Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
447 MONITORAMENTO DO COMPORTAMENTO DE LIXO EM CÉLULAS GEOTECNICAMENTE PREPARADAS F. F. Junqueira Departamento de Engenharia Civil – FT/Geotecnia, Universidade de Brasília E. M. Palmeira Departamento de Engenharia Civil – FT/Geotecnia, Universidade de Brasília RESUMO: No intuito de se acompanhar a evolução de uma massa de lixo aterrado, considerando os aspectos geotécnicos e relativos ao meio ambiente, foram preparadas duas células piloto, localizadas no Lixão do Jóquei Clube de Brasília, com sistemas de impermeabilização e drenagem projetados de maneira a garantir que todo o chorume produzido nas células pudesse ser analizado em épocas diferenciadas. Também os recalques existentes foram acompanhados por meio de instalação de placas de recalques posicionadas no tôpo da massa de lixo. As temperaturas reinantes dentro do monte foram acompanhadas por meio da instalação de termopares posicionados dentro do monte. A metodologia empregada permite gerar resultados representativos, e que possam ser extrapolados sem riscos de distorções para o contexto atual existente no lixão de Brasília. 1. INTRODUÇÃO O lixão de Brasília é uma área de 175 ha que vem sendo utilizada ha mais de 30 anos como principal local receptor do lixo produzido no Distrito Federal. Brasília é uma cidade que foi projetada para ter 500000 habitantes no ano 2000, no entanto, hoje a população já passa de hum milhão e meio de habitantes, com uma taxa de produção de lixo acima de 2200 t por dia. Esse crescimento na taxa de geração de lixo, aliado à falta de controle durante o processo de disposição final, acabou por comprometer a vida útil do lixão. A pequena espessura do lixo acumulado, bem como a excelente condição do solo local, no que diz respeito à atenuação natural dos contaminantes, evitaram que enormes danos fossem causados ao meio ambiente. Porém, a capacidade de atenuação do solo não é ilimitada, de modo que medidas de proteção ao meio ambiente devem ser implementadas o quanto antes. Iniciativas vem sendo tomadas envolvendo as autoridades locais e a Universidade de Brasília, no sentido de promover a remediação do atual lixão. Assim, é muito importante se ter conhecimento da evolução dos parâmetros geotécnicos e ambientais do lixo e seus produtos ao longo do tempo, para que as ações futuras sejam melhor planejadas. Esse trabalho vem justamente preencher a lacuna de dados existentes a respeito desses parâmetros na região, a partir do estabelecimento de uma metodologia que permita a geração de dados confiáveis, e que possam ser extrapolados para todo o lixão de Brasília, ou para qualquer outro do Brasíl que possua um contexto semelhante. 2. PREPARO DAS CÉLULAS PILOTO A área onde a pesquisa é realizada foi escolhida dentre uma das últimas áreas virgens existentes no lixão de Brasília, onde foram 448 preparadas duas células com dimensões de 12 m de comprimento por 5 m de largura e 2 m de profundidade, com taludes laterais 1:2, alcançando uma capacidade média de armazenamento de 65 m3 para cada célula. O sistema de drenagem e impermeabilização de cada célula foi diferenciado, para que comparações futuras de eficiência pudessem ser realizadas. Em ambas as células foi providenciado a instalação de caixas coletoras, responsáveis pelo armazenamento de todo chorume produzido. A seguir serão detalhados os procedimentos e os materiais utilizados para a drenagem e impermeabilização das células. 2.1 Sistema de Impermeabilização Para a célula C1, a impermeabilização começou com a compactação da camada de fundo, utilizando-se rolo pé de carneiro de 10 t. A seguir foi instalada uma camada de geomembrana de polietileno de alta densidade com 2 mm de espessura (Viapol). As paredes laterais da célula também foram impermeabilizadas com a utilização de geomembranas, evitando o contato direto do solo da parede com o lixo que seria posteriormente aterrado, uma vez que, caso esse contato direto existisse, poderia ocorrer a formação de um bulbo de contaminação a partir das paredes laterais. A célula C2 também teve o fundo compactado utilizando-se o mesmo equipamento da célula C1. Em seguida foi instalada uma camada de geomembrana de polietileno de alta densidade com espessura de 1 mm (diferentemente da geomembrana de 2 mm instalada em C1), essa diferenciação foi empregada para avaliações futuras de comportamento e eventuais danos a geomembrana. 