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Artigo para Musas II

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Revista MUSAS16
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muselânea
de uma telenovela –, que poderia, a
partir daquele momento, prestar
atenção nos artistas da caravana e em
suas velhas e ingênuas brincadeiras. 
As “espinhas de peixe” como me-
táforas da imposição cultural a par-
tir da grande expansão da televisão
no Brasil há muito foram superadas
pelas parabólicas, TVs a cabo,
Internet e outros tantos aparatos de
comunicação. O Brasil está bastan-
te diferente de 1979, quando
Bye Bye Brasil foi lançado, e
mais de 80% de sua população
vive nos centros urbanos. Até
mesmo nossos índios já vi-
vem, em sua maioria, em áre-
as urbanas, concentrando-se
nas periferias pobres, confor-
me constatou, em 2000, cen-
so do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE).
Transpondo para a atualida-
de o cenário de Bye Bye Brasil,
podemos imaginar, por um
lado, o fortalecimento das
tecnologias que promovem a
hegemonização de hábitos e
costumes, mas, ao mesmo tempo,
precisamos reconhecer que esse
complexo tecnológico possibilitou a
formação de poderosas “pontes”, per-
mitindo que suas extremidades se
(re)conheçam e se influenciem mutu-
amente, reduzindo a antiga dicotomia
existente entre as chamadas culturas
do “interior” e da “capital”, “rural” e “ur-
bana”. O desejo de buscar um Brasil
interiorano quase puro, primitivo, de
“A novidade do Brasil não é só litoral”
Cícero Antônio F. de Almeida
E
m Bye Bye Brasil, filme de Cacá
Diegues, um casal de artistas
mambembes e um sanfoneiro
formam a Caravana Rolidei, que
percorre a região Norte do Brasil,
transportada em um velho caminhão.
O grupo busca um país imaginado ro-
manticamente, “sobrevivente” das
pressões exercidas pela cultura de
massa irradiada a partir das grandes
metrópoles. No caminho dos artistas,
no entanto, estão as cada vez mais nu-
merosas antenas de TV, ou “espinhas
de peixe”, expressão utilizada pelos
protagonistas em função da seme-
lhança das formas. A televisão, com
sua enorme capacidade de se
capilarizar pelo país, começava a al-
terar padrões tradicionais de vida, a
moldar novos comportamentos. Em
uma das cidades visitadas, já cansa-
dos da concorrência das “espinhas de
peixe”, os artistas simulam uma má-
gica (na verdade, um curto-circuito
provocado) que destrói um aparelho
de TV localizado na praça principal. Só
assim roubam a atenção da população
– até então magnetizada pela imagem
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valores culturais endógenos, sem a
influência da televisão ou de outras
mídias, não convenceria mais como
um bom argumento cinematográfico.
Se o Brasil ainda concentra capital fi-
nanceiro e simbólico nas grandes ci-
dades, questão que se reflete nas
estruturas diferenciadas de saúde,
educação e lazer, também é verdade
que estão sendo promovidas novas
experiências e novas alternativas fora
dos eixos metropolitanos consagra-
dos, especialmente no campo da cul-
tura. E isso não significa nem perda
nem emulação cultural, mas um novo
estágio ocupado pelas pequenas po-
pulações e pequenas cidades no ce-
nário criativo em nosso país.
Essa digressão tem a intenção de
preparar um terreno de discussão ain-
da pantanoso e pouco discutido: o re-
conhecimento do museu como índice
das mudanças operadas no Brasil a
partir do que poderíamos chamar de
uma “desconcentração” cultural. Po-
demos constatar o fortalecimento das
estruturas culturais das médias e pe-
quenas cidades do país, ocupando o
museu – e não mais apenas os “gené-
ricos” centros culturais ou casas de
cultura – um espaço cada vez mais
destacado. Os museus de expressão
local são um contraponto necessário
às instituições nacionais, regionais ou
mesmo trans-
nacionais, uma
alternativa aos
projetos de al-
tíssimo valor fi-
nanceiro, cujos
custos não são
c o m p a t í v e i s
com a realidade
da maioria dos
municípios bra-
sileiros. São ex-
periências que
muito têm con-
tribuído para a expansão e o desen-
volvimento da museo-logia no Brasil,
que estão mais próximas da realida-
de das populações, refletindo,
concomitantemente, uma das mais
fortes tendências da museologia in-
ternacional contemporânea.
