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169 BARRAGEM EXECUTADA COM REJEITOS DE MINÉRIO DE FERRO R. G. Busch Geoconsultoria P. C. Abrão Geoconsultoria S. L. de Oliveira Geoconsultoria G. S. Abrão Geoconsultoria A. da C. S. Neto CVRD – Companhia Vale do Rio Doce RESUMO: A Companhia Vale do Rio Doce, na sua mina de Timpobepa (MG), encontra-se presentemente necessitando construir uma nova barragem de rejeitos. As condições locais, caracterizadas principalmente por topografia muito acidentada, e pouca disponibilidade de bons materiais de construção, levaram ao estudo de utilização de rejeitos como o principal material de construção; de acordo com os testes iniciais, estes se mostraram bastante adequados para a construção utilizando técnicas de aterro hidráulico, além de apresentarem boas propriedades de engenharia. As principais características do projeto elaborado são: uma barragem inicial, executada com solo, duas galerias extravasoras de concreto (operando em diferentes fases), e alteamento até uma altura total de cerca de 90 m com rejeitos, utilizando-se o método de linha de centro com algum deslocamento do eixo para montante. Neste artigo, são descritas as condições geológico- geotécnicas do local, os principais resultados das investigações geotécnicas de campo e laboratório, e os principais aspectos do projeto. 1. INTRODUÇÃO A barragem do córrego do Doutor destina- se à contenção de rejeitos provenientes da usina de concentração de Timbopeba, da Companhia Vale do Rio Doce, que beneficia minérios de ferro procedentes desta mina e da mina de Capanema. A produção de rejeitos a serem estocados é prevista em: · 1,93 x 106 t/ano de rejeitos de flotação; · 1,24 x 106 t/ano de lama (finos). Os rejeitos acima são descartados em forma de polpa com, respectivamente, 50 a 55 %, e 40 % de sólidos em massa. Estando próxima à exaustão a capacidade da barragem de Timbopeba, anteriormente destinada a essa finalidade, foi escolhido o vale do córrego do Doutor como nova área de disposição. Para o estudo do tempo de assoreamento do reservatório, foram adotados os seguintes valores médios de pesos específicos aparente secas: · 14 kN/m3 para os rejeitos de flotação; · 10 kN/m3 para a lama. Apesar de serem relativamente conservadores (baixos) os valores acima, a barragem projetada, que atingirá cerca de 90 m de altura na etapa final, propiciará uma vida útil para o reservatório de cerca de 25 anos. Em face das características do local, haverá necessidade de construir ainda 3 diques auxiliares, de menor altura. A obra será executada em etapas. Na fase inicial será executada uma barragem de terra homogênea com pouco mais de 30 m de altura, a qual será progressivamente alteada com rejeitos pelo método de linha de centro, com algum deslocamento do eixo para montante. A escolha desse método de alteamento deveu-se, por um lado a razões econômicas, já que as condições locais são muito adversas à 170 uma barragem convencional, seja pela escassez de materiais adequados, seja pelas condições topográficas, que implicam numa relação muito desfavorável entre os volumes de reservatório e de barragem; por outro lado, os rejeitos grossos gerados têm boas propriedades para execução de uma barragem construída pela técnica de aterro hidráulico, cujo custo é muito inferior ao de um aterro mecânico, especialmente quando se tratam de grandes volumes. A posição relativa dos eixos inicial e final, que implicou na utilização do denominado método de linha de centro, deveu-se às condições topográficas, além de propiciar esse método o atendimento de requisitos técnicos na construção da denominada zona estrutural da barragem, que é aquela a jusante do seu eixo. 2. ARRANJO GERAL DA BARRAGEM E RESERVATÓRIO Na Figura 1 é apresentado o arranjo geral da obra. Conforme se observa, a barragem dista cerca de pouco mais de 4 km em linha reta da usina de concentração. A cota da sua crista fica cerca de 200 m abaixo do pátio da usina, o que favorece a descarga dos rejeitos por gravidade. Os