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A missa do galo análise

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
LITERATURA BRASILEIRA III
Joaquim Serra e a contrução do regional no Romantismo Brasileiro em “A MISSA DO GALO”
Prof. Dr. Vagner Camilo
Gabriela da Silva Santana - Nº USP: 8572365
São Paulo
2015
Joaquim Serra e a contrução do regional no Romantismo Brasileiro em “A MISSA DO GALO”
	Joaquim Serra (1838 – 1888) foi um dos poetas do Romantismo brasileiro, e em suas obras são facilmente identificáveis as marcas do sertanejo, sendo considerado, entre outros poetas, como “poeta sertanista” por Silvio Romero em História da Literatura Brasileira. Como exemplo dessa criação do regionalismo ficcional temos o volume “Quadros” de Joaquim Serra. Neste livro o poeta faz uma seleção de poesias sertanejas e destaca-as dentro de sua obra, na qual cada poema parece se tratar de um quadro de um determinado evento; seja uma missa, uma lenda, uma roda de viola ou dois compadres conversando. Outro fator que contribui para a figuração do regional é a linguagem utilizada nestes poemas com a presente marcação de ritmos prosódicos ou de cantigas populares, além do vocabulário simples e das escolhas de cenas desse autor, que retratam eventos da cultura popular como as missas e festas, os mitos e lendas, as rodas de cantores e os bailados, tudo construído dentro da estética do belo. Entretanto, não é apenas pela estética que a poesia sertanista ou campesina se enquadra no Romantismo brasileiro, ela também participa da construção da literatura nacional. Durante a segunda geração romântica, estes poetas tratavam de temas do cotidiano do campo, buscando retratar o Brasil como ele era a fim de contribuir na construção do caráter identitário do povo brasileiro. 
Dentro disto, Joaquim compôs o poema “A missa do galo”, que retrata a festividade natalina numa aldeia camponesa. A voz poética, como que a de um narrador, que está presente nos acontecimentos, relata as cenas que compõem esta data. Pode-se até brincar e dizer que trata-se de um pequeno vídeo composto de vários closes do que está acontecendo. Assim, o poeta “filma” todo o evento desde o povo chegando na igrejinha para a missa, como a celebração da mesma e o que se sucede a ela; principiando pelo ambiente: os sons, a paisagem, os enfeites, as pessoas, tudo em alegria e exaltação. Soa o sino, troam os fogos, brilha o luar. E vem chegando para a igreja o povo da aldeia, uma multidão alegre, que canta e se agita. Tudo está perfeito, cada coisa em seu devido lugar. Depois ele foca nas cenas que compõem esse quadro inicial: as devotas, os camponeses, as raparigas e as canoas que chegam, todas as pessoas se aproximando da igreja, deixando a capela cheia de gente. Então, ele explica que tudo isso se deve a missa do galo, a “Santa missa do Natal”. Logo, ele passa a relatar fatos que sugerem a celebração da missa ocorrendo; fala da crença natalina em que o divino se fez menino e veio viver entre os mortais, sendo esta majestosa e um poema de amor infindo. Em seguida, depois de cantada a missa, os olhos do poeta se voltam a observar o presépio, o baile dos pastores, a reunião familiar ao voltarem para suas casas. Por fim, a última estrofe encerra dizendo como esta data festiva é bonita e traz sentimentos bons, nos fazendo esquecer tristeza e saudade.
O momento social da obra faz parte da estética, vemos isso quando o foco em retratar um regionalismo, mesmo que ficcional, interfere na estrutura poética. Com versos bem ritmados, a poesia inteira parece uma uma narração, tanto que o poeta se utiliza de versos isométricos em redondilha maior e hipérbatos para compor rimas soantes, mantendo um ritmo constante e fluido; como na quadra a seguir que mantém seus versos heptassílabos e rimas soantes e alternadas:
