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História do Pensamento Econômico – 2017.1 3. O Equilíbrio Geral de Walras Prof. João Pondé Instituto de Economia – UFRJ ponde@ie.ufrj.br 3.1. Dados Biográficos • Marie Esprit Leon Walras nasceu em 1834 e faleceu em 1910 • Bacharelou-se me Artes (1851) e Ciências (1853) no Lycée de Douai. • Tentou ingressar na Escola Politécnica, mas não conseguiu e acabou ingressando na Escola de Minas. Entretanto, não concluiu o curso de Engenheiro de Minas. • Conseguiu um posto de Professor na Universidade de Lausanne em 1870, tendo lecionado até 1892. • Duas influências foram importantes no pensamento de Walras: – Antoine-Auguste Walras (1801-1866), que publicou os livros “Da Natureza da Riqueza e da Origem do Valor” em 1831 e “Teoria da Riqueza Social” em 1849. O pai de Walras utilizou o termo raridade para expressar o quociente entre as necessidades satisfeitas por um bem e sua quantidade, especulando que a raridade seria o determinante do valor. – Cournot, cuja obra ofereceu a Walras um exemplo de como formular a teoria econômica em termos matemáticos (incluindo a definição da função de demanda. • Walras era um reformista social, pregando nacionalização das terras e a apropriação da Renda da Terra pelo Estado (o que permitiria eliminar os impostos, além de indenizar os antigos proprietários). Como vermos, sua preocupação em avaliar se o sistema econômico funciona de maneira compatível com critérios de justiça se manifesta em sua teoria do equilíbrio geral. 1 3.2. Delimitação da Economia Política Pura • Para definir o escopo da Economia Política pura, Walras parte da distinção entre ciência, arte e moral: – A Ciência estuda aquilo que é – os fatos, suas relações e suas leis – do ponto de vista da verdade. – A Arte (ou ciência aplicada) estuda o que deve ser do ponto de vista do interesse ou da utilidade – seu objeto envolve as relações entre pessoas e coisas. – A Ciência Moral estuda o que deve ser do ponto de vista do direito e do justo – seu objeto envolve entre as relações entre pessoas. • “A arte prescreve e recomenda, a ciência observa e explica” (pp. 13-14). • Por sua vez, os fatos que as ciências estudam se subdividem em fatos naturais e fatos humanitários. – “Os fatos produzidos no mundo podem ser considerados como de duas espécies: uns têm sua origem no jogo das forças da natureza, que são forças cegas e fatais; outros têm sua origem no exercício da vontade do homem, que é uma força clarividente e livre” (pp. 15-6). 2 • Como então definir e caracterizar a Economia Política? Walras parte da definição de seu objeto, a Riqueza Social: – O conjunto das coisas materiais e imateriais que são raras, isto é, são úteis e existem em quantidade limitada. – A “Raridade” é, para Walras, uma relação entre a utilidade e a quantidade, é a utilidade contida na unidade de quantidade. • O fato das coisas serem raras tem três consequências: i. As coisas úteis limitadas em quantidade são apropriáveis. ii. As coisas úteis limitadas em quantidade são valiosas e permutáveis. O raciocínio é que as coisas que são valiosas adquirem a propriedade de serem permutáveis, trocadas em uma proporção determinada. iii. As coisas úteis limitadas em quantidade são produzíveis ou multiplicáveis industrialmente. • Assim a Riqueza Social possui três aspectos distintos, que são objeto de estudos ou teorias também distintos: – A propriedade, estudada pela Economia Social, que é uma ciência moral (justiça). – O valor de troca, estudado pela Economia Política Pura, que é uma ciência (verdade). – A indústria, estudada pela Economia Política Aplicada, que é uma arte (utilidade). 