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Capítulo 4 Curvas A noção de curva é bastante familiar. Se pedirmos para que se dê um exemplo de uma curva, certamente todos terão em mente alguns subconjuntos de R2 ou R3 como por exemplo uma circunferência, uma elipse ou uma recta. Sob o ponto de vista intuitivo, uma curva será um conjunto de pontos que se pode descrever com um único parâmetro. A definição que iremos introduzir define curva não como um subconjunto de R2 ou R3 mas sim como uma função. O conjunto de pontos de R2 ou R3 será designado por traço da curva. Claro que duas curvas distintas podem ter o mesmo traço. Definição 43 Uma curva de Rn é uma função α : I ⊆ R → Rn t 7→ α(t) em que I é um intervalo de R. O contradomínio de α diz-se traço ou trajectória da curva. Uma curva α diz-se uma curva simples se e só se ∀t1, t2 ∈ int(I), α(t1) 6= α(t2). Diz-se uma curva fechada se e só se α(a) = α(b). Exemplo 65 α : [0, 2pi] → R2 t 7→ (2 cos t, 2 sin t) Como facilmente se constata, o traço da curva α é uma circunferência de centro na origem e raio 2. tr(α) = { (x, y) ∈ R2 : x2 + y2 = 4} 96 Cap. 4: Curvas 2 2 1 1 0 -1 0 -2 -1-2 Figura 4.1: Representação geométrica de uma circunferência 97 A curva α é uma curva simples uma vez que ∀t1, t2 ∈ int([0, 2pi]) = ]0, 2pi[ , α(t1) 6= α(t2). É uma curva fechada uma vez que α(0) = α(2pi). Exemplo 66 α : R → R2 t 7→ (2 cos t, 2 sin t, 3t) Neste exemplo, o traço da curva α a hélice cuja projecção no plano xy é -2-2 -1-1 000 11 4 22 8 12 16 Figura 4.2: Representação geométrica de uma hélice a circunferência de centro na origem e raio 2. À medida que t percorre intervalos de amplitude 2pi o traço de α descreve uma volta completa em torno do eixo dos zz e a coordenada z aumenta 6pi unidades. Definição 44 Seja α : I ⊆ R → Rn uma curva. O vector α′(t0), se exis- tir, designa-se por vector velocidade da curva α no instante t0. Quando α′(t0) 6= 0 este vector define a direcção da tangente ao traço da curva no 98 Cap. 4: Curvas ponto α(t0). Ao escalar v(t0) = ‖α′(t0)‖ é usual chamar velocidade escalar no instante t0. Uma curva diz-se curva regular se e só se α é uma função vectorial de classe C1 e além disso α′(t) 6= 0,∀t ∈ I. Um ponto α(t0) tal que α′(t0) = 0 diz-se ponto singular. Nesse caso dizemos que a curva α tem uma singularidade no instante t = t0. Seja (x, y) ∈ R2. Designemos por ρ a distância de (x, y) à origem e por θ o ângulo do vector posição com o eixo dos xx medido no sentido positivo tal como a figura 4.3 ilustra. ρ e θ relacionam-se com as coordenadas cartesianas Figura 4.3: Coordenadas Polares do modo seguinte: { x = ρ cos θ y = ρ sin θ onde { ρ = √ x2 + y2 tan θ = y x com ρ ≥ 0 e 0 ≤ θ ≤ 2pi. Consideremos a transformação que a cada ponto (ρ, θ) do plano ρθ faz corresponder um ponto (ρ cos θ, ρ sin θ) do plano xy. As coordenadas polares são muito usadas para descrever traços de curvas. Por exemplo, a circunferência de centro