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Alexandre morais da rosa 2007 Para um Processo Penal Democrático

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PARA UM PROCESSO
PENAL DEMOCRÁTICO: 
Crítica à Metástase do 
Sistema de Controle Social
ALEXANDRE MORAIS DA ROSA
Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de 
Direito de Coimbra, Portugal e UNISINOS, Brasil.
Doutor em Direito do Estado pela UFPR. 
Mestre em Direito pela UFSC. 
Professor do Curso de Pós-Graduação Stricto 
Sensu em Ciência Jurídica da UNIVALI. 
Juiz de Direito (TJSC).
E-mail: alexandremoraisdarosa@gmail.com
SYLVIO LOURENÇO DA SILVEIRA FILHO
Especialista em Direito Penal e Criminologia (ICPC/UFPR). 
Professor de Direito Processual Penal 
da UniBrasil (Curitiba/PR). 
Advogado.
E-mail: sylviofilho.adv@gmail.com
PARA UM PROCESSO
PENAL DEMOCRÁTICO: 
Crítica à Metástase do 
Sistema de Controle Social
12X20.5 • 125 págs
EDITORA LUMEN JURIS
Rio de Janeiro
2007
Prefácio
É com especial satisfação que tenho a
honra de apresentar essa obra, escrita a quatro
mãos, por dois grandes amigos, que conheci
em diferentes momentos e que, por indetermi-
nações de um futuro aberto, acabaram se
encontrando.
Antes de entrar na obra dos autores, gosta-
ria de falar-lhes um pouco sobre autores da obra. 
Bauman escreveu com muita propriedade
sobre o “arrivista”, uma espécie de nômade,
cuja fluidez gera um mal-estar, pois evidencia
a inércia dos que lá estão. Esse é, sem dúvida,
o desafio a ser enfrentando pelo arrivista, gen-
te como Sylvio e Alexandre, seres em constan-
te movimento, que encontram seu locus no
entre-lugar. 
É incrível sua capacidade de, em não
sendo de lugar algum, sentir-se ambientando
em todos os lugares. Como bom arrivista, é
alguém que não sendo do lugar, está inteira-
mente no lugar. Mas, ao contrário do constata-
do por Bauman, Sylvio e Alexandre conseguem
superar o mal-estar inerente ao arrivista, fazen-
do-se queridos por onde passam. 
E não foi diferente do que ocorreu em Rio
Grande com Sylvio. Eu voltava do doutorado em
Madri para continuar lecionando na Fundação
Universidade Federal do Rio Grande e, lá che-
gando, encontro esse arrivista chegado do Rio
de Janeiro, cujo convívio com Nilo Batista e
Afranio Silva Jardim lhe renderam uma baga-
gem cultural e científica peculiar. Imaginem
minha surpresa em encontrar um carioca boa-
praça, como esses “antecedentes”, lá na pe-
quena FURG, no interior do Rio Grande do Sul! 
Sem dúvida uma pessoa única, cujo caris-
ma decorre da sua postura humilde, tranqüila,
de quem não é dado a verborragias inúteis,
pois conhece o valor da palavra. Foi meu aluno,
estagiário, bolsista, orientando, mas, acima de
tudo, um grande amigo. Foi e continua sendo,
sem prejuízo da distância.
Mas, arrivistas não ficam inertes. Depois
de 10 anos na FURG, pedi minha exoneração e
fui para Porto Alegre. Pouco depois, Sylvio foi
para Curitiba, onde acabou se aproximando de
outros grandes amigos, como Luiz Antonio
Câmara, Juarez Cirino dos Santos, Jacinto
Coutinho e claro, Alexandre Rosa. 
Paralelo a isso tudo, Alexandre Morais da
Rosa era um nome recorrente nos eventos que
participava, até que tive o prazer de conhecê-lo
pessoalmente. O contato foi rápido, mas com
suficiente empatia para fundar ali as bases de
uma grande amizade. Mas foi lendo que perce-
bi “com quem estava falando”. Simplesmente
brilhante. É assim que considero Alexandre e
suas duas obras primas, “Introdução Crítica ao
Ato Infracional” e “Decisão Penal”. Com uma
base invejável de conhecimento jurídico, mas,
principalmente, com rara capacidade de articu-
lá-lo com o muito que sabe de psicanálise e filo-
sofia, Alexandre desponta como um grande
jurista. Para além disso, é uma pessoa fantásti-
ca, que demonstra seu raro valor ao estender a
mão para alguém que dá seus primeiros passos. 
Sylvio teve muita sorte nessa relação que
estruturou com Alexandre, mas acima de tudo,
fez por merecer essa chance. 
Interessante que nesse vinculo, não se
estabeleceu o recorrente cinismo interesseiro
que sói permear as relações geradas no am-
biente acadêmico, especialmente na pós-gra-
duação, onde os phdeuses flutuam (sim, pois a
inflação do ego lhes dá esse incrível poder de
levitar), rodeados de servis discípulos. Feliz-
mente não precisei passar por essa experiência
no meu doutoramento. Eis uma das muitas
vantagens de estudar numa instituição com
mais de 500 anos de tradição, orientado por um
catedrático de verdade, avesso a essas medio-
cridades. 
E fico mais feliz de ver que não foi esse
tipo de relação que aqui se estabeleceu. Daí
porque, fortalecidos saem os dois e maior a
minha admiração e carinho.
Já falei um pouco dos autores. Agora veja-
mos esse pequeno-grande-livro. 
O tamanho reduzido é um fato relevante a
ser considerado. Quando conferi o número de
páginas, imediatamente me veio a cabeça a
idéia de democratizar o conhecimento, de
quem escreve para ser acessível a muitos, no
tempo e no custo. Isso é fundamental num país
em que muitos optam pela escrita hermética e
as longas (e enfadonhas) exposições. 
vii
A leitura é fluída, aguçando a capacidade
de recusa-requestionamento do leitor, com uma
rara habilidade de encantar e desvelar as falá-
cias do senso comum teórico.
Não farei antecipações do mérito, de modo
que, a partir daqui, só nos resta gozar o que
temos nas mãos...
Boa leitura!!
Aury Lopes Jr.
Doutor em Direito Processual Penal pela 
Universidad Complutense de Madrid. 
Professor do Programa de Pós-Graduação 
em Ciências Criminais da Pontifícia Universidade 
Católica do Rio Grande do Sul PUCRS. 
Pesquisador do CNPq. 
Advogado. 
www.aurylopes.com.br
Para um Processo Penal Democrático: 
Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
ix
Noutra dimensão, pode ser visto como
uma conseqüência da narcose dromológica na
qual estamos imersos, impondo seu ritmo. Para
ser lido, deve-se tomar pouco tempo de quem
já não dispõe de tempo. Ou ainda, só a acelera-
ção salva. Nenhum inconveniente nisso, desde
que, como fazem os autores, não se sacrifique a
seriedade da análise. Eis o valor da obra deles.
Breve, mas jamais superficial.
Gosto deste formato, pois me remete as
prazerosas leituras que fiz, inúmeras vezes, de
pequenas-grandes obras. 
Carnelutti escreveu preciosidades em pou-
cas páginas (sem desprezar os tratados, é
claro), basta ler “Las Misérias del Proceso
Penal” ou “Como se hace el Proceso”. Chio-
venda, em 1903, marca época com pouco mais
de 40 páginas ao publicar “La Acción en el sis-
tema de los derechos”, fruto de “la prolusión de
Bolonha”. Da genialidade de Goldschmidt nas-
ceu “Problemas Juridicos y Politicos del Proceso
Penal”, fruto das palestras que ministrou na
Universidad Complutense de Madrid em 1935.
E, por aí vão as boas lembranças as quais me
remetem os “libros de bolsillo”.
E os autores começam bem quando par-
tem da noção de processo penal como limite-
garantia, ou seja, limite em relação ao poder
punitivo, talvez nossa última esperança de
recusa à banalização operada em relação ao
(ab)uso do direito penal; e, por outro lado, uma
garantia do sujeito, um lugar de reconstrução
da democracia. 
Alexandre Morais da Rosa e
Sylvio Lourenço da Silveira Filho
viii
Sumário
xi
Introdução
Este texto decorre de um esforço paralelo
e que se abriu para um diálogo. O resultado da
pós-graduação em Direito Penal e Criminologia
realizado por Sylvio, no âmbito do ICPC/UFPR
foi debatido com as pesquisas recentes de
Alexandre. Desde o concurso de idéias surgiu o
interesse em (re)colocar o processo penal como
limite, barreira, ao discurso totalitário em voga
no campo do Direito e do Processo Penal. Para
tanto, o trabalho foi dividido entre os autores.
Nos três primeiros capítulos apresenta-se um
panorama atual dos discursos e se promove
aproximação com a Criminologia Crítica, des-
velando-se, ademais, o fundamento economi-
cista das propostas. Finaliza-se com a (re)colo-
cação do ProcessoPenal como instrumento de
garantia do sujeito em face dos arroubos totali-
tários do momento, neste verdadeiro momento
de metástase-inquisitória do processo penal. 
Os autores esperam que o texto possa
contribuir para o debate das propostas legisla-
tivas em tramitação no Congresso Nacional,
nos meios de comunicação, nas academias de
direito e, fundamentalmente, para que os ato-
res jurídicos anônimos, não componentes do
senso comum teórico (Warat), possam refletir
sobre o papel que acabam exercendo (in)cons-
cientemente com suas práticas diárias. Enfim,
1
Capítulo 1
Meios de Comunicação: 
Violência Simbólica e a 
Construção dos Esteriótipos
Nos sistemas penais do capitalismo tardio
ocorre uma especial vinculação entre os meios
de comunicação e o sistema penal. Esta vincu-
lação faz com que seja transformada (ideologi-
camente) a mera função comunicativa da mí-
dia, a tornando verdadeira agência do sistema
penal. A mídia procede a mobilização dos apa-
ratos de punição,1 seja através de mensagens
explícitas, como nos mais variados programas
policias atualmente existentes, ou mesmo im-
plícitas, em diversos níveis de expressões.2 Seu
papel de protagonista da “seleção” é inescon-
dível, com interesses nem sempre manifestos.
O tema alcança ainda mais valor no atual
contexto da era da informação instantânea.