rejeitos serão conduzidos da usina até o reservatório por meio de 2 tubulações de PEAD com diâmetro interno de 355 mm, reduzindo para 305 mm no seu trecho final, para ambos tipos de rejeitos; essas duas tubulações correm juntas na maior parte da sua extensão. Os rejeitos finos (lama) serão descartados no reservatório no lado oposto à ombreira esquerda da barragem, a qual propiciará a pressão necessária para a operação de ciclonagem. Haverá sempre uma derivação para propiciar o lançamento de rejeitos grossos no reservatório quando não se estiver ciclonando. o perfil da tubulação terá inclinação média de 2,5 % na maior parte da sua extensão. No local previsto para a barragem principal, a cota do fundo do vale está pouco acima de 740. Na fase final, previu-se atingir a cota 830,o que gera a necessidade de construir Figura 1 - Arranjo Geral. 171 ainda 3 diques auxiliares; o primeiro deles situa-se na ombreira direita, e nada mais é do que a continuidade da barragem principal, formando com o eixo desta um ângulo próximo a 90°. Os dois outros diques situam-se em selas existentes, uma à direita e outra à esquerda da barragem principal. 3. CARACTERÍSTICAS DO LOCAL 3.1 Condições Geológicas A geologia local é caracterizada principalmente pela ocorrência de solos residuais de rochas do grupo Caraça (quartzitos e filitos), formação Gandarela (dolomitos, itabiritos dolomíticos), grupo Itabira (itabirito, itabiritos filíticos e dolomíticos) e formação Santo Antônio (quartzitos e filitos). A rocha propriamente dita encontra-se a profundidade demasiada para apresentar qualquer tipo de condicionamento do projeto. Existem ainda formações mais recentes, caracterizadas por cangas e lateritas superficiais, além de camada de aluvião relativamente espessa no fundo do vale, esta última de características predominantemente arenosas. No local da barragem o vale é assimétrico, tanto em relação às cotas superiores, como em termos de declividade das ombreiras. A ombreira direita apresenta cota máxima próxima a 825 m e declividade média de 30 %; a ombreira esquerda apresenta cota máxima bem mais elevada, superior a 1000 m, e declividade média de 20 %. O leito do córrego é relativamente plano, com baixa declividade no local devido ao grande assoreamento ocorrido, apresentando cota próxima a 743 m, e largura entre 8 e 15 m. A várzea apresenta largura entre 40 e 60 m, e apenas localmente atinge extensões maiores. 3.2 Condições Geotécnicas O mapeamento geotécnico é apresentado a seguir na Figura 2, enquanto na Figura 3 se apresenta uma seção pelo eixo da barragem principal. A fundação de barragem principal apresenta dois grandes compartimentos geotécnicos: o primeiro corresponde à região das ombreiras, acima da cota 746 m, aproximadamente; o segundo corresponde à região da várzea do córrego do Doutor. As ombreiras apresentam-se recobertas por uma camada de solo coluvionar, argilo-siltoso e argilo-arenoso, com pedregulhos dispersos, cores predominantes vermelho e amarelo, consistência mole a média, eventualmente muito mole. A espessura varia entre 1 e 4 m, com valor médio de 2 m. Na ombreira esquerda é comum ocorrer uma argila manganesífera, escura, assim como a presença de fragmentos duros de formação ferrífera no colúvio. Na margem direita ocorre localmente uma crosta endurecida, semelhante a uma canga laterítica Os ensaios de infiltração executados no colúvio mostram que o coeficiente de permeabilidade (k) varia de 0,7 x 10-6 a 2,9 x 10-4 cm/s. Os valores mais frequentes situam- se na faixa de 0,5 a 2,1 x 10-4 cm/s. Na região baixa, correspondente à várzea, ocorre uma espessa camada de solo transportado, de origem aluvionar. Na calha do córrego e na várzea, onde a mesma apresenta pequena largura, o aluvião é arenoso, composto por uma areia fina a média, com abundânciade hematita, com níveis bastante argilosos e também de areia grossa. Comumente ocorrem seixos e pedregulhos dispersos na areia. Na base a areia torna-se mais grossa, aumentando a quantidade de seixos. A cor