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mundo pós guerra: crítica social ou industria cul

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“O mundo pós-guerra: crítica social ou indústria cultural? ” (que título colocamos??) 
A cultura, com seu senso conservador, mantém as tradições e tenta manter um consenso. Temos de observar o que é produzido, como e para quê. Os filmes, as músicas, os livros, as produções artísticas de um modo geral têm um porquê e um para quê; não são simples manifestações da inspiração de um artista, além disso, são uma forma de se gritar, falar com a sociedade, seja como uma forma reivindicatória, como eram as canções e filmes produzidos na era da ditatura; seja como uma maneira de controlar o pensamento social.
Podemos citar como exemplo, “Apesar de você”, canção de Chico Buarque, com o refrão tocante: Apesar de você ∕ Amanhã há de ser ∕ Outro dia (Chico Buarque de Holanda, 1970), ou ainda “Cálice”: Pai, afasta de mim esse cálice ∕ De vinho tinto de sangue (Chico Buarque de Holanda, 1973). Assim, como tantas outras: Há soldados armados / Amados ou não / Quase todos perdidos / De armas na mão / Nos quartéis lhes ensinam / Uma antiga lição: De morrer pela pátria / E viver sem razão (“Pra não dizer que não falei das flores”, Geraldo Vandré, 1968); “O bêbado e o equilibrista”: Que sonha com a volta / Do irmão do Henfil / Com tanta gente que partiu / Num rabo de foguete / Chora! A nossa Pátria Mãe gentil / Choram Marias e Clarisses / No solo do Brasil (João Bosco, 1979). Essas e tantas outras canções repelam o sistema ditatorial militar que comandou o Brasil de 1964 a 1985. No cinema, dentre tantas produções, tivemos “O desafio” de Paulo Cesar Sarraceni, 1965 e “Terra em transe” de Glauber Rocha, 1967.
	Durante esse período, os artistas, não só aqui no Brasil, como também em outros países que sofriam com a perseguição dos militares, seu domínio e sua força, criavam suas obras com o intuito de mostrar seu repúdio ao governo e como um rogo para a população sair às ruas para lutar. Sofreram torturas, exílio, prisões e até morte, mas não se calaram. Em outros tempos já havia indignação por parte dos artistas, como Machado de Assis que tanto provocou na sua escrita, condenando o regime escravocrata e a sociedade patriarcal do Rio de Janeiro.
Atualmente, vemos uma sociedade pacata, conformada com as imposições da sociedade dominante, do governo e, principalmente, do mercado. O modo de vida capitalista dita as regras, as pessoas acostumadas a esse modo de vida e acomodadas no conforto adquirido através do dinheiro, fruto de seus trabalhos, não lutam por mudanças, estão na zona de conforto, fazem parte da cultura do “ganhar”, seja da forma que for; o proletariado ganha através do trabalho árduo e o empregador ganha através da exploração e do lucro. Os interesses da classe dominante prevalecem.	
Não há como refletir sobre a cultura ignorando essas desigualdades. A cultura pode ser entendida como uma dimensão da realidade social. É uma construção histórica, um produto coletivo da vida humana e nela estão contidas muitas mensagens políticas.
O controle de massa é difundido através de instrumentos como o cinema, a literatura, a música, a imprensa. Essa é a cultura homogeneizadora, niveladora. O problema é que essa homogeneização não existe, não há nivelação social ou cultural. As mensagens da indústria cultural, com o propósito de controlar a população, se apresentam como um projeto dos interesses dominantes da sociedade. 
A ciência e a tecnologia também são manifestações de poder. O controle do conhecimento é relevante. Novos lançamentos, novos celulares, todos conectados, as tais novas tecnologias promovidas pelo estudo científico. São elas que nos fascinam hoje. Todos queremos que a tecnologia avance, ver robôs, contribuir no combate de doenças e trazer uma vida melhor para a população. Porém, todo esse anseio vem junto com as propostas do medo. E se o avanço promover a guerra e não a paz? Sobreviveremos? Seremos dominados por robôs e computadores? Seremos capazes de reverter uma situação catastrófica? Continuaremos humanos, isto é, amando, preservando a vida? Quem serão nossos governantes? Como manter o controle de tudo isso?
Bem, os livros e filmes de ficção científica atuais vão se aventurar em mundos onde todos os medos se tornam fatos, como “Jogos Vorazes” de Suzanne Collins, “Maze Runner” de James Dashner, e o que será ressaltado aqui, a trilogia Divergente escrita por Veronica Roth. Com seus três livros Divergente, Insurgente e Convergente, e que já foram adaptados ao cinema, restando apenas o ultimo que será lançado em março de 2016. Esta série está inserida num mercado de tantas outras produções desse gênero, que envolvem além da ciência, a ação e o romance. Essas produções retratam um mundo pós-guerra, em que se vive em um sistema para se manter a paz, ao qual os protagonistas não vão se sentir pertencentes e lutarão contra. No caso de “Divergente”, o livro mostra um mundo dividido em facções nas quais cada facção tem sua própria característica e seus integrantes não podem agir diferente daquilo que lhes foi determinado. Seu modo de vestir, o que comer, o que fazer, tudo tem de ser de acordo como delimitado a seus membros. Isto nos mostra de antemão, a tentativa de nivelação.
