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PROF. LÉO - MATERIAL DE SOCIOLOGIA BRASILEIRA 
 
1 
 
GILBERTO FREYRE 
Gilberto Freyre foi um escritor e cientista social pernambucano. Sua obra é considerada 
importante porque analisou a importância da mestiçagem na formação do Brasil e com 
isso mudou a visão dos estudiosos sobre o papel do “jeito de ser” brasileiro no mundo 
contemporâneo. Seus livros ajudam o brasileiro a compreender sua história e a sua 
formação. 
 
A vida do escritor 
Gilberto de Mello Freyre nasceu na cidade de Recife, capital de Pernambuco, no dia 15 
de março de 1900. Era filho de um professor universitário e frequentou, em sua cidade 
natal, o Colégio Americano Gilreath. Quando tinha 18 anos foi para os Estados Unidos. 
Estudou nas universidades Baylor e Columbia, onde obteve o título de doutor em 
ciências políticas, jurídicas e sociais. 
Prosseguiu os estudos em universidades e museus da Europa (Inglaterra, Alemanha e 
França). De volta ao Brasil, desenvolveu intensa atividade como escritor, jornalista e 
conferencista, tornando-se líder de uma nova geração de intelectuais. Ao mesmo tempo, 
manteve intenso intercâmbio com universidades e sociedades científicas do exterior, 
aperfeiçoando seus estudos. 
Foi eleito deputado federal por Pernambuco (1946-1950), mas abandonou a política 
partidária. Em 1949 representou o Brasil na Assembleia-Geral das Nações Unidas. Seus 
livros são editados em vários países: França, Estados Unidos, Espanha, Japão, 
Alemanha, Suécia. Além disso, são estudados em importantes universidades — 
Columbia (em Nova York) e Sorbonne (em Paris), por exemplo. Distinguido com 
inúmeros prêmios e homenagens nacionais e internacionais, Gilberto Freyre é 
considerado um dos mais importantes pensadores brasileiros. Morreu em Recife, no dia 
18 de julho de 1987. 
 
Obras 
Gilberto Freyre escreveu muitos livros. Entre eles destacam-se Casa-grande e senzala 
(1933), Sobrados e mocambos (1936), Nordeste (1937), Interpretação do Brasil (1947) e 
Ordem e progresso (1959). Deixou ainda um volume de poemas (Talvez poesia) 
organizado por amigos em 1962. Sua última obra publicada em vida foi O brasileiro 
entre outros hispanos, de 1975. 
 
 
 
PROF. LÉO - MATERIAL DE SOCIOLOGIA BRASILEIRA 
 
2 
 
Características 
Gilberto Freyre estudou muito e tinha uma visão generosa da alma brasileira. Com essas 
qualidades, ele revolucionou os estudos socioculturais no Brasil. É que muitos dos 
especialistas antes dele consideravam que a mistura de raças característica do povo 
brasileiro era um fator de atraso. E Gilberto Freyre disse o contrário. Ele achou que aí é 
que estava a riqueza do povo brasileiro. Alguns críticos o acusaram de encobrir o 
preconceito de cor ao sugerir a convivência racial pacífica no Brasil. 
Gilberto Freyre influenciou romancistas como José Lins do Rego, Raquel de Queirós, 
Jorge Amado e outros, lançando as bases sociológicas do chamado “romance 
nordestino”. Ele foi também pioneiro no uso “brasileiro” da língua portuguesa, antes 
muito presa às expressões do português de Portugal. 
A publicação de "Casa Grande & Senzala", de Gilberto Freyre, em 1933, acabou se 
transformando em um marco da cultura brasileira. Para o antropólogo Darcy Ribeiro, 
trata-se do "mais brasileiro dos livros já escritos". No entanto, o livro não foi bem aceito 
por intelectuais conservadores nem pela Igreja Católica, uns incomodados pela defesa 
da mestiçagem e da herança negra, outros pela descrição da vida sexual na colônia. 
Na década de 1930 era predominante no pensamento brasileiro a defesa da eugenia e a 
ideologia do branqueamento da raça. No campo internacional, em alguns países, 
consolidava-se o racismo como política de Estado, como na Alemanha nazista. É neste 
cenário adverso que foi publicado o primeiro livro do pernambucano Gilberto Freyre. 
Três anos depois da publicação de "Casa Grande & Senzala" foi editado "Sobrados e 
Mucambos", uma espécie de continuação daquela primeira obra, centrada no século 19, 
ainda no período imperial. Somente em 1959 a trilogia foi completada com "Ordem e 
Progresso", livro que tem seu foco no estudo da transição do império para a república. 
Com esses três livros, Gilberto Freyre construiu um amplo painel da sociedade 
brasileira, estudando as transformações econômicas ocorridas no país desde o ciclo da 
cana-de-açúcar até a nascente industrialização, já no século 20. 
 
Uma obra prolífica 
Freyre publicou mais de 30 livros; alguns deles foram traduzidos em mais de 15 países. 
Deu aulas em universidades latino-americanas, nos Estados Unidos e na Europa. Na 
construção dos seus livros, trabalhou com fontes pouco utilizadas pelos pesquisadores 
até então, como anúncios de jornal, relatos de história oral e cantigas de época. 
Sua atuação política também não pode ser esquecida. Freyre trabalhou como assessor e 
como uma espécie de chefe de gabinete do governador Estácio Coimbra, em 
Pernambuco, no final da República Velha, e depois, em 1946, como deputado 
PROF. LÉO - MATERIAL DE SOCIOLOGIA BRASILEIRA 
 
3 
 
constituinte. Atuou também no Congresso como crítico da discriminação racial e 
defensor das demandas históricas da região Nordeste. 
Freyre também participou dos embates políticos por meio de conferências e artigos. 
Mostrando como sua visão política era heterodoxa, acabou flertando com o 
colonialismo português na África, o que se pode ver na leitura de "O Mundo que o 
Português Criou" ou "Aventura e Rotina". Também apoiou o regime militar brasileiro. 
Mesmo assim, a sua obra, especialmente a trilogia que teve início com "Casa Grande & 
Senzala", teve um caráter revolucionário no Brasil, acentuando um paradoxo entre a 
atuação política de Freyre e seu brilhante trabalho de pesquisa sobre o patriarcado rural 
brasileiro. 
 
Um sistema econômico, social e político 
Para o autor, "a casa-grande, completada pela senzala, representa todo um sistema 
econômico, social, político: de produção (a monocultura latifundiária); de trabalho (a 
escravidão); de transporte (o carro de boi, o banguê, a rede, o cavalo); de religião (o 
catolicismo de família, com capelão subordinado ao páter-famílias, culto dos mortos, 
etc.); de vida sexual e de família (o patriarcalismo polígamo); de higiene do corpo e da 
casa (o 'tigre', a touceira de bananeira, o banho de rio, o banho de gamela, o banho de 
assento, o lava-pés); de política (o compadrismo). Foi ainda fortaleza, banco, cemitério, 
hospedaria, escola, santa casa de misericórdia amparando os velhos e as viúvas, 
recolhendo órfãos". 
A defesa da miscigenação é um dos pontos altos do livro: "Sem deixarem de ser 
relações - as dos brancos com as mulheres de cor - de 'superiores' com 'inferiores' e, no 
maior número de casos, de senhores desabusados e sádicos com escravas passivas, 
adoçaram-se, entretanto, com a necessidade experimentada por muitos colonos de 
constituírem família dentro dessas circunstâncias e sobre essa base. A miscigenação que 
largamente se praticou aqui corrigiu a distância social que doutro modo se teria 
conservado enorme entre a casa-grande e a mata tropical; entre a casa-grande e a 
senzala." 
"Casa Grande & Senzala" tem como centro analítico o Nordeste açucareiro. Suas teses 
não devem ser generalizadas para o mundo colonial da América Portuguesa. A 
economia mineradora, por exemplo, no século 18, teve uma estrutura econômico-social 
distinta, apesar de ter também no escravo sua principal força de trabalho. 
 
 
 