predominante é cinzento, mas também amarelada. A areia apresenta-se fofa no topo, passando a pouco a medianamente compacta e até compacta na base. A espessura média do aluvião na calha do rio é de 8,0 m, reduzindo-se no sentido das ombreiras. Conforme apresentado nas seções, o contato entre o aluvião e o colúvio deve ser interdigitado, com o colúvio remontando no aluvião. Os ensaios para cálculo de permeabilidade, executados no aluvião arenoso, mostram valores de k entre 3,7 x 10-5 a 2,3 x 10-3 cm/s. Pouco a jusante do eixo da barragem ocorre um alargamento da várzea e o aluvião arenoso passa a ocorrer mais na calha do córrego, enquanto nas laterais da várzea o aluvião torna-se mais argiloso, com seixos e pedregulhos finos, consistência mole a muito mole, cor predominantemente vermelha. A 172 espessura varia entre 2 e 4 m. Ensaios de permeabilidade executados no aluvião argiloso indicaram coeficientes desde o impermeável até 3,4 x 10-5 cm/s. Sotoposto ao solo transportado, coluvionar nas ombreiras e aluvionar na várzea, ocorre o solo residual silto-arenoso a areno-siltoso, cores variadas, predominando o cinza e esbranquiçado, mas também amarelo e vermelho. Este horizonte de solo quase sempre é pouco estruturado no topo, mas em profundidade passa a apresentar uma foliação marcante, com mergulho médio entre 30 e 40°; é medianamente a pouco compacto, gradando em profundidade a compacto. O solo residual é produto de alteração sobre quartzo-filitos e quartzitos impuros, com intercalações de filito e formação ferrífera. A espessura do solo residual não foi definida neste estudo, visto que nenhuma sondagem penetrou na rocha. As investigações mostram que o solo apresenta grande espessura, superior a 20,0 m na várzea. Os ensaios de infiltração executados no solo residual, tanto nas ombreiras como na várzea, mostram valores de k entre o impermeável e 4,9 x 10-4 cm/s. Os valores mais frequentes variam de 1,0 x 10-5 a 1,2 x 10-4 cm/s. A área do dique auxiliar 1, que será a extensão da ombreira direita da barragem, formando ângulo próximo a 90° com o eixo da mesma, apresenta-se recoberta por uma delgada camada de solo coluvionar; de composição argilo-arenosa, com espessura entre 1 e 2 m no alto topográfico, espessando- se para jusante, até atingir 5,0 m a jusante do "off-set" da barragem. Os ensaios de infiltração neste colúvio mostram valores para o coeficiente de permeabilidade entre 1,7 x 10-6 e 0,7 x 10-5 cm/s. Sotoposto ao colúvio ocorre o solo residual siltoso a silto-arenoso, esbranquiçado a cinzento, medianamente compacto no topo, passando a compacto em profundidade, produto de alteração de quartzitos impuros, com intercalações de formação ferrífera. Os ensaios para cálculo do coeficiente de permeabilidade fornecem valores entre o impermeável e 4,3 x 10-5 cm/s. Figura 2 - Mapa Geológico-Geotécnico 173 Figura 3 - Seção pelo Eixo da Barragem Principal A área do dique auxiliar 2 é integralmente recoberta por um horizonte de solo coluvionar, argilo-arenoso, amarelado a cinzento; situação análoga ocorre na área do dique 3, que vem a ser apenas uma extensão da barragem na sua ombreira esquerda. Dados obtidos em diversos locais mostram que na região o solo residual apresenta-se, de modo geral, bem estruturado, com foliação dominante N20-40W/20-45NE. Os quartzitos que ocorrem na margem do córrego, já na área do reservatório, apresentam intenso desplacamento, mostrando anisotropia marcante. As áreas de empréstimo de solo ficarão localizadas na região do reservatório. As características geotécnicas nesses locais são semelhantes àquelas verificadas para as ombreiras da barragem principal e dos diques auxiliares. 3.3 Ensaios de Laboratório Para a elaboração do projeto foi executado um número relativamente grande de ensaios, que obviamente não cabe aqui repetir. Abordam-se apenas aqueles que têm uma importância maior no projeto. 