uma	
  narrativa,	
  seus	
  amigos	
  
tendem	
  a	
   justificá-­‐lo,	
  dizendo:	
  "É	
  claro,	
  ele	
  fez	
  só	
  pelo	
  dinheiro".	
  Apesar	
  dessas	
  
desculpas	
   um	
   tanto	
   envergonhadas,	
   as	
   tendências	
   na	
   historiografia,	
   em	
  
conteúdo,	
  método	
  e	
  modalidade,	
  são	
  evidentes	
  onde	
  quer	
  que	
  se	
  olhe.	
  
Depois	
  de	
  definhar	
  sem	
  leitores	
  durante	
  quarenta	
  anos,	
  o	
  livro	
  pioneiro	
  de	
  
Norbert	
   Elias	
   sobre	
   os	
   costumes,	
   The	
   Civilizing	
   Process,	
   foi	
   de	
   súbito	
   traduzido	
  
para	
  o	
   inglês	
   e	
   o	
   francês18.	
   Theodore	
   Zeldin	
   escreveu	
  uma	
  história	
   brilhante	
  da	
  
França	
  moderna,	
  em	
  dois	
  volumes,	
  dentro	
  de	
  uma	
  série	
  de	
  manuais,	
  que	
   ignora	
  
quase	
  todos	
  os	
  aspectos	
  da	
  história	
  tradicional,	
  e	
  concentra-­‐se	
  basicamente	
  em	
  
emoções	
   e	
   estados	
   de	
   espírito19,	
   Philippe	
   Ariés	
   estudou	
   reações	
   ao	
   trauma	
  
universal	
   da	
   morte	
   ao	
   longo	
   de	
   um	
   imenso	
   período	
   de	
   tempo20.	
   A	
   história	
   da	
  
feitiçaria	
   subitamente	
   converteu-­‐se	
   num	
   setor	
   em	
   valorização	
   em	
   todos	
   os	
  
 
17 D. P. Jordan, The King's Trial: Louis XVI v. the French Revolution (Berkeley,1979); reviewed in Publishers' Weekly, 
13 de Agosto de 1979. 
 
18 N. Elias, Uber den Prozess der Zivilisation (Basel, 1939), trans. Edrnund Jephcott as The Civilizing Process, 2 vols. 
(Oxford and New York, 1978). 
19 T. Zeldin. France, 1848-1945. 2 vol. série Oxlord History of Modern Europe. Oxlord. 1973-77: uad. Histoire des 
Passions Françaises. Paris. 1978. Ver também R. Mandrou. Introduction à ta France Moderne, 1550-1640, Paris. 1961 
 
20 P. Ariés. L'homme Devant la Mort. Paris. 1977. 
 
países,	
  o	
  que	
  ocorreu	
  igualmente	
  com	
  a	
  história	
  da	
  família,	
  incluindo	
  a	
  história	
  da	
  
infância,	
   da	
   juventude,	
   da	
   velhice,	
   das	
   mulheres	
   e	
   da	
   sexualidade	
   (estes	
   dois	
  
últimos	
   constituindo	
   tópicos	
   em	
   sério	
   perigo	
   de	
   padecer	
   por	
   um	
   excesso	
   de	
  
esforço	
   intelectual).	
  Um	
  ótimo	
  exemplo	
  da	
   trajetória	
   que	
  os	
   estudos	
  históricos	
  
vêm	
  tendendo	
  a	
  descrever	
  nesses	
  últimos	
  vinte	
  anos	
  é	
  o	
  caso	
  dos	
  interesses	
  de	
  
pesquisa	
  de	
  Jean	
  Delumeau.	
   Iniciou	
  em	
  1957	
  com	
  um	
  estudo	
  de	
  uma	
  sociedade	
  
(Roma);	
   prosseguiu,	
   em	
   1962,	
   com	
   um	
   estudo	
   de	
   um	
   produto	
   econômico	
   (o	
  
alúmen);	
   em	
   1971	
   sobre	
   uma	
   religião	
   (o	
   catolicismo);	
   em	
   1976,	
   sobre	
   um	
  
comportamento	
  coletivo	
  (Les	
  Pays	
  de	
  Cocagne);	
  finalmente,	
  em	
  1979,	
  sobre	
  uma	
  
emoção	
  (o	
  medo)	
  21.	
  