 
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4 
 
CAIO PRADO JR. 
Formação do Brasil contemporâneo é dos textos mais influentes sobre as relações entre 
nação e colônia no processo histórico que originou o Brasil. E é a ele, sobretudo, que 
Caio Prado Jr. deve seu lugar como grande intérprete do país. 
Marxista e militante ligado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB),o autor não via, 
porém, o materialismo histórico como um conjunto de fórmulas a serem aplicadas, sem 
mediações históricas e analíticas, a qualquer realidade. Isso o levou, aguçado por uma 
grande sensibilidade em relação ao Brasil, desenvolvida também nas muitas viagens que 
fez pelo país e pelo gosto em fotografá-lo, a promover uma verdadeira “nacionalização 
do marxismo”. 
Publicado em 1942, Formação do Brasil contemporâneo é um clássico do pensamento 
social e da historiografia brasileira que vem mobilizando estudiosos e atores políticos, 
seja para aceitar suas teses, problematizá-las ou mesmo rejeitá-las. Como poucos, o 
livro conseguiu formar nossa visão das origens coloniais do Brasil e do seu legado à 
nação. Divergindo daqueles que entendiam o período colonial em termos equivalentes 
ao feudalismo na Europa, Caio Prado Jr. o situa no processo de expansão ultramarina 
europeia resultante do capitalismo mercantil. Explicação tão bem-sucedida que 
dificilmente alguém acreditaria hoje num passado feudal brasileiro. 
Mas este livro é um clássico também pelo que nos permite entender de certos desafios 
tenazes, ainda hoje abertos à sociedade. Sua tese fundamental é a de “sentido da 
colonização”, que expressa a reiteração, mesmo após a nossa independência política, do 
papel do Brasil como fornecedor de produtos primários demandados pelo mercado 
externo. Apesar das mudanças em curso desde então, e das novas configurações da cada 
vez mais complexa dialética entre centro e periferia, talvez bastasse constatar a 
importância no Brasil de hoje das commodities agrícolas e minerais para sugerir a 
atualidade da análise central do livro. 
Uma das temáticas em história mais apresentadas e discutidas nos primeiros anos da 
formação escolar é a colonização do Brasil. Decoramos datas e nomes, aprendemos que 
os portugueses foram nossos colonizadores, que por aqui já havia indígenas, que os 
escravos africanos foram trazidos na sequência, e que o brasileiro é resultado desta 
mistura. Porém, por se tratar de uma visão demasiadamente simples, nem sempre nos 
deixa claro qual o sentido da colonização em termos de seu significado para aquele 
contexto e, muito menos, não se discute, do ponto vista sociológico, seus 
desdobramentos para a constituição do Brasil enquanto país. 
Sendo assim, para se conhecer um pouco mais sobre o início da formação da sociedade 
brasileira é de fundamental importância, num primeiro momento, apreendermos o que 
Caio Prado Jr. chamou de “o sentido da colonização” em sua obra Formação do Brasil 
Contemporâneo, obra está publicada em 1942. Dessa forma, ao nos dedicarmos a este 
exercício de compreensão do processo de colonização das terras brasileiras pelo reino 
de Portugal, em meados do século XVI, é necessário entender este fato histórico de 
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forma mais ampla, isto é, como parte de um processo maior, global. Segundo o referido 
autor, a ocupação do Brasil é apenas um episódio que compõe um processo mais amplo 
e já conhecido: a expansão marítima. Isso significa que os impulsos iniciais do processo 
de colonização se explicariam pelo desejo da expansão da empresa europeia dentro da 
lógica mercantilista que se consolidava naquele momento da Idade Moderna. Não se 
tratou apenas de um projeto específico de desbravamento do mar, do espírito 
aventureiro português, mas, além disso, tratava-se de buscar alternativas para ampliar o 
comércio que tinha como entraves questões de ordem política e econômica também 
internas ao continente, a exemplo dos árabes que dominavam o comércio de especiarias. 
Sendo assim, é possível dizer que a formação da sociedade brasileira não era um fim, 
um objetivo propriamente dito, como diferentemente ocorreu nas chamadas colônias de 
povoamento tão presentes na América Espanhola. Mais como consequência de que 
como alvo, a formação do Brasil enquanto nação se deu por um processo histórico 
bastante peculiar, com desdobramentos significativos para a constituição do país 
enquanto nação. Caio Prado Jr. afirma que todo o povo tem na sua evolução um certo 
sentido, o qual não se dá pelos pormenores da história, mas fundamentalmente ao 
analisarmos o conjunto dos fatos e acontecimentos essenciais da história num largo 
período de tempo. Ainda segundo tal autor, há uma linha mestra e ininterrupta de 
acontecimentos, que se sucedem em ordem rigorosa, dirigida para determinada 
orientação. Tais acontecimentos históricos são partes de um todo, fato que nos 
permitiria compreender a especificidade de um povo, de uma nação, de uma sociedade. 
Para Caio Prado, no caso brasileiro, “precisamos reconstituir o conjunto da nossa 
formação, colocando-a no amplo quadro, com seus antecedentes, desses três séculos de 
atividade colonizadora que caracterizam a história dos países europeus a partir do século 
XV; atividade que integrou um novo continente na sua órbita, paralelamente, aliás, ao 
que se realizava, embora em outros moldes diversos, em outros continentes: a África e a 
Ásia.” (PRADO, p. 16, 2011). Dessa forma, o Brasil começa a se desenhar enquanto 
sociedade sob um contexto no qual predomina a produção voltada para o mercado 
exportador e, na condição de colônia, estava enfadado a olhar para fora, sendo que o 
improviso, o descompromisso e o provisório eram pensamentos que inviabilizavam o 
surgimento de uma organização social de fato sólida, de fato com uma ‘alma nacional’. 
Para este empreendimento em termos de trabalho, lançou-se mão do escravismo, 
escolha esta que se justifica pelo forte e rentável tráfico negreiro já praticado por 
Portugal desde outros tempos. A presença da escravidão deixará suas marcas ao longo 
da montagem da estrutura da sociedade brasileira, e sua presença se explica por conta 
deste sentido da colonização, uma vez que é parte integrante deste. Assim, a 
colonização do Brasil toma o aspecto de uma vasta empresa comercial, voltada à 
exploração dos recursos naturais de um território virgem em proveito do comércio 
europeu. Segundo Prado, este seria o “verdadeiro sentido da colonização tropical, de 
que o Brasil é uma das resultantes; ele explicará os elementos fundamentais, tanto no 
econômico como no social, da formação e evolução histórica dos trópicos americanos” 
(Ibidem, p.28). 
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Logo, a ocupação do território brasileiro não se fez em nome da construção de uma 
nova sociedade com interesses próprios, nacionais, mas sim para o alcance de interesses 
de fora, da metrópole, daqueles que aqui não viviam, mas que se beneficiavam do 
comércio. Assim, “é com tal objetivo, exterior, voltado para fora do país e sem atenção 
a considerações que não fossem o interesse daquele comércio, que se organizarão a 
sociedade e a economia brasileiras” (Ibidem, p. 29). 
 
SÉRGIO BUARQUE DE HOLLANDA 
O jeitinho do homem cordial 
Publicado em 1936, Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, tornou-se obra-
chave de interpretação do país por identificar uma informalidade descompromissada 
com a ética, incompatível com a vivência democrática 
 
OSCAR PILAGALLO 
O historiador adaptou o método de Max Weber para descrever a realidade brasileira 
Poucos conceitos se prestam a tamanha confusão quanto o de “homem cordial”, central 
no livro Raízes do Brasil, do historiador Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982). Logo 
após a publicação da obra em 1936, o escritor Cassiano Ricardo implicou com a 
expressão. Para ele, a ideia de cordialidade, como característica marcante do brasileiro, 
estaria mal aplicada, pois o termo adquirira, pela dinâmica da linguagem, o sentido de 
polidez – justamente o contrário do que queria dizer o autor. 
A polêmica sobre a semântica teria ficado perdida no passado não fosse o fato de que, 
até hoje, muitas pessoas, ao citar inadvertidamente a obra, emprestamà noção de 
Buarque de Holanda uma conotação positiva que, desde a origem, lhe é estranha. Em 
resposta a Cassiano, o autor explicou ter usado a palavra em seu verdadeiro sentido, 
inclusive etimológico, que remete a coração. Opunha, assim, emoção a razão. O 
didatismo foi incluído numa nota na segunda edição, de 1947, bastante modificada, e 
que seria a definitiva, salvo por pequenas alterações posteriores. 
Apesar do zelo do autor, no entanto, o equívoco persistiu. Afinal, o que haveria de 
errado na cordialidade brasileira, nesse sentido de afetuosidade típica de um povo? Não 
haveria nada condenável se a afabilidade se desse em ambiente privado, em relações 
entre familiares e amigos. A expressão “homem cordial”, a propósito, fora cunhada anos 
antes, por Rui Ribeiro Couto, que julgou ser esse tributo uma contribuição latina à 
humanidade. 
O problema surge quando a cordialidade se manifesta na esfera pública. Isso porque o 
tipo cordial – uma herança portuguesa reforçada por traços das culturas negra e indígena 
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– é individualista, avesso à hierarquia, arredio à disciplina, desobediente a regras sociais 
e afeito ao paternalismo e ao compadrio, ou seja, não se trata de um perfil adequado 
para a vida civilizada numa sociedade democrática. 
A questão é lançada logo na abertura do capítulo que aborda o homem cordial. “O 
Estado não é uma ampliação do círculo familiar”, afirma o ensaísta. “Não existe, entre o 
círculo familiar e o Estado, uma gradação, mas antes uma descontinuidade e até uma 
oposição.” Para o homem cordial, no entanto, há uma extensão natural entre os dois 
planos. A atitude se manifesta até na linguística, “com o nosso pendor acentuado para o 
emprego de diminutivos”. Se tal expressão já existisse, Buarque de Holanda certamente 
teria falado no “jeitinho brasileiro”, pela síntese involuntária que faz de suas ideias. 
Escrito em meados da década de 1930, Raízes do Brasil data de um período de transição 
política. A República Velha tinha ficado para trás, a ditadura varguista ainda não se 
instalara totalmente e a democracia formal era uma perspectiva remota. Desde o 
movimento modernista, no entanto, que na década de 1920 desferira um golpe contra a 
influência lusitana na cultura, intelectuais brasileiros procuravam uma identidade 
brasileira. O livro de Buarque de Holanda faz parte desse esforço, ao lado de Casa-
Grande & Senzala, de Gilberto Freyre. Como intérpretes do Brasil, ambos são gigantes, 
embora com visões divergentes: enquanto Freyre revela certa nostalgia da influência 
portuguesa, Buarque de Holanda se regozija por ela começar a ser superada. 
Esboçado na Alemanha na virada da década de 1920, quando o autor lá morou 
trabalhando como jornalista, o ensaio dá pistas de como a convivência com o 
pensamento germânico influenciou o autor. Em Berlim, Buarque de Holanda tomou 
contato com a obra de Max Weber, um dos pais da sociologia, e adaptou seu método 
para descrever a realidade brasileira, numa obra que mistura, além da sociologia, 
história, antropologia e psicologia social. 
Politicamente, Buarque de Holanda é mais lembrado como um intelectual simpático às 
esquerdas, em grande parte por ter sido, em 1980, membro fundador do Partido dos 
Trabalhadores, que nasceu à esquerda. Essa associação, porém, não reflete sua 
trajetória. Na época em que publicou Raízes do Brasil, quando os intelectuais 
costumavam se dividir entre integralistas e comunistas, Buarque de Holanda se manteve 
afastado dos extremos ideológicos, sempre defendendo uma democracia que 
representasse avanços sociais. 
Na época, isso inexistia no país. “A ideologia impessoal do liberalismo democrático 
jamais se naturalizou entre nós”, escreveu. “A democracia no Brasil sempre foi um 
lamentável mal-entendido. Uma aristocracia rural e semifeudal importou-a e tratou de 
acomodá-la, onde fosse possível, aos seus direitos ou privilégios.” 
Passados mais de 70 anos, por mais que o Brasil tenha mudado, suas raízes continuam 
visíveis na informalidade descompromissada com a ética que ainda perpassa setores da 
vida pública. Mas não é só por isso que a obra merece ser (re)lida. Se o livro sobrevive 
com o frescor próprio dos clássicos é também porque Sérgio Buarque de Holanda, dono 
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de um texto em que nada falta, nem sobra, se expressa com a elegância, a erudição e a 
sofisticação dos grandes escritores, que fazem tais predicados parecerem naturais. 
Em 1936, na abertura da coleção Documentos Brasileiros, Sérgio Buarque de Holanda 
intitulava o capítulo V de Raízes do Brasil, de “O Homem Cordial”. Encontrara a 
expressão no escritor e amigo Ribeiro Couto. Ao longo do capítulo, explicava que a 
expressão nos caracterizava, como “um dos efeitos decisivos da supremacia 
incontestável, absorvente do ninho familiar”, pois “as relações que se criam na vida 
doméstica, sempre forneceram o modelo obrigatório de qualquer composição social 
entre nós”. 
As passagens citadas são imprescindíveis porque (a) muitos dos comentadores do autor 
não hesitaram em considerá-lo prova que o depois celebrado historiador estaria 
enfatizando um dado altamente positivo de nossa formação; (b) na verdade, a 
cordialidade tinha o papel de ressaltar a rígida separação, em nossa sociedade, entre o 
público e o privado. O autor não deixava dúvidas sobre sua consequência negativa: 
“Armado desta máscara (a cordialidade) o indivíduo consegue manter sua supremacia 
ante o social”. Fundada nas relações familiares de que derivava, a cordialidade se 
estendia até a área do público, cuja lógica, que antes deveria ser o interesse público, era 
com isso sufocada; (c) a distinção se tornará mais efetiva a partir da 3ª edição do Raízes 
(1956), quando ao texto sensivelmente modificado corresponderá o esclarecimento 
decisivo sobre a questão da cordialidade. 
Tal esclarecimento se tornara necessário desde que Cassiano Ricardo iniciara seu 
desentendimento, tomando-a como sinônimo da nossa bondade (!). Contrapondo-se-lhe, 
Sérgio Buarque, ainda que reiterasse em nota seu débito a Ribeiro Couto, acrescentava 
passagem de O Conceito do Político, que Carl Schmitt publicara em 1933, lido no 
original. Aí, de maneira inquestionável era diferenciada a inimizade, pertencente à 
ordem do privado, assim como a hostilidade, propriedade da ordem do público. O texto 
revisto tirava qualquer possibilidade de dúvida: Sérgio Buarque acentuava que nossas 
raízes familiares comprometiam a formação consequente de uma ordem pública entre 
nós, pois seus agentes, no exercício de seus cargos, agem como se a população fosse 
parte do círculo de seus apaniguados. 
O esclarecimento acima se mostra particularmente pertinente neste dia da 
Independência. Por que? Seria um desperdício alegar que assim sucedia porque Sérgio 
Buarque é um intelectual a que poucos entre nós se igualam. Seu propósito é bem outro. 
Trata-se de mostrar que o termo, em vez de manter a estrita acepção inicial – a oposição 
entre o público e o privado, a hostilidade versus a manifestação de inimizade como 
derivadas da importância primordial da instituição familiar – passa a ter outra 
configuração. Para melhor entendê-lo, recordemos que, nos termos do autor, a oposição 
entre público e privado significava que nossa política, sob uma capa de afabilidade, 
acobertava interesses privados. Mas tal acepção ainda vigora depois do golpe de 1964? 
Embora a delação, a tortura, o desaparecimento dos adversários, já houvessem sido 
praticados durante o Estado Novo, ainda se poderia supor que a indiferença e a 
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9 
 
