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1 MÓDULO 1: O ESTUDO DA SEMÂNTICA Como a nossa disciplina trata da semântica e da estilística, para efeito de compreensão, descreveremos esses conceitos separadamente, embora ambos estejam ligados na produção e/ou interpretação de um texto, pois os significados constroem-se por meio de recursos que a língua nos propicia. Então, iniciaremos pelo estudo da semântica e o que esta implica para depois passarmos a estudar o que diz respeito à estilística. Para entendermos o que seja semântica, é preciso compreendermos a evolução dos estudos em termos de linguagem. Nesse sentido, em um primeiro momento houve a crença de que o referente seria o objeto no mundo, externo à linguagem, ou seja, de que o homem nomeasse as “coisas” do mundo independentemente de sua inserção sócio-histórica ou cultural nesse mundo. Para essa visão da linguagem, “as línguas naturais seriam como que nomenclaturas apensas às coisas de um mundo discretizado, recortado”, segundo PIETROFORTE & LOPES (2003:112). Em um segundo momento, porém, de estudos da linguagem, passou-se a verificar que os conceitos são determinados pelo discurso e não por meio de um referente dado previamente, externo à linguagem. Dessa forma, as palavras somente ganhariam significado se inseridas no contexto de comunicação, visto que elas não têm uma relação direta com o objeto que significam. Pense, por exemplo, nos conceitos de céu e inferno. O que significa cada um deles? Isso dependerá do contexto em que se insere. Do ponto de vista do discurso religioso, podem lhe ser atribuídos o sentido de prêmio vs. castigo, ao passo que para um indivíduo poderia representar o estado interior de turbulência ou de calmaria. Sabendo que a semântica é o estudo sistemático do sentido nas línguas naturais, devemos compreender que cada maneira de construir a teoria da linguagem resulta em uma semântica peculiar. Há uma semântica do referente, de tradição lógico-gramatical, herança dos filósofos gregos, em que acredita-se que as palavras remetem aos conceitos e que estes, por sua vez, representam as coisas. Nessa concepção, os conceitos são garantidos pelas coisas do mundo, denominadas referentes e, assim, o mundo é o mesmo para todos. A semântica do referente trabalha com essências, em que há um visão una do objeto, relegando o problema da interpretação a um segundo plano. Nessa perspectiva, os conceitos são universais, portanto imutáveis para todo e qualquer ser humano, visto que não importa em que cultura este foi nascido e criado. Já uma outra vertente, de influência retórica-hermenêutica, transfere o eixo da produção do sentido para o que se passa “de homens para homens” e não simplesmente entre linguagem humana e mundo. Isso quer dizer que, sob essa perspectiva, a produção de sentido é um fenômeno humano, em que há um fazer persuasivo do locutor e um fazer interpretativo do interlocutor. 2 No final do século XIX, início do século XX, os estudos de Saussure influenciaram a visão que se tinha sobre a palavra e o conceito. Nesse sentido, é preciso retomar o que seja o signo linguístico postulado por ele. Saussure defendia que as duas faces do signo linguístico são o significante e o significado, atribuindo ao primeiro a imagem acústica reconhecida pelo falante e ao segundo, o conceito que ele tem do objeto. Não podemos nos esquecer de que a visão saussuriana tinha por pressuposto a arbitrariedade do signo linguístico, ou seja, de que os signos seriam convenções sociais. Nessa perspectiva, hoje, em uma visão sócio-interacional, tanto a palavra quanto o conceito tornam-se variáveis de acordo com a inserção sócio-histórica das expressões que estejam em relevância, visto que se pressupõe a ação humana na construção do sentido, o que não era previsto por Saussure Do mesmo modo, é preciso destacar a noção de verdade vs. falsidade que o olhar não referencialista leva-nos a ter sobre o mundo. Nessa perspectiva, atual, que insere o sujeito no contexto de construção dos significados, a verdade é construída pelos homens e, por isso, torna- se múltipla, variável em função dos pontos de vista humanos. Nesse sentido, não há mundo objetivo, dotado de referentes e de acontecimentos os quais são refletidos pela linguagem, o que há é um mundo de sentido construído pelo homem. Nessa concepção, a semântica deixa de lado as noções lógicas e se aproxima de questões relacionadas à visão retórico-interpretativa, para a qual interessa o que é dito, como é dito e que efeitos influem sobre o interlocutor. Há, entretanto, diferentes pontos de vista que delimitam os estudos da semântica. Como já fora dito, há um primeiro baseado na visão estruturalista de vertente saussereana que define o significado como um a unidade de diferença, em que o significado de uma palavra define- se por não ser outro significado. Por exemplo, janela define-se por não ser porta. Já para a semântica formal, o significado compõe-se de duas partes, o sentido e a referência. Dizer, por exemplo, a janela da casa ou a janela do escritório implica em relações diferentes do mesmo objeto. Nessa perspectiva, do modelo lógico, a relação da linguagem com o mundo é fundamental. Para a semântica da enunciação, o significado constrói-se no jogo argumentativo criado na e pela linguagem. O exemplo dado, janela, pode significar as diversas possibilidades de encadeamentos argumentativos das quais a palavra pode participar. O significado será a soma das suas contribuições em inúmeros fragmentos de discurso. Pode-se obter “Abri a janela”; “Há uma janela entre uma reunião e outra”, e assim por diante. Há, ainda, uma vertente denominada semântica cognitiva, que vê a palavra como uma estrutura prototípica, ou seja, para a palavra em questão, janela, há conceitos pré-linguísticos que aparecem nas práticas discursivas, todavia esse conceito define-se pelo membro mais emblemática: um elemento de abertura. 3 Como se vê, dependendo do ponto de vista para o mesmo objeto, temos um estudo diferente, Daí termos de considerar a semântica em seu sentido plural. Para um entendimento inicial sobre o assunto, faremos uma descrição da semântica no nível da léxico e no nível da forma de organização linguística para a produção de significados, lembrando que esse estudo não se esgota aí. Semântica lexical À semântica lexical cabe estudar o significado das palavras de uma língua. Desse modo, podem-se utilizar os princípios da descrição dos dois planos – o dos significantes (plano da expressão) e o dos significados (plano do conteúdo), pelos quais a fonologia descreve as unidades do plano da expressão, decompondo-os em traços distintivos. Por exemplo, o fonema /p/ apresenta os seguintes traços : +oral, +oclusivo, +bilabial, enquanto /t/ é +oral, +oclusivo, -bilabial/+dental. Os dois fonemas distinguem-se no último traço, pois um é bilabial e o outro é dental. Da mesma maneira, os traços distintivos do conteúdo, denominados semas, podem ser assim exemplificados: Lexema Sema poltrona cadeira sofá 1. Para sentar-se + + + 2. Com pés/elevado sobre o solo + + + 3. Com encosto + + + 4.com braços + + + 5.de material rígido - + - 6.para uma pessoa + + - In RAMOS, Rita Simone Pereira [et al]; Coord. Luiz Fernando M. de Carvalho; Org. Jorge Máximo de Souza. Língua Portuguesa: semântica. Rio de Janeiro. Ed. Rio, 2006. Esse tipo de descrição denomina-se análise componencial ou sêmica. Ela é feita com base na presença e/ou ausência dos traços distintivos, os semas. O conjunto destes define-se por semema. Cada lexematem, portanto, no mínimo um semema. No dicionário, normalmente os diferentes semas são identificados por números. Por exemplo, o semema de “vaca” comporta os semas: boi + fêmea +adulto. Entretanto, os traços semânticos têm uma gradação no continuum, que, de acordo com Bernard Pottier (apud PITROFORTE &LOPES, 2003: 122), “leva das propriedades objetiváveis (α) às subjetivadas (µ):” 4 α µ esse caderno é: grosso volumoso bonito OBJ. (normas definíveis em termos relativos) SUBJ. Veja que os semas de caderno vão do mais objetivo ao mais subjetivo, o que pode ocorrer com sememas de um lexema, uma vez que estes podem variar de um contexto a outro, ou seja, uma mesma palavra pode variar seu significado de acordo com o contexto. É o que ocorre em textos nos quais a subjetividade influi sobre a construção dos significados das palavras, como os literários, os poéticos. Para exemplificar, vejamos uma análise feita por RAMOS (2006): A autora parte do lexema branco, extraído do dicionário Houaiss: 1. “Que apresenta a cor da neve recém-caída [...] 