A	
  língua	
  francesa	
  tem	
  uma	
  palavra	
  para	
  descrever	
  o	
  novo	
  tópico	
  –	
  mentalité	
  
–	
  mas	
  infelizmente	
  não	
  é	
  muito	
  definida,	
  nem	
  de	
  fácil	
  tradução	
  para	
  o	
  inglês.	
  Em	
  
todo	
  caso,	
  o	
  contar	
  estórias,	
  a	
  narração	
  circunstanciada	
  em	
  grande	
  detalhe	
  de	
  um	
  
ou	
   mais	
   "acontecimentos"	
   baseados	
   no	
   depoimento	
   de	
   participantes	
   e	
  
testemunhas	
  oculares,	
  constitui	
  nitidamente	
  uma	
  maneira	
  de	
  recapturar	
  algo	
  das	
  
manifestações	
  exteriores	
  da	
  mentalité	
  do	
  passado.	
  A	
  análise	
  certamente	
  continua	
  
a	
   ser	
   a	
   parte	
   principal	
   do	
   empreendimento,	
   baseado	
   numa	
   interpretação	
  
antropológica	
  da	
  cultura	
  que	
  pretende	
  ser	
  sistemática	
  e	
  científica.	
  Mas	
   isso	
  não	
  
pode	
  ocultar	
  o	
  papel	
  do	
  estudo	
  da	
  mentalité	
  no	
   ressurgimento	
  de	
  modalidades	
  
não-­‐analíticas	
  na	
  escrita	
  histórica,	
  sendo	
  uma	
  delas	
  o	
  contar	
  estórias.	
  
Evidentemente,	
  a	
  narrativa	
  não	
  é	
  a	
  única	
  maneirade	
  escrever	
  a	
  história	
  da	
  
mentalité	
  que	
  veio	
  a	
  se	
  tornar	
  possível	
  com	
  a	
  desilusão	
  frente	
  à	
  análise	
  estrutural.	
  
Tome-­‐se,	
   por	
   exemplo,	
   a	
   brilhantíssima	
   reconstrução	
   de	
   um	
   quadro	
   mental	
  
desaparecido:	
   a	
   evocação	
   do	
  mundo	
   da	
   Antigüidade	
   tardia,	
   por	
   Peter	
   Brown22.	
  
Ela	
   deixa	
   de	
   lado	
   as	
   claras	
   categorias	
   analíticas	
   costumeiras:	
   a	
   população,	
   a	
  
economia,	
  a	
  estrutura	
  social,	
  o	
  sistema	
  político,	
  a	
  cultura,	
  e	
  assim	
  por	
  diante.	
  Ao	
  
invés	
   disso,	
   Brown	
   constrói	
   um	
   retrato	
   de	
   uma	
   época	
   mais	
   à	
   maneira	
   de	
   um	
  
artista	
  pós-­‐impressionista,	
   lançando	
  aqui	
  e	
  ali	
   rudes	
  manchas	
  de	
  cor	
  que,	
  se	
  nos	
  
afastamos	
   o	
   suficiente,	
   criam	
   uma	
   assombrosa	
   visão	
   da	
   realidade,	
   mas,	
  
examinadas	
   de	
   perto,	
   dissolvem-­‐se	
   num	
   borrão	
   sem	
   sentido.	
   A	
   deliberada	
  
imprecisão,	
   a	
   abordagem	
   pictórica,	
   a	
   íntima	
   justaposição	
   da	
   história,	
   literatura,	
  
religião	
   e	
   arte,	
   a	
   preocupação	
   pelo	
   que	
   se	
   passava	
   na	
   cabeça	
   das	
   pessoas,	
   são	
  
todas	
  características	
  de	
  uma	
  nova	
   forma	
  de	
  encarar	
  a	
  história.	
  O	
  método	
  não	
  é	
  
narrativo,	
   mas	
   antes	
   uma	
   maneira	
   pontilhista	
   de	
   escrever	
   a	
   história.	
   Mas	
   esta	
  
também	
   recebeu	
   um	
   estímulo	
   a	
   partir	
   do	
   novo	
   interesse	
   pela	
  mentalité,	
   e	
   se	
  
tornou	
  possível	
   com	
  o	
  declínio	
  da	
  abordagem	
  analítica	
  e	
   estrutural,	
   que	
   foi	
   tão	
  
dominante	
  nos	
  últimos	
  trinta	
  anos.	
  