progressiva hostilidade da população pelo clima de terror indicavam alguma 
permanência da velha cordialidade. 
Já o que se dá em consequência do resultado da última eleição presidencialnão mais 
permite dúvidas. Em vez de o adversário político ser hostilizado, ele se torna objeto de 
ódio e rancor. A passionalidade chega ao ponto de as manifestações contra o governo 
eleito conterem manifestações em prol da volta da ditadura militar. Isso não significa 
que a cordialidade deixou de haver, senão, e apenas, que a definição dos interesses 
privados deixou de derivar de raízes familiares. O privado agora se identifica com 
instituições industriais, ainda que de origem familiar. Ponhamos aspas na nova 
“cordialidade”. 
“Cordialidade” industrial, como assim? É aquela oriunda de instituições que, por sua 
capacidade de difusão pública, têm a possibilidade de forjar uma opinião pública. A 
mudança nada tem de excepcional. Pode-se mesmo dizer que seria bastante esperável. 
Tanto antes como agora temos sido uma população de “ouvintes”, ou seja, em que o 
hábito da leitura é reduzido, seja pelo número reduzido dos alfabetizados, seja pela falta 
de hábito de ler, pensar e estudar. Por isso os valores antes difundidos a partir da família 
se tornaram mais eficazmente transmitidos pela “oralidade” industrial. Com exceção 
dos miseráveis, a mídia alcança todas as classes. De posse de meios de divulgação de 
massa, os poderosos interesses privados se tornam mais potentes. 
Para isso, têm apenas que saber recrutar colunistas, e entrevistadores dotados de uma 
oralidade agressiva, na aparência apenas técnica. Em poucas palavras, o 7 de setembro 
de 2015 está marcado pelo advento da “cordialidade” midiática. Os panelaços 
aparentemente se esgotam nos protestos contra os desastres governamentais. Não 
percebem que assim contribuem para que continuemos um país grande apenas no 
tamanho. 
O texto abaixo é uma versão resumida do livro “Raízes do Brasil” Sérgio Buarque de 
Holanda. Para a realização de tal resumo foram utilizadas quase que completamente as 
próprias palavras de Sérgio Buarque de Holanda. 
 
Capítulo 1- Fronteiras da Europa 
A tentativa de implantação da cultura européia em extenso território é o fato dominante 
e mais rico em conseqüências nas origens da sociedade brasileira. Somos ainda hoje uns 
desterrados em nossa terra. Todo o fruto do nosso trabalho ou de nossa preguiça parece 
participar de um sistema de evolução próprio de outro clima e de outra paisagem. 
Caberia averiguar até onde temos podido representar aquelas formas de convívio, 
instituições e idéias de que somos herdeiros. 
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É significativa a circunstância de termos recebido a herança através de uma nação 
ibérica. A Espanha e Portugal são um dos territórios-ponte pelos quais a Europa se 
comunica com os outros mundos. 
Foi a partir da época dos descobrimentos marítimos que os dois paises entraram mais 
decididamente no coro europeu. Esse ingresso tardio deveria repercutir intensamente em 
seus destinos, determinando muitos aspectos peculiares de sua história. Surgiu assim, 
um tipo de sociedade que se desenvolveria quase à margem das congêneres européias. 
Ressalta-se uma característica bem peculiar à gente da península ibérica em relação às 
outras gentes da Europa. Nenhum desses vizinhos soube desenvolver essa cultura da 
personalidade da gente hispânica. Pela importância particular que atribuem ao valor 
próprio da pessoa humana, à autonomia de cada um dos homens em relação aos 
semelhantes, devem os espanhóis e portugueses muito de sua origem nacional. O índice 
de valor de um homem infere-se da extensão em que não precise depender dos demais, 
em que não necessite de ninguém, em que se baste. Cada qual é filho de si mesmo, de 
seu esforço próprio, de suas virtudes. 
Os elementos anárquicos sempre frutificaram aqui facilmente. As iniciativas, mesmo 
quando se quiseram construtivas, foram continuamente no sentido de separar os 
homens, não de os unir. 
Erram profundamente aqueles que imaginam na volta a certa tradição, a única defesa 
possível contra nossa desordem. As épocas vivas nunca foram tradicionalistas por 
deliberação. 
Portugueses e espanhóis parecem ter sentido a irracionalidade, a injustiça social de 
privilégios, sobretudo hereditários. O prestigio pessoal manteve-se continuamente nas 
épocas mais gloriosas da história das nações ibéricas. 
Nunca chegou a ser rigorosa e impermeável a nobreza lusitana. Esta jamais logrou 
constituir uma aristocracia fechada; a generalização dos mesmos nomes a pessoas das 
mais diversas condições não é fato novo; explica-o a troca constante de indivíduos, de 
uns que se ilustram, de outros que voltam à massa popular donde haviam saído. 
Havia homens da linhagem dos filhos d’algo em todas as profissões. A comida do povo 
não se distinguia muito da dos cavalheiros nobres; estavam em continuas relações de 
intimidade; os nobres lhes entregavam a criação dos filhos. 
Porque não teve excessivas dificuldades a vencer, por lhe faltar apoio econômico, a 
burguesia mercantil não precisou adotar um novo modo de agir e pensar, ou instituir 
uma nova escala de valores. Procurou, antes de associar-se às antigas classes dirigentes, 
assimilar muitos dos seus princípios, guiar-se pela tradição. Os elementos aristocráticos 
não foram completamente alijados e as formas de vida herdadas da Idade Média 
conservaram, em parte, seu prestígio antigo. 
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A autêntica nobreza há de depender das suas forças e capacidades, pois mais vale a 
eminência própria do que a herdada. A abundância dos bens, os altos feitos e as altas 
virtudes, suprem a linhagem de sangue. 
Nas nações ibéricas o princípio unificador foi sempre representado pelos governos que 
nos tempos modernos, encontrou uma das suas formas características nas ditaduras 
militares. 
Jamais se naturalizou entre gente hispânica a moderna religião do trabalho. Uma digna 
ociosidade sempre pareceu mais excelente a um bom português, ou a um espanhol, do 
que a luta insana pelo pão de cada dia. O que ambos admiram como ideal é uma vida de 
grande senhor, exclusiva de qualquer esforço, de qualquer preocupação. O ócio importa 
mais que o negócio; a atividade produtora é menos valiosa que a contemplação e o 
amor. 
Também se compreende que a carência dessa moral do trabalho se ajustasse bem a uma 
reduzida capacidade de organização social. Não admira que fossem precárias, nessa 
gente, as idéias de solidariedade. Essa, entre eles, existe somente onde há vinculação de 
sentimentos. À exaltação da personalidade só pode haver uma alternativa: a renúncia a 
essa mesma personalidade em vista de um bem maior. Por isso mesmo que rara e difícil, 
a obediência aparece algumas vezes, para os povos ibéricos, como virtude suprema 
entre todas. A vontade de mandar e a disposição para cumprir ordens são-lhe igualmente 
peculiares. As ditaduras e o Santo Ofício parecem constituir formas tão típicas de seu 
caráter como a inclinação à anarquia e à desordem. 
É em vão que temos procurado importar dos sistemas de outros povos modernos, ou 
criar por conta própria, um substituto adequado, capaz de superar os efeitos de nosso 
natural inquieto e desordenado. Toda cultura só absorve em geral os traços de outras 
culturas, quando estes encontram uma possibilidade de ajuste aos seus quadros de vida. 
Nem o contato e a mistura com raças indígenas ou adventícias fizeram-nos tão 
diferentes dos nossos avós de além-mar como às vezes gostaríamos de sê-lo. No caso 
brasileiro, a verdade é que ainda nos associa à península ibérica, a Portugal, uma 
tradição longa, bastante viva para nutrir, até hoje, uma alma comum, a despeito de tudo 
quanto nos separa. Podemos dizer que de lá nos veio a forma atual de nossa cultura. 
 