Argumenta Aury Lopes Jr. que estamos viven-
do o mundo da presença virtual, da telepresen-
ça, que não se resume apenas à telecomunica-
3
1 BATISTA, Nilo. Mídia e sistema penal no capitalismo tar-
dio, p. 01.
2 Vera Regina Pereira de Andrade alerta para os mecanis-
mos de controle social informal, como os desenhos ani-
mados e os brinquedos bélicos que reproduzem a lógica
do “mocinho x bandido” (ANDRADE, Vera Regina Pereira
de. Sistema penal máximo x cidadania mínima, p. 29).
acreditam que o processo pode ser um lugar de
reconstrução da democracia.
O pensamento crítico deve agradecer a
estes dois homens: João Luiz da Silva Almeida
e João de Almeida, Editores da Lumen Juris. É
o canal por onde se respira (ainda) um pouco
de oxigênio (jurídico) democrático. 
Alexandre Morais da Rosa e
Sylvio Lourenço da Silveira Filho
2
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po que ultrapassados, foram substituindo-se
frente a uma falta de referência. Extrapolou-se
uma cultura, uma idoneidade. Nesse vácuo vir-
tual, subtraiu-se a essência, em troca de uma
satisfação efêmera, que nem ao menos nos mos-
tra o verdadeiro; acostumados que estamos, cul-
tuamos o falso, e, por que não dizer, o nosso pró-
prio cadafalso”.6
Doravante, os meios de comunicação indi-
reta da atual mídia terciária têm o poder de
construir a realidade (entendida como limites
simbólicos) através da representação de um
espectro simbólico e efêmero de um duplo do
mundo, na medida em que a (in)existência da
“realidade” está relacionada ao grau em que é
comunicado, veiculado e transmitido, com velo-
cidade (Virilio7). A isso Eugênio Raúl Zaffaroni
logrou chamar de fábrica da realidade.8 Não se
deve olvidar que os meios de comunicação de
massa fazem parte da socialização dos indiví-
duos em um processo contínuo que vai desde a
infância até a morte na (con)formação dos valo-
res sociais necessários à construção de “laço
Para um Processo Penal Democrático: 
Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
5
6 ESTIVALLET, Jaqueline; FONTOURA MACHADO, Maris-
tela da. Algumas indagações sobre a violência. In:
GAUER, Ruth M. Chittó; GAUER, Gabriel J. Chittó. A
fenomenologia da violência, p. 170.
7 VIRILIO, Paul. El cibermundo, la política de lo peor. Trad.
Mónica Poole. Madrid: Catedra, 1999; El procedimiento
silencio. Trad. Jorge Fondebrides. Buenos Aires: Paidós,
2005; Ciudad pánico: el afuera comienza aquí. Trad. Iair
Kon. Buenos Aires: Libros del Zorzal, 2006; La bomba
informática. Trad. Mónica Poole. Madrid: Catedra, 1999;
Velocidad y Política. Trad. Víctor Goldstein. Buenos Aires:
La Marca, 2006.
8 ZAFFARONI, E. Raúl. Em busca das penas perdidas, p. 128.
ção, compreendendo, ademais, a “teleação
(trabalho e compra a distância) e até em teles-
senssação (sentir e tocar a distância)”.3 Obser-
va Maria Lúcia Karam que “nas sociedades
atuais, a apreensão da realidade se faz, cada
vez mais, através dos meios massivos: as expe-
riências diretas da realidade cedem espaço e
passam a ser experiências do espetáculo da rea-
lidade, que é passado pelos meios massivos de
informação, da mesma forma que a própria
comunicação entre as pessoas se refere muito
mais às experiências apreendidas através do
espetáculo do que às experiências vividas”.4
Superados os contextos da mídia primária
(corpo) e da mídia secundária (impressos), o
triunfo da mídia terciária denota um verdadeiro
processo paradoxal que, se por um lado elimi-
na os limites espaciais da comunicação, permi-
tindo uma interação instantânea entre diversas
culturas distintas, por outro, reduz a complexi-
dade humana, ao forçar a abdicação da comu-
nicação primária, ou seja, da experiência direta
com as pessoas.5
Nesse contexto, corre-se o risco do pro-
gresso tecnológico acarretar o esvaziamento
da condição humana, a razão desintegrar o
pensar, sistematizando-o em meras técnicas:
“os contatos entre pessoas, na versão da máqui-
na, apresenta-nos assim: destituídos de ser.
Certos valores, antes cultivados, ao mesmo tem-
Alexandre Morais da Rosa e
Sylvio Lourenço da Silveira Filho
4
3 LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao processo penal, p. 26.
4 KARAM, Maria Lúcia. De Crimes, penas e fantasias, p. 199.
5 CONTRERA, Malena Segura. Mídia e pânico, pp. 53 e 69.
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No âmbito do sistema penal, os meios de
comunicação exercem um importante papel
ideológico, pois sem eles não seria possível
induzir os medos no sentido desejado, nem
reproduzir os fatos conflitivos interessantes de
serem reproduzidos em cada conjuntura, ou
seja, no momento em que são favoráveis ao
poder das agências do sistema penal.13
Atualmente, experimenta-se a era do
expansionismo penal(izante). Há verdadeira
sobreposição do discurso alarmista (de terror e
do risco – Beck) acerca da ameaça da crimina-
lidade sobre a ótica substancialmente demo-
crática na solução dos inevitáveis conflitos
sociais. O combate aos crimes e aos criminosos
parece – ilusoriamente – encerrar o grande de-
safio da sociedade contemporânea. 
Cada vez mais se crê (ou se faz crer) na
solução penal: o sistema penal, intensamente
presente no cotidiano das pessoas, acaba por
se constituir como objeto de discussão fora dos
mínimos parâmetros científicos (uma espécie
de every day theories14), formando um senso
comum penal forjado pelos meios de comunica-
ção de massa, através do grande espaço dis-
pensado na divulgação de notícias relaciona-
das à criminalidade e ao seu respectivo comba-
te – que, de preferência, deve ser o mais efi-
ciente possível, bem ao gosto neoliberal.
Para um Processo Penal Democrático: 
Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
7
13 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdi-
das, p. 128.
14 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do
direito penal, p. 42.
social”. Assim sendo, explícita ou implicita-
mente “as mensagens que são transmitidas
passam a integrar a maneira de ser da popula-
ção que está submetida a sua influência”.9
Nossa época vivencia a transmissão de
uma imagem codificada do mundo, capaz de
alterar o significado e conteúdo da realidade.
Em várias ocasiões aquilo que é transmitido
não reflete a realidade, porém, efetivamente,
realiza uma permanente intervenção sobre a
mesma, ou seja, a realidade não mais é reco-
nhecida senão quando mediatizada, talvez
como o “duplo perfeito” de Orwell (1984).10
Configura-se uma situação, na qual a “mistura
do real e do imaginário traz um processo de
intervenção que transmiteà realidade cenas do
próprio imaginário, além de fazer com que o
imaginário se influencie pelo real”.11
Esse fenômeno pode ser identificado como
um verdadeiro processo da sucumbência do
real frente ao virtual, vislumbrando-se uma
possível vitória do duplo equivalente ao
mundo, o virtual, pois este “não é mais real em
potência, como foi o caso em outros tempos.
Doravante sem referência, orbital e exorbital,
não está nunca mais destinado a recortar o
mundo real”,12 mas se prestes a substituí-lo.
Alexandre Morais da Rosa e
Sylvio Lourenço da Silveira Filho
6
9 SCHECAIRA, Sérgio Salomão. Mídia e crime. In: CORRÊA
JR, Alceu. Teoria da pena, p. 378.
10 ORWELL, George. 1984. Trad. Wilson Velloso. São Paulo:
Nacional, 1983.
11 SCHECAIRA, Sérgio Salomão. Mídia e crime. In: CORRÊA
JR, Alceu. Teoria da pena, p. 380.
12 BAUDRILLARD, Jean. A troca impossível, p. 20.
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insegurança e, conseqüentemente, proceder
cada vez mais à legitimação do poder punitivo.
Reiteradamente (nos) é insinuada a idéia se-
gundo a qual a violência e a insegurança se
esgotam na criminalidade (convencional), idéia
essa que estabelece o consenso acerca da
necessidade de endurecimento do sistema
penal e, assim, abrindo espaço para mitigação
de garantias e direitos fundamentais.
É facilmente perceptível que, nos mais
variados espaços de discussão, é lugar-comum
a idéia de que uma almejada “paz social” só
adquiriria possibilidade através da radizaliza-
ção penal(izante).
Entretanto, os menos avisados não perce-
bem que os enunciados criminológicos que
emergem dos meios de comunicação de massa
estabelecem, também, uma espécie de violên-
cia: a chamada violência simbólica. Como se
depreende das lições de Pierre Bourdieu “a vio-
lência simbólica é uma violência que se exerce
com a cumplicidade tácita dos que a sofrem e
também, com freqüência, dos que a exercem, na
medida em que uns e outros são inconscientes
de exercê-la ou de sofrê-la”.17 Harry Pross a
define “como el poder de hacer que la validez de
significados mediante signos sea tan efectiva
que otra gente se indentifique con ellos”.18
A violência simbólica, além de criar o con-
senso em torno do sistema penal (que, por esse
viés, é sempre carente de severidade, inócuo,
Para um Processo Penal Democrático: 
Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
9
17 BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão, p. 22
18 Apud CONTRERA, Malena Segura. Mídia e pânico, p. 100.
Percebe-se, assim, a vertente ideológica do dis-
curso.
O horror de cada esquina das grandes
metrópoles e dos mais variados cantões invade
os lares, contribuindo decisivamente para a
difusão do medo e da insegurança,15 produzin-
do espasmos de irracionalidade, criando mons-
tros e obstaculizando qualquer proposta de
solução pacífica, racional e democrática dos
conflitos. Fomenta-se uma verdade única:
repressão a qualquer custo (inclusive a despei-
to das regras do jogo democrático).
