Buscar

1951 a 1954 Gomes A.C

Esta é uma pré-visualização de arquivo. Entre para ver o arquivo original

Vargas e a Crise dos Anos 50 - Angela de Castro Gomes
Vargas consumiu a popularidade com o modelo de governo que não sustentou o carisma dos tempos de Estado Novo, protegido pela censura à imprensa.
A filha predileta, Alzira Vargas do Amaral Peixoto, em vários depoimentos continua sua desaprovação ao risco da candidatura do pai, envelhecido, desatualizado, sem sustentação parlamentar, sob a mira da oposição ranco​rosa e brilhante liderada pela UDN e a má vontade dos militares que o depuseram em 44, no embalo da redemocratização que liquidou com o Estado Novo, que safra de moda com seu ranço fascistóide de tortura, de violência, de censura e cerceamento da liberdade.
A miopia política do medíocre governo do presidente Dutra pavimentou o caminho para o retomo do ex-ditador. Até a ultima hora, Vargas esperou por uma candidatura do PSD que pudesse apoiar sem humilhar-se.
Mas a teimosia, a mediocridade das intrigas da copa e cozinha do Palácio do Catete vetaram Nereu e tangeram o PSD para a inviabilidade evidente de Cristiano Machado, flor mineira danada de ruim de voto.
O escândalo do financiamento oficial favorecido à Última Hora, a implacável campanha, de denúncia e raiva, liderada por Carlos Lacerda, o tiro da Toneleros que matou o major Rubem Vaz inflaram a conspiração golpista, articulada às escâncaras, com maciço apoio da imprensa e da televisão Tupi, a pioneira, engatinhando, abreviaram o desfecho, encurralando Vargas contra as paredes do Catete.
O suicídio resgatou o desgaste, restaurou o carisma, consolidou o mito. 
O tiro ecoou na alma popular, sepultando desencantos, decepções, os apertos com a elevação dos preços de uma inflação experimental.Deu alma nova ao PTB, que se transformaria num grande partido, dissolvido pelo AI-2 às vésperas de ser promovido pelo voto à legenda majoritária. 
Elegeu Juscelino Kubitcheck em 50; transferiu parte da herança popular às mãos de Jango Goulart, o qual chegaria à Presidência da República pelas linhas tortas da renúncia de Jânio Quadros. Um golpe de mestre. Valeu o preço da vida, calculadamente jogada como em lance de xadrez, com frieza e a larga visão histórica que trocou a aprovação do presente pelo reconhecimento e o prolongamento da liderança no futuro.
A crise política iniciada, ou agravada, com o atentado ao jornalista Carlos Lacerda, que resultou na morte do major Rubens Vaz, cujo desfecho, foi o suicídio do presidente Getúlio Vargas.
Caráter paradigmático da crise política propriamente dita, na qual se opunham, cada vez mais radicalmente de um lado um presidente eleito c empossado com ampla adesão popular.senhor de grandes recursos clientelísticos e de um relativamente poderoso dispositivo parlamentar, e, de outro, uma oposição ferrenha, herdeira de pesadas e ressentidas derrotas políticas, em tomo da qual se alinhavam poderosos setores da sociedade civil e, cada vez mais, as forças armadas, perigosamente cindidas pelas clivagens ideológicas da época. Tudo isso em meio a um cenário de grande polarização das relações internacionais, com o desenrolar da chamada Guerra Fria.
É, portanto, a própria dimensão do impasse político, que ameaçava toda a ordem institucional, o que faz da crise de agosto de 1954 um marco para a compreensão tanto das mudanças qualitativas que ocorreram desde então na vida pública brasileira quanto dos dilemas estruturais que puderam seguir obstaculizando o desenvolvimento político e institucional do país.
Um dos atores mais diretamente envolvidos tanto conjunturalmente, no desenrolar da crise de 1954, quanto estruturalmente, nos grandes processos de transformação política e sócio-cultural da sociedade brasileira, é a imprensa.
O suicídio não significou uma ruptura institucional ou política, mas preservou exatamente a ordem constitucional e fortaleceu as instituições.
Vargas e a imprensa, antecedentes de uma relação conflituosa
As dificuldades do governo revolucionário com a imprensa tiveram início logo após a instalação do governo provisório, isso porque, dentre as expectativas criadas com a vitória da Revolução, figurava a de liberdade de imprensa. Entretanto, instalado o regime revolucionário com todos os poderes nas mãos de Vargas, após um rápido período de liberdade, a imprensa continuou sob censura.
A esmagadora maioria da imprensa nesse período, principalmente da capital da República, era contrária ao governo Vargas, aprofundada no Estado Novo na medida em que a Constituição de 1937 aboliu a liberdade de expressão do pensamento.
É portanto compreensível que a derrubada do regime de 1937 tenha-se iniciado via imprensa, Vargas, e que a crise que eclodiu em agosto de 1954 tenha começado a ser tecida a partir 1950, quando Vargas foi eleito, e mais precisamente em 31 de janeiro de 1951, quando assumiu a Presidência da República. Os principais órgãos de comunicação do pais, principalmente do eixo Rio-São Paulo, se colocaram contra a candidatura e depois contra o governo Vargas. 