Capítulo 2 – Trabalho & Aventura 
Essa exploração dos trópicos não se processou por um empreendimento metódico e 
racional, fez-se antes com desleixo e certo abandono. 
A colonizaçãoholandesa não nos teria levado a melhores e mais gloriosos rumos. 
Dois princípios se combatem e regulam as atividades dos homens. Encarnam-se nos 
tipos do aventureiro e do trabalhador. 
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Para o aventureiro, o objeto final assume relevância tão capital que chega a dispensar 
todos os processos intermediários. Seu ideal será colher o fruto sem plantar a árvore. 
O trabalhador, ao contrário, é aquele que enxerga primeiro a dificuldade a vencer, não o 
triunfo a alcançar. O esforço lento, pouco compensador e persistente, tem sentido bem 
nítido para ele. 
O indivíduo do tipo trabalhador só atribuirá valor moral positivo às ações que sente 
ânimo de praticar e, inversamente, terá por imorais e detestáveis as qualidades próprias 
do aventureiro. Por outro lado, as energias e esforços que se dirigem a uma recompensa 
imediata são enaltecidos pelos aventureiros. 
Na obra da conquista e colonização dos novos mundos coube ao “trabalhador” papel 
muito limitado. A época predispunha aos gestos e façanhas audaciosos, galardoando 
bem os homens de grandes vôos. E não foi fortuita a circunstância de se terem 
encontrado neste continente, empenhadas nessa obra, principalmente as nações onde o 
tipo do trabalhador encontrou ambiente menos propício. 
Se isso é verdade tanto de Portugal como da Espanha, não o é menos da Inglaterra. A 
verdade é que o inglês típico tende para a indolência, e estima, acima de tudo, a “boa 
vida”. Para alguns os holandeses, alemães e franceses não são indolentes como os 
ingleses. 
Essa pouca disposição para o trabalho não deixa de constituir o aspecto negativo do 
ânimo que gera as grandes empresas. 
Essa ânsia de prosperidade sem custo, de títulos honoríficos, de posições e riquezas 
fáceis, tão notoriamente característica da gente de nossa terra, não é bem uma das 
manifestações mais cruas do espírito de aventura? 
O gosto da aventura teve influência decisiva em nossa vida nacional. Foi o elemento 
orquestrador por excelência. Favorecendo a mobilidade social, estimulou os homens a 
enfrentar com denodo as asperezas ou resistências da natureza e criou-lhes as condições 
adequadas a tal empresa (empreendimento). 
Nesse ponto, os portugueses e seus descendentes imediatos foram inexcedíveis. 
Procurando recriar aqui o meio de sua origem, fizeram-no com uma facilidade que ainda 
não encontrou, talvez, segundo exemplo na história. 
Sistema de lavoura: foi a circunstância de não se achar a Europa industrializada ao 
tempo dos descobrimentos (de modo que produzia gêneros agrícolas em quantidade 
suficiente para seu próprio consumo, só carecendo efetivamente de produtos naturais 
dos climas quentes) que tornou possível e fomentou a expansão desse sistema agrário. O 
clima e outras condições físicas peculiares a regiões tropicais só contribuíram de modo 
indireto. 
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A abundância de terras férteis e ainda mal desbravadas fez com que a grande 
propriedade rural se tornasse, aqui, a verdadeira unidade de produção. Cumpria apenas 
resolver o problema do trabalho. E verificou-se, frustradas as primeiras tentativas de 
emprego do braço indígena, que o recurso mais fácil estaria na introdução de escravos 
africanos. A presença do negro representou sempre fator obrigatório no 
desenvolvimento dos latifúndios coloniais. Só com alguma reserva se pode aplicar a 
palavra “agricultura” aos processos de exploração da terra. 
A técnica européia serviu apenas para fazer ainda mais devastadores os métodos 
rudimentares de que se valia o indígena em suas plantações. 
O que o português vinha buscar era a riqueza, mas riqueza que custa ousadia, não 
riqueza que custa trabalho. Os lucros que proporcionou de inicio, o esforço de plantar a 
cana e fabricar o açúcar compensavam abundantemente esse esforço, mas era preciso 
que fosse muito simplificado. 
Não foi, por conseguinte, uma civilização tipicamente agrícola o que instauraram os 
portugueses no Brasil com a lavoura açucareira. 
Por que não? 
– Porque a tanto não conduzia o gênio aventureiro que os trouxe à América; 
– Por causa da escassez da população do reino, que permitisse emigração em larga 
escala de trabalhadores rurais; 
– Pela circunstância de a atividade agrícola não ocupar então, em Portugal, posição de 
primeira grandeza. O labor agrícola era menos atraente para seus compatriotas do que as 
aventuras marítimas e as glórias da guerra e da conquista. 
Fatores que impediram o crescimento da lavoura no Brasil: 
– Os descritos acima; 
– O meio tropical oferece muitas vezes poderosos e inesperados obstáculos à 
implantação de tais melhoramentos. 
– O escasso emprego do arado (dificuldades que ofereciam ao seu manejo os resíduos 
da pujante vegetação florestal). 
– Pouca resistência dos animais que puxavam o arado, como também de custarem as 
terras mais a abrir pela sua fortaleza. 
– Busca de novas terras em lugares de mato dentro; constante mudança das fazendas; 
transitoriedade; faltava estímulo a melhoramentos de qualquer natureza. 
– Noção de que o trabalho de enxada é o único que as nossas terras suportam ganhou 
logo crédito. A força dessa convicção logo contagiava os filhos do reino. 
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– Ainda em nossos dias, os mesmos métodos predatórios e dissipadores se acham em 
uso. 
O contraste entre as condições da lavoura brasileira e as que pela mesma época 
prevaleciam no sul dos Estados Unidos é mais apreciável do que as semelhanças. 
Depoimentos da época refletem o pasmo causado entre muitos deles (fazendeiros 
oriundos dos estados confederados) pelos processos alarmantemente primitivos que 
encontraram em uso (no Brasil). 
Todos queriam extrair do solo excessivos benefícios sem grandes sacrifícios. Queriam 
servir-se da terra, não como senhores, mas como usufrutuários, “só para a desfrutarem e 
a deixarem destruída”. 
Nossos colonizadores aclimaram-se facilmente, cedendo às sugestões da terra e dos seus 
primeiros habitantes, sem cuidar de impor-lhes normas fixas e indeléveis. Entre nós, o 
domínio europeu foi em geral, brando e mole, menos obediente a regras e dispositivos 
do que à lei da natureza. A vida parece ter sido aqui incomparavelmente mais suave, 
mais acolhedora das dissonâncias sociais, raciais, e morais. Nossos colonizadores eram 
homens que sabiam repetir o que estava feito ou o que lhes ensinara a rotina. Bem 
assentes no solo, não tinham exigências mentais muito grandes e o Céu parecia-lhes 
uma realidade excessivamente espiritual, remota, póstuma, para interferir em seus 
negócios de cada dia. 
Cumpre acrescentar outra face bem nítida de sua plasticidade social: a ausência 
completa, entre eles, de qualquer orgulho de raça. Essa modalidade de seu caráter 
explica-se muito pelo fato de serem os portugueses, em parte, um povo de mestiços, por 
ostentarem um contingente maior de sangue negro. A mistura com gente de cor tinha 
começado amplamente na própria metrópole (pretos eram trazidos das possessões 
ultramarinas à metrópole). Por volta de 1536, essa silenciosa invasão ameaçava 
transtornar os próprios fundamentos biológicos onde descansava tradicionalmente a 
sociedade portuguesa. 
Compreende-se assim, que já fosse pequeno o sentimento de distância entre os 
dominadores, aqui, e a massa de trabalhadora constituída de homens de cor. O escravo 
das plantações e das minas não era um simples manancial de energia. Com freqüência 
as suas relações com os donos oscilavam da situação de dependente para a de protegido, 
e até de solidário e afim. Sua influência penetrava o recesso doméstico, agindo como 
dissolvente de qualquer idéia de separação de castas ou raças. Era essa a regra geral, 
embora houvessem exceções. Todavia, a tendência da população pendia para um 
abandonode todas as barreiras sociais, políticas e econômicas entre brancos e homens 
de cor, livres e escravos. 
O exclusivismo “racista” nunca chegou a ser o fator determinante das medidas que 
visavam reservar a brancos o exercício de determinados empregos. Muito mais decisivo 
teria sido o labéu (desonra) associado aos trabalhos vis a que obriga a escravidão e que 
não infamava apenas quem os praticava, mas igualmente seus descendentes. Não seria 
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outra a explicação para o fato de se considerarem aptos os gentios da terra e os 
mamelucos (filho de índio com branco), a ofícios de que os pretos e mulatos ficavam 
legalmente excluídos. O reconhecimento da liberdade civil dos índios tendia a distanciá-
los do estigma social ligado à escravidão. 
É curioso notar como algumas características atribuídas aos nossos indígenas e que os 
fazem menos compatíveis com a condição servil ajustam-se ao tradicionais padrões de 
vida das classes nobres. Deve ser por isso que, ao procurarem traduzir para termos 
nacionais a temática da Idade Média, própria do romantismo europeu, escritores do 
século passado iriam reservar ao índio virtudes de antigos fidalgos e cavaleiros. 
Longe de condenar os casamentos mistos de indígenas e brancos, o governo português 
tratou de estimulá-los. Os pretos e descendentes de pretos continuavam relegados a 
trabalhos de baixa reputação que tanto degradam o individuo que os exerce, como sua 
geração. 
Uma das conseqüências da escravidão e da hipertrofia da lavoura latifundiária na 
estrutura de nossa economia colonial foi a ausência de qualquer esforço sério de 
cooperação nas demais atividades produtoras. Pouca coisa existiu entre nós comparável 
à prosperidade dos grêmios de oficiais mecânicos já existentes no primeiro século da 
conquista de Lima. 
No Brasil, a organização dos ofícios segundo moldes trazidos do reino teve seus efeitos 
perturbados pelas condições dominantes: preponderância absorvente do trabalho 
escravo, indústria caseira (capaz de garantir relativa independência aos ricos, 
entravando, por outro lado, o comércio), e escassez de artífices livres na maior parte das 
vilas e cidades. 
Não se pode negar que existiam discriminações consagradas pelos costumes, e que uma 
intolerância maior prevaleceu constantemente com relação aos ofícios de mais baixa 
reputação social. Nos ofícios urbanos reinavam o mesmo amor ao ganho fácil e a 
infixidez que caracterizam, no Brasil, os trabalhos rurais. Poucos sabiam dedicar-se a 
vida inteira a um só mister sem se deixarem atrair por outro negócio lucrativo. Ainda 
mais raros seriam os casos em que um mesmo ofício perdurava na mesma família por 
mais de uma geração. 
Era esse um dos empecilhos à constituição, entre nós, não só de um verdadeiro 
artesanato, mas ainda de oficiais habilitados para trabalhos que requerem vocação 
decidida e longo tirocínio (preparação prática). Outro empecilho vinha do recurso muito 
ordinário aos chamados “negros de ganho” ou “moços de ganho”, que trabalhavam 
mediante simples licenças obtidas pelos senhores em benefício exclusivo destes. 
Da tradição portuguesa, pouca coisa se conservou entre nós que não tivesse sido 
modificada ou relaxada pelas condições adversas do meio. 
O que nos faltou para o bom êxito de tantas formas de labor produtivo foi uma 
capacidade de livre e duradoura associação entre os elementos empreendedores do país. 
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Em sociedade de origens personalistas como a nossa, é compreensível que os simples 
vínculos de pessoa a pessoa tenham sido quase sempre os mais decisivos. As 
agregações e relações pessoais, embora por vezes precárias, e, de outro lado, as lutas 
entre facções, entre famílias, entre regionalismos, faziam dela um todo incoerente e 
amorfo. O peculiar da vida brasileira parece ter sido uma acentuação enérgica do 
afetivo, do irracional, do passional, e uma estagnação ou atrofia correspondente das 
qualidades ordenadoras, disciplinadoras, racionalizadoras. Quer dizer, exatamente o 
contrário do que parece convir a uma população em vias de organizar-se politicamente. 
À influência dos negros, não apenas como negros, mas sobretudo como escravos, essa 
população não tinha como oferecer obstáculos. Uma suavidade dengosa e açucarada 
invade todas as esferas da vida colonial. A “moral das senzalas” veio a imperar na 
administração, na economia e nas crenças religiosas dos homens do tempo. 
Holandeses tinham espírito de empreendimento metódico e coordenado, em capacidade 
de trabalho e em coesão social. Apenas o tipo de colonos que eles nos puderam enviar 
era o menos adequado a um país em formação. O malogro de várias experiências 
coloniais dos Países Baixos no continente americano, durante o século XVIII, foi 
atribuído à ausência, na mãe pátria, de descontentamentos que impelissem à migração 
em larga escala. Esse malogro representou o testemunho do bom êxito da República 
holandesa como comunidade nacional. Essa gente ia apinhar-se no Recife, estimulando 
assim a divisão clássica entre o engenho e a cidade. 
Esse progresso urbano era ocorrência nova na vida brasileira, e ocorrência que ajuda a 
melhor distinguir, um do outro, os processos colonizadores de “flamengos” e 
portugueses. Ao passo que em todo o resto do Brasil as cidades continuavam simples e 
pobres dependências dos domínios rurais, a metrópole pernambucana “vivia por si”. 
Destacavam-se nela palácios, parques, institutos científicos e culturais, organismos 
políticos e administrativos, a sede do governo. 
O zelo dos holandeses na sua empresa colonial, dificilmente transpunha os muros das 
cidades e não podia implantar-se na vida rural de nosso Nordeste, sem desnaturá-la e 
perverter-se. Só um ou outro arriscava-se a abandonar a cidade pelas plantações de 
cana. Pensaram resolver o problema, tentando importar numerosas famílias de 
lavradores da mãe-pátria. Esperou-se em vão. 
O insucesso da experiência holandesa no Brasil é mais uma justificativa para a opinião 
de que os europeus do Norte são incompatíveis com as regiões tropicais. 
Ao contrário do que sucedeu com os holandeses, o português entrou em contato íntimo 
com a população de cor. O bom êxito dos portugueses resultou de não terem sabido 
manter a própria distinção com o mundo que vinham povoar. Sua fraqueza foi sua força. 
A própria língua portuguesa parece ter encontrado, em confronto com a holandesa, 
disposição particularmente simpática em muitos desses homens rudes (índios e negros). 
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Ao oposto do catolicismo, a religião reformada, trazida pelos holandeses, não oferecia 
nenhuma espécie de excitação aos sentidos ou à imaginação dessa gente. Não faltaram 
entre eles (holandeses) esforços constantes para chamar a si os pretos e indígenas do 
país. O que parece ter faltado em tais contatos foi a simpatia transigente e comunicativa 
que a Igreja Católica, mais universalista ou menos exclusivista do que o protestantismo, 
sabe infundir nos homens, ainda quando as relações existentes entre eles nada tenham, 
na aparência, de impecáveis. 
 