Evidentemente, não há como – e nem se
pretende – negar o desassossego provocado
pela violência no cotidiano social. Entretanto,
não se pode olvidar que se trata de um fenôme-
no imanente à vida em sociedade, presente em
toda e qualquer civilização ou agrupamento
humano. Ensina Ruth M. Chittó Gauer que,
vista sob esse prisma, “a violência é um ele-
mento estrutural, intrínseco ao fato social e não
o resto anacrônico de uma ordem bárbara em
vias de extinção”.16
A problemática apontada situa-se, contu-
do, em outro plano: a exploração dos casos
extremos como forma de difundir o medo, a
Alexandre Morais da Rosa e
Sylvio Lourenço da Silveira Filho
8
15 Há tempos Francesco Carnelutti já alertava que “os jor-
nais ocupam boa parte das suas páginas para as crônicas
dos delitos e dos processos. Quem as lê, aliás, tem a
impressão de que tenha muito mais delitos do que não
boas ações neste mundo” (CARNELLUTI, Francesco. As
misérias do processo penal, p.12).
16 GAUER, Ruth M.Chittó. Alguns aspectos da fenomenolo-
gia da violência. In: GAUER, Ruth M. Chittó; GAUER,
Gabriel J. Chittó. A fenomenologia da violência, p. 13.
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(...). Quem tem a palavra constrói identidades
pessoais ou sociais”.21
A partir dos estigmas criados22, está aber-
to o espaço para a orientação seletiva das
agências de criminalização. Fomenta-se um
esquema de cunho deliberadamente bélico, de
incessante combate aos “indesejados”, aos
“diferentes”, enfim, aos outsiders. Com extre-
ma propriedade, Zygmunt Bauman observa
que a produção social de estranhos ocupa uma
função específica nas sociedades: “Se os estra-
nhos são as pessoas que não se encaixam no
plano cognitivo, moral ou estético do mundo –
num desses mapas, em dois ou em todos três; se
eles, portanto, por sua simples presença, dei-
xam turvo o que deve ser transparente, confuso
o que deve ser uma receita para ação, e impe-
dem a satisfação de ser totalmente satisfatória;
(...). Ao mesmo tempo que traça suas fronteiras
e desenha seus mapas cognitivos, estéticos e
morais, ela não pode senão gerar pessoas que
encobrem limites julgados fundamentais para
sua vida ordeira e significativa, sendo assim
acusadas de causar a experiência do mal-estar
como a mais dolorosa e menos tolerável”.23
Constata-se, assim, a simbolização de
uma (anti)estética, na qual o sujeito (dito)
Para um Processo Penal Democrático: 
Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
11
21 GUARESCHI, Pedrinho A. A realidade da comunicação.
In: GUARESCHI, Pedrinho A Comunicação e controle
social, p. 15.
22 BACILA, Carlos Roberto. Estigmas: um estudo sobre pre-
conceitos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
23 BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade,
p. 27.
estimulante de uma suposta impunidade), o
serve como verdadeiro instrumento, pois repre-
senta um substituto da violência física e da
força bruta. Estas últimas são exercidas
somente no caso de falhar o controle da primei-
ra, pois “sempre é mais econômico e eficaz colo-
car a instância de controle, a polícia, na mente
dos indivíduos do que manter e utilizar corpos
de repressão física”.19
Por isso, torna-se imperativa uma inversão –
ou, pelo menos, um desvelamento – do senso
comum para se trazer à tona a violência exerci-
da pelo poder do sistema punitivo e sua insti-
tuições, como leciona Vera Regina Pereira de
Andrade: “os códigos da violência têm que ser
urgente e vitalmente submetidos a outras lupas
e holofotes que não os da tecnologia midiática,
cujo flash não ultrapassa a cena da dor – san-
gue é lágrimas – para radiografar os braços que
se armam muito aquém do humano”.20
É não há dúvidas em se afirmar que uma
das manifestações mais cruéis da violência
simbólica exercida pela mídia é identificada no
processo de “etiquetamento”, de rotulação e
na criação do estereótipo criminoso, pois como
ensina Pedrinho Guareschi “os que detêm a
comunicação chegam até a definir os outros,
definir determinados grupos sociais como sendo
melhores ou piores, confiáveis ou não confiáveis
Alexandre Morais da Rosa e
Sylvio Lourenço da Silveira Filho
10
19 ROMANO, Vicente. “Apresentação”. In: CONTRERA,
Malena Segura. Mídia e pânico, p. 17.
20 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Sistema penal máxi-
mo x cidadania mínima, p. 28.
paulocesarbusato
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Nota
Entendi que é mais fácil controlar através da violência simbólica, através da mídia, do que através da violência física. 
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queísta do bem e do mal: simbolizam-se os out-
siders. Afirma Vicente Romano, que “a violência
e a contraviolência representam na comunica-
ção estereotipadados chamados “meios de
massa” a luta épica entre o bem e o mal, a luz e
as trevas, a democracia e o totalitarismo, a civi-
lização e a anarquia, a ordem e o caos. A maior
parte do conhecimento público acerca da violên-
cia, dessa luta baseia-se nas imagens, definições
e explicações proporcionadas pelos meios. A
esse respeito convém lembrar que na tecnificada
sociedade atual a imensa maioria de aventuras e
experiências não são diretas, mas sim mediadas
e indiretas”.26
Com relação ao estereótipo criminoso, a
Criminologia Crítica desloca, em oposição à
Criminologia positivista, o objeto de estudo da
ciência. Enquanto na Criminologia Positivista
(paradigma etiológico) pretende-se desvendar
as causas da criminalidade, encarada como da-
do ontológico, pré-constituído – ou seja, seu
objeto é criminalidade –, a Criminologia Crítica
(paradigma da reação social27), por seu turno,
Para um Processo Penal Democrático: 
Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
13
partir da interioridade da consciência do outro, criando
evidências e adesões, que interiorizam e introjetam nos
grupos destituídos a verdade e a evidência do mundo
dominador, condenando e estigmatizando a prática e a
verdade do oprimido como prática anti-social”. (GUARES-
CHI, Pedrinho A. A realidade da comunicação. In: GUA-
RESCHI, Pedrinho A Comunicação e controle social, p.
19). A propósito ver o excelente SOARES, Luiz Eduardo;
BILL, Mv; ATHAYDE, Celso. Cabeça de porco, especial-
mente p. 95 e seguintes.
26 ROMANO, Vicente. “Apresentação”. In: CONTRERA,
Malena Segura. Mídia e pânico, p. 16.
27 Segundo Vera Regina Pereira de Andrade, “por reação ou
controle social designa-se pois, em sentido lato, as formas 
“delinqüente” é exposto como o avesso dos
padrões adequados à sociedade de consumo
(os não consumidores ou consumidores falhos):
expõem-se símbolos, linguagens, (des)valores
e rotinas dos grupos marginalizados de forma
que acabam pautando a orientação seletiva
das demais agências do sistema penal, que,
por sua vez, confirmam o estereótipo criado,24
de acordo com o conceito sociológico da profe-
cia que se auto-realiza.
O estigma difundido no “imaginário coleti-
vo”, via “violência simbólica”, passa a ser sufi-
ciente para se presumir a periculosidade do eti-
quetado, bem ao estilo lombrosiano, que carre-
ga consigo – numa espécie de pena perpétua –
a contingência de ser diferente: são “eles”, os “-
outros”, intolerantemente, diferentes de “nós”
e dos “nossos”.25 Impõe-se a fronteira mani-
Alexandre Morais da Rosa e
Sylvio Lourenço da Silveira Filho
12
24 Esta (anti)estética é muito bem percebida por Vera
Malaguti Batista: “O esteriótipo do bandido vai-se consu-
mando na figura de um jovem negro, funkeiro, morador de
favela, próximo do tráfico de drogas, vestido com tênis,
boné, cordões, portador de algum sinal de orgulho ou de
poder e de nenhum sinal de resignação ao desolador cená-
rio de miséria e fome que o circunda. A mídia, a opinião
pública destacam o seu cinismo, a sua afronta. São came-
lôs, flanelinhas, pivetes e estão por toda a parte, até em
supostos arrastões na praia. Não merecem respeito ou tré-
gua, são sinais vivos, os instrumentos do medo e da vulne-
rabilidade, podem ser espancados, linchados, extermina-
dos ou torturados. Quem ousar incluí-los na categoria
cidadã estará formando fileiras com o caos e a desordem,
e será também temido e execrado”. (MALAGUTI BATIS-
TA, Vera. Difíceis ganhos fáceis, p. 28).
25 Sustenta Pedrinho A. Guareschi que “a posse da comuni-
cação e a informação tornam-se instrumento privilegiado
de dominação, pois criam a possibilidade de dominar a 
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dução da mesma”.29 A criminalização primária
se refere à decisão política de sancionar deter-
minada conduta ilícita com uma pena (elabora-
ção de tipos penais pelo Poder Legislativo). A
criminalização secundária, por seu turno, é a
ação punitiva sobre pessoas que infringem as
normas penais, ou seja, o programa penal
posto em prática.30
O modus operandi para levar a cabo os pro-
cessos de criminalização é norteado pela atua-
ção seletiva, “por meio de fatos burdos ou gros-
seiros (cuja detecção é mais fácil) e de pessoas
que causem menos problemas (por sua incapaci-
dade de acesso positivo à comunicação de mas-
sas)”.31 Desse modo, a criminalidade é consti-
tuída por “processos seletivos fundados em este-
reótipos, preconceitos e outras idiossincrasias
pessoais, desencadeados por indicadores sociais
negativos de marginalização, desemprego,
pobreza, moradia em favelas etc”.32 Aquilo que
a Criminologia positivista tratava – através do
método etiológico – como causas da criminali-
dade eram, na verdade, conseqüências da cri-
minalização, pois, “uma conduta não é criminal
“em si” (qualidade negativa ou nocividade ine-
rente) nem seu autor um criminoso por concretos
Para um Processo Penal Democrático: 
Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
15
29 ZAFFARONI, E. Raúl; BATISTA, Nilo; et. al. Direito penal
brasileiro, p. 60.
30 ZAFFARONI, E. Raúl; BATISTA, Nilo; et. al. Direito penal
brasileiro, p. 60.
31 ZAFFARONI, E. Raúl; BATISTA, Nilo; et. al. Direito penal
brasileiro, p. 60.