3.3.1 Ensaios sobre Solos Aluvionares Esse é o caso do solo aluvionar na várzea do córrego, cuja remoção procurou-se evitar, pelo menos em parte, tendo em vista o alto custo que isto representaria. As amostras coletadas apresentaram granulometria de areia com finos em proporção variável, de 15 a 27% passando na peneira n° 200, em geral com comportamento não plástico. A fração arenosa tem constituição variável, predominando geralmente a areia fina. A densidade dos sólidos elevada - entre 30 e 33 kN/m3 - é indicativa da presença de hematita. Como não houve possibilidade de coleta de amostras indeformadas do material acima, fêz- se a moldagem de corpos de prova em laboratório com compacidade relativa de 25%, conforme se inferiu dos resultados dos SPT-T determinados em sondagens. Esses corpos de prova foram submetidos a ensaios triaxiais do tipo adensado-rápido com medida de pressão neutra, com saturação por contrapressão. Em face da baixa compacidade relativa, as envoltórias aparentes de resistência resultaram muito baixas; em termos de pressões efetivas, os resultados foram c' = 0 e f' = 22° para uma amostra, e c' = 15 kPa e f' = 17,5° para uma segunda amostra. Esses valores, de fato, correspondem aos picos de resistência durante os ensaios não drenados, e não à linha de estados críticos, que só é atingida após grandes deformações, em virtude da liqüefação do material. Foram também executados ensaios triaxiais em que se busca provocar a liquefação dos corpos de prova de acordo com técnica desenvolvida por Castro (1969). Os resultados são apresentados na Figura 4, em que se indica, para o momento da liquefação, o índice de vazios e a correspondente pressão confinante efetiva. As resistências que se verificaram para baixas compacidades relativas e numa condição eventual de liquefação situaram-se um pouco acima daquelas determinadas nos ensaios convencionais. Em face dos resultados acima, o projeto 174 previu a retirada desse tipo de material sob a barragem principal e dique inicial, até a profundidade em que se verifica o aumento da compacidade do mesmo, evidenciada pelo aumento da resistência à penetração do amostrador nas sondagens (além do cut-off do dique inicial). 0.50 0.52 0.54 0.56 0.58 0.60 0.62 0.64 0.66 0.68 0.70 0 20 40 60 80 100 120 140 Pressões confinantes efetivas na ruptura (kPa) Ín d ic e d e va zi o s CR = 45% CR = 30% CR = 15% CR = 60% Figura 4 - Ensaios de Liquefação sobre Solo Aluvionar Arenoso 3.3.2 Solos Coluvionares de Ombreiras da Barragem Principal e Diques Auxiliares Foram coletados 3 blocos de amostras em poços exploratórios numa profundidade de 2 m, onde ocorre solo coluvionar, normalmente de resistência menor que o solo residual subjacente. O objetivo de se pesquisar esse tipo de material é para verificar a possibilidade de ruptura ao longo do contacto do maciço com a sua fundação. O solo é do tipo fino, com mais de 50% da massa abaixo da peneira n° 200 (0,075 mm), de características siltosas. A resistência a cisalhamento, determinada em ensaios triaxiais em corpos de prova saturados, teve resultados muito variáveis das respectivas envoltórias, em termos de pressões efetivas. No caso da amostra do poço PI-101, localizado na ombreira direita da barragem principal, o resultado foi baixo, resultando um intercepto de coesão nulo e um ângulo de atrito de 27°. Já para o PI-102, localizado na ombreira esquerda, o resultado foi alto, com coesão de 30 kPa e ângulo de atrito de 33°; o resultado da amostra do PI-103, a jusante do dique 1, situou-se numa posição intermediária. 4. CARACTERÍSTICAS DOS REJEITOS Foram executados ensaios sobrerejeitos de flotação e lama com vistas principalmente ao uso previsto dos primeiros como principal material de construção da barragem principal e dique 1; além disso, foram executados ensaios sobre ambos materiais, destinados a permitir previsões do assoreamento do reservatório a ser criado. Tendo em vista as peculiaridades dos minérios, levou-se em consideração a sua diferente origem, na mina de Capanema e na mina de Timbopeba. 