3 • Sobre o valor de troca, Walras destaca que: – Embora seja um fato social, o valor de troca tem o caráter de um fato natural, pois não depende da vontade do comprador, do vendedor ou de um acordo entre ambos, mas da raridade dos bens – de maneira que o preço é determinado no mercado independentemente das vontades individuais. – Os bens possuem valor porque são úteis e limitados, duas circunstâncias naturais. Podemos influenciar o valor, mas apenas agindo sobre suas causas (ou suprimindo sua existência). – O valor de troca é uma “grandeza avaliável”. O valor de troca é assim um fato de que tem um “caráter matemático” (p.22). • Daí Walras conclui que a Economia Política Pura, que é a teoria da troca e do valor de troca, é uma ciência “em tudo semelhante às ciências físico matemáticas”, devendo ser desenvolvida a partir do “matemático” ou “racional” (p. 23-4). – As ciências matemáticas “abstraem, desses tipos reais, tipos ideais, que definem; e com base nestas definições, constroem a priori, todos os andaimes de seus teoremas e de suas demonstrações. Depois disso, retornam à experiência, não para confirmar, mas para aplicar suas conclusões” (p. 24). – Deste modo, a Economia Política Pura “deve abstrair, por definição, tipos ideais e raciocinar sobre estes últimos (...). Temos, assim, em um mercado ideal, preços ideais que terão uma relação rigorosa com uma demanda e uma oferta ideais” (p. 24). 4 • Assim, “há uma teoria da riqueza, isto é, do valor de troca e da troca, que é uma ciência, e uma teoria da produção da riqueza, isto é, da indústria agrícola, manufatureira e comercial, que é uma arte” (p. 15). • O normativo, para Walras, inclui a arte e moral – “aquilo que deve ser, do ponto de vista do interesse, é o objeto da ciência aplicada ou da arte; aquilo que deve ser, do ponto de vista da justiça, é o objeto da ciência moral ou da moral” (p. 15). • Esta divisão é baseada em uma divisão dos fatos humanitários em dois tipos: – fatos que resultam da vontade do homem atuando sobre as coisas. A “indústria” é a reunião destes fatos, e o seu estudo ou teoria se chama ciência aplicada ou arte – o critério deste estudo é a utilidade ou o interesse; – Fatos que resultam da vontade e da atividade do homem exercendo-se sobre outros homens. A reunião destes fatos constitui os costumes, e o seu estudo ou teoria é a ciência moral ou moral – cujo critério é o bem ou a justiça. 5 3.3. Caracterização do Funcionamento do Sistema Econômico a) Os capitais e seus rendimentos • Definições: – Capital Fixo ou Capital em Geral Qualquer especie de riqueza social que não é consumida ou apenas é consumida no longo prazo. Qualquer utilidade limitada em quantidade que sobrevive à primeira utilização que se faz dela. – Capital Circulante ou Rendimento Qualuer forma de riqueza social que é consumida imediatamente. Qualquer coisa rara que não subsiste depois do primeiro serviço que presta. • Os Rendimentos incluem dois tipos de serviços: – Os serviços consumíveis, que são absorvidos pelo consumo. – Os serviços produtivos, que são transformados em produtos. 6 • Os Capitais podem ser divididos em três categorias 1) As Terras ou Capitais Fundiários São capitais naturais e inconsumíveis. Fornecem rendimentos que são a Renda da Terra. Seu presço é o Arrendemento. 2) As Pessoas ou Capitais Pessoais São capitais naturais e consumíveis. Fornecem rendimentos que são os Serviços Pessoais ou Trabalhos. Seu preços éo salário. 3) Os Capitais Mobiliários ou Capitais Propriamente Ditos São capitais produzidos e consumíveis. Fornecem rendimentos que são os Serviços Mobiliários ou Lucros. Seu preço é o juro. 7 Capitais e Rendimentos – Quadro Síntese Categorias em que abrangem todo o conjunto da Riqueza Social. Capitais Rendimentos Preços Características Capitais em Geral e seus Rendimentos Capitais Fundiários(ou Terras) Serviços Fundiários (ou Rendas da Terra) Serviços Consumíveis Arrendamentos As Terras são capitais naturais e inconsumíveis. Seu detentor é o Proprietário de Terras. Serviços Produtivos Capitais Pessoais (ou Pessoas) Serviços Pessoais (ou Trabalhos) Serviços Consumíveis Salário As Pessoas são capitais naturais e consumíveis. Seu detentor é o Trabalhador. Serviços Produtivos Capitais Propriamente Ditos Serviços Mobiliários (ou Lucros) Serviços Consumíveis Juro Os Capitais propriamente ditos são capitais artificiais (ou produzidos) e consumíveis. Seu detentor é o Capitalista. Serviços Produtivos Rendimentos - Objetos de Consumo e Matérias Primas Preços de bens. - 8 b) Mercados de Bens e Mercados de Serviços 9 Mercado de Serviços Produtivos Mercados de Bens Indivíduos, proprietários dos Capitais Empresários