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dizia que deitassem o espinhei, faziam-no sem hesitar, certos de que o tirariam carregado de peixes. Uma palavra sua bastava para que grandes car- dumes povoassem aquelles mesmos golfos que pouco antes se achavam desertos de peixes. E quantas vezes não perguntava elle mesmo aos pescadores que sorte de pescados desejavan^ e, se bem fora de sazão, e rarissimos, a seu mandado, lançando o espinhei, o tiravam carre- gado dos taes? Visitando um dia certa aldêa da Colônia do Espirito Sancto, achou os habitantes consterna- dos ; porque, com o mau tempo que fazia, estava o mar tão cavado que nada podiam pescar, e por isso se achavam mortos de fome, tendo-lhes faltado seu único recurso. Compadecido d'elles passou o sancto homem a gritar : «Ao mar, ao mar, vamos «ao mar.»—Mas, meu Padre, dizem, já o temos 150 VIDA tentado varias vezes: emquanto não abonançar, baldados serão todos os esforços.—«Homens de «pouca fé, replica Anchieta; porque tão pouco «confiaes em Deus ? Vinde comigo, e não te- «mães.» Acompanharam-no. «Que peixes que- « res tu ?» dice a um d'elles. « E tu ? » e assim em seguida a cada um. Cada qual pediu-lhe os peixes que desejava. «Pois bem, lançai os espinheis—tu, á direita ;— «e tu, á esquerda;—e tu, mais além.» Pouco tempo depois, cada um levantou o espinhei cheio dos peixes que pedira: todos ti- veram que comer, em abundância. Tinha o Collegio da Bahia necessidade de peixe; e os pescadores, encarregados de lh'o fornecer, vieram um dia dizendo que, não ob- stante terem pescado toda a noite, nada tinham podido apanhar. Então subindo com elles o P. Anchieta ao eirado da casa, mostrou-lhes certa porção de mar, dizendo-lhes : «Vedes aquella beirada que «banha a fralda do oiteiro, lançai lá vossas «redes, que vos não faltarão peixes.» Assim de facto aconteceu, bemdizendo todos ao Senhor, que taes maravilhas obrava por meio de seu fiel servo. Por mais de uma vez, caíam nas redes peixes enormes, que facilmente podiam rasgal-as com DO VENERAVEL JOSÉ ANCHIETA 1 5 1 grave prejuízo de seus donos; pelo que recor- riam logo ao P. Anchieta, o qual com voz im- periosa mandava aos insolentes peixes que sem mais demora saíssem e de mansinho, se não queriam soffrer mais severo castigo : cousa admi- rável ; era. obedecido sem replica ! Outra vez, indo elle embarcado de S. Lou- renço para S. Sebastião, viu-se o navio bloquea- do por grande numero de baleias, as quaes, como andassem á flor d'agua, facilmente podiam, de um momento para outro, mandal-o a pique : todos ficaram transidos de susto. O Padre, porém, bem socegado lhes dice ; não temaes, que também estes bichos obedecem a Deus e ouvem a sua voz.— Nisto, deitando-lhes a bençam : « Ide-vos, em nome «do Senhor, lhes dice elle, e dai-nos passe livre. » «Incontinenti sossobraram e se foram as baleias. Ainda maior maravilha acontecia, quando as mesmas feras, e venenosas serpentes, reco- nhecendo o poder e senhorio do novo Adão, que- bravam, ante elle, a ferocidade, e perdiam o natural veneno. No território do Espirito Sancto, havia um macaco avezado a entrar em um engenho de as- sucar; e depois de tudo estragar, fugia com tanta celeridade e destreza, que nenhuma espar- rella o podia colher. Foi o senhor d) engenho ter com o P. An- chieta, lamentando-se do mono, e pedindo que o livrasse do malfazejo animal. 