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CÉREBRO TRISTE, CÉREBRO FELIZ Revista Newsweek, 13/mar/2010, por Michael Miller O cérebro é a mente é o cérebro. Cem bilhões de células nervosas mais ou menos, nenhuma das quais tem, individualmente, a capacidade de sentir ou de raciocinar, juntas gerando consciência. Por cerca de 400 anos, seguindo as idéias do filósofo francês René Descartes, aqueles que pensaram sobre sua natureza consideraram a mente relacionada com o corpo, mas separada dele. Neste modelo, muitas vezes chamado de "dualista", ou o problema mente-corpo, a mente foi considerada "imaterial", não ancorada em qualquer coisa física. Hoje os neurocientistas estão descobrindo evidências abundantes de uma idéia na qual Freud tocou há mais de 100 anos atrás, de que separar a mente do cérebro não faz sentido. O ganhador do Prêmio Nobel psiquiatra e neurocientista Eric Kandel afirma diretamente em um artigo divisor de águas publicado em 1998: "Todos os processos mentais, até os processos psicológicos mais complexos, são decorrentes de operações do cérebro." Os neurocientistas consideram claro que a mente surge da cooperação de bilhões de células interligadas que, individualmente, não são mais inteligentes do que amebas. Mas é uma ideia chocante para alguns que a mente humana poderia surgir de uma tal quantidade de insensatez. Muitos expressam espanto que emoções, dor, sexualidade ou crença religiosa possam ser um produto da função cerebral. Eles são abalados pela noção de que tais experiências ricas poderiam ser reduzidos a pedaços mecânicos ou químicos. Ou eles temem que as explicações científicas possam seduzir as pessoas a uma espécie de preguiça moral que fornece uma desculpa pronta para qualquer falha humana: "Meu cérebro me fez fazer isso". Nossos cérebros realmente fazem-nos fazer coisas, mas isso não deixa de ser consistente com vidas significativas e escolhas morais. Escrevendo para o Presidente do Conselho de Bioética no início deste ano, o filósofo Daniel Dennett pontuou que a construção de conhecimento sobre a biologia da vida mental pode melhorar as nossas decisões, até mesmo as nossas decisões morais. E poderia aumentar nossas chances de sobrevivência como espécie, também. Seu coração, pulmões, rins e aparelho digestivo o mantém vivo. Mas seu cérebro é o lugar onde você vive. O cérebro é responsável pela maior parte do que você se ocupa - como linguagem, a criatividade, a imaginação, a empatia e moralidade. E é o repositório de tudo o que você sente. O esforço para descobrir a base biológica para essas experiências humanas complexas tem dado origem a uma disciplina relativamente nova: neurociência cognitiva. Foi recentemente que isso explodiu como um campo científico, graças, em parte, a décadas de avanços na tecnologia de neuroimagem que nos permitem ver o cérebro em funcionamento. Como o Dr. Joel Yager, professor de psiquiatria na Universidade de Colorado disse: "Agora nós podemos ver o espanto !" Certamente, você não vai encontrar uma descrição de "espanto" num livro de neurociência moderna. Você também terá dificuldades para encontrar as palavras "felicidade" ou "tristeza", "raiva" ou "amor". Os neurocientistas, no entanto, estão vendo crescer rapidamente os estudos sobre o lado emocional do cérebro e estão começando a olhar atentamente para esses estados subjetivos, que antes eram província de filósofos e poetas. É uma ciência complexa, mas grande promessa para a melhoria da qualidade de vida. Felizmente, o entendimento dos princípios básicos não exige um grau avançado de conhecimentos. MEDO O medo é um bom lugar para começar, porque é uma das emoções que os neurocientistas cognitivos entendem bem. É uma sensação desagradável, mas necessária para a nossa sobrevivência; os seres humanos não teriam durado muito tempo no mundo selvagem, sem ele. Duas estruturas cerebrais chamadas de amídalas gerem a importante tarefa de aprender e lembrar o que você deve ter medo. Cada amídala é