Capítulo 3 – Herança Rural 
Toda a estrutura de nossa sociedade colonial teve sua base fora dos meios urbanos. Se 
não foi uma civilização agrícola o que os portugueses instauraram no Brasil, foi, sem 
dúvida, uma civilização de raízes rurais. 1888 representa o marco divisório entre duas 
épocas. 
Na Monarquia eram ainda os fazendeiros escravocratas e eram filhos dos fazendeiros 
quem monopolizava a política fundando a estabilidade das instituições nesse 
incontestado domínio. Tão incontestado que muitos representantes da classe dos antigos 
senhores puderam dar-se ao luxo de inclinações antitradicionalistas e mesmo de 
empreender alguns dos mais importantes movimentos liberais.A eles também se deve o 
bom êxito de progressos materiais que tenderiam a arruinar a situação tradicional, 
minando aos poucos o prestígio de sua classe e o trabalho escravo. 
Nunca talvez, fomos envolvidos, em tão breve período, por uma febre tão intensa de 
reformas como a que se registrou nos meados de 1851 a 1855. O caminho aberto por 
semelhantes transformações só poderia levar a uma liquidação mais ou menos rápida de 
nossa velha herança rural e colonial, ou seja, da riqueza que se funda no emprego do 
braço escravo e na exploração extensiva e perdulária das terras de lavoura. 
Não é por simples coincidência cronológica que um período de excepcional vitalidade 
tenha ocorrido nos anos que se seguem imediatamente ao primeiro passo dado para a 
abolição da escravidão, ou seja, a supressão do tráfico negreiro. Passo decisivo e 
heróico, tendo-se em conta a trama de interesses mercantis poderosos e prejuízos que a 
Lei Euzébio de Queirós iria golpear de face (intensificação das atividades britânicas de 
repressão ao tráfico). 
Essa extinção de um comércio que constituíra a origem de algumas das maiores fortunas 
brasileiras do tempo deveria deixar em disponibilidade os capitais até então 
comprometidos na importação de negros. A possibilidade de interessá-los em outros 
ramos de negócios não escapou a alguns espíritos esclarecidos. A própria fundação do 
Banco do Brasil de 1851 está, segundo parece, relacionada com um plano de 
aproveitamento de tais recursos. 
Das cinzas do tráfico negreiro, iria surgir uma era de aparato sem precedentes em nossa 
história comercial. A ânsia de enriquecimento, favorecida pelas excessivas facilidades 
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de crédito, contaminou logo todas as classes e foi uma das características notáveis desse 
período de “prosperidade”. 
Ao otimismo daqueles que, sob o regime da ilimitada liberdade de crédito, alcançavam 
riquezas rápidas, correspondia a perplexidade e o descontentamento de outros, mais 
duramente atingidos pelas conseqüências da cessação do tráfico. 
A própria instabilidade das novas fortunas, vinha dar boas razões a esses nostálgicos do 
Brasil rural e patriarcal. Eram dois mundos distintos que se hostilizavam com rancor 
crescente, duas mentalidades que se opunham. A presença de tais conflitos já parece 
denunciar a imaturidade do Brasil escravocrata para transformações que lhe alterassem 
profundamente a fisionomia. A obra começada em 1850 só se completará efetivamente 
em 1888. Durante esse intervalo, as resistências hão de partir não só dos elementos mais 
abertamente retrógrados, representados pelo escravismo impenitente, mas também das 
forças que tendem à restauração de um equilíbrio ameaçado. Enquanto perdurassem 
poderosos os padrões econômicos e sociais herdados da era colonial e expressos 
principalmente na grande lavoura servida pelo braço escravo, as transformações mais 
ousadas teriam de ser superficiais e artificiosas. 
Lei Ferraz, de 22 de agosto de 1860 (arrocho em matéria de crédito, apelo à realidade) 
apenas veio precipitar a tremenda crise comercial de 1864. Essa crise foi o desfecho 
normal de uma situação insustentável nascida da ambição de vestir um país ainda preso 
à economia escravocrata com os trajes modernos de uma grande democracia burguesa. 
A opinião de que um indivíduo filiado a determinado partido político assumiu 
compromissos que não pode romper pertence a um circulo de idéias que a ascensão da 
burguesia urbana tenderia a depreciar cada vez mais. Segundo tal concepção, as facções 
são constituídas à semelhança das famílias de estilo patriarcal, onde os vínculos 
biológicos e afetivos hão de preponderar sobre as demais considerações. Os membros se 
acham associados por sentimentos e deveres, nunca por interesses e idéias. 
Dos senhores de engenho brasileiros, dos lavradores livres, obrigados ou mesmo 
arrendatários, dissera alguém, em fins do século XVIII, que formavam um corpo “tão 
nobre por natureza, que em nenhum outro país se encontra outro igual a ele”. 
Nos domínios rurais, a autoridade do proprietário de terras não sofria réplica. Tudo se 
fazia consoante sua vontade, muitas vezes caprichosa e despótica. O engenho constituía 
um organismo completo e que, tanto quanto possível, se bastava a si mesmo. Com 
pouca mudança tal situação prolongou-se até bem depois da Independência. 
Dos vários setores de nossa sociedade colonial, foi a esfera da vida doméstica aquela 
onde o princípio de autoridade se mostrou menos acessível às forças corrosivas que de 
todos os lados o atacavam. Sempre imerso em si mesmo, não tolerando nenhuma 
pressão de fora, o grupo familiar mantém-se imune de qualquer restrição ou abalo. Em 
seu recatado isolamento pode desprezar qualquer princípio superior que procure 
perturbá-lo ou oprimi-lo. 
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Nesse ambiente, o pátrio poder é virtualmente ilimitado e poucos freios existem para 
sua tirania. O quadro familiar torna-se tão poderoso que sua sombra persegue os 
indivíduos mesmo fora do recinto doméstico. A entidade privada precede sempre, neles, 
a entidade pública. A nostalgia dessa organização compacta, única e intransferível, onde 
prevalecem as preferências fundadas em laços afetivos, não podia deixar de marcar 
nossa sociedade, nossa vida pública, todas as nossas atividades. A família colonial 
fornecia a idéia mais normal do poder, da respeitabilidade, da obediência e da coesão 
entre os homens. O resultado era predominarem, em toda a vida social, sentimentos 
próprios à comunidade doméstica, naturalmente particularista e antipolítica, uma 
invasão do público pelo privado, do Estado pela família. 
Com o declínio da velha lavoura e a quase concomitante ascensão dos centros urbanos, 
os senhores rurais principiam a perder sua posição privilegiada. Outras ocupações 
reclamam agora igual eminência, ocupações citadinas, como a atividade política, a 
burocracia, as profissões liberais. 
Semelhantes ocupações couberam, em primeiro lugar, à gente principal do país, 
constituída de lavradores e donos de engenho. Transportada de súbito para as cidades, 
essa gente carregou consigo a mentalidade, os preconceitos e o teor da vida que tinham 
sido atributos de sua primitiva condição. 
Não parece absurdo relacionar a tal circunstância um traço constante de nossa vida 
social: a posição suprema que nela detêm certas qualidades de imaginação e 
“inteligência”, em prejuízo das manifestações do espírito prático ou positivo, em 
contraste com as atividades que requerem algum esforço físico. 
O trabalho mental, que não suja as mãos e não fatiga o corpo, pode constituir ocupação 
de antigos senhores de escravos e dos seus herdeiros. Amor à frase sonora, à erudição 
ostentosa. Inteligência há de ser ornamento, não instrumento de conhecimento e de 
ação. 
O exercício dessas qualidades que ocupam a inteligência sem ocupar os braços tinha 
sido considerado, já em outras épocas, como pertinente aos homens nobres e livres. 
Opinião generalizada, de que o trabalho manual é pouco dignificante, em confronto com 
as atividades do espírito. 
A qualidade particular dessa “inteligência”, corresponde numa sociedade de coloração 
aristocrática e personalista, à necessidade que sente cada indivíduo de se distinguir dos 
seus semelhantes por alguma virtude intransferível, semelhante à nobreza de sangue. A 
“inteligência” é, assim, um princípio antimoderno. Nada mais oposto ao sentido de todo 
o pensamento econômico oriundo da Revolução Industrial do que essa primazia 
conferida a certos fatores subjetivos. 
A família patriarcal fornece o grande modelo por onde se hão de calcar, na vida política, 
as relações entre governantes e governados. Esse rígido paternalismo é tudo quanto se 
PROF. LÉO - MATERIAL DE SOCIOLOGIA BRASILEIRA 
 