152 VIDA «Fique socegado, respondeu o sancto ho- «mem, que quando voltar, receberá o merecido «repellão.» Voltando, com effeito, o macaco, o Padre fêl-o vir tremendo a seus pés, e dice- lhe : «Até quando continuarás tú a roubar ? «Livra-te, daqui em diante, de tocar em cousa «alguma. Volta muito embora, se quizeres; mas «não bulas em nada; espera que te dêem.» Continuou o mono a vir, mas sem tocar em cousa alguma; e assim se tornou para toda a casa um objecto de recreio. D'outra feita, indo elle á S. Barnabé com alguns pescadores, um destes ao ver sobre uma arvore um grande mono, com uma frechada deu com elle em terra mortalmente ferido. Aos guinchos do moribundo, açodem os outros macacos, para partilharem sua dôr. Os pesca- dores não perdem a vaza : assetteam vários, que logo caem mortos por terra. Pediu-lhes o P. An- chieta para, em vez de matarem aquelles po- bres micos, divertirem-se com elles; e nisto, yoltando-se para estes, lhes dice : «Vinde, coi- «tadinhos, e continuai a carpir a morte de «vossos pobres companheiros.» Logo se puze- ravn os micos a dar assobios, a saltar daqui para ali, com graciosas momices; até que o Padre os deteve, dizendo-lhes : «Basta, ide- «vos, agora, com a bençam de Deus; do con- «trario, correis risco de morrer também vós.» DO VENERAVEL JOSÉ ANCHIETA 1 5 3 Immediatamente se foram embora os macacos, ao receberem esta ordem do servo de Deus. Um touro furioso, que com grandes esforços muitos tentavam jungir, investia a quantos lhe queriam pôr o laço: chega-se a elle o P. An- chieta, dá-lhe a bençam, levemente o tocca: foi o que bastou para que se tornasse logo manso como um cordeiro. Tigres e onças, por natureza tão ferozes, com o F. Anchieta, eram como animaes mansos e domésticos: chamava-os para o pé de si, ami- mava-os, dava-lhes de comer na mão. Um dia em que elle com varias pessoas assistia a uma pesca, appareceram ao longe na praia duas onças; e desejando um dos compa- nheiros vêl-as de mais perto, dice-lhe o P. An- chieta : «Espere que a pescaria se acabe, e en- «tão poderá vel-as a seu bel prazer.—E vós, «dice elle ás onças, voltai daqui a pouco; que «alguém deseja ver-vos.» Retiraram-se as feras; e precisamente voltaram ao findar a pesca; de modo que todos de suas barcas puderam, perti- nho da praia, satisfazer a curiosidade. Mas, como as onças se conservassem immoveis: «Ora «pois, lhes dice, caminhai um pouco, e voltai- «vos para que possaes ser vistas melhor.» Depois disto, atirou-lhes alguns peixes, e mandou-as embora. 154 VIDA Outra vez, estando elle com alguns com- panheiros, deitado debaixo de uma barraca, saiu, alta noite, conforme seu costume, para orar ao relento. Passadas algumas horas, voltou, e pe- gando d'um cacho de bananas, atirou com elle fora da barraca, dizendo : «Tomai, amiguinhos, «comei.» Perguntaram-lhe a quem havia elle dado as bananas : * aos meus bons camaradas,» respondeu elle. Demanhã, pelo rasto que deixa- ram, reconheceram todos, que eram dous tigres. Com quanto as viboras e serpentes em ne- nhuma parte sejam mais venenosas que no Brazil; com tudo em vez de serem nocivas ao P. An- chieta, deixavam-se por elle pegar, acarinhar, beijar, e até, quando elle queria e ellas mereciam, castigar, açoutar, e pisar aos pés. De viagem com alguns índios para a Co- lônia do Espirito Sancto, eis se não quando co- meçam estes a correr de uma cobra que furiosa os accommettia — «Não corrais, lhes dice, não «corrais ; — e tu, insolente, vem cá. •» Tomou a vibora nas mãos, e mostrando-a aos companhei- ros, fallou-lhes das grandezas de Deus, e com o semblante inflammado, dice-lhes, que nenhum animal, por mais indomito que fosse, deixaria de subjeitar-se ao homem, se o homem vivesse sub- jeito a Deus. Semelhante a este foi o caso que lhe suc- cedeu, em outra jornada: acommettido por uma DO VENERAVEL JOSÉ ANCHIETA 1 5 5 cobra, gritou o companheiro de viagem pelo P. Anchieta, pedindo soccorro. Acudiu este logo, e mandando á serpente que se chegasse a seus pés, dice-lhe : « Oh ! é demais ; já não te reprendi ^outra vez? e porque não te emendas? » Nisto, calcando-a levemente aos pés, como quem zom- bava da vibora: « Morde agora, lhe diz, morde «agora, e vinga em mim quantas offensas tenho «feito a Deus, meu e teu Creador. » A cobra, porém, levantando algum tanto a cabeça, poz-se a lam- ber o pé que a calcava, e assim