na origem e raio 2 fica descrita em coordenadas polares pela equação, ρ = 2, 0 ≤ θ ≤ 2pi 99 Vejamos outros exemplos usando coordenadas polares Exemplo 67 A equação ρ = 1 + cos θ com θ ∈ [0, 2pi] descreve o traço da curva α : [0, 2pi] → R2 θ 7→ ((1 + cos θ) cos θ, (1 + cos θ) sin θ) que se designa por cardióide. Ambas as componentes de α são funções de -0,5 2 0 -1 1,5 1 0,5 10,50 Figura 4.4: Representação geométrica de um cardióide classe C1 logo α é uma função de classe C1. O vector velocidade no instante t é α′(θ) = (− sin θ cos θ − (1 + cos θ) sin θ,− sin2 θ + (1 + cos θ) cos θ) 100 Cap. 4: Curvas Os pontos singulares são os pontos (x0, y0) tal que α′(θ0) = 0 isto é, os pontos que verificam{ − sin θ cos θ − (1 + cos θ) sin θ = 0 − sin2 θ + (1 + cos θ) cos θ = 0 m{ − sin θ (1 + 2 cos θ) = 0 − sin2 θ + (1 + cos θ) cos θ = 0 m{ − sin θ = 0 ∨ (1 + 2 cos θ) = 0 − sin2 θ + (1 + cos θ) cos θ = 0 m{ sin θ = 0 (1 + cos θ) = 0 ⇐⇒ θ = pi Logo α(pi) = (0, 0) é o único ponto singular. Dizemos que a curva α tem uma singularidade no instante θ = pi. Exemplo 68 Seja α : I ⊆ R → Rn uma curva cujo traço descreve o mo- vimento de um ponto P de uma circunferência de raio R quando esta rola ao longo de uma linha recta. O traço desta curva designa-se por ciclóide. Supondo que escolhemos como parâmetro para descrever a curva o ângulo de rotação θ e que θ = 0 quando P está na origem, a curva fica definida por r(θ) = (R (θ − sin θ) , R (1− cos θ)), θ ∈ R . Na figura seguinte podemos visualizar o traço de uma ciclóde com R = 2 para 0 ≤ θ ≤ 2pi. Uma das primeiras pessoas a estudar a ciclóide foi Galileu, que propôs a forma de uma ciclóide para a construção dos arcos de pontes. É também frequente usar a ciclóide para a definição de um troço de estrada que liga duas vias em linhas rectas. 4.1 Função Comprimento Podemos definir o comprimento da trajectória de uma dada curva como o limite do comprimento das poligonais inscritas. Esta ideia intuitiva leva-nos à seguinte definição 4.1 Função Comprimento 101 121086420 4 0 3 2 1 Figura 4.5: Traço de uma ciclóide 102 Cap. 4: Curvas Definição 45 Seja α : I = [a, b] ⊆ R → Rn uma curva. O comprimento do traço da curva é L = b∫ a ‖α′(t)‖ dt O comprimento do traço da curva é uma propriedade global e não depende da parametrização usada. A demonstração formal é apresentada posterior- mente quando estudarmos os integrais de linha. Por ser uma propriedade que não depende da parametrização é usual referir o comprimento da curva em vez de comprimento do traço da curva. Definição 46 Seja t0 um instante qualquer fixo. A função comprimento de α é a função h : I = [a, b] → R definida por h(t) = t∫ t0 ‖α′(τ)‖ dτ Se associarmos ao traço da curva a trajectória de uma partícula, podemos afirmar que s = h(t) representa o comprimento da trajectória percorrida pela partícula entre os instantes t0 e t. Observe-se que ds dt = h′(t) = ‖α′(t)‖ = v(t) o que significa que h aplica bijectivamente