2. Cuja cor é produzida por reflexão, transmissão ou emissão de todos os tipos de luz conjuntamente, na proporção em que existem no espectro visível completo, sem absorção sensível, sendo assim totalmente luminoso e destituído de qualquer matiz distintivo. (2005) “ Em seguida, compara o mesmo lexema a um texto jornalístico, cujo título é “Agora é branco”, extraído da Revista Isto É, em que ele sofre alterações, pois a reportagem trata de um encontro de líderes do Partido dos Trabalhadores para rever o programa do partido e adequá-lo à realidade do governo Lula. A vertente referencialista, isto é, que vê o conceito relacionado ao referente no mundo, acredita em um grau zero da linguagem, isto é, na objetividade das palavras, no sentido “literal” delas. Nessa perspectiva, a linguagem reflete o mundo objetivo e o que se desvia desse grau zero é chamada conotativa ou figurada. Todavia, a partir do conceito de signo desenvolvido por Saussure, vemos que a linguagem produz efeitos de sentido, não é simplesmente reflexo das coisas do mundo. É no discurso, portanto, que se constroem as figuras como metáforas, metonímias e outras. Há duas formas de associação entre o sentido habitual e o sentido novo de uma palavra. A primeira diz respeito a uma relação de semelhança entre o significado de base e o novo, que se denomina metáfora. Se a associação ocorre por meio de uma relação de contiguidade, implicação, interdependência, tem-se, então, o que se denomina metonímia. No campo lexical, as palavras definem-se umas em relação às outras e, nesse processo de estruturação do sistema lexical, elas estabelecem diversos tipos de relação, a saber: a sinonímia, a antonímia, a hiperonímia, a hiponímia, a homonímia, a paronomásia e a polissemia. Estes serão objeto de estudo no próximo módulo. 5 MÓDULO 2: SEMÂNTICA LEXICAL Semântica e léxico: a construção do significado por processos como a sinonímia, a antonímia, a hiperonímia/hiponímia, a homonímia e a polissemia Palavras lexicais e palavras gramaticais Na língua, podemos observar as palavras tanto do ponto de vista gramatical quanto do ponto de vista semântico e/ou estilístico. Daí, temos uma primeira classificação em palavras gramaticais e palavras lexicais, de acordo com o uso e o contexto dessas palavras. Se observarmos os fenômenos linguísticos resultantes do uso da palavra, bem como da organização sintática das frases, teremos muitos deles em ocorrência nos diversos gêneros textuais, tais como a sinonímia/antinonímia, a polissemia/homonímia, a hiponímia/hiperonímia, bem como a ambiguidade, a paráfrase, entre outros. Nesse módulo veremos os primeiros conceitos. Sinonímia(vs. antonímia), homonímia, polissemia A sinonímia São sinônimos dois termos que podem um substituir o outro em determinado contexto. Embora eles possam se substituir no mesmo contexto, não são sinônimos perfeitos porque as condições de uso serão determinadas pelo discurso. Selecionar um verbo, por exemplo, como amar ou adorar, implica em saber o contexto que determinará essa escolha, pois cada um compreende um grau de intensidade de gostar. Por outro lado, o discurso pode desfazer sinonímias. É o que ocorre com as palavras belo, sublime e bonito, no exemplo que se encontra no texto de PIETROFORTE & LOPES (2003:126): O Belo decorre do equilíbrio resultante da perfeita combinação de todos os elementos esteticamente relevantes. O Sublime nasce da exacerbação do Belo. Ele é alcançado, segundo Kant, quando ao Belo aliam-se elementos que trazem à consciência certa idéia de infinito. Há nesta categoria uma grandiosidade que ultrapassa a dimensão humana. O Bonito é a forma diminuída do Belo; é o apoucamento do Belo. Não alcança a harmonia e a realização cabal deste. Antônio Xavier Teles – Introdução ao estudo da filosofia. (1974).São Paulo, Ática, p.113 A antonímia 6 Este processo é contrário ao da sinonímia, uma vez que não há oposição absoluta entre antônimos, do mesmo modo em que não há semelhança total entre sinônimos. No léxico encontramos, entretanto, significados que são contrários. Quando dizemos feio vs. bonito, alto vs. alto, por exemplo, torna-se fácil reconhecer a oposição de sentido. Todavia, a antonímia vai além disso. Há palavras que não são a princípio opostas, mas que podem se tornar no contexto. O autor Rodolfo Ilari (2002), lembra-nos de contextos, como o político, em que em que a oposição do significado das palavras está relacionado a períodos diferentes da história e, por isso, remetem às oposições entre eles. São os casos de parlamentaristas vs. presidencialistas, monarquistas vs. republicanos, por exemplo. A oposição entre as palavras antônimas pode ter origem diversificada, pois pode ser estabelecida ao indicar, por exemplo, posições diferentes em uma escala (frio vs .quente) , ou delimitar início e fim de um mesmo processo (nascer vs. morrer) e assim por diante. O importante é observar a construção dos significados pela linguagem, não nos esquecendo de que os sentidos se constroem na interação produtor-texto-leitor. Homonímia e polissemia Às vezes torna-se difícil distinguir um fenômeno do outro. No entanto, mesmo parecidos, o que pode distinguir um do outro é o fato de a homonímia ser da ordem do significante, enquanto a polissemia é da ordem do significado. O exemplo clássico de homonímia é o uso de manga, que no plano da expressão (o significante) é a mesma palavra, mas que pode designar uma fruta ou uma parte do vestuário – camisa ou blusa. Há homônimos que mudam a grafia, como cessão, sessão, seção. Há outros, ainda, que podem mudar a classe gramatical, como passe (substantivo) e passe (verbo passar). De qualquer maneira, é o contexto que determinará o significado da palavra utilizada. Já na polissemia uma mesma palavra admite vários significados, que são apreendidos como extensões de um sentido básico. Coloquemos em destaque a palavra flor. Vejamos o exemplo: Maria, aquela flor de menina, encantou-me. O mesmo referente foi nomeado como Maria e, em seguida, retomado como “flor de menina”. Nesse caso, entendemos que o significado da palavra é polissêmico e se dá pelaextensão do sentido básico. Paronomásia 7 Esse fenômeno consiste na aproximação dos significados pela semelhança dos significantes. Isso pode ocorrer ou por engano do falante ou por recurso expressivo em textos poéticos. No primeiro caso, temos como exemplo o uso dos verbos retificar e ratificar, nos quais há uma alteração fonética pela troca de um /e/ por um /a/, mas que têm significados diferentes. Já em construções poéticas, esse recurso pode ser utilizado como construção de figura de linguagem. Veja esse recurso nos versos de uma composição de Chico Buarque de Holanda: A Rita levou meu sorriso/Levou seu retrato, seu trapo, seu prato... A hiperonímia e a hiponímia Ao se estabelecerem as relações entre as palavras em determinado contexto, pode haver um processo de hiperonímia ou de hiponímia. O primeiro constitui no uso de lexemas que englobam os significados de outros, os quais são denominados hiperônimos. Já o segundo diz respeito aos lexemas que particularizam o sentido do primeiro. Nesse caso, denominam-se hipônimos. Como exemplo, podemos ter flor como hiperônimo e margarida, rosa, violeta como hipônimos. Entretanto, ressalta-se que é preciso haver essa relação de termo englobante e termos englobados para que se estabeleça o processo de hiperonímia e/ou hiponímia. EXERCÍCIO O tom pejorativo da palavra politicalha é decorrente do: a) valor expressivo do radical b) valor expressivo da vogal temática c) valor expressivo do afixo d) valor expressivo do afixo e do prefixo e) valor expressivo do sufixo Resposta: e MÓDULO 3: CAMPOS SEMÂNTICOS Sabendo que a semântica é o estudo sistemático do sentido nas línguas naturais, devemos compreender que cada maneira de construir a teoria da linguagem resulta em uma semântica peculiar. Há uma semântica do referente, de tradição lógico-gramatical, herança dos filósofos gregos, em que acredita-se que as palavras remetem aos conceitos e que estes, por sua vez, representam as coisas. Nessa concepção, os conceitos são garantidos pelas coisas do mundo, denominadas referentes e, assim, o mundo é o mesmo para todos. 