32 SANTOS, Juarez Cirino.Criminologia crítica e a reforma
da legislação penal, p. 01.
mostra o crime como qualidade atribuída a
comportamentos ou pessoas pelo sistema de
justiça criminal – seu objeto é, portanto, não a
criminalidade, mas a criminalização: a crimina-
lidade é um fato socialmente construído pela
distribuição de cargas negativas a fatos ou pes-
soas, através do processo de criminalização.28
Segundo Eugênio Raúl Zaffaroni, Nilo
Batista, et. al., o sistema penal “é o conjunto
das agências que operam a criminalização (pri-
mária e secundária) ou que convergem na pro-
Alexandre Morais da Rosa e
Sylvio Lourenço da Silveira Filho
14
com que a sociedade responde, informal ou formalmente,
difusa ou institucionalmente, a comportamento e a pes-
soas que contempla como desviantes, problemáticas,
ameaçantes ou indesejáveis, de uma forma ou de outra e,
nesta reação, demarca (seleciona, classifica, estigmatiza)
o próprio desvio e a criminalidade como uma forma espe-
cífica dele. Daí a distinção entre o controle social infor-
mal ou difuso e controle social formal ou institucionaliza-
do. O primeiro é controle exercido por instâncias que não
têm uma competência específica para agir e são exem-
plos típicos dele: a Família,a Escola, a Mídia, a Religião,
a Moral, etc. O segundo é precisamente o controle insti-
tucionalizado no sistema penal (Constituição – Leis
Penais, Processuais Penais e Penitenciárias – Polícia-
Ministério Público – Justiça – sistema penitenciário –
Ciências criminais e ideologia) e por ele exercido, com
atribuição normativa específica. Daí a denominação de
sistema de controle penal, espécie do gênero controle
social que, por isso mesmo, atua em interação com ele.
Em suma, a unidade funcional do controle é dada por um
princípio binário e maniqueísta de seleção; a função do
controle social, informal e formal é selecionar entre os
bons e maus, os incluídos e os excluídos, quem fica den-
tro e quem fica fora do universo em questão” (ANDRA-
DE, Vera Regina Pereira de. Sistema penal máximo x
cidadania mínima, p. 42).
28 SANTOS, Juarez Cirino.Criminologia crítica e a reforma
da legislação penal, p. 01.
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minal oficial oferece dados somente acerca do
total da criminalização, porém nunca dados
reais do total da criminalidade.
A importância da Criminologia Crítica no
desvelamento do significado e da projeção de
imagens ou de símbolos pelos meios de comu-
nicação na psicologiapopular é notável: pelo
teorema de Thomas – através do qual situações
definidas como reais produzem efeitos reais –
constatou-se que ações sobre a “imagem da cri-
minalidade” para a criação de alarma social são
necessárias para produzir o desencadeamento
das campanhas repressivas e de alargamento
do poder punitivo. De acordo com Juarez Cirino
dos Santos “o estudo de percepções e atitudes
projetadas na opinião pública permitiu à
Criminologia Crítica revelar efeitos reais de ima-
gens da criminalidade difundidas pelos meios
de comunicação de massa, que disseminam
representações ideológicas unitárias de luta con-
tra o crime – apresentado pela mídia como inimi-
go comum da sociedade – e, desse modo, intro-
duzem divisões nas camadas sociais subalter-
Para um Processo Penal Democrático: 
Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
17
conhecimento e às estatísticas das agências recebeu a
denominação da criminologia de “cifras ocultas” ou “-
cifras negras” do sistema penal. Observa Vera Regina
Pereira de Andrade que “a conclusão de que a cifra negra
é considerável e de que criminalidade real é muito maior
que oficialmente registrada permitiu concluir que, desde o
ponto de vista das definições legais, a criminalidade se
manifesta como o comportamento da maioria, antes que
de uma minoria perigosa da população e em todos os
estratos sociais, mas a criminalização é, com regularidade,
desigual ou seletivamente distribuída” (ANDRADE, Vera
Regina Pereira de. Sistema penal máximo x cidadania
mínima, p. 50)
traços de sua personalidade ou influências de
seu ambiente. A criminalidade se revela, princi-
palmente, como um status atribuído a determi-
nados indivíduos mediante um duplo processo: a
“definição” legal de crime, que atribui à conduta
o caráter criminal, e a “seleção” que etiqueta e
estigmatiza um autor como criminoso entre
todos aqueles que praticam tais condutas”.33
A criminalização, portanto, é formada pela
seleção de estereótipos, preconceitos e outras
idiossincrasias e, conseqüentemente, isso
importa reconhecer que a diferença entre o
comportamento desviante e o comportamento
conforme a lei “depende menos de uma atitude
interior intrinsecamente boa ou má, social ou
anti social, valorada positiva ou negativamente
pelos indivíduos do que a definição legal que,
em um dado momento distingue, em determina-
da sociedade, o comportamento criminoso do
comportamento lícito”.34
A quantidade de condutas tipificadas (o
programa legal da criminalização primária) é
tão imensa que é inviável ser posta na prática
em sua totalidade ou mesmo em parcela consi-
derável. Daí, o funcionamento do aparelho
punitivo se dirigir a um número deveras delimi-
tado de sujeitos, por meio da orientação seleti-
va da criminalização:35 qualquer estatística cri-
Alexandre Morais da Rosa e
Sylvio Lourenço da Silveira Filho
16
33 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Sistema penal máxi-
mo x cidadania mínima, p. 41.
34 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do
direito penal, p. 86.
35 A inevitável discrepância entre o número de condutas cri-
minalizadas que diariamente são consumadas em deter-
minada sociedade e aquela ínfima parcela que chega ao 
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concernentes nos direitos e garantias indivi-
duais e coletivas, doravante empecilhos na luta
da “sociedade de bem”. Tudo com propósitos
bem definidos pela pauta política. Assim, a
política criminal, enquanto programa de con-
trole do crime e da criminalidade, no Brasil,
influenciada pelo modelo norte americano, con-
figura-se como mera “política penal despoliti-
zada”, pois, como afirma Juarez Cirino dos San-
tos “exclui políticas públicas de emprego, salá-
rio, escolarização, moradia, saúde e outras
medidas complementares, como programas ofi-
ciais capazes de alterar ou de reduzir as condi-
ções sociais adversas da população marginali-
zada do mercado de trabalho e dos direitos de
cidadania, definíveis como determinações estru-
turais do crime e da criminalidade”.39 Dito de
outra forma: exclui-se imaginariamente o fator
político da esfera do controle social. O jurídico
é transformado, assim, numa esfera técnica
despolitizada, balizada pelo saber científico
dos especialistas e adubado ideologicamente.
Para um Processo Penal Democrático: 
Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
19
39 SANTOS, Juarez Cirino dos. Teoria da pena. Fundamentos
políticos e aplicação judicial, p. 01. Ensina Alessandro
Baratta que deve ser distinguida, de forma programática,
a política penal da política criminal, “entendendo-se a pri-
meira como uma resposta à questão criminal circunscrita
ao âmbito do exercício da função punitiva do Estado (lei
penal e sua aplicação, execução da pena e das medidas de
segurança), e entendendo-se a segunda, em sentido
amplo, como política de transformação social e institucio-
nal (...). Entre todos os instrumentos de política criminal o
direito penal é, em última análise, o mais inadequado”
(BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do
direito penal, p. 201).
nas, infundindo na força de trabalho ativa atitu-
des de repúdio contra a população marginaliza-
da do mercado de trabalho, por causa de poten-
cialidades criminosas estruturais erroneamente
interpretadas como defeitos pessoais”.36
Entretanto, a mudança de paradigma ope-
rada não perpassa o âmbito acadêmico para
alcançar o espaço público, provocando a neces-
sária transformação cultural no senso comum
acerca da criminalidade e do sistema penal,37
pois o caminho único é traçado pelo discurso
midiático da expansão penal.38
Desse modo, pela exploração do medo e
da insegurança, adota-se o discurso da uma
reforma radical da legislação penal e da políti-
ca criminal pelo viés do terror, ao mesmo tempo
em que se desprezam conquistas históricas
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Sylvio Lourenço da Silveira Filho
18
36 SANTOS, Juarez Cirino.Criminologia crítica e a reforma
da legislação penal, pp. 03 e 04.
37 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Sistema penal máxi-
mo x cidadania mínima, p. 34.
38 Observa Joe Teninyson Velo: “A despeito da maioria da
população ver o crime apenas como atitude de alguns des-
graçados, moralmente perversos, ou dignos de novas e
oportunas exclusões, olhar mais esclarecido desconfia das
intenções políticas que a criminalização por vezes escon-
de. A propósito da cifra reservada aos considerados “per-
versos”, não raro ela tem sido matéria-prima de setores
bem definidos de manifestação de poder, onde o crime é
fato social anormal, por isso categoria bastante disponível
a instrumentalizar o serviço de propagando política –
oportuna superestrutura baseada em certo modo de pro-
dução jornalística e motivo fundante de um discurso qual-
quer. Naturalmente, como corrupção do espírito crítico, o
tagarelar “jornalístico” é tanto pernicioso quanto o des-
viance”. (VELO, Joe Tennyson. “Postura criminológica:
entre a etnometodologia e o mito de Hermes”. In: Revista
de Ciências Penais. nº 02,.pp. 114 e 115).
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Capítulo 2
A Ideologia Repressiva Neoliberal:
Movimento da Lei e aa Ordem 
e Tolerância Zero
O tema em questão pressupõe o des-cobri-
mento de uma relação de poder, tendo em vista
que o discurso criminológico encontra-se “sem-
pre presente no marco histórico do poder mun-
dial, seja na revolução mercantil, seja na revolu-
ção industrial, e depois na tecnologia exercida
como globalização”.1 Nesse sentido, afirma
Eugenio Raúl Zaffaroni que “o mero enunciado
das principais funções dos meios de comunicação
de massa, como aparato de propaganda do siste-
ma penal e sua dedicação quase exclusiva a tal
propaganda, revela o alto grau de empenho da
civilização industrial e dos albores da civilização
tecnocientífica para preservar a ilusão e fabricar
a realidade dosistema penal e a função-chave
que este sistema cumpre na manutenção do
poder planetário desta civilização industrial”.2
Há, portanto, um paralelo entre o discurso
da repressão à delinqüência – capitaneado
pelos meios de comunicação de massa – e a
nefasta política econômica neoliberal. O regime
21
1 MALAGUTI BATISTA, Vera. O medo na cidade do Rio de
Janeiro – Dois tempos de uma história, p. 95.