2.2 Sistema de Drenagem Para a drenagem de chorume na célula C1, sobre a geomembrana foi instalada uma camada de georrede (Nortene), sob uma camada de geotêxtil. A georede apresenta uma gramatura de 1350 g/m2, possuindo aberturas em formato losangular com dimensões de 1,0 cm e 1,2 cm para os eixos do losango e 0,5 cm de espessura. Sobre a georrede foi utilizado geotêxtil não tecido tipo OP 30 (Bidim), com gramatura de 300 g/m2. O conjunto permite que haja um espaço vazio entre a geomembrana e o geotêxtil, por onde o chorume produzido escoa. A célula C2 teve seu sistema de drenagem composto por uma camada de areia com 25 cm de espessura. Essa camada de areia, além de função drenante possui a função de proteger a geomembrana de 1 mm contra possíveis danos mecânicos, o que provocaria perda na eficiência do sistema de impermeabilização. Em ambas as células, na região central, foi escavada uma vala com dimensões de 0,3 m x 0,3 m x 5,0 m, onde foi instalado tubo de PVC perfurados, envolto em britas. O tubo de PVC é o responsável por conduzir o chorume coletado desde o interior da célula até as caixas receptoras, localizadas na lateral das células, com capacidade para 1000 l de chorume. 3. ENCHIMENTO DAS CÉLULAS Uma vez preparadas as células, foi providenciado o enchimento com lixo nos dias 07 e 10 de Agosto de 1998. O lixo foi proveniente de duas cidades satélites localizadas no Distrito Federal, Gama e Sobradinho. A célula C1 foi aterrada com 44080 kg de lixo, com a maior parte do lixo sendo proveniente da cidade do Gama, enquanto a célula C2 recebeu 47780 kg, sendo a maioria do material proveniente da cidade de Sobradinho. A Tabela 1 ilustra a composição gravimétrica do lixo produzido nas mesmas. O lixo foi sendo lançado dentro das células e compactado em camadas por meio da utilização de um trator de esteira, atingindo-se a massa específica média de 0,7 t/m3 e uma espessura final de 2,0 m de lixo. Esse procedimento de compactação é usualmente empregado no lixão do Jóquei. Após o enchimento das duas células, foi lançada uma camada de cobertura com 60 cm de solo, com compactação via passagem de trator de esteira. A compactação da camada de cobertura não foi feita com controle de umidade ótima, uma vez que se pretendia simular a metodologia de cobertura utilizada normalmente nas atividades do lixão. 449 Tabela 1 – Composição gravimétrica do lixo das cidades do Gama e Sobradinho. (Junqueira, 1997) Tipo Gama % Sobrd. % Papel 12,47 9,89 Papelão 12,82 9,91 Plástico fino 10,91 12,46 Plástico duro 6,67 7,83 Matéria Orgânica35,94 46,60 Latas 4,14 3,03 Madeira 3,87 1,56 Outros 13,18 8,92 4. INSTRUMENTAÇÃO A instalação dos instrumentos que permitiram as avaliações de temperatura e recalque dentro do monte de lixo, foi feita durante as fases de preparo e enchimento das células. Para o monitoramento das temperaturas nas duas células, foram instalados quatro termopares, especialmente confeccionados para suportarem o ataque agressivo do chorume. Cada termopar foi instalado em uma porção no interior das células, de modo a se conhecer a temperatura em vários pontos. A avaliação dos recalques foi feita mediante a instalação de uma placa de recalque no centro de cada célula. Cada placa de recalque constitui-se de uma haste com comprimento variável rosqueada a uma base quadrada com 0,3 m de lado. A leitura dos recalques foi feita utilizando-se nivelamento topográfico. Nas duas células,as placas foram instaladas no topo da camada de cobertura. Como a sobrecarga imposta pela monte de lixo não era grande e, considerando que o terreno de base constituía-se de solo natural, não foi instalada placa de recalque na base da célula, assumindo-se como premissa que o recalque nesse ponto é desprezível. Na área de pesquisa foi instalado um Pluviógrafo, para que se tivesse a medição das precipitações ocorridas, uma vez que esse fator é de suma importância no processo de formação de chorume. O controle de vazão de chorume produzido nas células é feito por medição direta do volume de chorume estocado nas caixas coletoras. Para as análises químicas com o chorume a coleta é feita diretamente na saída do tubo que conduz as caixas coletoras. 