um aglomerado de células nervosas com forma de amêndoa (do grego amygdale), que ficam sob os lobos temporais, em ambos os lados do cérebro. Como um hub de rede, elas coordenam informações de diversas fontes. Elas coletam sinais do meio ambiente, registram significados emocionais e, quando necessário, mobilizam uma resposta adequada. Elas recebem informações sobre a resposta do organismo ao ambiente (por exemplo, a freqüência cardíaca e pressão arterial) do hipotálamo. Comunicam-se com as áreas de raciocínio na parte frontal do cérebro. E ainda se conectam com o hipocampo, um centro de formação de memórias. O medo é extraordinariamente eficiente. É tão eficiente que você não precisa analisar de forma consciente o que está acontecendo para o cérebro produzir uma resposta. Se um carro desvia para sua faixa no trânsito, você vai sentir o medo antes de entender o que está havendo. Sinais viajam entre a amígdala e o seu sistema de defesa antes que a parte visual de seu cérebro tenha a chance de "ver". A reação é quase imediata, automática, reflexa. Organismos com respostas mais lentas não têm a oportunidade de passar o seu material genético para a próxima geração. O medo é contagioso, porque a amígdala ajuda as pessoas a não só reconhecer o medo no rosto dos outros, mas também escanear o ambiente atrás dele. As pessoas ou animais com danos na amídala perdem essas habilidades. Não só o mundo é mais perigoso para eles, mas a a textura emocional da vida é contornada; o mundo parece menos atraente para eles, porque sua “emoção” é anatomicamente prejudicada. Corte do cérebro mostrando partes do sistema límbico: Putamen (P), Hipocampo (linha zul), Amídala (linha vermelha) e Ínsula (seta), uma região do córtex. RAIVA Corte sagital do cérebro, mostrando as regiões do córtex que ficam ocultas entre os dois hemisférios. MOPFC, medial orbitofrontal cortex; VMPFC, ventromedial prefrontal cortex; DMPFC, dorsomedial prefrontal cortex; PACC, perigenual anterior cingulate cortex; SACC, supragenual anterior cingulate cortex; PCC, posterior cingulate cortex; RSC, retrosplenial cortex; MPC, medial parietal cortex. Até recentemente, havia relativamente pouca pesquisa sobre como o cérebro processa a raiva. Mas isso começou a mudar. Estudos recentes indicam que a raiva pode desencadear atividade em uma parte do cérebro chamada de córtex dorsal cingulado anterior (abreviado DACC). Como a amídala, a função do DACC é útil em algumas situações, dadas as suas ligações a áreas do cérebro envolvidas no reconhecimento de uma ofensa (ex. ele roubou meu brinquedo), registro de um sentimento (estou com raiva) e ação (eu vou ...). Ele também se conecta com os centros de raciocínio na parte frontal do cérebro, bem como centros de memória, que desempenham um papel na ruminação ou repetição de um fato. Os pesquisadores,no entanto, têm focado mais em uma das conseqüências da raiva - a agressão - provavelmente porque ela pode ser observado sem equívocos através do comportamento. Sabe-se, por exemplo, que os homens são mais abertamente mais agressivos do que as mulheres por causa de diferenças nos hormônios masculinos. Mas os cérebros de homens e mulheres também são diferentes, e algumas destas diferenças podem afetar a agressividade. Na parte da frente do cérebro, o córtex orbitofrontal é recrutado para ajudar a tomar decisões e moderar as respostas emocionais. Ele ativa-se quando as pessoas estão fazendo julgamentos. Adrian Raine e colegas da University of Southern California observaram que, em média, os homens têm um menor volume de massa cinzenta (os corpos de células nervosas) no córtex órbito-frontal em relação às mulheres. De acordo com sua análise, esta diferença no cérebro é responsável por uma parte da freqüência diferenciada de comportamento anti-social. Mesmo um neurocientista pode ver que o assassinato e caos são indesejáveis. Mas um neurocientista também pode ver por que esse traço pode ainda estar no pool genético dos humanos. O gene