A força do movimento de criação de
museus em diversas cidades do país
está indissoluvelmente ligada ao pró-
prio fortalecimento do papel dos mu-
nicípios no cenário político brasileiro.
A luta pela redemocratização do país
após o fim do ciclo militar iniciado em
1964 injetou diversos componentes à
agenda política, que estava basica-
mente restrita à anistia, à convocação
de uma assembléia constituinte e à
eleição direta para presidente. Nunca
vivemos verdadeiramente os precei-
tos federativos propostos pelo regi-
me republicano instaurado em 1889,
pois nossa República mostrou voca-
ção para a centralização administra-
tiva e para o presidencialismo,
características exacerbadas nos pe-
ríodos totalitários que marcaram a
história brasileira no século XX. A
Constituição de 1988, refletindo desejo
de diversas correntes políticas, abriu
caminho para a efetiva autonomia ad-
ministrativa dos municípios.
Vivemos nas cidades, percorren-
do suas ruas, becos, praças, utilizan-
do seus serviços essenciais, como
postos de saúde, escolas e hospitais,
seus meios de transporte. Nossa
vida e nossos valores estão ligados
diretamente à cidade que escolhe-
mos para morar, temporária ou de-
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finitivamente, e desejamos que ela
nos atenda, represente-nos e que
seja objeto de nosso orgulho tam-
bém. Nada mais natural que o reco-
nhecimento de nossos pares e
vizinhos, a valorização dos sotaques,
das locuções, da culinária, de outros
modos de expressão.
O crescimento do museu como
fenômeno local foi prenunciado na
museologia pelo paradigmático do-
cumento emanado pela Mesa-Re-
donda de Santiago do Chile,
realizada em 1972, que formulou o
conceito de museu integral: uma ins-
tituição que se preocupa com o con-
junto de problemas da sociedade, e
não serve mais exclusivamente aos
domínios do passado, da coleta e da
conservação de objetos extraídos
de seu contexto original. Na década
de 1980, novas experiências levaram
museólogos e profissionais de mu-
seus pelo mundo a considerar a exis-
tência de uma nova museologia,
fundamentada no fortalecimento da
função social dos museus e no cres-
cimento da museologia
como campo de conheci-
mento. No conjunto de
práticas da chamada
nova museologia, estava
a valorização das inicia-
tivas comunitárias, do
patrimônio local e do território
como “objeto”, evitando tratar a cul-
tura como um fenômeno plasmado
e impessoal.
A organização de oficinas,
minicursos e fóruns de museologia
em diversas unidades da Federação,
no âmbito das estratégias de ação
do Departamento de Museus e Cen-
tros Culturais do Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (Iphan), foi uma oportuni-
dade enriquecedora para que cons-
tatássemos um movimento de
criação e valorização dos museus
em pequenos e médios municípios,
mesmo reconhecendo que esse
processo não ocorre com igual in-
tensidade em todas as regiões do
país. Os debates gerados nos encon-
tros refletiam uma crescente
profissionalização nos “fazeres” da
museologia, um interesse mais apu-
rado e cuidadoso dos participantes,
das mais variadas formações, de-
monstrando a superação de um an-
tigo estágio de amadorismo, que
marcou o cenário dos museus du-
rante décadas. Refiro-me, em espe-
cial, aos contatos com os estados do
Acre, de Tocantins, do Paraná e do
Rio Grande do Sul, e tomarei o pri-meiro como exemplo mais visível.