Por/que/ pro/duz/ tan/to a/ba/lo A
Es/ta/ fes/ta /sem/ ri/val?/ B
É /ho/je a/ mi/ssa/ do/ ga/lo, A
San/ta/ mi/ssa/ do/ Na/tal!/ B
Além da metrificação, o jogo de rimas também é importante, pois o poeta apenas não se utiliza de rimas misturadas, isto é, ele mantém uma esquematização regular dentro de cada estrofe, mesmo que varie entre rimas alternadas, opostas, paralelas ou continuadas, e na maior parte das vezes pobres como alegria/dia, ar/luar, formosa/majestosa, subir/sorrir, entre tantas outras. Deste modo, ele se aproxima do regional sertanejo em que as cantigas de viola se utilizam desses tipos de rimas, mais fáceis de serem criadas improvisadamente nas rodas de viola. O regional também é marcado no poema pelo vocabulário, com o uso de palavras simples e algumas regionais como “janotas”, “palhoça”, “rapariga”. Além das imagens típicas que constituem este cenário, como a quadrilha, a igrejinha branca, as moças vestidas com laços e fitas e os camponeses com as calças por dentro das botas.
Vemos também a tradição e o religioso como marcações do regional. Um costume passado de geração em geração e uma cultura cristã, que mantém viva a tradição. Sendo uma festividade anual que rememora o nascimento do menino Jesus, se dá como motivo de alegria pois veio a salvação ao mundo. Assim, permanece no povo a celebração desta data, sempre de mesmo modo; o presépio, a missa, a quadrilha e a família reunida, todos com muita alegria, tornando este um dia lindo e esperado pela aldeia. Esta alegria se transpassa pelas costantes exclamativas e por achar lindo o festejo, o presépio, o dia. Aqui percebe-se uma leve ironia e fuga do belo, pois por mais que tudo pareça perfeito o presépio apresenta-se despido de perfeição, com estrelas de papelão e nuvens de algodão. Mesmo assim, o poeta retoma a tonalidade festiva e alegre quando termina de olhar o presepe e se volta para a quadrilha de pastores.
Lei cristã, santa e formosa,
Salve crença majestosa,
Que eu recebi de meus pais!
..........................................
Tudo o que a lenda memora
E consagra a tradição, 
Vê-se ali, grosseiro embora, 
Despido de perfeição. 
A categoria estética mais marcante dessa poesia é o belo, em que tudo é composto de maneira limpa, sem provocar o sublime no leitor. A métrica, o ritmo, as rimas, tudo se encaixa em perfeita harmonia, estimulando o leitor, passando alegria e jovialidade. Não há assombros, nem palavras em sentido conotativo, e a natureza apenas compõem a paisagem transmitindo alegria e beleza, com o luar brilhando na areia e a brisa soprando.Desta forma, o poeta não teve um momento de elevação, passou por todo o poema em admiração pelo belo, compondo cada estrofe como uma peça de um quebra-cabeça, em que as imagens se encaixam formando um lindo quadro da celebração do Natal. 
Joaquim Serra fez várias poesias sertanejas, estas, em sua maioria, não são melancólicas e não trazem a estética do sublime, o que se opõe aos tipos de poesia que estavam sendo feitos na época, conhecido por nós como o movimento do “mal do século”. As sertanejas são no geral alegres e se mostram dentro da categoria do belo; seja na missa, na festa, na lenda, na conversa, o ritmo é sempre forte, próximo ao cantar da viola e sem provocar o sublime no leitor. São poesias simples e diretas, fáceis de ser apreendidas, pois narram quadros da cultura popular campesina do Brasil. Nesse sentido, o regionalismo pode ser considerado um fenômeno originalmente único, que progressivamente se torna distinto, ao estabelecer os seus espaços culturais próprios. De modo geral, o regionalismo brasileiro alcançou um teor qualitativo de grande importância,tanto pela amplitude das suas manifestações, como pela importante elaboração linguística, temática e geográfica, resultando numa ‘revelação’ do Brasil aos brasileiros. 
Anexo
“ A MISSA DO GALO”
	