4.1 Rejeitos de Flotação Como em outras barragens, previu-se o emprego de ciclonagem para produzir rejeitos mais grosseiros do que aqueles gerados na usina de concentração, tendo em vista o seu emprego como material de aterro. Com esse intuito, foram realizados diversos testes de ciclonagem pela CVRD para prover amostras para os ensaios. Em cada teste coletou-se amostra da parte sólida da polpa de alimentação, do "overflow" e do "underflow" da ciclonagem, considerando-se que o "overflow" deverá situar-se na parte de montante da barragem, formando praia, e o "underflow" formará o maciço de jusante, que é a zona mais importante do ponto de vista estrutural. Em cada série de testes buscou-se, em tese, coletar um conjunto de amostras de rejeitos de Timbopeba (TO), um conjunto de Capanema (CM), e um conjunto de mistura dos dois rejeitos (CM + TO). Nas Figuras 5a e 5b apresentam-se resultados de ensaios de granulometria das diversas frações da ciclonagem para os testes denominados 1 (condições mais pessimistas, com material mais fino) e 4 (mais representativo das condições médias). PedregulhoGrossaMédiaAreia finaSilteArgila Alimentação (CM+TO-Teste 1) O/F (CM+TO-Teste 1) U/F (CM+TO-Teste 1) (ABNT) 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 100 0.001 0.01 0.1 1 10 100 400 270 10 4Peneiras (ASTM) 200 100 60 40 20 f (mm) Figura 5a - Curvas Granulmétricas Típicas dos Rejeitos de Flotação (Teste 1) 175 PedregulhoGrossaMédiaAreia finaSilteArgila Alimentação (CM+TO-Teste 4) O/F (CM+TO-Teste 4) U/F (CM+TO-Teste 4) (ABNT) 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 100 0.001 0.01 0.1 1 10 100 400 270 10 4Peneiras (ASTM) 200 100 60 40 20 f (mm) Figura 5b - Curvas Granulométricas Típicas dos Rejeitos de Flotação (Teste 4) As amostras de "underflow" mostraram granulometria mais uniforme que as de alimentação, como seria de esperar. Os diâmetros d10 (correlacionáveis com os coeficientes de permeabilidade) variaram de 0,037 a 0,048 mm; os coeficientes de não uniformidade resultaram na faixa de 2 a 3. Essas características, aliadas à ausência de coesão, traduzem uma suscetibilidade muito grande desses rejeitos à erosão. A fração de finos passantes na peneira n° 200 (0,074 mm) variou de 25 a 35%, uma faixa pequena considerando-se a diversidade na alimentação; da fração mais grossa, 100% passa na peneira 40. Já o "overflow" apresentou sempre mais de 90% passando na peneira 100, com variações bem mais acentuadas da fração passando na peneira 200, de cerca de 50 a 75%. Como consequência da alimentação, as partículas finas apresentaram diâmetros acima de 5 m, com 4 a 11% da massa total abaixo desse valor. Os coeficientes de permeabilidade do "underflow" situaram-se na faixa dos 10-4 cm/s. Em termos práticos, esses valores podem ser considerados como um limite inferior de permeabilidade onde torna-se viável, do ponto de vista prático, a execução de ciclonagem no corpo da barragem. São previsíveis algumas dificuldades executivas em função disto, já que a ordem de grandeza do tempo necessário à drenagem desse material, para passar do estado saturado a um teor de umidade que permita o manuseio, será de alguns dias. Os coeficientes de permeabilidade do "overflow" variaram na faixa de 10-5 a 10- 4cm/s, com diferença pequena dos correspondentes valores do "underflow", o que não é ideal do ponto de vista do projeto, que seria a existência de uma zona de montante de permeabilidade bem menor que a de jusante, para gerar o rebaixamento do lençol freático nesta última. Para os estudos de estabilidade da barragem foram feitos ensaios de compressão triaxial em corpos de prova saturados por contrapressão, do tipo adensados rápidos com medida de pressão neutra, e com deformações controladas. Esses ensaios têm sido empregados normalmente em projetos desse tipo para a determinação de envoltórias de resistência em termos de pressões efetivas (parâmetros c' e f'). No presente caso observou-se, conforme os gráficos da Figura 6, que ocorre o pico de resistência dos corpos de prova antes que seja atingida a linha de estados críticos. O ponto onde esse fenômeno