A experiência acreana desafia a
lógica de sua própria história,
marcada por uma longa luta por au-
tonomia territorial e política e pela
distância dos principais pólos
muselógicos do país. A cidade do
Xapuri resume, em apenas duas ins-
tituições, soluções distintas e bem
equacionadas. Integrada ao cenário
mundial após o assassinato do líder
seringueiro e ativista ambiental
Francisco Alves Mendes Filho, o
Chico Mendes, Xapuri não poderia
deixar de registrar e oferecer aos
seus visitantes essa parte da histó-
ria recente do país, da afirmação da
luta pela preservação e exploração
consciente da floresta amazônica. A
casa onde Chico Mendes morava e
foi assassinado, em 22 de dezembro
de 1988, foi aberta à visitação públi-
ca. Nela, o visitante percorre seus
reduzidos espaços, mantidos como
na noite de seu assassinato, condu-
zido por legendas simples, diretas
e especialmente sensíveis. A casa
integra-se às inúmeras iniciativas
dos chamados “museus-casa” em
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todo o mundo, adotando um partido
de manutenção integral dos utensí-
lios e demais referências num tem-
po determinado (no caso, o dia do
assassinato do ambientalista), ofe-
recendo uma visão articulada do
acervo ao ambiente. Podemos con-
siderar a solução simples – assim
como são simples as boas soluções
–, mas não podemos negar sua vita-
lidade, sua profunda pertinência e
sua capacidade de emocionar.
Na antiga prefeitura da cidade,
construída em 1929, foi montado o
Museu do Xapuri. Vale observar a
utilização da preposição com o
artigo (“do”), pois o museu
homenageia o Rio Xapuri, e não o
município. Tal escolha foi decidida
após o recolhimento de depoi-
mentos de moradores, que, em sua
maioria, expressavam sua origem
por meio de afirmações tais como
“venho do Xapuri”, “vivo no Xapuri”.
No hall de entrada vemos, lado a
lado, duas vitrines de grandes
dimensões inteiramente preenchi-
das de ouriços da castanha e tiras de
látex, que remetem o visitante aos
dois ciclos vitais da economia da
região. A montagem sugere natural-
mente a abundância dos produtos,
o que explica o surgi-mento de uma
cidade no meio da floresta. Um
amplo salão contém referências ao
comércio, ao lazer e – uma vez mais
– à vida de Chico Mendes. É possível
ouvir, através de fones de ouvido,
um de seus últimos discursos. Além
das referências à castanha e à
borracha, o museu ainda possui duas
outras áreas temáticas: a cidade e o
povoamento. O fundo de parte da
exposição está revestido de paxiúba
– madeira característica das
moradas dos seringueiros –, simbo-
logia adequadamente incorporada à
linguagem expográfica.
A criação do Museu do Xapuri é
resultado do trabalho realizado pelo
Departamento de Patrimônio Histó-
rico e Cultural da Fundação Elias
Mansur (responsável pelas políticas
culturais do estado do Acre) desde
2000, especial-
mente do inven-
tário dos bens
patrimoniais da
cidade. Uma co-
leção particular
foi identificada,
que pertencia a
Antônio Zaine,
formada por ri-
fles da época da
R e v o l u ç ã o
Acreana, recor-
tes de jornais
contando o cotidiano de Xapuri,
móveis e máquinas registradoras
das grandes casas comerciais da
época. Após a decisão de adquirir o
acervo, foi iniciada a montagem do
museu, inaugurado em 3 de agosto
de 2005, com ajuda do Banco Nacio-
nal de Desenvolvimento Econômico
e Social (BNDES). Tanto a Casa de
Chico Mendes como o Museu do
Xapuri são servidos por monitores,
treinados pela Fundação Cultural
Elias Mansur, recrutados na própria
cidade.
Em Rio Branco, três espaços re-
centes se destacam, ao lado do Mu-
seu da Borracha, criado em 1978. São
eles o Palácio do Governo – conhe-
cido como Palácio Rio Branco –, o
Memorial dos Autonomistas e a Casa
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dos Povos da Floresta. O prédio do
Palácio do Governo teve sua pedra
fundamental lançada em 15 de junho
de 1929, sendo inaugurado no ano
seguinte e concluído definitivamen-
te apenas no fim da década de 1940.
Desde sua inauguração, o Palácio Rio
Branco tornou-se a principal refe-
rência do poder político do territó-
rio, depois estado. Também
representa um dos mais importan-
tes prédios do patrimônio histórico
e arquitetônico do Acre.