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poderia esperarde mais oposto aos princípios que guiaram os homens de Estado norte-
americanos na fundação e constituição de sua grande República. 
No Brasil, o decoro que corresponde ao Poder e às instituições de governo não parecia 
conciliável com a importância assim atribuída a apetites tão materiais. Era preciso, para 
serem veneráveis, que as instituições fossem amparadas em princípios consagrados pelo 
costume e pela opinião. 
A própria revolução de 1817 foi uma reedição da luta do senhor de engenho contra o 
mascate (vendedor ambulante). Vitoriosa, é pouco provável que suscitasse alguma 
transformação em nossa estrutura político-econômica. Entre os condutores do 
movimento, muitos pertenciam à nobreza da terra, e nada indica que estivessem 
preparados para despir-se das antigas prerrogativas. 
O que era verdadeiro em 1817 não deixaria de sê-lo depois de nossa emancipação 
política. Em 1847, dirigindo-se aos praieiros, que tinham movido uma campanha justa 
contra a predominância de certas famílias de proprietários rurais em Pernambuco, 
Nabuco de Araújo podia notar como o espírito anti-social e perigoso representado por 
essas famílias era um vício “que nasceu da antiga organização e que nossas revoluções e 
civilização não puderam acabar”. 
Era difícil ultrapassarem-se os limites que à nossa vida política tinham traçado certas 
condições especificas geradas pela colonização portuguesa. Certas atitudes peculiares, 
até então, ao patriciado rural logo se tornaram comuns a todas as classes como norma 
ideal de conduta. Estereotipada por longos anos de vida rural, a mentalidade da casa-
grande invadiu assim as cidades e conquistou todas as profissões, sem exclusão das 
mais humildes. Muitas das dificuldades observadas, desde velhos tempos, no 
funcionamento dos nossos serviços públicos, devem ser atribuídas às mesmas causas. 
Com o crescimento dos núcleos urbanos, o processo de absorção das populações rurais 
encontra aqui menores resistências do que nos países europeus. 
Ao menos em sua etapa inicial, esse processo correspondeu a um desenvolvimento da 
situação de dependência em que se achavam as cidades em face dos domínios agrários. 
Na ausência de uma burguesia urbana independente, os candidatos às funções criadas 
recrutam-se entre indivíduos da massa dos antigos senhores rurais, portadores de 
mentalidade e tendência dessa classe. Toda a ordem administrativa do país, durante o 
Império e mesmo depois no regime republicano, há de comportar elementos vinculados 
ao velho sistema senhorial. 
Constituímos uma estrutura “sui generis”. A regra, em todo o mundo e em todas as 
épocas, foi sempre o contrário: a prosperidade dos meios urbanos fazendo-se à custa dos 
centros de produção agrícola. Se não tivemos entre nós justamente o contrário, é por ter 
sido precário o incremento das nossas cidades durante o período colonial. Naquele 
período, os centros urbanos brasileiros nunca deixaram de se ressentir da ditadura dos 
domínios rurais (caráter próprio das nossas cidades coloniais). As funções mais 
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elevadas cabiam nelas aos senhores de terras. São comuns em nossa história colonial as 
queixas dos comerciantes, habitadores das cidades, contra o monopólio das poderosas 
câmaras municipais pelos lavradores. A pretensão dos mercadores de se ombrearem 
com os proprietários rurais passava por impertinente. 
Não admira que os senhores de terras fossem praticamente os únicos verdadeiros 
“cidadãos” na colônia. No Brasil colonial, as terras dedicadas à lavoura eram a morada 
habitual dos grandes. Só afluíam eles aos centros urbanos a fim de assistirem aos 
festejos e solenidades. Nas cidades apenas residiam alguns funcionários da 
administração, oficiais mecânicos e mercadores em geral. Sucedia assim que, os 
proprietários se descuidavam de suas habitações urbanas, dedicando todo o zelo à 
moradia rural, onde estava o principal de seus haveres e onde podiam receber aos 
hóspedes e visitantes. 
As referências que se acabam de citar relacionam-se com o primeiro e o segundo século 
da colonização; já no terceiro século, a vida urbana parece adquirir mais caráter com a 
prosperidade dos comerciantes nas cidades. 
Não devia ser muito favorável às cidades a comparação entre a vida urbana e a rural por 
essa época. As pessoas de casas nobres e distintas viviam retiradas em suas fazendas e 
engenhos. 
Ainda durante a segunda metade do século XVIII persistia bem nítido o estado de coisas 
que caracteriza a nossa vida colonial desde os seus primeiros tempos. A pujança dos 
domínios rurais, comparada à mesquinhez urbana, representa fenômeno que se instalou 
aqui com os colonos portugueses, desde que se fixaram à terra. 
O predomínio esmagador do ruralismo, foi antes um fenômeno típico do esforço dos 
nossos colonizadores do que uma imposição do meio. 
 