2 ZAFFARONI, E. Raúl. Em busca das penas perdidas, p. 131.
Na seqüência, procurar-se-á situar a expan-
são punitiva em face da globalização neoliberal
tendo em conta a orquestração jurídica, política
e midiática que prega o Estado mínimo no âmbi-
to social ao mesmo tempo em que exige um
Estado máximo no campo penal, de acordo com
o fundamentalismo punitivo do movimento da
Lei e da Ordem e da política de tolerância zero40
incubados nos Estados Unidos da América.
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Sylvio Lourenço da Silveira Filho
20
40 MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de; CARVALHO,
Edward. Teoria das janelas quebradas: E se a pedra vem
de dentro?. In: Revista de estudos criminais. !TEC/PUC-
RS, nº 11. Sapucaia do Sul: Notadez, 2003.
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Miranda Coutinho “é nesse espaço que entra a
noção de ação eficiente, no lugar daquela
causa-efeito, da falibilidade humana na previ-
são dos fins. Com isso, combatia-se – e comba-
te-se – o construtivismo, ou seja, as instituições
deliberadamente criadas (pense-se, antes de
tudo, no processo como objeto cultural), frutos
da razão (falha por natureza) e da crença em
resultados não raro impossíveis. No seu lugar,
ordens naturais espontâneas seriam eleitas,
após os erros dos atores sociais, tudo mirado no
mercado, a principal delas e sua balizadora.
Não foi por outro motivo que o mercado acabou
glorificado; e o pensamento em torno dele o
supra-sumo da intelectualidade, ao ponto de,
para quem tem alguma memória, todos os que
se colocaram em seu caminho serem taxados de
neoburros e/ou neobobos”.7
A idéia da rede de segurança do Estado de
Bem-Estar Social8 – que tinha que arcar com os
Para um Processo Penal Democrático: 
Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
23
7 MIRANDA COUTINHO, Jacinto N. Efetividade do Pro-
cesso Penal e Golpe de Cena: Um Problema às Reformas
Processuais. In. WUNDERLICH, Alexandre (org.). Escritos
de direito e processo penal em homenagem ao Professor
Paulo Cláudio Tovo, p. 144. 
8 Ressalta-se, desde logo, que não se pretende aqui – como
pode parecer – de propor um endeusamento do Estado de
Bem-Estar Social, mas da constatação do câmbio estrutu-
ral ocorrido no âmbito econômico que produz a conse-
qüente conformação do campo penal à nova estrutura,
tomando-se por base o alerta de George Rusche e Otto
Kirchheimer, segundo os quais “todo sistema de produção
tende a descobrir formas punitivas que correspondem às
suas relação de produção (RUSCHE, Geoge; KIRCHHEI-
MER, Otto. Punição e estrutura social, p. 20). A propósito
dessa relação no Estado de Bem-Estar Social: CARVA-
LHO, Salo de. As feridas narcísicas do Direito Penal (pri-
fundado pela “Société du Mont Pelérin” e pelos
financistas do “Consenso de Washington”
impõe o receituário econômico global, mesmo
para os países que sequer passaram alçaram as
vantagens da modernidade: abertura dos mer-
cados, onda de privatizações, taxas de juros
exorbitantes, regime cambial vulnerável, redu-
ção das verbas orçamentárias sociais, recessão
econômica, desemprego, índices elevados de
inadimplência civil e empresarial, sucateamen-
to do aparelho estatal, além da servilização dos
Parlamentos e subjugação do Poder Judiciário.3
Como conseqüência, o aumento da complexida-
de dos problemas sociais ante o desemprego
estrutural e a radicalização da pobreza.
No vácuo da crise principiológica do Es-
tado, o discurso da globalização e de sua ma-
triz economicista, o neoliberalismo, capitanea-
do por Friedrich Hayek4 e Milton Friedman5 – se
incumbiu de propor um câmbio espistemológi-
co, abandonando a relação causa-efeito para
configurar a eficiência (relação custo/ benefí-
cio) como balizamento de atuação, doravante
integrada na principiologia constitucional (art.
37, CR/88), (con)fundindo efetividade (fins) com
eficiência (meios).6 Segundo Jacinto Nelson de
Alexandre Morais da Rosa e
Sylvio Lourenço da Silveira Filho
22
3 POTTES DE MELLO, Aymoré Roque. A política neoliberal
de endividamento e exclusão e instrumentos para o exer-
cício da cidadania e da democracia. In Revista da Ajuris,
nº 84, p. 35.
4 HAYEK, Friedrich A. Direito, legislação e liberdade. Vol. I,
II e III. Trad. Anna Maria Capovilla. São Paulo: Visão, 1985.
5 FRIEDMAN, Milton. Capitalismo e liberdade. Trad.
Luciana Carli. São Paulo: Abril, 1984.
6 ROSA, Alexandre Morais da. Introdução Crítica ao ato
infracional. Princípios e garantias constitucionais, p. 19.
cidadão é sinônimo de consumidor, o individua-
lismo apresentado na forma de consumismo,
sendo que “eficiência, flexibilização, produtivi-
dade e competitividade são as características do
mercado sem fronteiras, onde os países se divi-
dem em produtores e consumidores”.10
Como destaca Zygmunt Bauman, no
Estado de Bem-Estar Social, havia o controle da
conduta disciplinada dos seus membros atra-
vés dos seus respectivos papéis produtivos e a
sociedade incitava forças combinadas e busca-
va avançar mediante esforços coletivos. A dou-
trina neoliberal promove uma guinada desse
papel a ser desempenhado: de produtores os
indivíduos passam a ser encarados como con-
sumidores, restando evidente que ao contrário
do processo produtivo, o processo de consumo
é uma atividade inteiramente individualista e
que coloca as pessoas em campos marcada-
mente distintos e opostos: a exacerbação do
conflito é inevitável, mormente através do pro-
cesso de sedução do mercado consumidor. 11
Para um Processo Penal Democrático: 
Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
25
10 BERBERI, Marco Antonio Lima. Reflexos da pós-moderni-
dade no sistema processual penal brasileiro (algumas
considerações básicas). In MIRANDA COUTINHO, Jacin-
to N. de Miranda. Crítica à Teoria geral do Direito Proces-
sual Penal, p. 63.
11 BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade, p.
54: “Quanto mais elevada a “procura do consumidor” (isto
é, mais eficaz a sedução do mercado), mais a sociedade de
consumidores é segura e próspera. Todavia, simultanea-
mente, mais amplo e mais profundo é o hiato entre os que
desejam e os que podem satisfazer os seus desejos, ou
entre os que foram seduzidos e passam a agir de modo
como essa condição leva a agir e os que foram seduzidos
mas se mostram impossibilitados de agir do modo como se 
custos marginais da corrida do capital pelo lucro
– é esvaída sob o argumento de que não mais se
conseguia cumprimento de suas promessas,
além das teses cínicas de que os cortes dos gas-
tos assistenciais eram plenamente justificados
porque desestimulavam a vontade de trabalhar
de seus beneficiários, alimentando uma cultura
de dependência: deixemos, de agora em diante,
tudo aos cuidados do deus-mercado!9
Assim, o neoliberalismo dita o ritmo da
globalização, visando criar um mercado mun-
dial voltado (somente) para quem possui o po-
der de consumir (homo economicus): doravante
Alexandre Morais da Rosa e
Sylvio Lourenço da Silveira Filho
24
meiras observações sobre as (dis)funções do controle
penal na sociedade contemporânea. In: GAUER, Ruth M.
Chittó. A qualidade do tempo: para além das aparências
históricas, pp. 182-187).
9 De acordo com Zygmunt Bauman, “poucos de nós se lem-
bram hoje de que o estado de bem-estar foi, originalmen-
te, concebido como um instrumento manejado pelo estado
a fim de reabilitar os temporariamente inaptos e estimular
os que estavam aptos a se empenharem mais, protegendo-
os do medo de perder a aptidãono meio do processo... Os
dispositivos da previdência eram então considerados uma
rede de segurança, estendida pela comunidade como um
todo, sob cada um de seus membros... A comunidade assu-
mia a responsabilidade de garantir que os desempregados
tivessem saúde e habilidades suficientes para se reempre-
gar e de resguardá-los dos temporários soluços e caprichos
das vicissitudes da sorte(...). Hoje, com um crescente setor
da população que provavelmente nunca reingressará na
produção e que, portanto, não apresenta interesse presen-
te ou futuro para os que dirigem a economia, a “margem”
já não é marginal e o colapso das vantagens do capital
ainda o faz parecer menos marginal – maior, mais inconve-
niente e embaraçoso – do que o é. A nova perspectiva se
expressa na frase da moda: “Estado de bem-estar? Já não
podemos custeá-lo”...” (BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar
da pós-modernidade, p. 51).
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Assim, o modelo neoliberal expõe sua face-
ta numa equação que implica: a) a supressão do
Estado econômico; b) o enfraquecimento do
Estado social; e c) o fortalecimento e glorificação
do Estado penal: “à atrofia deliberada do Estado
social corresponde a hipertrofia distópica do
Estado penal”.13 Em outros termos, ao Estado
social mínimo deve corresponder um Estado
penal máximo, que dê respostas às desordens
provocadas pela desregulamentação econômi-
ca, pela pulverização do trabalho assalariado e
alarmante aumento da pobreza. De acordo com
Nilo Batista, “(...) prover mediante criminaliza-
ção é quase a única medida de que o governan-
te neoliberal dispõe: poucas normas ousa ele
aproximar do livre mercado – fonte de certo jus-
naturalismo globalizado, que paira acima de
todas as soberanias nacionais – porém, para
garantir o “jogo limpo” mercadológico a única
política pública que verdadeiramente se mante-
ve em suas mãos é a política criminal”.14
Para um Processo Penal Democrático: 
Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
27
o confinamento é antes uma alternativa ao emprego, uma
maneira de utilizar ou neutralizar uma parcela considerá-
vel da população que não é necessária à produção e para
a qual não há trabalho “ao qual se reintegrar.” ”(BAU-
MAN, Zygmunt. Globalização: as conseqüências huma-
nas, pp. 119-120).