8 A semântica do referente trabalha com essências, em que há um visão una do objeto, relegando o problema da interpretação a um segundo plano. Nessa perspectiva, os conceitos são universais, portanto imutáveis para todo e qualquer ser humano, visto que não importa em que cultura este foi nascido e criado. Já uma outra vertente, de influência retórica-hermenêutica, transfere o eixo da produção do sentido para o que se passa “de homens para homens” e não simplesmente entre linguagem humana e mundo. Isso quer dizer que, sob essa perspectiva, a produção de sentido é um fenômeno humano, em que há um fazer persuasivo do locutor e um fazer interpretativo do interlocutor. A análise componencial tem por princípio que a significação das palavras constitui-se de unidades menores, denominadas "semas", as quais repetem-se nas palavras que fazem parte de um mesmo conjunto, ou de um mesmo campo semântico. Como exemplo, pensemos em um animal como o cão. Ele apresenta semas do tipo +quatro patas; +com pelos; +late etc. Cada porção do significado corresponde a um sema e o agrupamento deles dará o todo que se define pelo signo linguístico denominado palavra. Os elementos básicos de semântica que serão abordados e aplicados nos exercícios, você pode encontrá-los nas obras básicas indicadas a seguir: ILARI, Rodolfo. Introdução à semântica - brincando com a gramática . São Paulo, Contexto,2006. ____________.Introdução ao estudo do Léxico - brincando com as palavras. São Paulo: Contexto, 2002. MÓDULO 4- ESTILÍSTICA DO SOM Como já enunciado anteriormente, a Estilística também será foco de nossos estudos. Essa disciplina tem por objeto de estudo o estilo. No entanto, para estilo há vários conceitos e podemos afirmar que a Estilística enquanto ciência pode ser dividida nas seguintes áreas: estilística da língua; estilística literária; estilística como sociolingüística; estilística funcional e estrutural; estilística e retórica. Para efeitos didáticos, nossos estudos serão divididos em estilística do som, estilística da palavra, estilística da frase e estilística da enunciação.Trata-se da proposta que se encontra no livro-texto indicado na bibliografia básica, abaixo descrita: MARTINS, Nilce Sant’Anna. Introdução à Estilística: A expressividade na Língua Portuguesa. 4 ed. São Paulo: EDUSP, 2008. Portanto, iniciemos com o conceito de Estilística do Som ou Fonoestilística : Também chamada de Fonoestilística, trata dos valores expressivos de natureza sonora observáveis nas palavras e nos enunciados. Fonemas e prosodemas (acento, entoação, altura e ritmo) constituem um complexo sonoro de extraordinária importância na função emotiva e poética, segundo Martins (2000). Segundo Martins (2000), a estilística do som é também chamada de Fonoestilística. Trata dos valores expressivos de natureza sonora observáveis nas palavras e nos enunciados. Fonemas e prosodemas (acento, entoação, altura e ritmo) constituem um complexo sonoro de extraordinária importância na função emotiva e poética. 9 Os sons podem sugerir ideias ou impressões, provocar sensações de agrado e/ou desagrado. É o que se pode denominar “motivação sonora”, quando há alguma correspondência entre som e significado. Por exemplo, a vogal /u/ pode estar relacionada à ideia de escuridão nas palavras escuro, noturno; todavia, isso não acontece em luz, diurno. Quando ocorre a interseção de um significante e um significado, temos a metáfora fonética, assim como na metáfora semântica ocorre a interseção de significados – o de um comparante e o de um comparado. Desse modo, conforme a insistência em sons de valor expressivo, podemos obter as seguintes figuras de som: aliteração, assonância, homeoteleuto etc. 2.3.1Aliteração É a repetição insistente dos mesmos sons consonantais (no início ou integrantes da sílaba tônica). Exemplos: “Jabuticaba Caju Maracujá Pipoca Mandioca Abacaxi é tudo tupi tupi guarani” ( Tu tu tu Tupi, de Hélio Ziskind). 2.3.2 Assonância É a repetição insistente dos mesmos sons vocálicos. Exemplo: Jundiaí Morumbi Curitiba Parati ( Tu tu tu Tupi, de Hélio Ziskind). 2.3.4 Homeoteleuto e rima Homeoteleuto: repetição de sons no final das palavras; aparecimento de uma terminação igual em palavras próximas, sem obedecer a um esquema regular, ocorrendo ocasionalmente numa frase ou verso. Exemplo: “Cassiano pensou, fumou, imaginou, trotou, cismou, e, já a duas léguas do arraial (...)” ( Sagarana, Guimarães Rosa, p. 143). Eco: homeoteleuto não intencional, não estético, que se costuma considerar um vício de linguagem. Rima: coincidência de sons, geralmente nos finais das palavras. Exemplo: “O índio andou pelo Brasil deu nome pra tudo que ele viu Se o índio deu nome, tá dado! Se o índio falou, tá falado!” ( Tu tu tu Tupi, de Hélio Ziskind) 2.3.5 Anominação Consiste no emprego de palavras derivadas do mesmo radical – em uma mesma frase ou em frases mais ou menos próximas (exemplo: sonho sonhado). 2.3.6 Paronomásia Figura pela qual se aproximam palavras que oferecem sonoridade análoga com sentidos diferentes; é um jogo de palavras, um trocadilho (de que pode resultar até um efeito humorístico). Exemplo: “Tão mal cumprida tão mais comprida...”. 2.3.7 OnomatopeiaÉ a reprodução de um ruído ou a tentativa de imitação de um ruído por um grupo de sons da linguagem. É a transposição na língua articulada humana de gritos e ruídos inarticulados. Esse é um recurso bastante utilizado em histórias em quadrinhos. 2.3.8 Harmonia imitativa 10 Estende-se ao longo de um enunciado, de um fragmento de prosa, de um poema, e resulta de um aglomerado de recursos expressivos: peculiaridades dos fonemas, repetições de fonemas, de palavras, de sintagmas ou frase, do ritmo do verso ou da frase. Veja, por exemplo, o poema “Os sinos”, de Manuel Bandeira: “Sino de Belém, pelos que inda vêm! Sino de Belém bate bem-bem-bem. Sino da paixão, pelos que lá vão! Sino da paixão bate bão-bão-bão”. A aliteração do /b/ e a reiteração de vocábulos labiais evocam fonicamente o tanger dos sinos. A onomatopeia bem-bem-bem sugere o som metálico e alegre “pelos que inda vêm” (os batizados); bão-bão-bão, o dobre de finados “pelos que lá vão” (os mortos). Além desses recursos expressivos, que constituem figuras de linguagem no nível fonético, ou seja, as figuras de som, podemos encontrar outros recursos que não compreendem necessariamente figuras, mas que caracterizam estilos no uso da língua. Vejamos alguns exemplos a seguir. 2.3.9 Alterações fonéticas A estilística fônica trata de alterações fonéticas que têm valor expressivo. 2.3.9.1 Metaplasmos Por supressão, acréscimo, por troca e por permuta. Exemplo: arvre (árvore), aspro (áspero), pobrema (problema), guentar (aguentar), embonecrado (embonecado), etc. correspondem a tendências ainda vigentes na língua, perceptíveis na fala popular e coibidas na língua culta. 2.3.9.2 Alterações fonéticas em autores regionalistas São formas populares cujas funções são as de marcar o nível cultural das personagens ou da língua arcaica ainda existente em zonas rurais ou dos sertões. Esses processos correspondem a: ?acréscimo de fonemas no interior de vocábulo (murucego); ?(b) o acréscimo de /s/ no final de certas palavras ( nuncas); ?(c) supressão de som nas várias partes dos vocábulos (dianta, manhecer); ?(d) supressão da vogal átona (pré ou postônica): escrafuncar (escarafunchar); ?(e) forma diminutiva em –im (riachim, passarim); ?(f) troca de fonemas por vocalização, nasalação, dissimulação, etc.; ?(g) troca do [r] por [l]: militriz; ?(h) permuta ou mudança de posição de fonemas, mais frequentemente com o [R], como em enterter, agardecer, entre outros. 2.3.9.3 Alterações fonéticas na poesia Na poesia, a metrificação dos versos está relacionada à sonoridade, que determina as sílabas poéticas, formadas por supressão ou fusão de sons vocálicos. Daí temos os seguintes fenômenos: ??crase (fusão de duas vogais iguais): “Eu não esper o o bem...”; ??elisão (desaparecimento da vogal final de uma palavra ante a vogal inicial da palavra seguinte: “Alma serena e casta...”); ??sinalefa (fusão da vogal final de uma palavra, reduzida a semivogal, com a vogal inicial da palavra seguinte, formando um ditongo): “Tudo quanto afirmais...”; ??eclipse (elisão ou sinalefa de vogal nasal; restringe-se praticamente ao encontro da preposição com e o artigo, variando a gra.a: com o, co’o, co); ??hiato entre vocábulos: usado pelos românticos, condenado pelos parnasianos, por deixar o verso frouxo; em certos casos, realça determinada palavra ou obriga a se emitir o verso num tom pausado. Meu/ can/to/ de/ mor/te, Gue/rrei/ros/, ou/vi:” (Gonçalves Dias) Há casos em que o hiato torna-se ditongo, fenômeno denominado sinérese, como, por exemplo, em “E o Piaga se ruge/No seu Maracá” (Gonçalves Dias). As vogais formariam um hiato em se tratando de sílaba comum, mas tornam-se ditongo na métrica da sílaba poética. O inverso também ocorre, e um ditongo desdobra-se em hiato. A esse fenômeno denomina-se diérese. Esse recurso contraria a tendência da língua de reduzir os hiatos. 