Capítulo 4 – O Semeador e o Ladrilhador 
Para muitas nações conquistadoras, a construção de cidades foi o mais decisivo 
instrumento de dominação que conheceram. A experiência tem demonstrado que este 
recurso, entre todos, é o mais duradouro e eficiente. 
A colonização espanhola caracterizou-se pelo que faltou à portuguesa: aplicação 
insistente em assegurar o predomínio militar, econômico e político da metrópole sobre 
as terras conquistadas, mediante a criação de grandes núcleos de povoação estáveis e 
bem ordenados. Um zelo minucioso e previdente dirigiu a fundação das cidades 
espanholas na América. 
O próprio traçado dos centros urbanos na América espanhola denuncia o esforço 
determinado de vencer e retificar a paisagem agreste: é um ato definido da vontade 
humana, aspiração de ordenar e dominar o mundo conquistado. O traço retilíneo 
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manifesta bem esta deliberação e não é por acaso que ele impera em todas essas cidades 
espanholas. 
Leis que devem reger a fundação das cidades na América exibem senso burocrático das 
minúcias: cuidados na procura do lugar que se fosse povoar; a construção da cidade 
começaria sempre pela praça maior; a povoação partia nitidamente de um centro. No 
plano das cidades hispano-americanas, o que se exprime é a idéia de que o homem pode 
intervir com sucesso no curso das coisas e de que a história não somente “acontece”, 
mas tbém pode ser dirigida e até fabricada. 
Na América portuguesa, a obra dos jesuítas foi uma rara exceção, pois o 
empreendimento de Portugal, parece tímido e mal aparelhado. Comparado ao dos 
catelhanos em suas conquistas, o esforço dos portugueses distingue-se pela 
predominância de seu caráter de exploração comercial. 
Os catelhanos, ao contrario, querem fazer do país ocupado um prolongamento do seu. O 
fato de se fundarem várias universidades nas possessões de Castela durante o período 
colonial, mostra o seu desejo de fazer das novas terras mais do que simples feitorias 
comerciais. 
No Brasil, a colônia é simples lugar de passagem, para o governo como para os súditos. 
Já os castelhanos, prosseguiram no Novo Mundo a luta contra os infiéis; reproduziram 
os mesmos processos já empregados na colonização de suas terras da metrópole depois 
de expulsos os discípulos de Maomé. Nas regiões de nosso continente que couberam 
aos castelhanos, o clima não oferecia grandes incômodos. 
A colonização portuguesa foi litorânea e tropical; a castelhana foge deliberadamente da 
marinha, preferindo as terras do interior e os planaltos. Só em caso de haver bons portos 
é que se poderiam instalar povoações novas ao longo da orla marítima e somente 
aquelas indispensáveis para se facilitar a entrada, o comércio e a defesa da terra. 
Já os portugueses criavam todas as dificuldades às entradas adentro, receosos de que 
com isso se despovoasse a marinha. 
As “cartas de doação das capitanias” (segundo as quais poderão os donatários edificar 
junto do mare dos rios quantas vilas quiserem) parece ser outra medida destinada a 
conter (segurar) a povoação no litoral – caso da D. Ana Pimentel que em 1554 anulou a 
proibição feita pelo seu marido (donatário de S. Vicente) aos moradores do litoral de 
irem tratar nos campos de Piratininga. Esta atitude foi lamentada até mesmo no séc 
XVIII por frei Gaspar da Madre de Deus e pelo ouvidor Cleto por ter causado prejuízo 
às terras litorâneas da capitania. 
Os gêneros produzidos junto ao mar podiam conduzir-se facilmente à Europa e os do 
sertão, ao contrário, demoravam a chegar aos portos e, se chegassem, seria com altas 
despesas. 
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A expansão dos pioneers (pioneiros, bandeirantes) paulistas não tinha suas raízes do 
outro lado do oceano, podia dispensar o estímulo da metrópole e fazia-se contra a 
vontade e contra os interesses desta. Esses audaciosos caçadores de índios, farejadores e 
exploradores de riqueza, foram, antes do mais, puros avetureiros – só quando as 
circunstancias o forçavam é que se faziam colonos; antes do descobrimento das minas, 
não realizaram obra colonizadora, salvo esporadicamente. 
No terceiro séc do domínio português é que temos um afluxo maior de emigrantes para 
além da faixa litorânea, com o descobrimento do ouro das Gerais. Governo tenta 
impedir essa emigração, mas mesmo assim ela ocorre largamente. Estrangeiros estavam 
excluídos delas entre outros (monges, padres sem emprego, negociantes, estalajadeiros e 
todos que pudessem não ir ao serviço exclusivo da insaciável avidez da metrópole). 
Pretendeu-se fazer uso de um derradeiro recurso, o da proibição de passagens para o 
Brasil. 
Só então é que Portugal delibera intervir mais energicamente nos negócios de sua 
possessão, isso para reprimir e não para edificar alguma coisa de permanente, mas sim 
para absorver tudo quanto lhe fosse de proveito imediato. Se verifica isso na 
Demarcação Diamantina. 
O descobrimento das minas, sobretudo de diamantes foi o que determinou finalmente 
Portugal a pôr um pouco mais de ordem em sua colônia com o objetivo de desfrutarem, 
sem maior trabalho, dos benefícios. Para tal se utilizou a tirania. 
A facilidade das comunicações por via marítima ou fluvial, tão menosprezada pelos 
castelhanos, constituiu o fundamento do esforço colonizador de Portugal. Os regimentos 
da Coroa Portuguesa, quando sucedia tratarem de regiões fora da beira-mar, insistiam 
sempre em que se povoassem somente as partes que ficavam à margem das grandes 
correntes navegáveis. A legislação espanhola, ao contrário, mal se refere à navegação 
fluvial como meio de comunicação; o transporte dos homens e mantimentos podia ser 
feito por terra. 
No Brasil, a exploração litorânea praticada pelos portugueses encontrou mais uma 
facilidade no fato de se achar a costa habitada de uma única família de indígenas, que de 
norte a sul falava um mesmo idioma. Onde a expansão dos tupis sofria um hiato, 
interrompia-se também a colonização branca, salvo em casos excepcionais. Mal tinham 
os portugueses outra noticia do gentio do sertão além do que lhes referia a gente 
costeira. Não importava muito aos colonizadores povoar e conhecer mais do que as 
terras da marinha (comunicação mais fácil com o Reino). 
A fisionomia mercantil dessa colonização exprime-se no sistema de povoação litorânea 
(ao alcance dos portos de embarque) e no desequilíbrio entre o esplendor rural e a 
miséria urbana. Essas duas manifestações são de particular significação pela luz que 
projetam sobre as fases ulteriores de nosso desenvolvimento social. 
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A obra realizada no Brasil pelos portugueses teve um caráter mais acentuado de 
feitorização do que de colonização. Não convinha que aqui se fizessem grande obras, ao 
menos quando não produzissem imediatos benefícios. Nada que acarretasse maiores 
despesas ou resultasse em prejuízo para a metrópole. Era rigorosamente proibida a 
produção de artigos que pudessem competir com os do Reino. 
A administração portuguesa parece relativamente mais liberal do que a das possessões 
espanholas. Foi admitida aqui a livre entrada de estrangeiros que se dispusessem a vir 
trabalhar. Aos estrangeiros era permitido percorrerem as costas brasileiras na qualidade 
de mercadores, desde que se obrigassem a pagar imposto de importação, e desde que 
não traficassem com os indígenas. Só mudou em 1600, durante o domínio espanhol, 
quando Felipe II ordenou fossem excluídos todos os estrangeiros do Brasil. 
Essa liberalidade dos portugueses pode parecer uma atitude negativa, mal definida, e 
que proviria de sua moral interessada, moral de negociantes. Pouco importa aos nossos 
colonizadores que seja frouxa e insegura a disciplina. 
A fantasia com que em nossas cidades, comparadas às da América espanhola, se 
dispunham muitas vezes as ruas ou habitações é um reflexo de tais circunstâncias. As 
casas se achavam dispostas segundo o capricho dos moradores. Tudo ali era irregular. 
O traçado geométrico jamais pôde alcançar, entre nós, a importância que veio a ter em 
terras da Coroa de Castela: o desenvolvimento posterior dos centros urbanos repeliu 
aqui esse esquema inicial para obedecer antes às sugestões topográficas. 
A rotina e não a razão abstrata foi o princípio que norteou os portugueses, nesta como 
em tantas outras expressões de sua atividade colonizadora. Preferiam agir por 
experiências sucessivas, nem sempre coordenadas umas às outras, a traçar de antemão 
um plano para segui-lo até o fim. 
A cidade que os portugueses construíram na América não é produto mental, não chega a 
contradizer o quadro da natureza, e sua silhueta se enlaça na linha da paisagem. 
Nenhum rigor, nenhum método, nenhuma previdência, sempre esse significativo 
abandono que exprime a palavra “desleixo” – palavra que implica menos falta de 
energia do que uma íntima convicção de que “não vale a pena …”. 
A expansão dos portugueses no mundo representou sobretudo obra de prudência, de 
juízo discreto. Uma coragem sem dúvida obstinada, mas raramente descomedida, 
constitui traço comum de todos os grandes marinheiros lusitanos. 
A grandeza heróica de seus cometimentos e a importância do alto pensamento que os 
presidia foram vivamente sentidas desde cedo pelos portugueses. A idéia de que 
superavam as lendárias façanhas de gregos e romanos impõe-se como lugar-comum de 
sua literatura quinhentista. É significativo que essa exaltação literária caminhe em 
escala ascendente na medida em que se vai tornando tangível o descrédito e o declínio 
do poderio português. É uma espécie de engrandecimento retrocessivo e de intenção 
quase pedagógica. 
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De nenhuma das maiores empresas ultramarinas dos portugueses parece lícito dizer que 
foi popular no reino. O próprio descobrimento do caminho da Índia, é notório que o 
decidiu el-rei contra a vontade dos seus conselheiros. 
A relativa infixidez das classes sociais fazia com que essa ascensão da burguesia 
mercantil não encontrasse em Portugal forte estorvo. Todos aspiravam à condição de 
fidalgos. Os valores sociais e espirituais vinculados a essa condição, também se 
tornariam propriedade característica da burguesia em ascenção. 
À medida que subiam na escala social, as camadas populares deixavam de ser 
portadoras de sua primitiva mentalidade de classe para aderirem à dos antigos grupos 
dominantes. Nenhuma das “virtudes econômicas” ligadas à burguesia pôde, por isso, 
conquistar bom crédito. Aquelas virtudes – diligência pertinaz, parcimônia, exatidão, 
pontualidade, solidariedade social – nunca se acomodariam perfeitamente ao gosto da 
gente lusitana. 
A “nobreza nova” do Quinhentos era-lhe adversa: por indignas de seu estado, por 
evocarem uma condição social a que ela se achava ligadapela origem, não pelo orgulho. 
Daí, seu desejo constante em romper os laços com o passado, na medida em que o 
passado lhe representava aquela origem, e de robustecer em si mesma o que parecesse 
atributo inseparável da nobreza genuína. 
A invenção e a imitação tomaram o lugar da tradição quando se tinham alargado as 
brechas nas barreiras que, em Portugal, separavam as diferentes camadas da sociedade. 
Aos poucos, vão desapegando dos velhos e austeros costumes e dando moldura vistosa 
à nova consciência de classe. Os que agora surgem só querem andar de capa de veludo, 
chapéus com fitas de ouro, espadas e adagas douradas, etc. Vai se perdendo o antigo 
brio e valor dos lusitanos. O que prezam acima de tudo os fidalgos quinhentistas são as 
aparências ou exterioridades por onde se possam distinguir da gente humilde. 
Sobre essa paisagem de decadência, deve situar-se a exasperação nativista de um 
Antônio Ferreira e o “som alto de sublimado” dos Lusíadas. 
Para esse modo d entender ou de sentir, não são os artifícios, nem é a imaginação pura e 
sem proveito, ou a ciência, que podem tornar sublimes os homens. O crédito há de vir 
pela mão da natureza, como um dom de Deus, ou pelo exercício daquele bom senso 
amadurecido na experiência. 
Quanto à poesia portuguesa, a ordem que aceita não é a que compõem os homens com 
trabalho, mas a que fazem com desleixo e certa liberdade; a ordem do semeador, não a 
do ladrilhador. 
A visão do mundo que assim se manifesta, deixou seu cunho impresso nas mais diversas 
esferas da atividade dos portugueses, mormente no domínio que nos interessa: o da 
expansão colonizadora. Nenhum estímulo vindo de fora os incitaria a tentar dominar 
seriamente o curso dos acontecimentos, a torcer a ordem da natureza. 
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Será instrutivo o confronto que se pode traçar entre eles e os outros povos hispânicos. A 
fúria centralizadora, codificadora, uniformizadora de Castela, que tem sua expressão 
mais nítida no gosto dos regulamentos meticulosos, vem de um povo inteiramente 
desunido e sob permanente ameaça de desagregação. Povo que precisou lutar, dentro de 
suas próprias fronteiras peninsulares. O amor à uniformidade e à simetria surge como 
um resultado da carência de verdadeira unidade. 
Portugal, por esse aspecto, é um país comparativamente sem problemas. Sua unidade 
política, realizara-a desde o século XIII, antes de qualquer outro Estado europeu 
moderno, e em virtude da colonização das terras meridionais, libertas do sarraceno, 
fora-lhe possível alcançar apreciável homogeneidade étnica. A essa precoce satisfação, 
explica-se como o natural conservantismo, o deixar estar – o “desleixo” – pudessem 
sobrepor-se tantas vezes entre eles à ambição de arquitetar o futuro, de sujeitar o 
processo histórico a leis rígidas. Restava, sem dúvida, uma força suficientemente 
poderosa e arraigada nos corações para imprimir coesão e sentido espiritual à simples 
ambição de riquezas. 
Ao menos nas dependências ultramarinas de Portugal, o catolicismo acompanhou quase 
sempre o relaxamento usual. Os monarcas portugueses, com o patronato nas terras 
descobertas, exerceram entre nós um poder praticamente ilimitado sobre os assuntos 
eclesiásticos, segundo suas conveniências momentâneas. A Igreja transformara-se em 
simples braço do poder secular. 
Como corporação, a Igreja podia ser aliada a até cúmplice fiel do poder civil; como 
indivíduos, porém, os religiosos lhe foram constantemente contrários. As constantes 
intromissões das autoridades nas coisas da igreja tendiam a provocar no clero uma 
atitude de latente revolta contra as administrações. Subordinando clérigos e leigos ao 
mesmo poder por vezes caprichoso e despótico, essa situação estava longe de ser 
propícia à influência da Igreja e, até certo ponto, das virtudes cristãs na formação da 
sociedade brasileira. Os maus padres nunca representaram exceções em nosso meio 
colonial. E os que pretendessem reagir contra o relaxamento geral dificilmente 
encontrariam meios para tanto. 
 