13 WACQUANT. Loic. As prisões da miséria, pp. 18 e 80.
14 BATISTA, Nilo. Mídia e sistema penal no capitalismo tar-
dio, p 05. No mesmo sentido aduz Maria Lúcia Karam que
“dentro do Estado mínimo da pregação neoliberal faz-se
presente um simultâneo e incontestado Estado máximo,
vigilante e onipresente, que se vale de ampliadas técnicas
de investigação e de controle, propiciadas pelo desenvolvi-
mento tecnológico, que manipula o medo e a insegurança,
para criar novas e dar roupagem pós-moderna a antigas
formas de intervenção e de restrições sobre a liberdade 
Ademais, é certo que as diretrizes neolibe-
rais, pregando a austeridade orçamentária e o
fortalecimento dos direitos do capital, acompa-
nhado da contenção dos gastos públicos e
redução da cobertura social, necessitam englo-
bar o tratamento punitivo como forma de conter
a insegurança e a marginalidade: ao lado da
mão-invisível do mercado no âmbito econômico,
há que se utilizar a mão-de-ferro do Estado no
campo penal, para o contenção dos deserdados,
excluídos, indesejados, não consumidores.12
Alexandre Morais da Rosa e
Sylvio Lourenço da Silveira Filho
26
espera agirem os seduzidos. A sedução do mercado é,
simultaneamente, a grande igualadora e a grande diviso-
ra. Os impulsos sedutores, para serem eficazes, devem ser
transmitidos em todas as direções e dirigidos indiscrimi-
nadamente a todos aqueles que os ouvirão. No entanto,
existem mais daqueles que podem ouvi-los do que daque-
les que podem reagir do modo como a mensagem seduto-
ra tinha em mira fazer aparecer. Os que não podem agir
em conformidade com os desejos induzidos dessa forma
são diariamente relegados com o deslumbrante espetácu-
lo dos que podem fazê-lo”
12 Segundo Eduardo Galeano “em muitos países do mundo,
a justiça social foi reduzida à justiça penal. O Estado vela
pela segurança pública: de outros serviços já se encarrega
o mercado, e da pobreza, gente pobre, regiões pobres, cui-
dará Deus, se a polícia não puder” (GALEANO, Eduardo.
De pernas pro ar: a escola do mundo ao avesso, p. 31).
Nesse sentido explica Zygmunt Bauman que “outrora
ansioso em absorver quantidade de trabalho cada vez
maiores, o capital hoje reage com nervosismo às notícias
de que o desemprego está diminuindo; através dos pleni-
potenciários do mercado de ações, ele premia as empresas
que demitem e reduzem postos de trabalho. Nessas condi-
ções, o confinamento não é nem escola para o emprego
nem um método alternativo compulsório de aumentar as
fileiras de mão-de-obra produtiva quando falham os méto-
dos “voluntários” comuns e preferidos para levar à órbita
industrial aquelas categorias particulares de rebeldes e
relutantes de “homens livres”. Nas atuais circunstâncias, 
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bilidade individual em torno dos conflitos esta-
belecidos. Assim como se apóia na comparti-
mentalização entre o campo econômico (pre-
tensamente dirigido por mecanismo neutro,
fluido e eficiente do mercado) e o campo social
(povoado pela arbitrariedade imprevisível das
paixões e dos poderes), estabelece uma doxa
penal que “postula uma cesura nítida e definiti-
va entre as circunstâncias (sociais) e o ato (cri-
minoso), as causas e as conseqüências, a socio-
logia (que explica) e o direito penal (que legisla
e pune)”.17 Segundo Vera Regina Pereira de
Andrade “a chave decodificadora desse senso
comum radica no livre arbítrio ou na liberdade
de vontade, tão cara aos liberalismos do passa-
do e do presente. Se tudo radica no sujeito, se
sua bondade ou maldade são determinantes de
sua conduta, as instituições, as estruturas e as
relações sociais podem ser imunizadas contra
toda culpa”.18
Tal política, no âmbito penal, é pautada
pela pregação totalitária dos seguidores do
movimento da Lei e da Ordem. Por se tratar de
um movimento e não de um corpo de doutrina
estável, o discurso é cambiante, mas sempre
com o propósito de endurecimento do sistema
penal nos momentos e nos locais difundidos.
O surgimento das bases do Law and Order
remonta à década de setenta, nos Estados Uni-
dos, configurando-se como reação ao cresci-
Para um Processo Penal Democrático: 
Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
29
17 WACQUANT. Loic. As prisões da miséria, p. 61.
18 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Sistema penal máxi-
mo x cidadania mínima, p. 21.
A importância do discurso criminológico
do modelo neoliberal se mostra presente, por
um lado, na necessidade da despolitização dos
conflitos sociais e, por outro, na politização da
questão criminal.15 Observa Jacinto Nelson de
Miranda Coutinho que a lógica da ação eficien-
te, de forma paulatina, toma corpo no cotidia-
no, “e projeta-se como um raio no fundamento
ético da sociedade. Afinal, a deificação do mer-
cado, quando vista pelo eficientismo, glorifica o
consumidor (Homo Economicus, que substitui o
Homo faber), mas, naturalmente, toma o não-
consumidor (excluído, ou homo famelicus?)
como um empecilho. Ora, para ele resta o desa-
mor de seu semelhante, em um mundo de com-
petição, aético em seus postulados e antiético
em seus mecanismos e efeitos”.16
Na visão desse modelo, é imperativa a dis-
sociação entre os fatores sociais e a responsa-
Alexandre Morais da Rosa e
Sylvio Lourenço da Silveira Filho
28
individual” (KARAM, Maria Lúcia. Pela abolição do siste-
ma penal. In PASSETTI, Edson. Curso livre de abolicionis-
mo penal, p. 71)
15 BATISTA, Nilo. Mídia e sistema penal no capitalismo tar-
dio, p. 14.
16 MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de.“Atualizando o
discurso sobre direito e neoliberalismo no Brasil”. In:
Revista de Estudos Criminais. !TEC, nº4, p.29. O novo
modelo do Direito, como explica Marco Antonio de Lima
Berberi, “caracteriza-se pela falta de preocupação ética
(que ética pode existir no deus-mercado?), no qual não há
espaço para qualquer preocupação social – ou ela é secun-
dária –, até porque o entendimento da das demandas
oriundas dos movimentos sociais não decorre de uma pos-
tura distributiva, mas apaziguadora” (BERBERI, Marco
Antonio Lima. Reflexos da pós-modernidade no sistema
processual penal brasileiro (algumas considerações bási-
cas). In MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. Crítica
à Teoria geral do direito processual penal, p. 63).
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Estado-Providência, na medida em que os pro-
gramas voltados ao contingente populacional
pobre – os negros, em sua maioria – eram limi-
tados, fragmentários e apartados das demais
ações estatais.21
A partir dos anos setenta, a política de
ação caritativa é progressivamente substituí-
da por uma política de ação repressiva, inician-
do o avanço do Estado penal a partir de duas
frentes: a) a primeira, transformando os servi-
ços sociais em instrumento de controle moral
das classes socialmente hipossuficientes,
“condicionando o acesso à assistência social à
adoção de certas normas de conduta (sexual,
familiar, educativa, etc.) e ao cumprimento de
obrigações burocráticas onerosas ou humi-
lhantes”; e b) a segunda, recorrendo de forma
vultuosa e sistemática ao aprisionamento, pois
após experimentar uma diminuição “em 12%
durante a década de 60, a população carcerá-
ria americana literalmente explodiu, passando
de menos de 200 mil detentos em 1970 a cerca
Para um Processo Penal Democrático: 
Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
31
21 De acordo com o autor, “o princípio que guia a ação públi-
ca americana não é a solidariedade, mas a compaixão; seu
objetivo não é fortalecer os laços sociais (e ainda menos
reduzir as desigualdades), mas no máximo aliviar a misé-
ria mais gritante” (WACQUANT, Loïc. Punir os Pobres, p.
20). A respeito, são valiosas as lições de Eduardo
Galeano, quando afirma que “diferentemente da solida-
riedade, que é horizontal e praticada de igual para igual,
a caridade é praticada de cima para baixo, humilha quem
a recebe e jamais altera um milímetro as relações de
poder: na melhor das hipóteses, um dia poderá haver jus-
tiça, mas lá no céu. Aqui na terra, a caridade não pertur-
ba a injustiça. Só se propõe a disfarçá-la” (GALEANO,
Eduardo. De pernas pro ar, pp. 319 e 320).
mento da taxa de criminalidade no período
mencionado, mas, principalmente, uma respos-
ta aos intensos conflitos raciais que vinham
ocorrendo nos grandes guetos das metrópoles
norte-americanas.
Após a escravidão, o chamado sistema
Jim Crow19 e o gueto, a sociedade estaduni-
dense encontra na prisão uma nova forma de
contenção das populações marginalizadas,
mormente as afro-americanas: “estas políticas
apontavam para uma outra instituição capaz
de confinar e controlar, senão a comunidade
afro-americana em seu conjunto, pelo menos
aqueles dentre seus membros que se mostra-
vam demasiados disruptivos, desviantes ou
perigosos: a prisão”.20
De acordo com Loïc Wacquant, nos
Estados Unidos, ao contrário da Europa, não
eram implementadas políticas realmente con-
dizentes com o conjunto de sistemas de prote-
ção e de transferência universalista do Welfare
State, mas sim programas dirigidos à popula-
ção realmente dependente da caridade do
Estado. Assim, o autor entende que, ao contrá-
rio da experiência européia, não havia na
América do Norte um Estado de Bem-Estar
Social, mas um Estado caritativo ou um semi-
Alexandre Morais da Rosa e
Sylvio Lourenço da Silveira Filho
30
19 O sistema Jim Crow se constituiu num “sistema legal de
discriminação e de segregação do berço à tumba que
ancorava a sociedade agrária do Sul [dos EUA] do fim da
Reconstrução até a Revolução dos Direitos Civis, que o
derrubou um longo século depois da abolição da escrava-
tura” (WACQUANT, Loïc. Punir os Pobres, p. 99).
