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Aula - 14082014 - SAGRADO, O QUE É ISTO

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SAGRADO, O QUE É ISTO? 
 
Aula organizada pelo Professor Dr. Clóvis Ecco 
 
CAROLINA TELES LEMOS (artigo publicado) 
 
 Segundo o teólogo Otto (1985, p. 17-22), sagrado significa o 
“totalmente outro”, aquele que está além da esfera do cotidiano, do 
compreensível, do familiar. É algo pleno de valor, que ultrapassa toda a 
capacidade de compreensão; possui um valor objetivo que impõe respeito por 
si mesmo. 
 Seguindo e criticando a definição de Otto, Eliade (1972, p.7-23) afirma 
que a primeira definição que se pode dar do sagrado é que este se opõe ao 
profano. O sagrado se caracteriza pela ambigüidade, ou seja, as coisas e 
forças sagradas são ambíguas pois são físicas e morais, humanas e cósmicas, 
positivas e negativas, propícias e não-propícias, atraentes e repugnantes, 
favoráveis e perigosas para as pessoas. 
O sagrado é também relativo, isto é, algo pode ser sagrado para 
algumas pessoas e não ser para outras. Por exemplo, a vaca é um animal 
sagrado para os indianos, mas é um animal como os outros para as culturas 
ocidentais; a eucaristia é algo sagrado para os cristãos, mas é apenas um pão 
para outras culturas. 
A hierofania (manifestação do sagrado) consiste em uma aparição que 
se diferencia do profano, do cotidiano, do normal. Esta hierofania pode se dar 
através de objetos, de lugares ou do espaço temporal, tornando-os também 
sagrados. 
Hierofania em objetos: neste caso, um objeto qualquer se transforma em 
outra coisa; isto, no entanto sem que o objeto deixe de ser ele mesmo. É como 
afirma Durkheim (1989, p. 485-490): a qualidade sagrada não é intrínseca ao 
objeto, mas a ele é conferida por pensamento e sentimento religioso. O 
sagrado não é um aspecto da natureza empírica, mas é colocado sobre ela. É 
como diz O'Dea (1969, p.25), os objetos sagrados simbolizam o "mundo-não-
visto", e a atitude provocada pelos mesmos é de intenso respeito e reverência. 
 Segundo Durkheim (1989, p. 485-490), o culto religioso não se dirige, 
fundamentalmente, a símbolos ou outros objetos, mas a um poder que se 
difunde em tais objetos. Os poderes ou forças estão na raiz da atitude religiosa 
de quem pratica ou busca estes rituais. Os objetos sagrados ou símbolos 
utilizados nos rituais religiosos, normalmente são retirados da natureza viva, ou 
são objetos que fazem parte do cotidiano das pessoas, tais como toalhas 
brancas, xícaras com água, sal, cinza, faca, pão, vinho, etc. 
 Hierofania em espaços físicos: segundo Eliade (1972, p.7-23), para a 
pessoa humana religiosa, há porções de espaços qualitativamente diferentes 
das outras: “Não te aproximes daqui, disse o Senhor a Moisés; tira as sandálias 
dos teus pés, porque o lugar onde te encontras é uma terra santa” (Êxodo, 3:5). 
Há, portanto, um espaço sagrado, e por conseqüência “forte”, significativo, e há 
outros espaços não sagrados, e por conseqüência, sem estrutura nem 
consistência, “fracos”. Todo espaço sagrado implica uma hierofania, uma 
irrupção do sagrado que tem como resultado destacar um território do meio 
cósmico que o envolve e torná-lo qualitativamente diferente. Não são somente 
os templos que podem ser sagrados. A casa, a sala de aula, algum local em 
que ocorreu algo especial para a pessoa podem também ser considerados 
sagrados. 
 Hierofanias em espaços temporais: Eliade (1972, p.7-23) afirma que não 
são somente os lugares que podem ser sagrados. O tempo também não é 
homogêneo. Na duração temporal quotidiana há intervalos de tempos 
sagrados, que são as festas. A festa sagrada consiste na reatualização de um 
acontecimento sagrado, acontecido em um passado mítico. A festa é, antes de 
tudo, um vencimento periódico, a conclusão de um ciclo. O ciclo mais 
importante, o anual, remete a pessoa ao princípio, à nova criação e à 
cosmogonia originária. A festa tem também a função de atualização do ato 
cosmogônico. Desta forma tem a função de regenerar o tempo, conduzindo-o 
de novo à condição do tempo inicial. A pessoa que celebra a festa volta a 
nascer com as forças intactas. 
O sagrado é inerente ao fenômeno religioso, uma vez que o fenômeno 
religioso é fruto da experiência religiosa e esta consiste na relação da pessoa 
com o sagrado. Uma vez tendo concordado com a existência de um sagrado 
como inerente ao fenômeno religioso, coloca-se a possibilidade de duas formas 
de relação com este sagrado: a do “serviço divino” e a de “coação sobre o 
deus”. 
 O serviço divino: oração e sacrifícios, está mais relacionado a uma visão 
racionalizada e sistematizada do sagrado. Neste caso, o sagrado é visto como 
divindade que influencia fenômenos naturais muito universais. Nesta 
concepção, o sagrado é considerado como ser supremo, criador do mundo, 
como um grande senhor que, quando lhe convém, também pode falhar. Deste 
sagrado não se pode aproximar com medidas de coação mágica, mas apenas 
com súplicas e presentes. 
 A coação sobre o deus está mais relacionada com uma imagem do 
sagrado enquanto uma divindade próxima, palpável, ligada ao cotidiano e 
influenciável por meios mágicos. Este sagrado pode ser forçado a estar a 
serviço da pessoa humana. Quem possui o carisma de empregar os meios 
adequados para isto pode ser considerado mais forte do que a própria 
divindade. Isto porque pode impor à divindade sua vontade, através da coação. 
 Apesar de diferentes, o serviço divino e a coação sobre o deus não 
ocorrem de forma totalmente separada, ou seja, no serviço divino sempre 
permanece algo da magia, objetos e ritos utilizados na coação sobre o deus; na 
coação sobre o deus sempre há algo de oração e sacrifícios, próprios do 
serviço divino. Segundo Weber (1991, 158-167), o que há de comum entre o 
serviço divino e a coação sobre o deus é a relação do “toma lá, da cá” que 
caracteriza o fenômeno religioso. Este caráter é inerente à religião quotidiana e 
das massas de todos os tempos e povos e também de todas as religiões. O 
afastamento do mal externo e a obtenção de vantagens externas, “neste 
mundo” ou em um mundo vindouro constituem o conteúdo de todas as 
“orações” normais, mesmo nas religiões extremamente dirigidas ao além. 
 