5. RESULTADOS OBTIDOS 5.1 Recalques As leituras até a presente data indicam um crescimento contínuo dos recalques, com a célula C2 apresentando valores pouco mais elevados que a célula C1. A diferença pode estar relacionada com o fato de que a célula C2 recebeu uma carga maior de resíduos da cidade de Sobradinho, que possui teor de matéria orgânica em sua composição do lixo mais elevado do que o lixo proveniente da cidade do Gama, de onde foi coletado a maior parte do lixo para o enchimento da célula C 1. Assim, considerando que o recalque sofre influência direta da degradação da matéria orgânica, é explicável que a célula C 2, por possuir maior nível de matéria orgânica, possua também valores de recalques mais elevados. A Figura 1 ilustra o recalque nas duas células. Figura 1. Recalques medidos nas células C1 e C2. 5.2 Temperaturas Os termopares inseridos no interior do monte de lixo nas duas células indicam um início com predomínio de temperaturas elevadas, com posterior queda. Esse tipo de comportamento também foi observado em aterro sanitário no Rio Grande do Sul (Bidone, 1998), sendo explicado pela liberação de calor em função da atividade de microorganismos aeróbios, que se utilizam do alto grau de oxigênio disponível no início do processo de aterramento. Com a mudança nas condições de 450 oxigênio disponível, ocorrem também variações nas condições de temperatura. A temperatura ambiente não aparenta influenciar a temperatura no interior do monte. As Figuras 2 e 3 ilustram as temperaturas dentro do monte de lixo nas células C1 e C2. Figura 2. Temperaturas dentro do monte de lixo da célula C 1. Figura 3. Temperaturas dentro do monte de lixo da célula C 2 O decréscimo das temperaturas apontado em ambas as células também teve influência do início do período chuvoso, considerando o grande volume de água infiltrado nesse período, e o alto potencial calorífico da água, que troca calor com o lixo até que seja atingida uma temperatura de equilíbrio. 5.3 Produção de chorume Todo o chorume produzido nas duas células é coletado e armazenado nas caixas coletoras. O gráfico representado na Figura 4 mostra claramente que há um aumento considerável na quantidade e na taxa de chorume produzido nos meses de Novembro de 1998 e Março de 1999, onde ocorreram os maiores índices de precipitação. A célula C 2 teve a liberação de chorume produzido retardada, devido ao colchão de areia existente no fundo da célula. A camada de areia tende a reter o chorume produzido até que o gradiente hidráulico no seu interior seja suficiente para a liberação do chorume. No caso da célula C1, o sistema de drenagem geocomposto não produz qualquer tipo de retenção, de modo que o chorume é liberado mais prontamente, a medida que é produzido. Figura 4. Produção de chorume nas células C 1 e C 2 5.4 Análise Química do Chorume Com o intuito de acompanhar a evolução de certos parâmetros de contaminação do chorume, escolhidos de maneira estratégica, análises mensais vêm sendo realizadas envolvendo valores de Demanda Química de Oxigênio, Nitrato, Amônia e Cloreto, além do pH. A Demanda Química de Oxigênio (DQO) é um dos principais parâmetros de contaminação existentes no chorume, indicando a carga de matéria orgânica que é transportada e a quantidade de oxigênio necessária para sua estabilização. As análises de Nitrato e Amônia dão uma idéia da quantidade de oxigênio disponível no meio, uma vez que durante o processo de degradação da matéria orgânica, ocorre a formação de Amônia que em condições aeróbias é oxidada para Nitrato. Quando a condição anaeróbia predomina, o Nitrato sofre redução para Nitrito e posteriormente para gás 451 Nitrogênio (Sawyer et al, 1994). Assim, enquanto houver degradação da matéria orgânica em condições aeróbias ocorrerá o aumento dos níveis de Nitrato, devendo ocorrer uma diminuição nesses níveis com a mudança no ambiente dentro do lixo, passando de aeróbio para anaeróbio. A análise de cloreto é feita devido a grande mobilidade do íon, que não é facilmente retido no solo ou mesmo atenuado por processos biológicos. A grande utilidade da análise de cloretos está relacionado à sua capacidade de funcionar como traçador, indicando um possível avanço da pluma de contaminação. Assim, se em poços de monitoramento próximos a um aterro os níveis de cloreto forem elevados, a atenção deve ser redobrada para os demais contaminantes que, em função da menor mobilidade, podem vir em seguida. Por fim, as medidas de pH também são de vital importância, uma vez que o pH controla uma série de reações