20 WACQUANT, Loïc. Punir os pobres, p. 107.
eram alheios por completo à conflituosidade cri-
minalizada”.24
Na década de noventa, o avanço das cam-
panhas de Lei e Ordem se intensificaram com a
implementação da política de tolerância zero,
conduzida pelo prefeito de Nova York, Rudolph
Giuliani, ganhando ares de cientificidade, com
a difusão da teoria das janelas quebradas.25
A referida teoria tem origem nos estudos de
James Q. Wilson e George L. Kelling, autores do
artigo “Broken windows: the police and neigh-
borhood safety”, publicado na edição de março
de 1982, no periódico Atalantic Monthly,26 onde
sustentavam que se a janela de uma proprieda-
de fosse quebrada e não reparada imediatamen-
te, denotaria a inexistência de uma autoridade
responsável pela manutenção da ordem.
Assim, passou-se a trabalhar com a hipóte-
se (absurda e inverificável) de que pessoas
Para um Processo Penal Democrático: 
Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
33
24 ZAFFARONI, E. Raúl; BATISTA, Nilo et. al. Direito penal
brasileiro, p. 632.
25 “Em julho de 1994, o prefeito recém-eleito de Nova Iorque,
RUDOLF GIULIANI, e seu chefe de polícia, WILLIAN
BRANTON, começaram a implantar uma estratégia de
policiamento baseada na manutenção da ordem, enfati-
zando o combate ativo e agressivo de pequenas infrações –
a grande maioria, quando muito, meros atos desviantes,
como estudados na criminologia – contra a qualidade de
vida, como pichação, urinar nas ruas, beber em público,
catar papel, mendicância e prostituição” (MIRANDA COU-
TINHO, Jacinto Nelson de; CARVALHO, Edward. Teoria
das janelas quebradas: E se a pedra vem de dentro?. In:
Revista de estudos criminais. !TEC/PUC-RS, nº 11, p. 23)
26 MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de; CARVALHO,
Edward. Teoria das janelas quebradas: E se a pedra vem
de dentro?. In: Revista de estudos criminais. !TEC/PUC-
RS, nº 11, p. 23.
de 825 mil em 1991, ou seja, um crescimento
nunca visto em uma sociedade democrática,
de 314% em vinte anos”.22
Esta política criminal fundou-se na tradi-
ção hegeliana de direita cuja tese consiste em
considerar realizado ou consumado o projeto
da modernidade (ficção da modernidade con-
sumada). Desse modo, encontrando-se o esta-
do racional realizado, o poder não possuiria ele-
mentos criminógenos. Portanto, o delito deve-
ria ser encarado como fruto de uma decisão
individual que, no mínimo, implicaria em sua
retribuição.23
Nesta linha teórica rudimentar destaca-
ram-se, nos anos setenta, o novo realismo de
Ernest van der Haag, identificando a ordem e a
utilidade como valores supremos, mesmo em
face da solidariedade e da justiça e, nos anos
oitenta, o pragmatismo burocrático de Richard
J. Herrnstein, cuja proposta limitava-se a esta-
belecer pragmaticamente como reprimir de
modo eficaz (denotando o eficientismo neolibe-
ral). Segundo E. Raúl Zaffaroni, Nilo Batista et.
al., esses autores “não fizeram parte da crimi-
nologia estadunidense tradicional; eles foram
apenas ideólogos oportunistas, que obtiveram
notoriedade justamente por causa de suas
racionalizações insólitas, fruto de sua tática
consistente em colocar entre parênteses o esta-
do, supondo que este e seu exercício de poder
Alexandre Morais da Rosa e
Sylvio Lourenço da Silveira Filho
32
22 WACQUANT, Loïc. Punir os pobres, p. 28.
23 ZAFFARONI, E. Raúl; BATISTA, Nilo et. al. Direito penal
brasileiro, p. 632.
Entretanto, esta política se apresenta
como verdadeira criminalização das conse-
qüências da miséria do Estado mínimo neoli-
beral, sendo caracterizada pela “tática policial
de realizar busca e perseguições aos inconve-
nientes sociais, vadios, ébrios, desordeiros,
cujos atos representariam um acinte à qualida-
dede vida da sociedade estabelecida e respon-
sável”.28 Tanto assim que o slogan “tolerância
zero” (a qual pode ser lida como “intolerân-
cia”, porque a tolerância chegou a zero) foi
praticamente abandonado nos Estados Unidos
sendo substituído pelo termo “iniciativa de
qualidade de vida” (quality-of-life initiative),
por considerá-lo menos ofensivo.29 De Nova
York, a “doutrina” ganhou o mundo.
Para um Processo Penal Democrático: 
Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
35
grande tiragem Atlantic Monthly (...). E que desde então
não recebeu o menor início de prova empírica”. (WAC-
QUANT, Loïc. Sobre a “janela quebrada” e alguns outros
contos sobre segurança vindos da América. In: Revista
brasileira de ciências criminais. IBCCRIM. nº 46, p. 244).
28 REALE JR., Miguel. Insegurança e tolerância zero. In:
Revista de estudos criminais, !TEC/PUC-RS, nº 09, p. 68.
De acordo com Miguel Reale Jr., estas políticas são iden-
tificadas no Brasil no início da República, logo após o des-
monte da escravidão quando “os negros e mulatos, viven-
do em situação de subemprego, nas margens das cidades
ou nos cortiços centrais, vieram a ser os clientes preferen-
ciais da polícia, detidos por infração cotravencional, mor-
mente vadiagem, embriaguez, desordem, em proporção
mais de duas vezes superior ao percentual que represen-
ta[va]m na cidade de São Paulo”. (REALE JR., Miguel.
Insegurança e tolerância zero. In: Revista de estudos cri-
minais. !TEC/PUC-RS, nº 09, p. 67).
29 O Estado norte-americano é definido por Loïc Wacquant
como um Estado-centauro, eis que “guiado por uma cabe-
ça liberal, montada sobre um corpo autoritarista, aplica a
doutrina do “laissez-faire, laissez-passer” a montante em 
começariam a atirar pedras para quebrar as
demais janelas, até que todas estivessem que-
bradas. Desta forma, os indivíduos que por ali
passassem concluiriam pela inexistência de
qualquer responsável pela ordem daquele prédio
ou rua em que se localizava. Desse modo, toda
“janela quebrada” (comportamento desviante),
deve ser consertada (punição), sob pena de se
estabelecer a decadência da rua e da comunida-
de como um todo (aumento da criminalidade).
Ou seja, realizando um paralelismo ilógi-
co, essa tese foi conduzida para o âmbito do
sistema punitivo, passando a broken windows
theory a fundamentar a política de punir as
pequenas infrações como forma de conter a
violência em sua raiz, de modo a evitar a “pri-
meira janela quebrada”. Em outras palavras, os
seus sequazes sustentam (sem qualquer com-
provação) que o combate à grande criminalida-
de deveria iniciar-se através da austera repres-
são e perseguição dos pequenos delitos.27
Alexandre Morais da Rosa e
Sylvio Lourenço da Silveira Filho
34
27 Segundo Loïc Wacquant a teoria da janela quebrada “pos-
tula que a repressão imediata e severa de menores infra-
ções e desentendimentos em via pública abarca o desen-
cadeamento dos grandes atentados criminais, (r)estabele-
cendo um clima sadio de ordem – em outras palavras, que
prender ladrões de ovos permite frear, ou mesmo simples-
mente parar, os potenciais matadores de bois, pela reafir-
mação da norma e dramatização do respeito à lei. Ora,
essa autodenominada teoria é tudo menos científica, pois
foi formulada vinte anos atrás pelo cientista político ultra-
conservador James Q. Wilson e seu acólito George Kelling
(antigo chefe da polícia de Kansas City, reconvertido
depois em Senior fellow no Manhattan Institute) sob a
forma de um curto texto de nove páginas publicado, não
em uma revista de criminologia, submetido à avaliação de
pesquisadores competentes, mas no seminário cultural de 
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mesmice, diante da aceitação de fórmulas e de
teorias que acabam sendo encaradas como
“verdades naturais”.
O lugar-comum alcança os operadores
jurídicos que, formados com o intuito de buscar
soluções razoáveis para os conflitos sociais,
bem como “neutralizar o ímpeto de vendeta em
massa e sublimar a retaliação, acabam por
internalizar e intermediar o ódio comunitário,
sendo cooptados por disciplina social extrema-
mente autoritária, legitimadora de verdadeira
‘política criminal do terror’”.33
Assim, empreende-se “um condiciona-
mento sutil das mentalidades em escala plane-
tária”:34 a pseudocientificidade das “teses” da
tolerância zero, especialmente a broken win-
dows theory, difunde-se pelo globo, apresen-
tando-se como fundamento de experiências
bem-sucedidas no combate à violência urbana
e à criminalidade local.
Contudo, a falácia é desmistificada por
diversos fatores: em primeiro plano, a diminui-
ção dos índices de violência criminal em Nova
York ocorreu três anos antes de Giulianni se
estabelecer no poder, no fim de 1993, seguindo
a tendência de baixa no curso de seu mandato.
Para um Processo Penal Democrático: 
Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
37
qual há uma crescente necessidade de disciplinar impor-
tantes grupos sociais e segmentos populacionais” (BAU-
MAN, Zygmunt. Globalização: as conseqüências huma-
nas, pp. 122)
33 CARVALHO, Salo de. “Execução da pena e sistema acu-
satório: leitura desde o paradigma do garantismo jurídi-
co-penal”. In: Direito penal e processual penal: uma visão
garantista. (Org. Gilson Bonato), p. 213.
34 RAMONET, Ignácio. A tirania da comunicação, p. 08.
Isso, em grande medida, denota que na
globalização neoliberal é verificada a intensifi-
cação de um fenômeno de igualação, uniformi-
zação, padronização e homogeneização das
idéias e dos costumes das sociedades contem-
porâneas. As práticas características da cultu-
ra dominante eliminam a diversidade, impon-
do-se como modelo universal, forçando-nos a
contemplarmos-nos “num único espelho, que
reflete os valores da sociedade de consumo”.30
De um extremo a outro do planeta “mes-
mos filmes, mesmas séries de televisão, mesmas
informações, mesmas canções, mesmos slogans
publicitários, mesmos objetos, mesmas roupas,
mesmos carros, mesmo urbanismo, mesma
arquitetura, mesmo tipo de apartamento (...)”31.