para a anemia falciforme sobreviveu porque fornece proteção contra outra doença, a malária. Da mesma forma, a agressividade freqüentemente é uma vantagem. Até recentemente, em termos históricos, uma prontidão para lutar e a capacidade de matar era uma forma de consolidar o controle sobre os recursos naturais para a sobrevivência. O mais violento sobrevivia, os mais controlados morriam. Felizmente, os diplomatas também evoluíram. Alguns de nossos antepassados que entendiam que a agressividade levava a riscos, bem como vantagens, usaram seus cérebros criativos para conceber melhores soluções dos conflitos. Nossos predecessores também orquestraram desvios simbólicos para a agressão, como os esportes e o xadrez, ou mesmo as brincadeiras de disputa entre as crianças. TÃO FELIZ (E TRISTE). JUNTOS. Áreas de atividade cerebral aumentada no cérebro de pessoas felizes (happy) ou tristes (sad). Nas figuras de cima, aparecem as áreas de maior atividade no córtex. Nas figuras de baixo, as áreas de maior atividade no sistema límbico. As emoções comuns de tristeza e felicidade são um problema para os investigadores. Depressão e mania são áreas fundamentais de estudo para um neurocientista. Mas altos e baixos do cotidiano são tão amplamente e vagamente definidos que os pesquisadores têm dificuldade em definir o que exatamente estudar. Eles observam a atividade de praticamente todas as partes do cérebro. No ano passado, Peter J. Freed e J. John Mann, em uma publicação no The American Journal of Psychiatry, comentaram minuciosamente a literatura científica sobre a tristeza no cérebro. Em 22 estudos, exames cerebrais foram realizados em voluntários não-deprimidos, mas tristes. A tristeza foi principalmente induzida (indivíduos viram fotos tristes ou filmes, ou pediu-se para se lembrarem de um acontecimento triste), embora, em alguns estudos, os indivíduos tinham experimentado recentemente uma perda. No geral, a tristeza alterou mais de 70 regiões diferentes do cérebro. A amígdala e hipocampo aparecem nesta lista, assim como a parte da frente do cérebro (córtex pré-frontal) e o córtex cingulado anterior. A estrutura chamada ínsula (que significa "ilha") também aparece aqui; é uma pequena região do córtex abaixo dos lobos temporais que registra a percepções de tato e o paladar. Os autores enxergam um sentido neste quadro complicado. As regiões do cérebro em sua lista processam conflitos, dor, isolamento social, memória, recompensa, atenção, sensações corporais, tomada de decisões e manifestações emocionais, que podem contribuir para o sentimento de tristeza. No cérebro, a felicidade é tão amplamente definido como a tristeza. Em seu livro "Este é seu cérebro cantando", o Dr. Daniel Levitin (página 58) observa que a música requer, simultaneamente, muitas partes do cérebro. Nós ouvimos e respondemos aos sons e ritmos (córtex auditivo, córtex sensorial e motor, cerebelo). Nós interpretamos (córtex sensorial) e raciocinamos (córtex pré-frontal). A música traz memórias de experiências e emoção (amígdala e hipocampo). Se a música está afetando você, ela provavelmente está acionando o sistema de recompensa (núcleo accumbens). E se você está cantando, como o Dr. Levitin faz, você também tem de demonstrar satisfação. Isto pode ou não ser uma descrição de felicidade, mas certamente coincide com a noção de fluxo musical descrita pelo autor Dr. Mihaly Csikszentmihalyi: atenção concentrada e a ausência de auto-consciência. Um neurocientista pode dizer que uma coisa que envolve totalmente o seu cérebro dessa forma é algo digno de ser vivido. FÉ, AMOR E COMPREENSÃO O desafio para os neurocientistas cognitivos torna-se maior à medida que subimos a escada para estados emocionais mais complicados. E as apostas tornam-se mais elevadas, também, porque a investigação de processos mentais altamente valorizados podem ser facilmente mal interpretada. A empatia é mais do que ser bom. É a capacidade de sentir o que a outra pessoa sente, e em sua forma