ocorre é caracterizado por uma mudança relativamente abrupta na trajetória de tensões efetivas, quando ocorre diminuição da resistência e se desenvolvem grandes pressões neutras, até que essa trajetória atinja finalmente a linha de estados críticos, comportamento esse típico de liqúefação dos corpos de prova. Como o critério usual é considerar a ruptura como ocorrendo quando se atinge a máxima tensão axial, a ocorrência do fenômeno acima tende a falsear a determinação de envoltórias de tensões efetivas para o caso de solicitações drenadas, razão pela qual foram acrescentadas duas colunas à Tabela 1, em que se colocam os valores dos parâmetros c'CORR e f'CORR correspondentes à linha de estados críticos, além dos valores de c’ e f', correspondentes aos p icos de resistência para solicitações não drenadas. Como conclusão dos resultados dos ensaios triaxiais, adotaram-se os seguintes critérios para as resistências nos estudos de estabilidade: · a linha de estados críticos para as zonas do maciço não saturadas, onde não se considera a possibilidade de liquefação; · a envoltória determinada pela máxima tensão axial para zonas do maciço saturadas. A conclusão mais importante dos ensaios de resistência foi de que os rejeitos - "overflow" e "underflow" - apresentam suscetibilidade à liquefação mesmo para compacidades relativas médias (de 50% na maioria dos ensaios) e mesmo em ausência de vibrações (que é a 176 causa mais comum de liquefação). Como consequência disto, providências de projeto e execução deverão ser adotadas para prevenir esse tipo de ocorrência, de resultados catastróficos. Em tese, os tipos de providências para tal finalidade são drenagem e compactação, especialmente da zona de jusante da barragem. 4.2 Lamas As curvas granulométricas das lamas apresentaram pelo menos 95% das partículas passam na malha 400, sendo a lama de Timbopeba mais fina que a de Capanema. Para prever as condições de adensamento da lama no reservatório, foram realizados ensaios de adensamento, que requerem condições especiais em virtude da baixíssima consistência da lama quando do seu lançamento no reservatório. Na verdade, as lamas são deixadas inicialmente sedimentar, executando-se os ensaios de adensamento após remover-se a água decantada. Os ensaios de adensamento foram executados em oedômetro de 14 cm por 4 cm de altura, com deformações constantes. As curvas correlacionando as tensões efetivas com os índices de vazios são apresentadas na Figura 7. Os correspondentes coeficientes de permeabilidade variaram de 1 x 10-5 cm/s, no início dos ensaios, a valores inferiores a 10-7 cm/s na fase final. Observa-se que, para pressões efetivas muito baixas, como 1 kPa, o índice de vazios correspondente é 2, valor esse que, embora alto, torna-se baixo se comparado aos de outras lamas de mineração. Tendo em vista os altos valores de densidade dos grãos, de 4,1 a 4,2 g/cm3, resultaram densidades secas mínimas de 1,4 t/m3, o que também é bem mais do que o usual . 0 50 100 150 200 250 300 350 400 450 500 0 2 4 68 10 12 14 16 Deformação Específica Axial (%) A cr és ci m o d e P re ss ão A xi al ( kP a) Tensão Confinante=200 kPa Tensão Confinante=600 kPa Tensão Confinante=800 kPa 0 50 100 150 200 250 0 200 400 600 800 1000 (ss'1 + ss'3) / 2 (kPa) ( ss ' 1 - ss ' 3 ) / 2 (k P a) Tensão Confinante=200 kPa Tensão Confinante=600 kPa Tensão Confinante=800 kPa Figura 6 – Trajetórias dos Ensaios Triaxiais sobre amostras de U/F do Teste 4 (CM+TO) Tabela 1 - Resultados de Ensaios sobre Amostras de Rejeitos Caracterização Triaxial Amostra d (g/cm3 ) emáx emín Dr (% ) c (kPa) f (o) c' (kPa) f' (o) c'corr (kPa) f'corr (o) Alimentação (CM+TO-Teste 1) 3,303 - - - - - - - - - O/F (CM+TO-Teste 1) 3,206 0,887 0,427 30 10 8,5 6 15,8 0 36,7 O/F (CM+TO-Teste 1) 3,206 0,887 0,427 50 0 11,0 0 20,0 0 38,7 U/F (CM+TO-Teste 1) 3,099 0,893 0,472 50 90 25,5 25 31,5 - - Alimentação (CM+TO-Teste 4) 2,904 - - - - - - - - - O/F (CM+TO-Teste 4) 3,004 - - 50 0 14,0 0 17,0 10 20,0 U/F (CM+TO-Teste 4) 2,890 - - 