I num intervalo J . Exemplo 69 Seja α : [−1, 1] ⊆ R → R2 tal que α(t) = (t, t2). Calculemos agora o comprimento da trajectória de α. Ora α′(t) = (1, 2t) e portanto 4.1 Função Comprimento 103 ‖α′(t)‖ = √1 + 4t2. Logo L = b∫ a ‖α′(t)‖ dt = 1∫ −1 √ 1 + (2t)2dt = 1 2 ( t √ 1 + (2t)2 + 1 2 ln ( 2t + √ 1 + (2t)2 )∣∣∣∣ 1 −1 ) = 1 2 ( 2 √ 5 + 1 2 ln 2 + √ 5 −2 +√5 ) = √ 5 + 1 2 ln ( 2 + √ 5 ) Exemplo 70 Seja α : [0, 1] ⊆ R → R3 tal que α(t) = (√2t, et, e−t). Calcu- lemos o comprimento do traço de α. Ora α′(t) = ( √ 2, et,−e−t) e ‖α′(t)‖ = √ 2 + e2t + e−2t = √ (et + e−t)2 = et + e−t Portanto L = b∫ a ‖α′(t)‖ dt = 1∫ 0 ( et + e−t ) dt = et − e−t∣∣1 0 = e− 1 e Exemplo 71 Seja α : [0, 1] → R3 tal que α(t) = (2 cos t, 2 sin t, t) cujo traço é uma hélice. Calculemos o comprimento do traço de α. Consideremos o 104 Cap. 4: Curvas instante fixo t0 = 0. Como α′(t) = (−2 sin t, 2 cos t, 1) L = t∫ 0 ‖α′(τ)‖ dτ = t∫ 0 ( et + e−t ) dt = et − e−t∣∣1 0 = e− 1 e 4.2 Reparametrização Definição 47 Seja α : I ⊆ R → Rn uma curva e h : J → I uma função real de variável real contínua e bijectiva definida no intervalo J . A curva β = α ◦ h : J ⊆ R → Rn diz-se uma reparametrização de α. Como se observa, o traço de β é o mesmo que o traço de α. Exemplo 72 Seja α : [−1, 1] ⊆ R → R2 tal que α(t) = (t, t2). A curva β : [−1, 1] ⊆ R → Rn tal que β(t) = (−t, t2) reparametriza α. De facto β = α ◦ h em que h : [−1, 1] → [−1, 1] tal que h(t) = −t é uma função contínua e bijectiva. Observe-se que o traço de α e de β é o troço de parábola { (x, y) ∈ R2 : −1 ≤ x ≤ 1 ∧ y = x2} mas percorrido em sentidooposto. Exemplo 73 Seja α : [0, 2pi] → R2 tal que α(t) = (2 cos t, 2 sin t) cujo traço é uma circunferência. Repametrizemos usando a função comprimento. Con- 4.2 Reparametrização 105 sideremos o instante fixo t0 = 0. Como ‖α′(t)‖ = ‖(−2 sin t, 2 cos t)‖ = 2 h(t) = t∫ 0 ‖α′(τ)‖ dτ = t∫ 0 2dτ = 2τ |t0 = 2t Assim podemos afirmar que h aplica bijectivamente o intervalo [0, 2pi] no intervalo [0, 4pi]. Assim a função inversa h−1. Deste modo β = α ◦ s−1 : [0, 4pi] → R2 tal que β(s) = (2 cos s 2 , 2 sin s 2 ) reparametriza α. Observemos que β′(s) = (− sin s 2 , cos s 2 ) e portanto ‖β′(t)‖ = 1. No exemplo anterior verificámos que ao reparametrizar usando a função comprimento obtivemos uma curva em que o vector velocidade tem norma 1. Isto sucede sempre que a parametrização é feita usando a função comprimento e não somente neste caso particular. De facto podemos enunciar a seguinte proposição: Proposição 10 Seja α : I ⊆ R → Rn uma curva regular. A curva obtida a partir de α por reparametrização usando a função comprimento de arco é percorrida com velocidade escalar constante e igual a 1. Demonstração: Seja s função comprimento de α, s : [a, b] → R definida por h(t) = t∫ t0 ‖α′(τ)‖ dτ s = h(t) representa o comprimento da trajectória percorrida pela partícula entre os instantes t0 e t e portanto h(t) ≥ 0 e h(t) = 0 sse t = t0. Uma vez que h′(t) = ‖α′(t)‖ e a curva é regular segue-se que h′(t) > 0. Deste modo o que significa que h aplica bijectivamente I num intervalo J e podemos definir a reparametrização da curva α usando a função comprimento, β = α ◦ h−1 : J → Rn 106 Cap. 4: Curvas Calculemos agora o vector velocidade, usando a regra da cadeia β′(s) = ( α ◦ h−1)′ (s) = α′(h−1(s)).