mais refinada é a capacidade de entender profundamente o ponto de vista de outra pessoa. A capacidade empática do cérebro realmente começa com a detecção de medo. A maioria de nós são leitores de rostos extraordinariamente qualificados. Nós prontamente processamos emoções comunicadas a nós através da expressão facial. E a gramática da expressão facial, em alguns casos, é simples. Somos mestres em dizer quando um sorriso é sincero pela ausência de rugas (chamadas linhas de Duchenne) em torno dos olhos. Em um sorriso espontâneo, os cantos da boca se curvam e os músculos ao redor dos olhos contraem. Linhas de Duchenne são quase impossíveis de falsificar. Diferença entre um sorriso social e um sorriso “Duchenne”, ou verdadeiro. No filme dos Irmãos Marx "Duck Soup", Groucho encontra seu irmão Chico em uma porta, vestido como ele em uma camisola, boné e um bigode falso. Eles executam uma versão famosa da brincadeira do espelho: Chico copia as ações de Groucho. O humor pode derivar, pelo menos em parte, a partir da habilidade altamente desenvolvida dos seres humanos como imitadores. Quando você observa alguém comer sorvete ou roer as unhas, as regiões do cérebro que são ativadas no comedor e no roedor também são ativados em você. Mas a empatia depende de mais do que a capacidade de espelhar ações ou sensações. Também requer o que alguns neurocientistas cognitivos chamam de mentalização, ou uma "teoria da mente". Simon Baron-Cohen, um dos principais pesquisadores no estudo do autismo, identificou a incapacidade de gerar uma teoria da mente como um déficit central da doença. Ele cunhou o termo"mindblindness" (cegueira da mente) para designar esse problema. O contrário, ver-a-mente, exige a função saudável de várias áreas do cérebro. O processamento e lembrança de pistas sutis de linguagem ocorre nas extremidades dos lóbulos temporais. Na junção dos lobos temporal e parietal, o cérebro lida com a memória para eventos, julgamento moral e movimento biológico (que poderíamos chamar de linguagem corporal). E o córtex pré-frontal lida com muitas funções de raciocínio complexos na empatia. Não surpreendentemente, o amor também requer muito do cérebro. As áreas que estão profundamente envolvidas incluem a ínsula, cíngulo anterior, hipocampo e núcleo accumbens, em outras palavras, partes do cérebro que envolvem o corpo e a percepção emocional, memória e recompensa. Há também um aumento na atividade dos neurotransmissores envolvendo comprometimento e ligação a outro, bem como recompensa (essa área novamente). E há evidência científica de que o amor realmente é cego; o amor romântico desliga a atividade na parte de raciocínio do cérebro e a amígdala. No contexto da paixão, áreas de julgamento e medo estão fora do jogo. O amor também desliga os centros necessários para mentalizar ou sustentar uma teoria da mente. Os amantes param de diferenciar entre o “eu” e o “outro”. A fé também está sendo estudada. No início deste ano, a revista Annals of Neurology publicou um artigo de Sam Harris e seus colegas explorando o que acontece no cérebro quando as pessoas estão no ato de crer ou descrer. Em um editorial de acompanhamento, Oliver Sachs e Joy Hirsch ressaltaram a importância do que os pesquisadores descobriram. Crença e descrença ativam diferentes regiões do cérebro. Mas no cérebro, todas as reações de crença parecem o mesmo, se o estímulo foi relativamente neutro como uma equação (ex. (2+6)+8 = 16), ou emocionalmente carregadas como "Existe um Deus pessoal, assim como a Bíblia descreve". Ao colocar uma grande idéia religiosa ao lado de uma equação matemática, alguns leitores podem pensar que os pesquisadores pretendem rejeitá-la levianamente. Mas uma descoberta sobre o funcionamento do cérebro não implica um juízo de valor. E compreender a realidade de como o cérebro funciona não deve perturbar as grandes questões sobre a experiência humana. Ela deve nos ajudar a respondê-las.
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