 
21 J. Delumeau. Vie Économique et Sociale de Rome dans la Seconde Moitié' du XV] siècle. 2 vol. Paris. 1957-9: Ldlun 
de Rome, XV - XIX siècle. 2 vol. Paris. 1902: Le Catholicisme entre Luther et Voltaire. Paris. 1971; La Mort des Pays 
de Cocagne: CompurtamenU Collectifs de la Renaissance à l'âge classique. Paris. 1970: L'Histoire de la Peur. Paris. 
1979. 
 
22 P. Brown. The World of Late Antiquity: From Marcus Aurelius to Muhammad. Londres. 1971. 
Houve	
   até	
   mesmo	
   um	
   ressurgimento	
   da	
   narração	
   de	
   um	
   único	
   acon-­‐
tecimento.	
   Georges	
   Duby	
   ousou	
   fazer	
   o	
   que,	
   há	
   poucos	
   anos	
   atrás,	
   seria	
  
inconcebível.	
  Ele	
  dedicou	
  um	
  livro	
  ao	
  relato	
  de	
  uma	
  única	
  batalha	
  Bouvines	
  e	
  por	
  
meio	
  dela	
  esclareceu	
  as	
  principais	
  características	
  da	
  sociedade	
  feudal	
  francesa	
  na	
  
primeira	
  metade	
  do	
  século	
  XIII23.	
  Carlo	
  Ginzburg	
  nos	
  deu	
  um	
  minucioso	
  relato	
  da	
  
cosmologia	
   de	
   um	
   obscuro	
   e	
   humilde	
   moleiro	
   do	
   norte	
   da	
   Itália,	
   do	
   início	
   do	
  
século	
  XVI,	
  e	
  através	
  dela	
  procurou	
  mostrar	
  a	
  perturbação	
  intelectual	
  e	
  psicologia	
  
a	
  nível	
  popular,	
  provocada	
  pela	
  filtragem	
  das	
   idéias	
  da	
  Reforma24.	
  Emmanuel	
  Le	
  
Roy	
  Ladurie	
  pintou	
  um	
  quadro	
  único	
  e	
   inesquecível	
  da	
  vida	
  e	
  morte,	
   trabalho	
  e	
  
sexo,	
   religião	
   e	
   costumes,	
   numa	
   aldeia	
   dos	
   Pireneus,	
   no	
   início	
   do	
   século	
   XIV25,	
  
Montaillou	
  é	
  significativo	
  sob	
  dois	
  aspectos:	
  em	
  primeiro	
  lugar,	
  porque	
  se	
  tornou	
  
um	
   dos	
   maiores	
   best-­‐sellers	
   de	
   história	
   do	
   século	
   XX	
   na	
   França;	
   em	
   segundo	
  
lugar,	
  porque	
  não	
  conta	
  uma	
  estória	
  direta	
   -­‐	
   não	
  há	
  estória	
   -­‐,	
  mas	
  vagueia	
  pela	
  
cabeça	
  das	
  pessoas.	
  Não	
  é	
  por	
  acaso	
  que	
  é	
  esta,	
   justamente,	
  uma	
  das	
  maneiras	
  
pelas	
  quais	
  o	
  romance	
  moderno	
  se	
  distingue	
  dos	
  romances	
  de	
  épocas	
  anteriores.	
  