Demandam Bens Demandam Serviços Ofertam Bens Ofertam Serviços Demandam e ofertam Serviços Consumíveis • O “Empresário” é uma ficção teórica: não é o capitalista nem o responsável pelo trabalho de direção. c) Caracterização do mecanismo da concorrência • Walras estudou o funcionamento da Bolsa de Valores de Paris: leilões sem troca em desequilíbrio e com um mecanismo exógeno de mudança no preço • “Tateamento”: processo de ajuste dos preços até que a quantidade demandada (qd) seja igual a quantidade ofertada (qs) em cada mercado. – Se qd > qs, o preço aumenta. – Se qd < qs, o preço diminui. • Método da estática comparativa: análise de dois pontos de equilíbrio sem ter que levar em conta o processo de transição entre o equilíbrio inicial e o equilíbrio final (a atuação do leiloeiro é neutra do ponto de vista da determinação do equilíbrio). 10 d) Definição do Estado de Equilíbrio • Walras define “estado de equilíbrio na produção” a partir de três condições: 1) A oferta e demanda efetivas dos serviços produtivos são iguais e há um preço corrente estacionário em cada mercado de serviços. 2) A oferta e demanda efetivas dos produtos são iguais e há um preço corrente estacionário em cada mercado de produtos. 3) O preço de venda dos produtos é igula aos se preço de custo em serviços produtivos. • O pressuposto de mercados de leilões sem trocas em desequilíbrio fica ainda mais irrealista – todos os preços devem ser determinados antes que a produção ocorra! • Além disso renda do empresário é zero em equilíbrio – e economia jamais opera em desequilíbrio. 11 “Esse estado de equilíbrio da produção é, bem como o estado de equilíbrio da troca, um estado ideal e não real. (...) Mas é o estado normal, no sentido de que é aquele para o qual tendem por si só as coisas no regime de livre concorrência, aplicado tanto à produção quanto à troca” (p. 118). 3.4. Demonstração da Existência do Equilíbrio Geral • A questão é se é possível haver um equilíbrio simultâneo em todos os mercados. • Walras inicialmente analisa o equilíbrio nas trocas, supondo dadas as quantidades de bens. Em seguida, ele introduz a produção e os mercados dos serviços dos fatores de produção. • O equilibrio geral na produção assume como dados: – As quantidades de capitais possuídas por cada indivíduo – As funções de utilidade de cada indivíduo. – Os coeficientes técnicos de produção. – As condições competitivas que asseguram o processo de “tateamento” até que os preços de equilíbrio sejam determinados. 12 • Variáveis a serem determinadas: – Preços dos m produtos. – Quantidades dos m produtos. – Preços dos n serviços produtivos. – Quantidades dos n serviços produtivos. = 2m + 2n incógnitas. • Se um produto é o “numerário”, o número de incógnitas é 2m + 2n – 1. • As interações entre os indivíduos nos diversos mercados podem ser representada em por um sistema de equações: – m equações de demanda por produtos; – n equações de oferta de serviços produtivos; – m equações de equilíbrio nos mercados de produtos. – n equações de equilíbrio nos mercados de serviços produtivos. = 2m + 2n equações. • Aceitando a Lei de Walras, uma equação pode ser eliminada, restando 2m + 2n – 1 equações. 13 • Walras se limita a contar o número de incógnitas e equações para concluir que uma solução existe (a existência do equilíbrio geral teria sido demonstrada...) • Mas… – A solução pode não ter significado econômico (preços ou quantidades negativos). – O equilíbrio pode não ser único. – O equilíbrio pode não ser estável. 14 3.5. O legado de Walras • Walras deixa a seus sucessores um programa de pesquisa bem definido: a análise formal (matemática) das condições de existência, unicidade e estabilidade do equilíbrio geral. • Inicialmente o programa de pesquisa atrai um número pequeno de seguidores (por ex., Vilfredo Pareto). A partir da década de 1930, as ideias de Walras ganham crescente importância e assumem um papel central no núcleo canônico da abordagem neoclássica. • Uma definição rigorosa da existência do equilíbrio geral só vai ser oferecido na década de 1950, com os trabalhos de K. Arrow e G. Debreu. 15
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