Os campos econômico e político (englobando,
obviamente, o viés penal32) não escapam da
Alexandre Morais da Rosa e
Sylvio Lourenço da Silveira Filho
36
relação às desigualdades sociais, mas mostra-se brutal-
mente paternalista a jusante no momento em que se trata
de administrar suas conseqüências” (WACQUANT, Loïc.
Punir os pobres, p. 21).
30 GALEANO, Eduardo. De pernas pro ar, p. 26. 
31 RAMONET, Ignácio. Geopolítica do caos, p. 47.
32 Constata Zygmunt Bauman que “cresce rapidamente em
quase todos os países o número de pessoas na prisão ou
que esperam prováveis sentenças de prisão. Em quase
toda parte a rede de prisões está se ampliando intensa-
mente. Os gastos orçamentários do Estado com as “forças
da lei e da ordem”, principalmente os efetivos policiais e os
serviços penitenciários, crescem em todo o planeta. Mais
importante, a proporção da população em conflito com a
lei e sujeita à prisão cresce num ritmo que indica uma
mudança mais que meramente quantitativa e sugere uma
“significação muito ampliada da solução institucional
como componente da política criminal – e assinala, além
disso, que muitos governos alimentam a pressuposição,
que goza de amplo apoio na opinião pública, segundo a 
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por outro, no fomento da indústria carcerária,38
além de produzir um campo fértil para a dema-
gogia política, pela dramatização e clamor que
envolve o tema “violência urbana”. 
E neste viés, há uma espécie de consenso
entre as tendências políticas conservadoras e
Para um Processo Penal Democrático: 
Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
39
cos do sexo masculino e 7% dos homens negros estavam
atrás das grades em 1994. Em probabilidade acumulada,
9% do conjunto dos homens do país estarão, no curso de
suasvidas, confinados nas prisões federais ou estaduais”
(WESTERN, Bruce; BECKETT, Katherine; HARDING,
David. Sistema penal e mercado de trabalho nos Estados
Unidos. In: Discursos sediciosos. ICC. nº 11, p. 43). Do
mesmo modo, explica Loïc Wacquant que “o sistema
penal contribui diretamente para regular os segmentos
inferiores do mercado de trabalho – e isso de maneira infi-
nitamente mais coercitiva do que todas as restrições
sociais e regulamentos administrativos. Seu efeito aqui é
duplo. Por um lado, ele comprime artificialmente o nível do
desemprego ao subtrair-se à força de milhões de homens
da “população em busca de um emprego” e, secundaria-
mente, ao produzir um aumento do emprego no setor de
bens e serviços carcerários, setor fortemente caracteriza-
do por postos de trabalho precários (e que continua ele-
vando mais ainda a com a privatização da punição).
Estima-se assim que, durante a década de 90, as prisões
tiraram dois pontos do índice do desemprego americano”
(WACQUANT, Loïc. As prisões da miséria, pp. 96 e 97).
38 Explica Loïc Wacquant que “dezessete firmas, quinze
americanas e duas britânicas, oferecem a gestão completa
(full-scale management) de estabelecimento de detenção.
Sete dentre elas estão cotadas em bolsa, no mercado
Nasdaq: Correction Corporation of America, Correctional
Services Corporation, Securicor (sediada em Londres),
Wackenhut, Avalon Community Services, Cornell
Corrections e Correctional Systems. Estas sete empresas
controlam 82% dos efetivos do setor comercial e totalizam,
sozinhas, um capital superior a 500 milhões de dólares (...).
Com uma taxa de crescimento global de 45% ao ano duran-
te a década passada, a maioria destas firmas duplicaram
seu volume de prisioneiros e suas vendas de um ano para o
outro”. (WACQUANT, Loïc. Punir os pobres, pp. 33 e 86).
Ademais, o refluxo da criminalidade violenta foi
alcançado em cidades onde não foram aplica-
das as doutrinas do “tolerância zero” (incluin-
do cidades com políticas absolutamente opos-
tas: Boston, San Francisco, San Diego, etc.)35
Acrescente-se, ainda, ao grande cresci-
mento econômico, de cunho amplo e durável,
experimentado pelos Estados Unidos nas últi-
mas décadas. Desse modo, o rei fica nu quando
se constata que “o espantoso aumento do
número de encarcerados não correspondeu a
nenhuma alteração relevante na incidência cri-
minal, estabilizada nos anos noventa graças ao
pleno emprego e a uma redução demográfica da
população jovem, deixando em aberto o real
objetivo desse encarceramento massivo”.36
O sentido dessa política criminal se con-
substancia, por um lado, em mascarar os índi-
ces de desemprego (regulação da miséria e
armazenamento dos refugos do mercado37) e,
Alexandre Morais da Rosa e
Sylvio Lourenço da Silveira Filho
38
35 Segundo Loïc Wacquant, em San Francisco “uma política
sistemática de “diversão” dos jovens delinqüentes para
programas de formação, de aconselhamento e de trata-
mento social e médico permitiu reduzir o número de entra-
das em delegacias em mais da metade, diminuindo, ao
mesmo tempo, a criminalidade violenta em 33% entre 1995
e 1999 (contra 26% em Nova York, onde os volumes dos
aceitos em detenção aumentou em um terço no mesmo
intervalo)” (WACQUANT, Loïc. Sobre a “janela quebrada”
e alguns outros contos sobre segurança vindos da
América. In: Revista brasileira de ciências criminais. IBC-
CRIM. nº 46, p. 238).
36 ZAFFARONI, E. Raúl; BATISTA, Nilo et. al. Direito penal
brasileiro, p. 632.
37 De acordo com Bruce Western, Katherine Beckett e David
Harding, os EUA intervêm diretamente na área do empre-
go pelo viés penal: “Aproximadamente 1% dos adultos bran-
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Capítulo 3
Política Repressiva Global:
Institucionalização de Medidas
Típicas do Estado de Polícia.
Direito Penal do Inimigo? 
Não, Obrigado
A faceta penal da globalização neoliberal se
expressa de forma evidente pela maximização
do direito penal e pela supressão das garantias
processuais, ajustada e fomentada de acordo
com a opinião pública(da). Apresenta-se com as
seguintes peculiaridades: a) é própria de um
contexto político-econômico b) fomenta a repres-
são de cunho autoritário, especialmente para
com a criminalidade rua; c) estimula a diversifi-
cação e a extensão de sanções jurídicas, sejam
penais ou extrapenais; d) pretende a mitigação
dos direitos e garantias individuais e coletivos.1
A transição do Estado providência para o
Estado penitência2 denota o claro objetivo de
gestão penal da pobreza da política criminal
neoliberal. Este tráfico internacional das cate-
gorias da concepção neoliberal – utilizando-se a
41
1 A propósito, conferir: TAVAREZ, Juarez. A globalização e
os problemas da segurança pública. In: Ciências penais,
ABPCP. nº 00, p. 134.
2 WACQUANT, Loïc. Punir os Pobres, p. 140.
progressistas. O discurso penal(izante) alcança
unanimidade, seduzindo setores (até então)
comprometidos com a mudança de paradigma
social, denotando o surgimento do que Maria
Lúcia Karam logrou chamar “esquerda puniti-
va”.39 Assevera Manuel Cancio Meliá, referindo-
se ao âmbito político espanhol que “a esquerda
política tem aprendido o quanto rentável pode
resultar o discurso da law and order, antes
monopolizado pela direita política. Esta se soma,
quando pode, a habitualidade político-criminal
que caberia supor, em princípio, pertencente-
mente à esquerda, uma situação que gera uma
escala na qual ninguém está disposto a discutir,
verdadeiramente, questões de política criminal
no âmbito parlamentar e na qual a demanda
incriminadora de maiores e “mais efetivas” penas
já não é tabu político para ninguém”.40
Na continuação busca-se descrever a ins-
titucionalização de medidas tendentes ao
Estado de Polícia, denotando a ideologia penal
global de (re)produção de um Direito Penal sim-
bólico, derivando a recente formulação do
denominado “Direito Penal do inimigo”, que
vai de encontro às conquistas históricas con-
cernentes nos direitos e garantias individuais e
coletivos, fruto do empreendimento democráti-
co do Estado de Direito.
Alexandre Morais da Rosa e
Sylvio Lourenço da Silveira Filho
40
39 CLEINMAN, Betch A esquerda punitiva: entrevista com
Maria Lúcia Karam. In: Revista de estudos criminais.
!TEC. nº 01, pp. 11 a 15.
40 MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo? In:
JAKOBS, Günther; CANCIO MELIÁ, Manuel. Direito pe-
nal do inimigo, p. 62.
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leiro é emblemático nesse sentido, pois ao
mesmo tempo em que não foram consolidadas
as promessas do Estado Social no plano subs-
tancial, o intervencionismo foi devidamente
instaurado no viés penal (substituição da pers-
pectiva absenteísta pela intervenciosnista),5
Para um Processo Penal Democrático: 
Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
43
“Evidentemente, a minimização do Estado em países que
passaram pela etapa do Estado Providência ou welfare
state tem conseqüências absolutamente diversas da
minimização do Estado em países como o Brasil, onde não
houve Estado Social.” (STRECK, Lenio. Hermenêutica
jurídica e(m) crise, p. 24) Explica Ana Lúcia Sabadell que
“mesmo naqueles países que nunca passaram pela expe-
riência de um Estado de bem-estar social, como é o caso
do Brasil, constatamos a criação de um Estado penal, mui-
tas vezes atuando no limite entre a legalidade e a ilegali-
dade. Essa política tem levado à propagação, por meios
formais e informais, de uma cultura do pânico, que permi-
te legitimar como única solução viável para a efetivação
da cidadania (segurança!), a segregação de parcelas cada
vez maiores da população e, principalmente, sua estigma-
tização como ‘bandidos’”. (SABADELL, Ana Lúcia.
Prefacio. In: ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Sistema
penal máximo x cidadania mínima, p. 02).
5 Salienta Salo de Carvalho que “ao ser chamado

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