Mais	
   recentemente,	
   Le	
   Roy	
   Ladurie	
   contou	
   a	
   estória	
   de	
   um	
   único	
   episódio	
  
cruento,	
  em	
  1580,	
  numa	
  pequena	
  vila	
  no	
  sul	
  da	
  França,	
  utilizando-­‐o	
  para	
  revelar	
  
as	
  contracorrentes	
  de	
  ódio	
  que	
  vinham	
  dilacerando	
  o	
  tecido	
  social	
  da	
  vila26.	
  Carlo	
  
M.	
   Cipolla,	
   que	
   até	
   então	
   fora	
   um	
   dos	
   mais	
   férreos	
   entre	
   os	
   obstinados	
  
estruturalistas	
   econômicos	
   e	
   demográficos,	
   acabou	
   de	
   publicar	
   um	
   livro	
   mais	
  
interessado	
  numa	
  reconstrução	
  evocativa	
  das	
  reações	
  pessoais	
  à	
  terrível	
  crise	
  de	
  
uma	
  epidemia,	
  do	
  que	
  no	
  estabelecimento	
  de	
  estatísticas	
   sobre	
  a	
   incidência	
  do	
  
mal	
  e	
  a	
  mortalidade.	
  Pela	
  primeira	
  vez,	
  ele	
  conta	
  uma	
  estória27.	
  Eric	
  Hobsbawm	
  
descreveu	
   a	
   vida	
   curta,	
   desagradável	
   e	
   brutal	
   dos	
   rebeldes	
   e	
   bandidos	
   pelo	
  
mundo,	
  de	
  modo	
  a	
  definir	
  a	
  natureza	
  e	
  os	
  objetivos	
  de	
  seus	
  "rebeldes	
  primitivos"	
  
e	
  "bandidos	
  sociais”	
  28.	
  Edward	
  Thompson	
  contou	
  a	
  estória	
  da	
  luta	
  na	
  Inglaterra,	
  
no	
  começo	
  do	
  século	
  XVIII,	
  entre	
  os	
  caçadores	
  clandestinos	
  e	
  as	
  autoridades	
  na	
  
floresta	
   de	
   Windsor,	
   a	
   fim	
   de	
   respaldar	
   seu	
   argumento	
   sobre	
   o	
   conflito	
   entre	
  
plebeus	
  e	
  nobres	
  naquela	
  época29.	
  O	
  último	
  livro	
  de	
  Robert	
  Darnton	
  conta	
  como	
  
 
23 G. Duby. Le dimanche de Bouvines 27 juillet 1214. Paris. 1973 
 
24 C. Ginzburg. Il Formaggio e i Vermi. Turim. 1976. 
 
25 E. Le Roy Ladurie. Montaillou, Village Occitan de 1294 à 1324, Paris. 1976: trad. B. Bray. Montaillou: Cathars and 
Catholics in a French Village 1294-1324. Londres. 1978. 
 
26 E. Le Roy Ladurie. Le Carnaval de romans: de la chandeleur au mercredi des cendres, 1579-1580. Paris. 1979. 
 
27 C. M Cipolla. Faith, reason, and the plague in seventeenth-century Tuscany, Ithaca. N.Y., 1979. 
 
28 E. J. Hobsbawn. Primitive Rebels. Manchester. 1959; E. J. Hobsbawm. Bandits. Londres. 1909: E. J. 
Hobsbawm e G. Rudé. Captain Swing. Londres. 1969. 
 
29 E. P. Thompson. Whigs and Hunters. Londres. 1975. 
 
a	
  grande	
  Encyclopédie	
  francesa	
  veio	
  a	
  ser	
  publicada,	
  e	
  com	
  isso	
  lançou	
  inúmeras	
  
luzes	
   novas	
   sobre	
   o	
   processo	
   de	
   difusão	
   do	
   pensamento	
   iluminista	
   durante	
  
século	
  XVIII,	
   inclusive	
  os	
  aspectos	
  práticos	
  da	
  produção	
  do	
   livro	
  e	
  os	
  problemas	
  
de	
   agradar	
   a	
   um	
  mercado	
   nacional	
   -­‐	
   e	
   internacional	
   -­‐	
   de	
   idéias30.	
   Natalie	
   Davis	
  
apresentou	
  uma	
  narrativa	
  sobre	
  quatro	
  charivaris,	
   isto	
  é,	
  práticas	
  ritualizadas

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