“Decidiu-se que a culpa da guerra e de outras privações estava na personalidade humana. A população foi separada em facções, numa tentativa de erradicar os atributos responsáveis pela desordem no mundo. Assim, os que culpavam o egoísmo geraram a Abnegação, e os que acreditavam que a agressividade era a razão dos problemas formaram a Amizade. Aqueles que viam na covardia a origem de todos os males se juntaram à Audácia, enquanto os que repudiavam a ignorância se uniram à Erudição. Por fim, quem pensava na duplicidade como algo a ser exterminado formou a Franqueza. Cada grupo contribuiu com um setor diferente da sociedade: a Abnegação supriu a demanda por líderes altruístas no governo, a Amizade deu conselheiros e zeladores compreensivos, a Audácia protegeu a todos de ameaças externas e internas, a Erudição forneceu pesquisadores e professores inteligentes, e a Franqueza providenciou líderes confiáveis para o Judiciário. Mas, acima de tudo, em cada grupo, encontrou-se um propósito e uma justificativa para a própria existência.” (resumo em http://divergentebrasil.com/trilogia/ )
Vale ressaltar que há a divisão de tarefas dentro das próprias comunidades. Vemos claramente um processo de taylorização, em que as pessoas são separadas, compartimentadas, especializadas e dispersadas em suas facções. Eles pensam ter a percepção sistêmica de acordo com as funções de cada facção, mas ao se descobrir divergente, isto é, se encaixar em todas as facções e ser perseguida, a protagonista Beatrice passa a entender a totalidade do sistema; se inteirando das intrigas políticas entre as facções e percebendo que a liberdade e a individualidade com as quais que ela tanto sonhava podem significar o fim da sua facção de origem. Então, vemos que há uma crítica à esta sociedade, que atualmente está liga aos nossos meios de produção e também as nossas relações sociais. Logo, se trata de uma obra crítica, certo? 
Vejamos, se trata de uma obra que expõe um conjunto de significados e valores de uma determinada sociedade. Assim, no primeiro livro, o valor maior está em pertencer a uma facção e cumprir seus serviços determinados por esta. O receio está em ser um “sem facção”, isto é, não se encaixar em nenhuma e viver à margem da sociedade ou ser um “divergente”, pois o sistema não pode controlá-lo. Já no volume seguinte, Insurgente, eles valores estão comprometidos, os divergentes passam a ter mais destaque e terem valor. Descobre-se que esta sociedade é na realidade um experimento e que obter divergentes é o resultado procurado, assim eles deixam de ser o problema e passa a ser a solução. Por fim, coloca em questionamento quais os nossos valores hoje, os quais são mais explorados em Convergente. Temos todos de ser divergentes ou concordamos com a visão do mundo em facções e um total controle da humanidade? Há aqueles que querem manter o sistema e os que
querem mudanças. Além disso, eles vão se encontra com os “humanos reais” que estavam os observando há duzentos anos, e que os valores das facções estão bem corrompidos pelo poder, egoísmo, ganância, ou seja, a humanidade precisa de salvação, mas seus líderes preferem manter o poder e destruir todo o projeto e as pessoas do sistema de facções. 
Ora, não vemos os jovens que leem estas e outras sagas, que trazem essa mesma temática de luta contra um sistema, tentando reagir ao nosso sistema. A questão está nos modos de produção. Nada é atual nessas histórias, são futuros utópicos de alta tecnologia, e a ação e o romance falam muito mais alto que a crítica. Sem os Estudos Culturais e as teorias sobre cultura materialista para iluminar o estudo desse objeto, foca-se apenas na trama, permanecendo coberta a realidade sócio histórica. 
Muito da literatura hoje é para reforçar a hegemonia. A nossa sociedade capitalista permanece a mesma. A venda dessas produções e vão de acordo com o mercado em que o entretenimento oculta a realidade cultural. Elas estão em alta agora, tanto nos livros como nos filmes, com milhares de fãs e seguidores, com sites cheios de detalhes sobre os livros, informações sobre autores ou sobre as produções cinematográficas. Todas em trilogias, com heróis adolescentes e jovens adultos, pares românticos muita ação e uma extravagante ficção científica. E tudo isso leva a uma discussão primordial entre os fãs: “Ela morre no final?” Tudo é composto e trabalhado de tal forma que as questões relevantes entre as obras são o enredo, as personagens, quanto daquilo é possível, qual forma narrativa é mais cativante, enfim, qual trilogia é melhor. O capitalismo tira o foco da contrução histórica ao qual pertencem, tentando nos impedir de enxergar mensagens políticas. 
Isso não quer dizer que os autores fizeram uma crítica de forma consciente. Nossa cultura é nossa forma de ver o mundo, eles podem apenas ter colocado como enxergam o mundo de um modo interessante e com valor mercadológico.
A maioria das teorias sobre cultura pode ser aplicada na série, principalmente no que se trata da cultura materialista. Entretanto, a trilogia não pode ser entendida como uma forte crítica à sociedade com a intenção de mudá-la, porque na verdade apenas reforça a hegemonia. A utopia é mais instigadora que a crítica em si, levando as pessoas a desejarem os benefícios e facilidades do mundo utópico. Por isso os Estudos Culturais se fazem necessário, para tentar compreender a realidade que essa e outras obras revelam a nós.

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