No ano de 1999, o prédio foi fecha-
do para reforma, que finalizou em
2002, quando foi aberto à visitação
pública. O governo transferiu sua
sede administrativa para outro pré-
dio, reservando, no antigo palácio,
apenas algumas salas para cerimô-
nias especiais. No térreo, encon-
tram-se as salas de exposição de
longa duração, compostas por refe-
rências fotográficas sobre a cidade
e sobre o próprio palácio, além de
uma sala que contém referências
que remontam aos povoamentos
indígenas. Nela, podem ser vistos
objetos recentes e cerâmicas pro-
venientes de prospecções arqueo-
lógicas. As chamadas “fases da luta”
pela autonomia do Acre estão retra-
tadas nas salas seguintes. Os recur-
sos utilizados valorizam o acervo e
conduzem suavemente o olhar do
visitante por meio de um bem arti-
culado projeto de programação vi-
sual e de iluminação.
A Casa dos Povos da Floresta teve
sua origem na Casa do Seringueiro,
da década de 1980. Inaugurada no dia
14 de abril de 2003, é um marco na
mudança de conceito na abordagem
da história da região, pois busca res-
gatar e valorizar a diversidade soci-
al que formou o estado, e não apenas
os vetores políticos e econômicos,
com destaque especial para as cren-
ças e os modos de vida dos serin-
gueiros, ribeirinhos, castanheiros e
povos indígenas da região. Sua ar-
quitetura, em linhas gerais, foi ins-
pirada nas residências indígenas,
apropriando-se também da maté-
ria-prima regional.
O Memorial dos Autonomistas foi
inaugurado em 20 de setembro de
2002 para homenagear aqueles que
lutaram pela autonomia do antigo
território federal do Acre, reservan-
do uma área para os mausoléus do
ex-governador José Guiomar dos
Santos e de sua esposa. Quando de-
putado federal, Guiomar dos Santos
foi autor da Lei de Autonomia do
Estado. Mas essa é apenas uma das
características do espaço, que reú-
ne sala de exposições temporárias,
teatro (chamado de Hélio Melo, ar-
tista que se destacou no estado por
suas pinturas naifs com temática
local), para 150 pessoas, e o Café do
Teatro, ponto de encontro na capi-
tal. O espaço também é dotado de
um grupo de guias capacitados para
acompanhar os visitantes.
Quanto ao Tocantins, vale desta-
car o fato de ser um estado recém-
criado (1988), cujas questões
relativas ao patrimônio cultural e à
memória territorial – ao contrário
do que se poderia supor – estão na
ordem do dia. A necessidade de
legitimação do processo de criação
de um novo estado no norte de Goiás
levou o governo a montar um mu-
seu histórico, localizado no chama-
do Palacinho (sede provisória do
governo do Tocantins, construído
em madeira), inaugurado em mar-
ço de 2002. O Memorial Coluna Pres-
tes, criado em 5 de outubro de 2001,
também se destaca no cenário da
grande Praça dos Girassóis – proje-
to de Oscar Niemeyer na capital Pal-
mas – e trata da passagem da coluna
pela região em 1924. Substituindo a
antiga Secretaria de Cultura, existe,
atualmente, a recém-criada Funda-
ção Cultural do Estado do Tocantins,
que dispõe de um Departamento de
Patrimônio Histórico, responsável
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pelas ações do Palacinho (Museu
Histórico) e de outros espaços cul-
turais. Em breve, outro museuserá
inaugurado no estado, em Nativida-
de, cidade tombada pelo Iphan, ocu-
pando a antiga Casa de Câmara e
Cadeia do Município.
No Paraná, a também jovem Lon-
drina (com pouco mais de 70 anos
de existência) investe em seus pro-
jetos culturais, incluindo a manuten-
ção de uma lei municipal de
incentivo. Dois museus se desta-
cam: o de Arte, inaugurado em 12 de
maio de 1992 e instalado no prédio
do antigo terminal rodoviário, pro-
jeto do arquiteto Vilanova Artigas,
e o Histórico, inaugurado em 18 de
setembro de 1970 e instalado, des-
de 1986, na antiga estação ferroviá-
ria. Recentemente, passou por com-
pleta reformulação, utilizando solu-
ções expográficas que permitem
uma dinâmica interpretação dos
primeiros anos de formação da ci-
dade. O museu privilegia a utilização
de recursos cenográficos variados,
alguns compostos de peças origi-
nais, outros de acervo misto, com
uma ampla seleção de fotografias.