(h−1)′(s) Mas como sabemos (h−1)′(s) = 1 h′(t) = 1 ‖α′(t)‖ Logo β′(s) = α′(t). 1 ‖α′(t)‖ e portanto β′(s) é um vector unitário, isto é, ‖β′(s)‖ = 1 cqd 4.3 Triedo de Frenet Para uma dada curva definimos já o vector velocidade. Consideremos agora o vector unitário com direcção e sentido do vector velocidade, que não é mais do que o vector velocidade se a curva estivesse parametrizada pela função comprimento. Definição 48 Seja α : I ⊆ R → Rn uma curva regular. O vector T (t) = α ′(t) ‖α′(t)‖ diz-se vector tangente unitário à trajectória de α no instante t. Note-se que usando a definição anterior podemos escrever α ′(t) = ‖α′(t)‖T (t). Usando a notação v(t) = ‖α′(t)‖ para a velocidade escalar, podemos escrever α ′(t) = v(t)T (t) Definição 49 Seja α : I ⊆ R → Rn uma curva. O vector α′′(t0), se existir, designa-se por vector aceleração no instante t0. Definição 50 Seja α : I ⊆ R → Rn uma curva regular de classe C2 e tal que ‖T ′(t)‖ 6= 0 . O vector N(t) = T ′(t) ‖T ′(t)‖ diz-se vector normal unitário. 4.3 Triedo de Frenet 107 Observe-se que mesmo para uma curva regular pode acontecer que ‖T ′(t)‖ = 0 e nesses casos o vector normal, N(t), não está definido. Proposição 11 Seja α : I ⊆ R → Rn uma curva regular de classe C2. Então T (t) ⊥ N(t). De facto, uma vez que ‖T ′(t)‖ = 1 segue-se T (t) · T (t) = 1. Derivando ambos os membros desta equação, obtemos T ′(t) · T (t) + T (t) · T ′(t) = 0 ⇐⇒ T (t) · T ′(t) = 0 e como N(t) é o versor com direcção e sentido de T ′(t) segue-se que T (t) ·N(t) = 0 ou seja T (t) ⊥ N(t). Definição 51 Seja α : I ⊆ R → Rn, n = 2, 3, uma curva regular de classe C2 e tal que ‖T ′(t)‖ 6= 0. Chamamos vector binormal ao vector B(t) = T (t)×N(t) Pela propriedades do produto externo, podemos afirmar que ‖B(t)‖ = 1 e que B(t) é perpendicular ao plano definido pelos vectores T (t) e N(t). Deste modo fica definido um referêncial local, isto é, {T (t), N(t), B(t)} formam uma base ortonormada de R3. Por outras palavras, (T,N,B) constitui um triedo directo que se denomina por triedro de Frenet. Exemplo 74 Determinemos o triero de Frenet para a curva c ujo traço é uma hélice α : R → R2 t 7→ (cos t, sin t, t) Ora T (t) = ( − √ 2 2 sin t, √ 2 2 cos t, √ 2 2 ) N(t) = (− cos t,− sin t, 0) B(t) = (√ 2 2 sin t,− √ 2 2 cos t, √ 2 2 ) Na figura 4.7 podemos observar o triedo no instante t = pi 4 . 