11 Devemos considerar, ainda, recursos fonéticos que já não se encontram no segmento da língua, mas no nível suprassegmental, porém, que podem alterar a mensagem, conforme a expressividade que podem marcar. Vejamos: 2.3.10 Prosodemas ou traços suprassegmentais Acento: função distintiva – assim como a entoação, tem função intelectiva (frase afi rmativa ou interrogativa, por exemplo) e presta funções expressivas importantes. É o caso do acento de duração, que não tem função fonológica, mas expressiva, e na língua escrita pode ser marcada pela repetição de grafemas (rrrolar), por exemplo. Pode, ainda, haver a intensidade de pronúncia marcada em uma sílaba para expressar emoção, energia, duração inusitada (exemplo: Ela é maravilhosa!). Entoação: é a curva melódica que a voz descreve ao pronunciar palavras, frases e orações. Um nome próprio, por exemplo, com diferentes entoações, pode ter múltiplos significados, que devem ajustar-se ao contexto. É a entoação que indica se as nossas palavras estão no sentido próprio ou no oposto, se estamos sendo sinceros ou irônicos. Sinais de pontuação e entoação: ponto final, vírgula, ponto-e-vírgula, travessão, parênteses, ponto de interrogação, de exclamação, reticências sugerem diferentes inflexões, mas têm em comum a indicação de uma pausa, precedida de queda, suspensão ou elevação da voz. A supressão de sinais de pontuação esperados pode ter efeito estilístico, permitindo, inclusive, múltiplas leituras. 2.3.11 Ortografia A ortografia pode marcar, na escrita, recursos expressivos. Assim, o emprego das maiúsculas, por exemplo, que foge ao Acordo Ortográfico, pode sugerir respeito, admiração, sentimento religioso ou cívico, acatamento de autoridade (Pai, Mestre, Sacerdote, Pátria, etc.). Da mesma forma, o uso da minúscula, no início de nomes próprios, expressa a subversão à ordem, o que tem um valor semântico específico, de acordo com o contexto. Módulo 5 - Semântica formal O estudo da semântica torna-se muito amplo quando se entende que esta estuda o significado das línguas naturais. É preciso considerar que, dependendo do ponto de vista, a noção de significado pode mudar. Portanto, entende-se que esse estudo pode ser realizado de vários ângulos. A semântica formal, todavia, parte do princípio de que é preciso conhecer as condições de verdade de uma sentença para sabermos o seu significado. Esse ponto de vista tem por base a concepção de signo linguístico postulada por Frege, que o entende como a união de uma referência (aquilo do que se fala) e um sentido (o modo de apresentação do objeto). Conhecer o significado de uma sentença é, portanto, nessa perspectiva, conhecer suas condições de verdade, o que significa conhecer as circunstâncias em que a sentença pode ser considerada verdadeira ou falsa. A referência constitui o modo de se referir ao objeto a que se refere. Para tanto, temos outras possibilidades que vão além do uso do léxico simplesmente. As regras sintáticas, por exemplo, podem contribuir para que isso ocorra. Nesse sentido, se temos os seguintes enunciados: (a) João ama Maria. (b) Maria ama João. Podemos entender quem é objeto e quem é o sujeito do verbo pelas construções sintáticas, tornando os elementos ora agente, ora paciente da ação enunciada pelo verbo amar. Além 12 disso, existem algumas maneiras de se referir a indivíduos no mundo. É o caso, por exemplo, do jogador de futebol, atualmente em destaque, que já foi referido pela mídia de diferentes formas: “Ronaldinho”, “o fenômeno”, “o gorducho”. Essas formas definidas de se referir ao mesmo indivíduo são reconhecidas pelo brasileiro devido às condições que as tornam verdadeiras. Portanto, verificamos que a verdade não está relacionada ao que é inerente ao ser referido, mas à construção dela no contexto social em que ele se encontra. Torna-se relevante, portanto,diferenciar referência de sentido. No exemplo dado, sabemos que todas as expressões apontam para o mesmo indivíduo no mundo, ao jogador de futebol que se chama Ronaldo. Esta é a referência. No entanto, cada uma das expressões tem um sentido diferente, pois elas nos informam que o indivíduo Ronaldo pode ser encontrado no mundo por caminhos diferentes. Esses contextos que permitem a substituição de termos com a mesma referência são denominados contextos referenciais ou extensionais (em oposição ao que é intensional, isto é, encontra-se na dimensão do próprio enunciado). Assim, deve-se observar que há as relações semânticas tanto no nível das palavras quanto no das sentenças, e algumas delas são estabelecidas entre os sentidos das expressões, ao passo que outras se estabelecem entre suas referências. Acarretamento e pressuposição No nível da palavra, quando temos a hiponímia e a hiperonímia, observamos que há o significado de uma palavra contido no significado de outra. Pode-se, então, transferir essa noção para o nível da sentença para se chegar à noção de acarretamento. Vejamos os exemplos: (c) João continua fumando. (d) João fuma desde adolescente. A informação descrita no enunciado (d) está contida no enunciado (c), o que nos leva a afirmar que (d) é hipônimo de (c), isto é, a afirmação em (c) acarreta a afirmação em (d). No entanto, a hiponímia pode ser estabelecida entre sentidos, ao passo que o acarretamento se estabelece exclusivamente entre referências. Isso quer dizer que uma sentença acarreta outra se a verdade da primeira garante a verdade da segunda ou a falsidade da segunda garante a falsidade da primeira. A noção de acarretamento leva à noção de pressuposição, pois ambas estão relacionadas ao que se denomina implicação. Assim, por exemplo, dizer que (e) implica (f) é apenas sugerir que (f) seja verdadeira: (e) Hoje tem sol. (f) Hoje é dia de praia. Afirmar que a verdade de (e) torna verdade a sentença (f) é apenas provável, mas não necessariamente verdadeiro. A noção de pressuposição vai além do conteúdo informacional da sentença, está relacionada às condições de uso determinadas pelo discurso. Pode-se dizer que uma informação é pressuposta quando ela se mantém mesmo que seja negada. Por exemplo, se alguém disser que o aparelho parou de falhar depois que foi levado ao conserto, concluímos que o aparelho falhava antes, e se dissermos que o aparelho não parou de falhar mesmo depois de levado ao conserto, também concluímos que ele falhava antes. A pressuposição está, pois, ligada às estratégias de orientação argumentativa no discurso. Assim, por meio do que o falante seleciona como pressuposto e o apresenta, pode direcionar a argumentação manifestada no texto. Ambiguidade A ambiguidade é estabelecida quando se pode atribuir mais de um sentido ao que foi dito. E isso pode ocorrer em relação ao significado das palavras, ou devido à construção sintática da sentença ou, até mesmo, pela forma como se faz referência no texto. Veja o exemplo: “- Oi, Helda. Cadê o Hagar? - Ele tá no trono. - O que um plebeu como Hagar tá fazendo no trono?” A palavra trono produz ambiguidade, e o personagem a entende em seu sentido literal, o que rompe com a coerência e leva ao humor do texto. Entretanto, a ambiguidade pode correr na organização sintática da sentença ou ainda na referenciação. Vejamos: (g) O policial prendeu o ladrão da viatura. 13 O sintagma “da viatura” produz ambiguidade. Pode-se entender que foi o local em que o policial prendeu o ladrão ou que este havia roubado uma viatura. (h) João encontrou sua carteira na rua. O pronome possessivo é um elemento anafórico que pode retomar o sujeito da oração, “João”, ou pode estar se referindo a uma terceira pessoa do contexto situacional. Para finalizar esse tópico, vejamos algumas manchetes encontradas em jornais, nas quais há ambiguidade: “Von Poser mostra imagens captadas a bordo de dirigível”. “Lula vê PT ‘insano’ e diz ‘pôr a mão no fogo’ por Mercadante”. “Candidato do PT interpela vice de Serra no Supremo”. Temos, então, na construção de sentido dos textos, fatos linguísticos e extralinguísticos que contribuem para que o texto não se torne cansativo por apresentar informações explícitas do início ao fim, por exemplo. Para tanto, verificamos o sentido figurado dos significados construídos no texto, o qual está relacionado às questões relativas a pressuposto, subentendido e implícito. Tomemos como exemplo a seguinte afirmativa: O pneu do carro parou de trepidar. O pressuposto é que o pneu trepidava antes. A informação implícita é a de que o carro estava com problemas e, portanto, deveria ser arrumado. Como subentendido, pode-se dizer, então, que não será mais preciso levar o carro à oficina