Capítulo 5 – O Homem Cordial 
O Estado não é uma ampliação do círculo familiar nem uma integração de certos 
agrupamentos, de certas vontades particulares, de que a família é o melhor exemplo. 
Entre o círculo familiar e o Estado existe uma descontinuidade e até uma oposição. 
Pertencem a ordens diferentes em essência. 
A ordem familiar, em sua forma pura, é abolida por uma transcendência. Não entender 
isso gera crises graves que podem afetar profundamente a sociedade. 
Nas velhas corporações formavam-se como se uma só família, partilhavam-se das 
mesmas privações e confortos. Foi o moderno sistema industrial que suprimiu a 
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atmosfera de intimidade que reinava entre empregadores e empregados e estimou os 
antagonismos de classe. Para o empregador moderno o empregado transforma-se em 
simples número: a relação humana desapareceu. 
Persistem algumas destas famílias “retardatárias” concentradas em si mesmas, mas 
tendem a desaparecer ante as exigências imperativas. Teorias modernas tendem a 
separar o indivíduo da comunidade domestica. Essa separação representa as condições 
primárias para qualquer adaptação à “vida prática”. 
A formação da sociedade segundo conceitos atuais tende a ser precária onde quer que 
prospere a idéia de família, principalmente a de tipo patriarcal. 
A formação de homens públicos capazes no Brasil se deveu ao fato de muitos jovens 
terem saído do seio de suas famílias, rompendo-se assim os laços familiares. 
No Brasil, onde imperou o tipo primitivo de família patriarcal, o desenvolvimento da 
urbanização ia acarretar um desequilíbrio social, cujos efeitos permanecem. 
Aqueles que foram formados por tal ambiente familiar patriarcal tinham dificuldade de 
compreender a diferenças entre o público e o privado. Para o funcionário “patrimonial” 
a gestão política se apresenta como assunto de interesse particular, o que não deveria 
acontecer no verdadeiro Estado burocrático. Neste velho estado de coisas, a escolha das 
pessoas para exercer função pública se dá mediante confiança pessoal e não segundo 
critérios de capacidade. 
Falta a ordenação impessoal que caracteriza a vida no Estado burocrático. As relações 
que se criam na vida doméstica sempre forneceram o modelo obrigatório de qualquer 
composição social entre nós. 
A contribuição brasileira para a civilização: o “homem cordial”.Características do 
homem cordial: 
– sente pavor em viver consigo mesmo; 
– para ele, a parcela social, periférica no brasileiro tende a ser o que mais importa; 
– brasileiros sentem dificuldade de uma reverência prolongada ante um superior; 
– reverência sim, desde que não suprimam possibilidade de convívio mais familiar; 
– para outros manifestação normal de respeito, para nós desejo de intimidade; 
– esse modo de ser reflete-se em nossa inclinação para emprego de diminutivos; 
– tendência de omissão do nome de família prevalecendo nome individual; 
– uma ética de fundo emotivo representa um aspecto da vida brasileira que poucos 
estrangeiros entendem com facilidade; 
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– tratamento dos santos com uma intimidade quase desrespeitosa e o próprio Deus é um 
amigo familiar, doméstico e próximo; 
– horror às distâncias interpessoais e até no campo espiritual; 
– O rigor do rito se afrouxa e se humaniza. 
 
Capítulo 6 – Novos Tempos 
Nossa conduta denuncia um apego singular aos valores da personalidade configurada 
pelo recinto doméstico. Cada indivíduo afirma-se ante os seus semelhantes indiferente à 
lei geral, onde esta lei contrarie suas afinidades emotivas. 
Só raramente nos aplicamos de corpo e alma a um objeto exterior a nós mesmos. E 
quando fugimos à norma é por simples gosto de retirada,

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