108 Cap. 4: Curvas -0,2 0 0,2 0,4 0,6 0,8 1 1,2 0 0,5 1 1,5 0 0,5 1 1,5 2 Triedo de Frenet Figura 4.6: Triedo de Frenet no instante t = pi 4 4.4 Aceleração Tangencial e aceleração Normal 109 4.4 Aceleração Tangencial e aceleração Normal Seja α : I ⊆ R → Rn uma curva. Admitamos que α admite segunda derivada. Calculemos agora α′′(t). Ora α′′(t) = d dt (α′(t)) = d dt (v(t)T (t)) = d dt (v(t))T (t) + d dt (T (t)) v(t) mas d dt (T (t)) = T ′(t) = ‖T ′(t)‖N(t), logo α′′(t) = v′(t)T (t) + ‖T ′(t)‖ v(t)N(t) (4.1) e portanto conclui-se então que a aceleração pode ser decomposta numa com- ponente tangencial e numa componente normal que representamos na forma seguinte α′′(t) = aT (t) + aN(t) onde aT (t) representa a aceleração tangencial e aN(t) a aceleração nor- mal. Em termos físicos a componente tangencial mede a variação da veloci- dade escalar e a componente normal mede a variação da direcção do vector velocidade. Do exposto podemos afirmar que aT (t) = (α ′′(t) · T (t))T (t) e aN(t) = (α ′′(t) ·N(t))N(t) (4.2) mas como T (t) = α ′(t) ‖α′(t)‖ , α′′(t) · T (t) = α′′(t) · α ′(t) ‖α′(t)‖ segue-se que aT (t) = ( α′′(t) · α ′(t) ‖α′(t)‖2 ) α ′(t) e aN(t) = α ′′(t)− aT (t) Deste modo é possível calcular a aceleração tangencial e a aceleração normal sem ser necessário o cálculo dos vectores T (t) e N(t). 110 Cap. 4: Curvas 4.5 Curvatura e Torsão Proposição 12 Seja β : I ⊆ R → Rn uma curva regular de classe C2 parametrizada pela função comprimento. Então T (s) = β′(s) e se ‖β′′(s)‖ 6= 0 N(s) = β′′(s) ‖β′′(s)‖ Vimos, na proposição 10, que se a curva está parametrizada pela função comprimento então ‖β′(s)‖ = 1 e portanto T (s) = β′(s) ‖β′(s)‖ = β ′(s) (4.3) logo N(s) = β′′(s) ‖β′′(s)‖ (4.4) Observe-se que ‖β′′(s)‖ pode ser um número real qualquer não positivo. Como veremos o valor de ‖β′′(s)‖ determina em parte o aspecto da curva. Daí a seguinte definição Definição 52 Seja β : I ⊆ R → Rn uma curva regular de classe C2 para- metrizada pela função comprimento. Então k(s) = ‖β′′(s)‖ designa-se por curvatura da curva em s. Se ‖β′′(s)‖ 6= 0 o inverso da cur- vatura designa-se por raio de curvatura. Alternativamente e considerando 4.3 e 7.1, podemos escrever T ′(s) = k(s)N(s) Exemplo 75 Seja β : [0, 2Cpi] → R2 tal que β(s) = (C cos s C , C sin s C ) a pa- rametrização pela função comprimento da circunferência de centro na origem e raio C, C uma constante positiva. Observemos que β′(s) = (− sin s C , cos s C ) e portanto β′′(s) = (− 1 C cos s 2 ,− 1 C sin s 2 ). A curvatura é k(s) = ‖β′′(s)‖ = 1 C ou seja a curvatura da circunferência de centro na origem e raio C é cons- tante e igual a 1 C . Evidentemente que o raio de curvatura é C. 4.5 Curvatura e Torsão 111 Exemplo 76 Consideremos a recta de equação y = mx+b. Seja β : R → R2 tal que a parametrização pela função comprimento, β(s) = ( s√ 1 + m2 , s√ 1 + m2 m + b) Observemos que β′(s) = ( 1√ 1 + m2 , 1√ 1 + m2 m) e portanto ‖β′′(s)‖ = 1. O vector aceleração é o vector nulo, β′′(s) = (0, 0), logo a curvatura de uma recta é 0. Definição 53 Seja β : I ⊆ R → Rn , n = 2, 3, uma curva regular de classe C3 parametrizada pela função comprimento. Então τ(s) = B′(s) ·N(s) designa-se por torsão