50 0 11,0 0 22,0 0 32,0 177 Adensamento 0.0 0.5 1.0 1.5 2.0 2.5 1 10 100 1000 Tensão vertical (kPa) Ín d ic e d e va zi o s Capanema (CM) Timbopeba (TO) CM + TO Figura 7 - Ensaios de Adensamento sobre Lamas 5. PROJETO DA BARRAGEM 5.1 Dique Inicial e Fundação da Barragem Principal O dique inicial constitui-se de um maciço de terra compactada, a partir do qual será alteada a barragem com rejeitos ciclonados. A sua localização no vale foi definida de tal forma a conciliar a busca de um eixo que resultasse num menor volume de aterro, e que permitisse altear a barragem com eixo levemente deslocado para montante, para evitar que o pé de jusante atingisse aluviões inconsistentes da várzea do córrego. Por outro lado a sua cota de crista foi definida para garantir armazenamento de rejeitos durante pelo menos 1 ano de operação, enquanto se processar a ciclonagem dos mesmos e o conseqüente alteamento da barragem. Cotas de crista mais elevadas significariam tranqüilidade operacional, mas elevariam os custos de investimento com a construção do dique inicial. Dentro destas condicionantes, resultou um dique inicial com cota de crista 770 m, altura máxima de 25 m acima do fundo do vale atual, e comprimento de crista de 320 m. A seção transversal desse dique e da barragem principal é apresentada na Figura 8. O preparo de fundações consistirá essencialmente em escavações para a execução do "cut-off" e remoção de solo aluvionar fofo. Na área da várzea, ao longo do eixo, será escavada uma trincheira de vedação ("cut off"), com cerca de 5 m de profundidade. Desta trincheira para jusante, o aluvião na várzea será removido e recompactado, iniciando-se com espessura de 1,5 m e chegando a 2,5 m sob o enrocamento de pé da barragem principal. No sentido das ombreiras, sob a projeção da crista, além do solo superficial, o terreno será escavado com espessura de 1,0 m, onde indicado pelo projeto, buscando-se remover os solos superficiais de menor resistência. Previu-se também a compactação da superfície remanescente. Para o dique inicial previu-se apenas, como medida de drenagem interna, um tapete drenante no contacto com o terreno de fundação, composto por areia, com 1 m de espessura, estendendo-se na várzea e encontrando as ombreiras. Não foram julgadas necessárias medidas adicionais, tendo em vista o caráter essencialmente transitório desse dique, que será coberto por rejeitos a montante e jusante já na fase inicial de operação. Além do pé de jusante do dique, este tapete se conecta com outro tapete, agora do tipo sanduíche, representado por uma camada de brita, envelopada por camada de areia, que termina em um enrocamento de pé. Este tapete se estende na várzea, no sentido das ombreiras. Sobre o talude jusante do dique será formado um tapete contínuo de areia, que auxiliará na drenagem do "underflow" da ciclonagem, o qual se ligará ao tapete sanduíche da base. Além do tapete são previstos drenos de brita, com transições, distribuídos no terreno de fundação para as etapas de alteamento ("finger drains"). 5.2 Alteamento Como já referido, o alteamento do dique inicial será executado com "underflow" de ciclones na parte de jusante e "overflow" e rejeitos totais na parte de montante (praia). O método de alteamento selecionado é aquele referido como "linha de centro", levemente deslocado para montante. A partir de determinadas cotas no reservatório, para evitar fuga dos rejeitos para outras bacias de drenagem, será necessário construir os diques auxiliares 1, 2, e 3. O dique 1, dada sua dimensão e cota mais baixa, será alteado também com rejeitos, da mesma forma que a barragem principal. Os demais serão executados até sua cota final, em etapa única, com terra compactada. 