mecânica. Consulte a mesma obra de ILARI, sugerida na b MÓDULO 6: FIGURAS DE PALAVRAS Segundo Martins (2000: 71), “ A Estilística léxica ou da palavra estuda os aspectos expressivos das palavras ligados aos seus componentes semânticos e morfológicos, os quais, entretanto, não podem ser completamente separados dos aspectos sintáticos e contextuais”. Há duas formas de associação entre o sentido habitual e o sentido novo de uma palavra. A primeira diz respeito a uma relação de semelhança entre o significado de base e o novo, que se denomina metáfora. Se a associação ocorre por meio de uma relação de contigüidade, implicação, interdependência, tem-se, então, o que se denomina metonímia Na construção do sentido dos textos, temos que considerar o sentido figurado das palavras. Para tanto, veremos algumas figuras de palavra, sobretudo as figuras básicas - metáfora e metonímia - as quais compreendem processos que originam outras figuras. A Metáfora “... uma comparação em que o espírito, induzido pela associação de duas representações, confunde num só termo a noção caracterizada e o objeto sensível tomado como ponto de comparação...”, segundo Bally (apud MARTINS, 2000: 92) 14 Bally agrupa as expressões figuradas em três grupos: imagens concretas, sensíveis, imaginativas; imagens afetivas; imagens mortas. Exs.: a) imagens concretas: “O vento engrossa sua grande voz”. b) imagens afetivas: “O doente declina dia a dia.” c) imagens mortas: escrúpulo, do latim scrupulu (designava uma pedrinha usada para pesar coisas pequenas; passou a designar a honestidade do negociante que não queria causar ao freguês o menor prejuízo, genaralizando-se o seu sentido para o de “meticulosidade”). Enfim, “as imagens concretas são apreendidas pela imaginação, as afetivas pelo sentimento ou pelos sentidos e as mortas por uma operação intelectual...” Segundo Ullmann, o termo imagem é o mais geral e abrange metáfora e símile (em casos mais raros a metonímia). O símile se distingue da comparação gramatical, intensiva, por relacionar termos de diferente nível de referência, isto é, termos de natureza diferente. Ex. O homem era forte como um touro. No símile podemos ter quatro elementos explícitos: o comparado ou termo real (homem), o comparante ou termo irreal, imaginário, metafórico (touro), o análogo, que explicita o ponto comum entre os dois termos (forte) e o nexo gramatical (como). Na linguagem falada essas comparações intensificadoras são freqüentes, comopor exemplo em “Surdo como uma porta”; “Liso como sabão” etc. Em certas expressões, o comparante ressalta a ironia : “Sutil como um elefante”. O nexo comparativo mais usual é como, mas são numerosos os torneios equivalentes, inclusive palavras nocionais como verbos, sendo alguns mais característicos da linguagem popular (que nem, feito) e outros da linguagem culta (tal, à semelhança de, análogo a). Exemplos selecionados por Martins: <!--[if !supportLists]-->a) <!--[endif]-->“Estrondeavam pragas, qual um bafo do inferrno” (José Américo, A bagaceira, p. 193) <!--[if !supportLists]-->b) <!--[endif]-->“Isso de querer-bem da gente é que nem avenca peluda, que murcha e, depois de tempo, tendo água outra vez fica verde”. (G. Rosa. Sag., p. 216) <!--[if !supportLists]-->c) <!--[endif]-->“Os olhos dela brilhavam reproduzindo folha de faca nova”. (G. Rosa, Urubuquaquá, p. 140) A metáforapode ocorrer com substantivos, adjetivos e verbos, mas a metáfora de substantivo é mais comum. Nesse tipo de metáfora tem-se a relação entre dois substantivos (A, termo real; B, termo imaginário), entre os quais se encontram traços comuns (semelhança). Para que haja metáfora, os termos comparados devem pertencer a universos diferentes. Como, por exemplo, ao dizer “Jorge é um touro”, há implícita a comparação entre o homem e o animal, entre os quais é estabelecido um traço de semelhança, no caso, de forte ou de violento. Nas metáforas lexicalizadas, mortas, o termo B substitui o termo A, com perda do teor expressivo; a metáfora torna-se um processo denominativo (catacrese) como, por exemplo, 15 em minhocão (elevado na cidade de São Paulo), orelhão (telefone), borboleta(catraca ou roleta dos ônibus), tartaruga (saliência nas ruas para forçar os carros a diminuírem a velocidade) etc. No caso de metáforas de adjetivo e de verbo, estas se caracterizam pela inadequação lógica ou não-pertinência ao substantivo com que se relacionam sintaticamente. São exemplos: palavras ocas, caráter reto, nota preta, mesada gorda, arrotar grandeza etc. Na atribuição de juízos de valor, a metáfora pode ser utilizada para expressar exagero, indicando exaltação ou depreciação e tem um papel importante na expressão da ironia. Vejamos o anúncio publicitário: A metáfora é a alteração do sentido de uma palavra, pelo acréscimo de um significado segundo, quando entre o sentido de base, e o acrescentado há uma relação de semelhança, de intersecção, isto é, quando eles apresentam traços semânticos comuns. Sendo assim, no texto publicitário acima, a metáfora ocorre ao comparar o produto com liberdade. A frase “Red Bull te dá asas” e a imagem de um homem com asas reforçam essa comparação. A Metonímia Segundo Michel Le Guerri (apud Martins, 2000: 102) “é a figura pela qual uma palavra (substantivo) que designa uma realidade A é substituída por outra palavra que designa uma realidade interdependência, que une A e B, de fato ou no pensamento." Vemos, portanto, que a metáfora se estabelece por semelhança, ao passo que a metonímia se dá por contigüidade. 16 No dia a dia encontramos expressões metonímicas e nem nos damos conta desse recurso expressivo da língua. É o caso de “ter um teto para morar”, “ o pão nosso de cada dia” , entre outras. Todavia, trata-se de um recurso muito utilizado para produzir a beleza de um texto poético. Veja os exemplos: “Na verdade a mão escrava Passava a vida limpando O que o branco sujava, ê” (A mão da limpeza de Chico Buarque de Holanda e Gilberto Gil) “Quero ser a cicatriz Risonha e corrosiva Marcada a frio Ferro e fogo Em carne viva...” ( Tatuagem de Chico Buarque e- Ruy Guerra) Figuras ANACOLUTO Ruptura da ordem lógica da frase. É um recurso muito utilizado nos diálogos, que procuram reproduzir na escrita a língua falada. Também permite a caracterização de estados de confusão mental. Ex:"Deixe-me ver... É necessário começar por... Não, não, o melhor é tentar novamente o que foi feito ontem." ANÁFORA Repetição sistemática de termos ou de estruturas sintáticas no princípio de diferentes frases ou de membros da mesma frase. É um recurso de ênfase e coesão. Ex:Vi uma estrela tão alta, Vi uma estrela tão fria! Vi uma estrela luzindo Na minha vida vazia. (Manuel Bandeira) ANTÍTESE Aproximação de palavras de sentidos opostos. Ex: Na ofuscante CLARIDADE daquela manhã, pensamentos SOMBRIOS o perturbavam. ASSÍNDETO É a coordenação de termos ou orações sem utilização de conectivo. Esse recurso costuma imprimir lentidão ao ritmo narrativo. Ex: "Foi apanhar gravetos, trouxe do chiqueiro das cabras uma braçada de madeira meio ruída pelo cupim, arrancou touceiras de macambira, arrumou tudo para a fogueira." (Graciliano Ramos) CATACRESE P alavra que perdeu o sentido original. Ex: salário (= pagamento que era feito em sal) secretária (= móvel em que se guardavam segredos) azulejos (= ladrilhos azuis) ELIPSE O omissão de um ou mais termos de uma oração, o qual se subentende, se presume. Ex: Ao redor, bons pastos, boa gente, terra boa para se plantar. (Omissão do verbo HAVER) "Canto triste" (Vinicius de Moraes): "Onde a minha namorada? Vai e diz a ela as minhas penas e que eu peço, peço apenas que ela lembre as nossas horas de poesia...". ("está", "anda" etc.). É bom lembrar que existe um caso específico de elipse, que alguns preferem chamar de "zeugma". Trata-se da omissão de termo já citado na frase. 