da curva em s. Alternativamente podemos escrever que τ(s) é o único escalar tal que B′(s) = τ(s)N(s) A curvatura e torsão são características intrínsecas das curvas e determi- nam de modoúnico o aspecto geométrico do traço da curva. No entanto quer a curvatura quer a torsão podem ser de cálculo difícil pois as definições pres- supõem que se conhece a parametrização pela função comprimento. Vamos agora encontrar fórmulas para a curvatura e torsão para uma curva a partir de uma parametrização qualquer. Seja α : I ⊆ R → Rn , n = 2, 3, uma curva regular de classe C3 parametri- zada não necessária mente pela função comprimento e seja T (s) o vector tan- gente unitário calculado a partir da parametrização pela função comprimento. Então pela definição de curvatura , k(s) = ‖β′′(s)‖ = ‖T ′(s)‖. Usando agora a derivada da função composta a atendendo a que ‖s′(t)‖ = ‖α′(t)‖ = v(t) T ′(t) = T ′(s(t))s′(t) e portanto ‖T ′(t)‖ = ‖T ′(s(t))s′(t)‖ = ‖T ′(s(t))‖ ‖s′(t)‖ = k(s(t))v(t) 112 Cap. 4: Curvas Logo k(t) = ‖T ′(t)‖ v(t) = ‖T ′(t)‖ ‖α′(t)‖ (4.5) Podemos ainda deduzir uma outra expressão para a curvatura que não en- volve o vector T (t). Proposição 13 Seja α : I ⊆ R → Rn , n = 2, 3, uma curva regular duas ve- zes derivável, parametrizada não necessária mente pela função comprimento. A curvatura é dada por k(t) = ‖α ′(t)× α ′′(t)‖ ‖α′(t)‖3 Demonstração: Partindo da expressão 4.1 que permite decompor o vector aceleração temos que α′′(t) = v′(t)T (t) + v(t)T ′(t) segue-se pois que α ′(t)× α′′(t) = α ′(t)× [v′(t)T (t) + v(t)T ′(t)] e atendendo a que α ′(t) = v(t)T (t) e a que T (t)× T (t) = 0 temos α ′(t)× α′′(t) = v2(t) [T (t)× T ′(t)] logo ‖α ′(t)× α′′(t)‖ = v2(t) ‖T (t)× T ′(t)‖ e como T e T ′ são ortogonais, ‖T (t)× T ′(t)‖ = ‖T (t)‖ ‖T ′(t)‖ = ‖T ′(t)‖ ‖α ′(t)× α′′(t)‖ = v2(t) ‖T ′(t)‖ logo ‖T ′(t)‖ = ‖α ′(t)× α′′(t)‖ v2(t) e usando 4.5 segue-se que k(t) = ‖α ′(t)× α′′(t)‖ v3(t) (4.6) 4.5 Curvatura e Torsão 113 cqd Vejamos agora que o traço de uma curva é uma recta se e só se a curvatura é constante e igual a zero, o que justifica a ideia intuitiva de que a curvatura mede o afastamento da curva em relação à recta tangente. Suponhamos que a curva é uma recta e é parametrizada pela função comprimento β : R → R3 definida por β(s) = P + su, onde u é o versor director da recta e P um ponto da recta. Então β′(s) = u e β′′(s) = 0 pelo que k(s) = 0,∀s ∈ R. Suponhamos agora que k(s) = 0,∀s ∈ R. Então ‖T ′(s)‖ = ‖β′′(s)‖ = 0 e por isso T (s) é um vector constante, ou seja, T (s) = β′(s) = T0. Por integração obtemos β(s) = s∫ 0 β′(t)dt logo β(s) = T0s + C, s ∈ R onde C = (c1, c2, c3) é constante. Logo o traço de β é uma recta. Com o exposto demonstrámos a seguinte proposição Proposição 14 Seja α : I ⊆ R → Rn , uma curva regular. O traço da curva é uma recta se e só se a curvatura for nula em todos os pontos. Exemplo 77 Determinar a curvatura da parábola y = x2 e estudar o modo como varia a