178 Figura 8 - Seção Principal da Barragem O alteamento da barragem se processará pelo lançamento de U/F na parte de jusante e O/F na parte de montante. O U/F será espalhado com trator, devendo ser garantida sua compactação, até um valor de compacidade relativa mínima de 55% para minimizar os riscos de liquefação. O alteamento deverá se processar com incrementos de até 5 m. Pretende-se manter uma largura de praia a montante em torno de 100 m, do que resulta uma condição favorável de percolação a partir do reservatório; nesse aspecto, deve-se levar em conta também a água industrial lançada com os rejeitos durante a ciclonagem e na deposição em praia. Para o alteamento até a cota 775 m, o volume requerido de U/F é igual ao previsto de ser produzido, equivalendo a 25% da massa da alimentação. Para o alteamento acima da cota 775 m, o "alteamento possível" é superior ao "alteamento requerido", o que significa: · o tempo de operação da ciclonagem (turnos de trabalho) poderá ser reduzido; · se houver necessidade, há folga para se altear a barragem mais rapidamente para atender a uma situação de emergência. A razão de alteamento da crista requer valores entre 4 e 6 m/ano nos primeiros 4 anos de operação, decrescendo depois para a faixa de 2m/ano. Para a condição da altura final da barragem alteada com rejeitos, foram efetuadas análises de estabilidade e de percolação do maciço, cujos principais resultados foram coeficientes de segurança da ordem de 1,6 a 1,7, para a seção principal, e 1,5 a 1,6 para as ombreiras. Se, entretanto, for considerada a hipótese de liquefação do "overflow" a montante do eixo da barragem, esse valor tende a se reduzir a 1, o que reforça a necessidade de manutenção constante de uma razoável largura de praia, conforme previsto pelas especificações construtivas. 6. SISTEMA EXTRAVASOR Para a execução das obras iniciais, previu-se que as mesmas não deverão adentrar o período chuvoso, daí ser necessária apenas uma galeria de desvio constituída por tubos de concreto armado de 1,5 m de diâmetro. Para o período operacional, previu-se uma galeria de concreto armado na ombreira esquerda da barragem principal, conforme a Figura 1. Essa galeria terá seção retangular de 1,30 x 1,80 m, com emboques em cotas variáveis de 5 em 5 m, os quais serão tamponados à medida que o reservatório for sendo assoreado e a barragem alteada. No seu trecho final, haverá um canal a céu aberto, descarregando em um rápido, com uma bacia de amortecimento na sua extremidade. A galeria acima terá emboques até a cota 795. Quando essa cota for atingida pelos rejeitos, haverá necessidade de outra galeria em cota superior. 7. CONCLUSÕES A execução de barragens alteadas com rejeitos utilizando o método de linha de centro, como foi o caso ora apresentado, já vem sendo uma rotina em minerações brasileiras desde as últimas décadas, já estando algumas delas em fase de abandono. As experiênciastêm sido em geral muito bem sucedidas, atribuindo-se os insucessos normalmente a problemas com sistemas extravasores enterrados, cuja 179 execução, entretanto, torna-se geralmente inevitável. Ainda há campo para pesquisas e inovações, especialmente no que se refere ao problema de percolação no interior dos maciços de rejeitos e riscos de liquefação. No primeiro caso, as dimensões envolvidas tendem a encarecer demasiadamente sistemas de drenagem normalmente empregados em barragens convencionais, fazendo com que se tenha que lançar mão muitas vezes de "finger drains", além de se projetar zonas de permeabilidade diferenciada que facilitem o rebaixamento do lençol freático de montante para jusante. Como se tratam de obras executadas ao longo de muitos anos, nem sempre é possível prever corretamente as propriedades reais dos rejeitos ao longo do tempo. No caso de liquefação, tratando-se o nosso caso geralmente de região não sísmica, seriam desejáveis técnicas de ensaios e análises que permitam prever, com alguma simplicidade e confiabilidade, até onde se possa prescindir de compactação na execução dos maciços, requisito esse considerado praticamente um dogma na execução de aterros convencionais. 8. REFERÊNCIAS Castro, G. (1969). Liquefaction of Sands. Harvard Soil Mechanics Series No. 81. Harvard University, Cambridge, Massachussets.
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