17 Ex: "Ele primeiro foi ao cinema, depois, ao teatro". "Eu trabalho com fatos; você, com boatos". EUFEMISMO O Dicionário "Houaiss" diz que é "palavra, locução ou acepção mais agradável, de que se lança mão para suavizar ou minimizar (...) outra palavra, locução ou acepção menos agradável, mais grosseira...". O "Aurélio" diz que é "ato de suavizar a expressão duma idéia substituindo a palavra ou expressão própria por outra mais agradável, mais polida". Ex: Ontem, Osvaldo partiu dessa pra melhor (em vez de "morreu") Este trabalho poderia ser melhor (em vez de "está ruim"). Às vezes, a suavização é feita pela negação do contrário. Para que não se diga, por exemplo, que determinado indivíduo é burro, diz-se que é pouco inteligente, ou simplesmente que não é inteligente. Esse caso, que contém forte dose de ironia, chama-se "litotes". É bom que se diga que com a litotes não necessariamente se suaviza. Para que se diga que uma pessoa é inteligente, pode-se dizer que não é burra: "Seu primo não é nada burro". Em suma, a litotes é "modo de afirmação por meio da negação do contrário", como define o "Aurélio". HIPÉRBOLE É bom observar que no extremo oposto do eufemismo está a "hipérbole". Se com aquele suavizamos, atenuamos, abrandamos, com esta aumentamos, enfatizamos, exageramos. Ex: Eu já disse um milhão de vezes que não fui eu quem fez isso! Ela morreu de medo ao assistir aquele filme de suspense. Hoje está um frio de rachar! Aquela mãe derramou rios de lágrimas quando seu filho foi preso. Não convide o João para sua festa, porque ele come até explodir! Os atletas chegaram MORRENDO DE SEDE. GRADAÇÃO Consiste em encadear palavras cujos significados têm efeito cumulativo. Ex: Os grandes projetos de colonização resultaram em pilhas de papéis velhos, restos de obras inacabadas, hectares de floresta devastada, milhares de famílias abandonadas à própria sorte. Ao ler o poema de Manuel Bandeira, verificamos a gradação:O bicho, de Manuel Bandeira: Vi ontem um bicho Na imundície do pátio Catando comida entre os detritos. Quando achava alguma coisa, Não examinava nem cheirava: Engolia com voracidade. O bicho não era um cão, Não era um gato, Não era um rato. O bicho, meu Deus, era um homem. Na estrofe: O bicho não era um cão,/ não era um gato,/ não era um rato, verificamos a gradação: cão --- gato ---- rato; ou seja, o poeta vai do maior bicho para o menor bicho. No último verso, encontramos a palavra homem: cão ---- gato ---- rato ---- homem o homem, nessa gradação, está abaixo do rato. Quanto ao sentido dessa gradação, o poeta coloca o homem abaixo do rato para mostrar a situação de miséria do ser humano. 18 HIPÉRBATO É a inversão da ordem natural das palavras. Ex: "De tudo, ao meu amor serei atento antes" (ordem indireta ou inversa) Em vez de "Serei atento ao meu amor antes de tudo" (ordem direta) IRONIA Consiste em, aproveitando-se do contexto, utilizar palavras que devem ser compreendidas no sentido oposto do que aparentam transmitir. É um poderoso instrumento para o sarcasmo. Ex: Muito competente aquele candidato! Construiu viadutos que ligam nenhum lugar a lugar algum. PERÍFRASE Uso de um dos atributos de um ser ou coisa que servirá para indicá-lo. Ex: Na floresta, todos sabem quem é o REI DOS ANIMAIS. A CIDADE MARAVILHOSA torce para um dia sediar os Jogos Olímpicos. PLEONASMO Repetição, no falar ou no escrever, de idéias ou palavras que tenham o mesmo sentido. É vício quando empregado por ignorância: Subir para cima; é figura quando consciente, para dar ênfase à expressão. Ex: A MIM só me restou a esperança de dias melhores. POLISSÍNDETO É o uso repetido da conjunção (do conectivo), entre elementos coordenados. Esse recurso costuma acelerar o ritmo narrativo. Ex: "O amor que a exalta e a pede e a chama e a implora." (Machado de Assis) "No aconchego Do claustro, na paciência e no sossego Trabalhe, e teima, e lima, e sofre, e sua!" (Olavo Bilac) PROSOPOPÉIA ou PERSONIFICAÇÃO (ou ainda METAGOGE) Consiste em atribuir características de seres animados a seres inanimados ou características humanas a seres não-humanos. Ex: "A floresta gesticulava nervosamente diante do lago que a devorava. O ipê acenava- lhe brandamente, chamando-o para casa." As estrelas sorriem quando você também sorri. Leia o divertido poema de Vinícius de Moraes: O ar (o vento), de Vinicius de Moraes: Estou vivo mas não tenho corpo Por isso é que não tenho forma Peso eu também não tenho Não tenho cor Quando sou fraco Me chamo brisa E se assobio Isso é comum Quando sou forte Me chamo vento Quando sou cheiro Me chamo pum! Além da onomatopeia "pum" no final do poema, outro recurso estilístico é a figura prosopopeia. Todo o poema está na voz do próprio vento, que se apropria da palavra e fala no texto. 19 SILEPSE Figura pela qual a concordância das palavras se faz de acordo com o sentido, e não segundo as regras da sintaxe. A Silepse pode ser de pessoa, número ou gênero. Ex: "Os brasileiros somos roubados todos os dias." "A turma chegou cedo, mas, depois que foi dado o aviso de que o professor se atrasaria, desistiram de esperar e foram embora". "Turma, turma, venham". "São Paulo está assustadíssima com a brutalidade "Porto Alegre é linda". "Porto" "Que será de nós, com a bandidagem podendo andar soltos por aí". SINESTESIA A proximação de sensações diferentes. Ex: Naquele momento, sentiu um CHEIRO VERMELHO de ódio. MÓDULO 7 - Figuras de construção É por meio da sintaxe que quem fala ou escreve escolhe entre os tipos de frase, de acordo com as regras gramaticais, mas esse processo não está relacionado apenas ao domínio gramatical mas também ao domínio estilístico. A frase veicula valores expressivos em potencial nas palavras, que adquirem seu sentido explicitado e o seu tom particular – neutro ou afetivo. À Estilística interessa tanto a combinação das regras estabelecidas pela norma gramatical quanto os desvios dela que constituem traços originais e expressivos. Como unidade de comunicação, a frase exprime um sentido, encerra um conteúdo, que corresponde à sua função. Daí a classificação em: declarativa (em que o emissor exprime um fato que a seu juízo é verdadeiro ou falso; marcada por entonação descendente que corresponde ao ponto final), exclamativa (que realiza a função emotiva, em que o falante deixa transparecer sentimentos variados, com entonação ascendente), imperativa (que realiza a função apelativa, em que o falante exprime um fato desejável ou indesejável numa ordem, num pedido, numa súplica), interrogativa (é simultaneamente emotiva e apelativa, de entonação variável conforme tenha ou não palavra interrogativa). Denomina-se, geralmente, oração a frase de estrutura binária (sujeito + predicado). Portanto, a frase pode ou não ser oração, ser completa e incompleta, explícita e implícita. O mais comum, porém, é que um discurso se constitua de mais de uma frase, havendo entre elas elementos de coesão como conjunções, vocábulos anafóricos, elipse, vocábulos repetidos, sinônimos ou pertencentes a um mesmo campo de significação. O adjetivo predicativo do sujeito alterna frequentemente com o advérbio, tirando os estilistas proveito dessa dupla possibilidade. É o que se vê no exemplo selecionado por Martins (2000:136): “A neve caía, levemente.” “A neve ia caindo direta e vaga....” “A neve caía desfeita e branca.” 20 “A neve caía, contínua, silenciosa.” (Prosas bárbaras, em Obras de Eça de Queiroz, p. 569-75) Há também a possibilidade de haver ou não uma pausa entre o sujeito e o verbo dos vários tipos de frase. Isso quer dizer que a ligação entre os dois elementos da frase pode apresentar graus, variando a estrutura rítmica. Exemplo: O menino brincava. O menino, brincava. / O menino, ele brincava. A segmentação é, freqüentemente, acompanhada de uma inversão e de um pleonasmo: “Ele é interessante, esse livro.” Esse procedimento é eminentemente expressivo, em que ambas partes ganham relevo e é usual na língua falada. Qualquer termo, além do sujeito, pode ser destacado na oração, tornando-se tema do enunciado. Outro recurso sintático é a elipse: brevidade da expressão resultante de alguma coisa que sedeixou de dizer, ou por se ter dito em outra frase, oração ou sintagma, ou por outra razão de ordem afetiva ou estética. Exemplos: “ Os mangues da outra margem jogam folhas vermelhas na corrente. Descem como canoinhas. Param um momento ali naquele remanso.” (Sag.p. 192) A elipse de palavras gramaticais é a que geralmente ocorre, visto que a relação ou determinação que elas exprimem é dedutível da própria significação dos termos expressos. Exemplos.: “Mulher perguntou se ele queria beber gol, se doente estava” (Noites... p. 20) “ Ali mesmo, para cima do curral, vez pegaram um tatu peba.” ( Manuelzão..., p. 139) “Tenho tempo hoje não, moça.” (Noites... p. 19) “Aquele silêncio, que pior que uma alarida.” (G. sertão p. 207) Denomina-se Pleonasmo o que se considera redundância pelo fato de uma informação ser transmitida por uma quantidade de signos lingüísticos superior ao essencialmente necessário. Ocorre em todos os níveis da linguagem (fônico, semântico, morfossintático). A noção de grau normal de redundância da língua faz parte da competência dos usuários. Sentimos a sua redução na elipse e o seu aumentono pleonasmo. Segundo Bally, pleonasmo gramatical é a redundância normal da língua (marca de plura, por exemplo). Já o pleonasmo vicioso é o que se deve à ignorância do significado exato ou da etimologia das palavras (do tipo hemorragia de sangue, decapitar a cabeça etc.). É expressivo o pleonasmo que enfatiza as idéias transmitidas. Exemplos: “Todos nus e da cor da escura treva.” (Camões, Lus. V. 30; ap. C. Brandão) “Deus, esse, minha rica, está longe.” (Eça , Primo Basílio; ap. Guerra da Cal p. 2070) “... estavam sem saber como voltar para suas casinhas deles.” (Manuelzão... p. 18) Se o termo que inicia a frase fica sem função sintática própria, servindo apenas como co- referente de um pronome mais ou menos próximo, temos a quebra de construção a que se dá o nome de anacoluto. Exemplo: “ Eu, que era branca e linda, eis-me medonha e escura.” 