curvatura. Consideremos a parametrização da parábola, α : R → R2 definida por α(t) = (t, t2). Segue-se que α′(t) = (1, 2t) e α′′(t) = (0, 2) . Deste modo ‖α ′(t)× α′′(t)‖ = ‖(1, 2t)× (0, 2)‖ = ‖(0, 0, 2)‖ = 2 Como v(t) = ‖(1, 2t)‖ = √1 + 4t2 segue-se que k(t) = 2(√ 1 + 4t2 )3 (4.7) Pela observação do gráfico da função k facilmente se verifica que a curvatura não se anula. É máxima para t = 0, isto é na origem a curvatura é máxima e vale 2. A curvatura tende para zero quando t −→ ±∞. Geometricamente isto significa que a parábola se assemelha a uma recta quando t −→ ±∞. 114 Cap. 4: Curvas 2 0 1,5 1 -2 0,5 0 -4 2 t 4 Figura 4.7: Curvatura da parábola y = x2 4.5 Curvatura e Torsão 115 Vejamos agora como calcular a curvatura quando a parametrização de que dispomos não é a parametrização pela função comprimento. Considere- mos primeiramente um caso particular, o caso em que o traço da curva está contido num plano. Proposição 15 Seja α : I ⊆ R → Rn , n = 2, 3, uma curva regular de classe C3. O traço da curva está contido num plano se e só se a torsão for nula em todos os pontos. Demonstração: Consideremos uma curva contida num plano P , da qual conhecemos a parametrização pela função comprimento. Então os vectores T (s) e N(s) geram um plano plano paralelo a P que contém a origem. Logo o vector binormal, B(s) = T (s) × N(s) , é constante. Assim B ′(s) = 0. Como a torsão se pode definir por B ′(s) = τ(s)N(s) segue-se que τ(s) = 0. Suponhamos agora que τ(s) = 0 para todo o s. EntãoB ′(s) = τ(s)N(s) = 0 e portanto o vector binormal é um vector constante B (s) = B0. Para con- cluir que o traço da curva está num plano basta verificar que o produto interno entre o vector posição e o vector binormal é constante, ou seja, que β(s) ·B0 = C Consideremos a função real de variável real definida por f(s) = β(s) · B0. Para mostrar que β(s) ·B0 = C basta mostrar que f ′(s) = 0. Ora f ′(s) = β′(s) ·B0 = T (s) ·B0 = 0 uma vez que o vector binormal é ortogonal ao vector tangente. Assim f ′(s) = 0 ⇒ f(s) = C logo o traço da curva está contido no plano (X − β(0)) ·B0 = 0 em que X = (x, y, z) cqd No caso de a curva não ser uma curva plana, isto é, no caso de ‖α ′(t)× α′′(t)‖ 6= 0 a torsão pode ser calculada usando a proposição seguinte que frequentemente é usada como definição de torsão: 116 Cap. 4: Curvas Proposição 16 Seja α : I ⊆ R → Rn , n = 2, 3, uma curva regular de classe C3. A torsão é dada por τ(t) = α ′′′(t)× α′′(t) · α ′(t) ‖α ′(t)× α′′(t)‖2 Exercício 14 Seja a > 0, b > 0 e c = √ a2 + b2. Considere a hélice parame- trizada pela função comprimento α : [0, 2pic] → R2 s 7→ (a cos s c , a sin s c , b s c ) Mostre que a torsão é constante e que τ(s) = − b c2 . Exercício 15 Calcule a torsão da hélice parametrizada por α : [0,+∞] → R2 t 7→ (cos t, sin t, t2) Observação: Muitos autores definem torsão como sendo o simétrico de τ , isto é, B′(s) = −τ(s)N(s).
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