BIBLIOGRAFIA 
 
DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa. Trad. Joaquim Pereira Neto. São 
Paulo: Paulinas, 1989. 
 
ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano: a essência das religiões. Trad. Rogério Fernandes. 
São Paulo: Martins Fontes, 1992. 
 
MALINOWSKI, Bronislaw Kasper. Argonautas do Pacífico Ocidental. Trad. Anton P. Carr e 
Ligia Aparecida Cardieri Mendonça, São Paulo: Abril Cultural, 3ª ed., 1984. 
 
O'DEA, Thomas F. Sociologia da religião. Trad. Dante Moreira Leite. São Paulo: Pioneira, 
1969. 
 
OTTO, Rudolf. O sagrado. Trad. Prócoro Velasquez Filho. São Bernardo do Campo: Imprensa 
Metodista, 1985. 
 
 
Sugestão de atividade complementar: 
 
Veja a seguinte narrativa de um trecho da obra de Erico Veríssimo: O 
continente. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, Vol. 1, 3ª. Ed., p. 293. 
 
Quando Fandango entrou na igreja e viu-a abarrotada de gente, disse em voz alta a 
Bibiana, que caminhava a seu lado: 
-Está apertado que nem queijo em cincho. 
- Cht! – repreendeu-o a velha, franzindo a testa e acrescentando num cochicho: - Na 
igreja não se fala. 
O sino começou a badalar. Eram quase dez horas da manhã, e o rosto da velha 
imagem de Nossa Senhora da Conceição resplandecia à luz do morno sol de inverno 
que entrava pelas janelas do templo. Para Bibiana a santa tinha uma fisionomia 
familiar, pois desde menina ela se habituara a vê-la ali no altar com as mesmas 
roupas, a mesma postura e o mesmo sorriso bondoso. Vezes sem conta, quando 
moça, Bibiana viera ajoelhar-se ao pé da imagem da padroeira de Santa Fé, confiar-
lhe suas dificuldades e fazer-lhe promessas. Fora por obra e graça de Nossa Senhora 
que Bibiana casara-se com o Capitão Rodrigo. Quando aos três anos Boli caíra de 
cama com um febrão medonho,ela viera um dia à igreja e dissera à santa: “se 
vosmecê faz o Boli melhorar, prometo mandar rezar dez missas e dar cinco patacões 
pra igreja”. Ao chegar à casa encontrara já o menino com as roupas úmidas de suor e 
a testa fresquinha. Depois, com o passar do tempo, e à medida que Bibiana perdia sua 
fé nos homens e nos santos, suas relações com Nossa Senhora foram deixando de 
ser de santa para crente para serem quase de mulher para mulher. E agora o olhar 
que a velha ao sentar-se lançara para a imagem parecia querer dizer: “Bom dia, 
comadre, como vão as coisas?”. Eram ambas donas de casa e tinham grandes 
responsabilidades. Durante mais de cinqüenta anos Bibiana não tivera segredos para 
com a santa. Eram velhas amigas e confidentes: entendiam-se tão bem que nem 
precisavam falar... 
 
Responda: 
1. Qual é a concepção de sagrado que aparece neste texto? 
2. O que você tem a dizer sobre a forma de relação com o sagrado que 
aparece no texto? 
3. Vimos acima que o elemento comum entre o serviço divino e a coação sobre 
o deus é a relação do “toma lá, da cá” que caracteriza o fenômeno religioso. 
Como se pode perceber essa característica no texto literário? O que você diz 
sobre isso?

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