21 (Poesia completa e prosa, p.126) Certas partículas destituídas de valor nocional e sintático, mas portadoras de valor expressivo, são comumente chamadas de realce ou espontaneidade, ou ainda expletivas. Exemplos: “ - E vocês também não me voltem mortos. Quero-os bem vivinhos e perfeitos.” (M. Lobato. O Minotauro, em Obras completas, p. 84) “Vocês são brancos, lá se entendam.” (frase feita) Assim como os termos da oração, as orações que entram numa frase também apresentam maior ou menor grau de dependência e coesão. A relação entre as orações pode ser estabelecida sem dependência uma da outra. É o que se denomina coordenação. Esta pode ser feita com ou sem o elemento de ligação, o nexo ou conjunção. A construção assindética é mais comum na língua oral, tem um tom mais espontâneo, menor rigor lógico; é mais ágil, sugere a simultaneidade ou rápida sequência dos fatos. Esse tipo de construção é apreciada por Graciliano Ramos. No caso da coordenação sindética, a coesão entre as orações é reforçada por um nexo – a conjunção coordenativa. A conjunção mais freqüente é e, cujo valor fundamental é reunir fatos que se acrescentam (aditiva),mas pode estabelecer várias outras relações que se apreendem pela própria significação das orações. É o que ocorre nos versos : “E cheios de ternura e graça foram para a praça e começaram a se abraçar E ali dançaram tanta dança que a vizinhança toda despertou E foi tanto felicidade que toda cidade se iluminou E foram tantos beijos loucos, tantos gritos roucos como não se ouviam mais” (Valsinha de Chico Buarque e Vinícius de Moraes) De cunho estilístico, a ausência de conjunção denomina-se assíndeto e a repetição a partir da segunda oração, polissíndeto (construção enfática, visto que destaca cada uma das orações). Quando há subordinação entre as orações, há uma relação de dependência ou regência e a oração subordinada equivale a um substantivo, adjetivo ou advérbio que tem valor de termo subordinante. Há escritores que preferem períodos mais curtos, outros períodos mais longos, dependendo do gosto pessoal, do estilo da época ou do gênero de composição do texto. A epopéia, por exemplo, caracteriza-se por ser constituída de períodos longos em que se encadeiam enumerações, além de ser rica de modulações, atendendo à grandiosidade desse estilo. Já em textos do tipo crônica ou em outros de cunho didático, o período breve está mais de acordo com a simplicidade, com a espontaneidade das manifestações emotivas ou com a vivacidade dos diálogos, bem como o tom despretensioso. As alterações da ordem direta: As alterações da ordem “direta” receberam da retórica as denominações de hipérbato, anástrofe, sínquise, prolepse. Como não coincide e nem é satisfatória a distinção entre umas e 22 outras, é preferível ficar apenas com a denominação genérica de inversão. Esse processo rompe a monotonia da ordem usual, podendo favorecer um ritmo mais adequado ou propiciar um tom mais elegante; na poesia, pode atender à imposição da métrica ou da rima, além da intenção de ênfase. Bally distingue a inversão afetiva da linguagem comum – um realce dado ao tema da frase - que é espontânea, natural, da inversão retórica, usada na poesia mais pomposa. São inversões de caráter afetivo, não estético, construções como: É um encanto essa criança. Dinheiro eu não tenho. Como exemplo de inversão artificial, própria da linguagem poética, mais elaborada, podem servir estes versos de Gonçalves Dias, que não chegam, entretanto, a ser obscuros: “ O que nos resta pois? – Resta a saudade, Que dos passados dias De mágoas e alegrias Bálsamo santo extrai consolador” (Novos cantos, em Obras poéticas, t. 1. p. 33) Concordância Há dois tipos de concordância: a lógico-gramatical, estabelecida pela gramática normativa, e a estilística, que ultrapassa os limites da correção, a que atende a necessidades expressionais particulares, a que oferece a quem fala ou escreve possibilidades de escolha. A concordância estilística pode ser: Concordância por atração: ocorre quando o adjetivo e o verbo concordam com um termo mais próximo e de maior importância no contexto e no espírito de quem fala ou escreve e não com o termo que logicamente lhes determinaria as flexões Ex.: “Vi um casal de noivos, na flor da vida, que se debatiam já com a morte; deu-lhes a tábua de salvação e mergulhou na eternidade.” (M. de Assis) Concordância ideológica (ad sensum, sínese, sliepse) : as flexões assumidas pelo verbo ou pelo adjetivo não são compatíveis com os termos presentes na frase aos quais eles se prendem gramaticalmente, mas com a idéia que eles despertam na mente de quem fala ou escreve. Ex.: “Consultemos o coração aqueles que o tivermos.” (Camilo C. Branco) Concordância afetiva: a que se deve ao influxo da emoção. Ex.:”-Sim, e agora ando bom. E tu, meu Luís, como vamos de saúde?” (A . Garret). Esse conteúdo pode ser visto na obra indicada na bibliografia básica: MARTINS, Nilce Sant’Anna. Introdução à Estilística: A expressividade na Língua Portuguesa. 4 ed. São Paulo: EDUSP, 2008. Figuras de sintaxe As figuras de sintaxe ou de construção estão relacionadas a desvios em relação à concordância entre os termos da oração, sua ordem, possíveis repetições ou omissões , ou seja, elas estão ligadas à organização sintática no texto. As figuras de sintaxe podem ser construídas por: 23 1. omissão: assíndeto, elipse e zeugma; 2. repetição: anáfora, pleonasmo e polissíndeto; 3. inversão: anástrofe, hipérbato, sínquise e hipálage; 4. ruptura: anacoluto; 5. concordância ideológica: silepse. Assíndeto Ocorre assíndeto quando orações ou palavras que deveriam vir ligadas por conjunções coordenativas (ou síndetos) aparecem justapostas ou separadas por vírgulas. Daí a classificação em “assíndeto” = sem síndeto. Exemplos: “Fere, mata, derriba denodado...” (Camões) “Não nos movemos, as mãos é que se estenderam pouco a pouco, todas quatro, pegando- se, apartando-se, fundindo-se.” (Machado de Assis) Elipse Ocorre elipse quando se omite um termo ou oração que facilmente pode ser identificado ou subentendido no contexto. Exemplo: “Veio sem pinturas, em vestido leve, sandálias coloridas.” (RubemBraga) Houve elipse do pronome ela (Ela veio) e da preposição de (de sandálias). Zeugma Ocorre zeugma quando um termo já expresso na frase é suprimido, ficando subentendida sua repetição. Exemplo: “Foi saqueada a vila, e assassinados os partidários dos Filipes.” (Camilo Castelo Branco) Houve zeugma do verbo: “e foram assassinados os partidários dos Filipes” Anáfora Ocorre anáfora quando há repetição intencional de palavras no início de um período, frase ou verso. Exemplo: “Grande no pensamento, grande na ação, grande na glória, grande no infortúnio, ele morreu desconhecido e só.” (Rocha Lima) O termo “grande” é utilizado anaforicamente. Pleonasmo O pleonasmo ocorre quando há repetição da mesma ideia, isto é, redundância de significado. Estilisticamente, denomina-se pleonasmo e constitui figura de linguagem quando se encontra em texto literário. Já em texto comum é um vício de linguagem. Exemplos: a) Pleonasmo literário “Morrerás morte vil na mão de um forte.” (Gonçalves Dias) b) Pleonasmo vicioso subir para cima;hemorragia de sangue ; entrar para dentro monopólio exclusivo; repetir de novo breve alocução; ouvir com os ouvidos principal protagonista Polissíndeto Ocorre polissíndeto quando há repetição enfática de uma conjunção coordenativa mais vezes do que exige a norma gramatical (geralmente a conjunção e ). “Vão chegando as burguesinhas pobres, e as criadas das burguesinhas ricas e as mulheres do povo, e as lavadeiras da redondeza.” (Manuel Bandeira) 24 Anástrofe Ocorre anástrofe quando há uma simples inversão de palavras vizinhas (determinante x determinado). Exemplo: “Começa o Mundo, enfim, pela ignorância.” (Gregório de Matos) O mundo começa.... Hipérbato Ocorre hipérbato quando há uma inversão