envolvendo os processos de atenuação natural do chorume pelo solo, sendo que determinados elementos podem ser mais ou menos móveis em função do pH, caso dos metais pesados. As Figura 5 a 7 dão uma idéia da evolução dos parâmetros descritos anteriormente com o tempo. Figura 5. Análises do chorume de C 1 Os gráficos mostram que o ambiente aeróbio ainda predomina nas duas células, com aumento constante dos valores de Nitrato e Amônia. Os índices de Cloreto também são bastante elevados, indicando que o uso desse elemento como traçador para denunciar o avanço da pluma de contaminação é apropriado. A célula C 1 apresentou valores de pH pouco mais ácido do que a célula C 2, porém ainda predomina valores próximos a neutralidade em ambas as células. Figura 6. Análise de chorume de C 2 Figura 7. Demanda Química de Oxigênio de C1 e C 2 Os valores de DQO são muito elevados para as duas células, representando um enorme risco para a contaminação de águas subterrâneas, caso ocorra a percolação e, sem considerar a absorsão pelo solo. Deve ser notado que a célula C 2 possui praticamente todos os parâmetros analisados com valores menores do que a célula C 1, considerando que a principal diferença entre as duas células é a existência de um colchão de areia na célula C 2, pode-se concluir que a areia vem absorvendo parte dos contaminantes. A continuação das análises mostrará se o poder de retenção da areia decresce com a percolação contínua do chorume. 6. CONCLUSÕES A infra-estrutura montada para a pesquisa foi feita de tal maneira que permitisse a produção de dados representativos, principal problema existente quando se trabalha com lixo. O enchimento das duas células foi feita de 452 maneira semelhante ao que é feito normalmente no aterro, bem como a quantidade de lixo aterrado é significativa (cerca de 45 t por célula). O processo de recalque continua a acontecer nas duas células, sendo que até o presente momento o recalque medido em ambas as células é de cerca de 10% sendo que o recalque na célula C 1 é pouco menor que na célula C 2, o que pode ser explicado pela presença de maior quantidade de matéria orgânica na célula C 2. As temperaturas dentro das duas células apresentaram valores elevados logo após o aterramento, com posterior declínio, que pode ser associado ao excesso de oxigênio disponível no início do processo, favorecendo as atividades microbiológicas aeróbias, que liberam energia sob a forma de calor durante o processode degradação da matéria orgânica. Outro fato importante que contribui para a redução das temperaturas é o início do período chuvoso, uma vez que a percolação da água por dentro da massa de lixo provoca troca de calor, até que seja atingida uma temperatura de equilíbrio próxima a temperatura ambiente. A produção de chorume teve seu pico durante os meses de novembro e março, quando ocorreram as maiores precipitações. A célula C 2 teve a liberação do chorume retardada, devido a presença do colchão do areia que reteve o chorume até que sua capacidade de campo fosse excedida, porém, após o início da liberação, a produção de chorume nas duas células foi similar. As análises químicas mostraram que a matéria orgânica existente nas células continua em pleno processo de degradação, com predomínio de um ambiente aeróbio, 7. REFERÊNCIAS Bidone F. R. Cotrim S. L. (1988): “Perfil de Temperaturas em Células de Aterros Sanitários Destinados ao Tratamento de Resíduos Sólidos Urbanos”. Anais do II Simpósio Internacional de Qualidade Ambiental – Gerenciamento de Resíduos e Certificação Ambiental. Porto Alegre Junqueira F.F, et all (1997): “Determinação da Composição do Lixo de Algumas Localidades no distrito Federal”. Anais da 24a Reunião da ASSEMAE, Brasília-DF Sawyer C. McCarty P. Parkin G. (1994): “Chemistry for Environmental Engineering”. McGrow-Hill series in Water Resources and Environmental Engineering. Fourth edition. Singapure 8. AGRADECIMENTOS Os autores gostariam de registrar seus agradecimentos a Nortene Ltda., Bidim – BBA Geossintéticos e Viapol Impermeabilizantes Ltda. pelo fornecimento dos materiais geossintéticos empregados nessa pesquisa. Os autores agradecem também ao Serviço de Limpeza Urbana do Distrito Federal, Laboratório de Geoquímica da Universidade de Brasília e Laboratório de Análise de Águas da Universidade de Brasília, pelo apoio e suporte às atividades de pesquisa.
Compartilhar