Ao mesmo tempo em que apoiava à candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes, a imprensa atacava violentamente as propostas políticas, econômicas e sociais do candidato Vargas. Durante todo o segundo governo Vargas, praticamente todos os jornais de maior circulação iriam perseguir esse objetivo de minar as bases do getulismo, mas sem êxito.
A crise de agosto
Se anteriormente a oposição ao presidente nutria-se basicamente de ressentimentos adquiridos ao longo do exercício do poder por Vargas a partir de 1930 e, em certos casos, mais especificamente durante o Estado NOVO, o lançamento e o grande sucesso editorial e jornalístico da Última Hora deu ao conflito novos tons e desdobramentos.
Com a criação do "seu" jornal, o "ex-ditador" os atingia tanto como veículos quanto como opositores. A resposta da grande imprensa foi fulminante, no intuito de aniquilá-lo e, através dele atingir o governo.
Quase toda notícia sobre a vida política, administrativa e econômica do país era utilizada contra o governo. Foi, portanto, justamente nesse clima de confrontação e de provocações múltiplas que se gestou o atentado a Carlos Lacerda, principal porta-voz da ofensiva antigetulista. A partir daí a mobilização dos recursos editoriais e ideológicos por parte dos principais jornais oposicionistas foi praticamente completa definitiva.
Os jornais por sua própria história e razão de ser, intermediavam o(s) discurso(s) das elites.
Todos tinham sedimentado uma imagem de Getúlio Vargas que era basicamente a de um homem que amava o poder, a do caudilho que lutava pelo poder pelo prazer de manipular, de mandar. Mas então, como explicar o suicídio? Diante da perplexidade que tornou conta de todos os jornais, houve a tentativa, por parte de alguns, de minimizar o acontecimento, dando destaque não ao suicídio mas à posse de Café Filho, como se este outro evento significasse um alívio, representasse enfim a solução da crise que estava polarizada na pessoa de Vargas. A posse do vice-presidente garantiria o restabelecimento da ordem e da paz. Acrescente-se, contudo, à surpresa pelo suicídio outra, a da reação popular. Até a véspera o povo parecia aceitar a imagem que a imprensa divulgava, a de um presidente conivente com a corrupção, desprestigiado, odiado. Agora esse mesmo povo chorava a morte de seu líder e desencadeava uma enorme reação contra os seus opositores.
A responsabilidade pelos atos de revolta e protesto, que tomaram conta do pais, foi jogada sobre os comunistas "agitadores" e sobre os"pelegos". As manifestações populares não podiam ser vistas como uma reação espontânea do povo diante do forte impacto causado pelo suicídio de seu líder.
A conclusão fundamental dessa investigação pode ser formulada, portanto, da seguinte forma em agosto de 1954 os principais órgãos de imprensa do país, com algumas exceções bem delimitadas e significativas, atuaram decisivamente tanto na formação de um consenso a respeito da crescente inviabilidade política e moral do prosseguimento do mandato do presidente Getúlio Vargas, quanto na intermediação
do diálogo e da articulação entre os diferentes grupos das elites políticas aptas a intervir, de algum modo, na resolução do impasse. Em particular, obviamente, os diversos setores militares.
E assim, se a imprensa de 1954 debate-se, não sem contradições, entre o facciosismo e a ação ideológica mais abrangente e consistente, talvez o mesmo possa ser dito da frágil democracia que, iniciada em 1945, tinha então o seu primeiro e grave teste.
O suicídio de Vargas, entretanto, não era esperado, surpreendendo e paralisando, por algumas horas, os grupos conservadores que apostaram na crise institucional. Com a morte do presidente, a oposição viu frustrar sua estratégia de acirrar a crise, desmoralizar politicamente Vargas com a renúncia e abrir caminho para a intervenção militar. Contudo, mesmo com seu desaparecimento. O golpe político-militar ainda não estava descartado.
Por ordem dos comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica de várias regiões milhares, todos os quartéis e regimentos a eles subordinados entram em estado de prontidão. Se algum dispositivo militar foi planejado para o golpe político, na madrugada do dia 24 de agosto ele começou a ser posto em prática. Restava tão-somente a iniciativa das lideranças civil para a deflagração do movimento.
Ao amanhecer, entrou em cena o "povo", entre chocado e furioso, atacando políticos antigetulistas, quartéis, rádios,jornais e sedes de partidos de oposição.
A imprensa, aturdida com os motins, agora se sentia ameaçada pelo golpe que tanto incentivou. Uma nota publicada em todos os jornais declarava "garantida à liberdade de imprensa" com o novo governo. Diante da população irada que insistia em atacar os bens oposicionistas - desde faixas e cartazes até rádios e jornais -, os meios de comunicação clamavam por ordem.

Teste o Premium para desbloquear

Aproveite todos os benefícios por 3 dias sem pagar! 😉
Já tem cadastro?

Outros materiais