complexa de membros da frase. “Passeiam, à tarde, as belas na Avenida.” (Carlos Drummond de Andrade) As belas passeiam na Avenida à tarde. Hipálage Quando há inversão da posição do adjetivo (uma qualidade que pertence a um objeto é atribuída a outro, na mesma frase), ocorre hipálage. Exemplo: “... em cada olho um grito castanho de ódio.” (Dálton Trevisan) ...em cada olho castanho um grito de ódio.. Anacoluto Ocorre anacoluto quando há interrupção do plano sintático com que se inicia a frase, alterando-lhe a sequência lógica. Nesse tipo de construção, um ou mais termos fica(m) desprendido(s) dos demais e sem função sintática definida. Exemplos: “Essas empregadas de hoje, não se pode confiar nelas” (Alcântara Machado) “Umas carabinas que guardava atrás do guarda-roupa, a gente brincava com elas de tão imprestáveis.” (José Lins do Rego) Silepse A silepse está relacionada à sintaxe de concordância e ocorre quando a concordância não é feita com as palavras, mas com a ideia a elas associada. a) Silepse de gênero Ocorre quando há discordância entre os gêneros gramaticais (feminino ou masculino) Exemplos: “O animal é tão bacana mas também não é nenhum banana.” (Enriques, Bardotti e Chico Buarque) “Admitindo a idéia de que eu fosse capaz de semelhante vilania, Sua Majestade foi cruelmente injusto para comigo” (Alexandre Herculano) b) Silepse de número Ocorre quando há discordância envolvendo o número gramatical (singular ou plural). Exemplos: “Esta gente está furiosa e com medo; por conseqüência, capazes de tudo.” (Garret) “Corria gente de todos lados, e gritavam.” (Mário Barreto) c) Silepse de pessoa Ocorre quando há discordância entre o sujeito expresso e a pessoa verbal. Exemplos: “A gente não sabemos escolher presidente A gente não sabemos tomar conta da gente.” (Roger Rocha Moreira) MÓDULO 8 - PRAGMÁTICA A Pragmática estuda e analisa o uso concreto da linguagem, centralizando a abordagem em seus usuários(as) na prática linguística. Estuda ainda as condições que governam essa prática. Pode ser apontada como a ciência do uso linguístico, cuja preocupação é antes com a Linguagem do que com a Língua. 25 Pinto (2007) sintetiza os aspectos, mais relevantes de três reconhecidas correntes dos estudos pragmáticos. PRINCIPAIS CORRENTES PRAGMÁTICAS O Pragmatismo Americano è desenvolvido por W. James & Morris sob forte influência dos estudos semiológicos de Charles Peirce, enfatiza a inclusão do sujeito na construção do sentido e desconstrói (relativiza) a noção clássica de Verdade. Os estudos dos Atos de Fala è influenciados pela Filosofia da Linguagem (Wittgenstein) e alavancados por Jonh L. Austin, enfatiza a performatividade da linguagem, cuja definição estaria diretamente relacionada à ação e interação. Os estudos da Comunicação è que integram ambos os interesses teóricos anteriores, mas acrescentam ainda o interesse pelas questões sociais e históricas em que priorizam as relações sociais, de classe, de gênero, de raça e de cultura. O grupo de pesquisadores que investiga os estudos da comunicação se caracteriza por uma fusão dos interesses das duas vertentes anteriores: ¨Utiliza métodos descritos na análise dos atos de fala, na comunicação; ¨Trabalha com uma renovação das orientações do pragmatismo americano acerca da relativização do conceito de verdade. Pinto aponta o autor Jacob Mey (1987 apud PINTO op cit) como um dos grandes questionadores dessas regras, pondo em cheque a garantia de sucesso no ato de fala promovido pela tal cooperação comunicativa. Para Mey, os estudiosos da pragmática atuais apostam no conceito de comunicação como trabalho social, realizado com inclusão dos conflitos das relações sociais entre homem/mulher, aluno/professor, brancos/negros, judeus/anti-semitas etc que aparecem no funcionamento linguístico (o sexismo marcado na linguagem!), nem sempre prezando pela tal cooperatividade comunicativa. “Assim, pragmatistas dos estudos da comunicação, preocupados/as em debater os conflitos sociais que são também linguísticos [entendem que, por exemplo] conflitos entre homens e mulheres podem ser identificados linguisticamente se se considera a linguagem como um trabalho social pleno de conflitos sociais. Qualquer tentativa de descrição da comunicação que exclua aspectos sociais é considerada inócua e ineficiente para a pesquisa pragmática. A linguagem não é, portanto, meio neutro de transmitir idéias, mas sim constitutiva da realidade social. Não sendo a realidade social um conceito abstrato, mas o conjunto dos atos repetidos dentro de um sistema regulador, a linguagem é sua parte presente e legitimadora, e deve ser sempre tratada nesses termos”. (PINTO, op cit, p.63). Conforme Gazdar (1979, apud LEVINSON, 2007, p.14): “[...] a pragmática tem como tópico os aspectos do significado das enunciações que não podem ser explicados por referência direta às condições de verdade das sentenças enunciadas. Grosso modo 26 Pragmática = significado – condições de verdade”. Tal definição pode, a princípio, causar confusão. Certamente, a semântica é, por definição, o estudodo significado em sua totalidade e, sendo assim, como pode haver algum resíduo para compor o assuntoda pragmática? Mas precisamos notar aqui que a definição de semântica como o estudo do significado é na verdade tão simplista quanto a definição da pragmática como o estudo do uso da língua. Alguns problemas com essa definição: • as pressuposições trazem sempre desencadeadores do nível da semântica, porém, tomam umconhecimento de mundo como verdade e, além disso, alguns dos componentes do significadosãoinferências anuláveis; • as implicaturas convencionais mostram que as inferências são semânticas, pois não mudam como contexto, já que são convencionalizadas; • o significado semântico da sentença pode não ser igual ao significado pragmático: o enunciado“Maria é um gênio” pode significar excelência intelectual de Maria ou ironicamente significarmediocridade intelectual de Maria; • dêixis: fora os dêiticos convencionalizados que não mudam de sentido em outro contexto (Bomdia!), a maioria são elementos semânticos, com baixa densidade sêmica, e que só adquiremsignificado no contexto; • há ainda alguns enunciados que não são sentenças: “Oh!”, “hum, hum”, “Sshhhh” etc. De acordo com o autor, outra dificuldade enfrentada para a fixação de um escopo para a pragmáticaé que ele carece de alguma caracterização explícita da noção de contexto. O que se poderia designar então por contexto? Essa resposta parece ser muito ampla e complexa. Inicialmente, poderemos apenas selecionar questões que são relevantes cultural e linguisticamente na produção e interpretação dos enunciados. Mas o que seria (ou não) relevante? Levinson registra alguns aspectos levantados por Lyons, Ochs e Bar-Hillel a serem considerados: • conhecimento do papel e do status do falante ou receptor; • crenças e suposições dos usuários da língua a respeito de cenários temporais, espaciais e sociais; • o contexto pragmático é uma imprecisão quase que completa, já que parece não haver teoria disponível para prever a relevância de tais traços. . o conhecimento da localização espacial e temporal; • o conhecimento do nível de formalidade; • o conhecimento do nível deformalidade (código, estilo, canal, variedade escrita ou falada); • o conhecimento do tema adequado; • o conhecimento do campo (registro de uma língua). • ações passadas, presentes e futuras (verbais ou não verbais); 27 • o estado do conhecimento e da atenção dos participantes da interação social em questão. • a lista de aspectos contextuais relevantes (dêixis, pressuposição, implicaturas, atos de fala) são, na verdade, uma orientação, não uma definição. • quanto à compreensão linguística, compreender uma enunciação é decodificar todo o significado pretendido pelo falante no que diz respeito às suas inferências comunicadas intencionalmente. Pragmática é o estudo da habilidade que têm os usuários da língua de combinar sentenças com os contextos nos quais elas se tornam adequadas. Condições de Felicidade/Adequação” relacionam-se às circunstâncias cooperativas do discurso, no sentido de que quando alguém afirma alguma coisa, implica que acredita nela; quando alguém faz uma pergunta, comunica a implicatura de que deseja sinceramente uma resposta e, quando alguém promete fazer x, comunica a implicatura de que pretende sinceramente fazer x etc. (LEVINSON, op. cit., p. 131). LEVINSON, C. S. Pragmática. São Paulo: Martins Fontes, 2007. PINTO, J. P. Pragmática. IN. MUSSALIM, F. & BENTES, A. Introdução à Linguística – D
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