Repica o sino da aldeia,
Troa o foguete no ar!
O rio geme na areia,
Na areia brilha o luar.
Quantas vozes, que alegria!
O povo da freguesia
Corre em chusma, folgazão.
No caminho arcos de flores,
Por toda parte cantores,
Folguedos e agitação!
Ali no largo da ermida
O tambor toca festeiro,
Se apinha o
povo em redor;
E a igrejinha garrida,
Tendo defronte um cruzeiro,
É toda luz e fulgor!
Vêm do monte umas devotas,
Trazem o rosário na mão;
Uns camponeses janotas,
Calças por dentro das botas,
Seguindo o grupo lá vão!
Que raparigas formosas,
Cheias de rendas e rosas
A ladeira vão subir!
Falam cousas tão suaves,
Parece gorjeio de aves
O que elas dizem a sorrir!
A brisa sopra fagueira,
Brincando na juçareira
E vai o rio enrugar;
Chegam de longe canoas,
Os barqueiros cessam as loas,
Que modulavam a remar!
O sino da freguesia,
Da branca igreja da aldeia,
Cada vez repica mais;
O povo corre à porfia,
A capela já está cheia,
Soam trenos festivais!
Porque produz tanto abalo
Esta festa sem rival?
É hoje a missa do galo,
Santa missa do Natal!
Este festejo tão lindo
Que grande mistério encerra!
Poema de amor infindo
Que o céu ensinou à terra!
Faz-se humano o ente divino,
O Eterno se faz menino,
Vem viver entre os mortais!
Lei cristã, santa e formosa,
Salve crença majestosa,
Que eu recebi de meus pais!
Na palhoça iluminada, 
Que fica junto da ermida,
Dês que a missa foi cantada
Se congrega a multidão;
Toldo de murta florida, 
Flores de mágico aroma
Ornam o presepe, que toma
Na sala grande extensão.
Quão lindo está! Não lhe falta
Nem o astro milagroso,
Que de repente brilhou;
Nem o galo, que o repouso
Deixara por noite alta,
E que inspirado cantou!
Tudo o que a lenda memora
E consagra a tradição, 
Vê-se ali, grosseiro embora, 
Despido de perfeição. 
Céu de estrelinhas douradas, 
Estrelas de papelão; 
Brancas nuvens fabricadas 
Da plumagem do algodão! 
Anjos soltos pelos ates, 
Peixes saindo dos mares, 
Feras chegando d'além, 
Marcha tudo, e vêm na frente 
Os reis magos do Oriente 
Em demanda de Belém! 
 
"É esta a lapa; o menino 
Nas palhas está deitado, 
Co’um sorriso de alegria, 
Todo doçura e amor! 
 
Contempla o quadro divino 
S. José ajoelhado, 
E a Santíssima Maria, 
De Jerico meiga flor! 
 
Trajando risonhas cores, 
Com muitos laços de fitas, 
Rapazes, moças bonitas 
Formam grupos de pastores. 
 
Que curiosos bailados, 
Com maracás e pandeiros! 
E o ruído dos cajados 
Desses risonhos romeiros!
Essa quadrilha dançante, 
Cantando versos festivos, 
Aos pés do celeste infante 
Vai depor seus donativos: 
 
Frutas doces, sazonadas, 
Ramalhetes de açucenas, 
Cera, peles delicadas, 
Pombinhos de brancas penas. 
 
São as jóias qu'os pastores 
Dão ao Deus Onipotente! 
E o povo aplaude os cantores 
E o espetáculo inocente. 
 
Eis o presepe singelo 
Da devoção popular; 
Oratório alegre e belo, 
Sagrado, risonho altar! 
 
Que noite, que madrugad
A família reunida, 
Uma festa em cada lar! 
Quanta saudade esquecida
Quanta tristeza apagada 
Só co’um sorriso, um olha
 
Na terra tanta alegria, 
Tanta paz celestial! 
Que dia, que lindo dia! 
Festa santa do Natal!
(Quadros, 1873)

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