O despojamento dos núcleos
temáticos permite uma boa
interatividade com os visitantes.
Uma idéia está sendo colocada em
prática: a construção de uma reser-
va técnica “visitável”, na qual o pú-
blico possa conhecer o acervo da
instituição, ainda que armazenado
sem as mesmas preocupações de-
monstradas nas salas de exposição,
como seria de se imaginar.
No Rio Grande do Sul, a
museologia está fortalecida
há décadas, baseada espe-
cialmente na ação do Siste-
ma Estadual de Museus. A
forma de organização des-
se sistema tem permitido ao
estado experimentar gran-
des avanços, por meio da
organização de debates,
oficinas, fóruns, trabalhos
conduzidos em grande
parte por representantes
regionais voluntários. Um dos esta-
dos brasileiros com maior quantida-
de de municípios, o Rio Grande do
Sul apresenta um crescente quadro
de criação de museus municipais,
além de planos de revitalização dos
já existentes, projetos que envol-
vem a participação de setores re-
presentativos da sociedade local.
Podemos citar alguns exemplos. O
Museu Zoobotânico Augusto Ruschi
(Muzar), em Passo Fundo, que har-
moniza os desejos de preservação,
conservação e pesquisa com ações
no campo da educação ambiental,
voltadas prioritariamente à comuni-
dade. O Museu Municipal de Caxias
do Sul trabalha essencialmente a
imigração italiana e a sua relação
com outras etnias. Os limites de atu-
ação do museu forma expandidos
para além de suas paredes, por meio
da utilização de ferramentas peda-
gógicas como a educação
patrimonial. O Museu Antropológi-
co Diretor Pestana, em Ijuí, privile-
gia a diversidade étnica na formação
da população da região, promoven-
do a valorização e o diálogo desses
diferentes grupos sociais formado-
res da população de fronteira. Nos
três museus citados, há projetos em
parceria com instituições científicas
do estado.
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É forçoso e agradável reconhecer
que os museus estão aumentando
no Brasil, especialmente em peque-
nas e médias cidades, não apenas
em quantidade absoluta, mas em qua-
lidade, objetividade e sensibilidade na
identificação de suas vocações, rom-
pendo com nossa geomuseologia
concentradora. Refletem um movi-
mento universal, principalmente no
que se refere à legitimação do
patrimônio cultural como fenômeno
local. É igualmente importante reco-
nhecer que assistimos também a
experiências de implantação de
“supermuseus” nas grandes cidades,
baseados na teatralização da memó-
ria ou na valorização do perfil “parque
temático”, no contexto de uma
“museomania”. Esses museus conso-
mem grandes parcelas dos atuais in-
vestimentos culturais do Estado bra-
sileiro, pela via direta ou por meio das
leis que permitem renúncia fiscal em
favor de projetos culturais, graças à
influência política de seus
idealizadores. Isso também é um fe-
nômeno universal, gerado pela lógica
hegemônica do novo liberalismo.
Esse choque de cenários, no lu-
gar de servir para reforçar oposi-
ções, deve orientar a política
museológica que atualmente se
consuma no Brasil. Não devemos
ficar divididos entre superestrutu-
ras museológicas e museus alter-
nativos, entre museus tradicionais
e “comunitários”, pois não avança-
ríamos na questão e correríamos
o risco de cair num perigoso
maniqueísmo conceitual. Mas de-
vemos reconhecer as experiênci-
as “fora do litoral”. Devemos decidir
se queremos investir no sucesso
imediato e sedutor dos grandes
museus e de suas exposições de
gadgets, ou estimular a imaginação
museológica, a simplicidade sensa-
ta das soluções e a participação dos
museólogos e demais especialistas
em harmonia com as populações.
O segundo caminho se mostra bas-
tante viável atualmente, e não ape-
nas uma utopia anacrônica. É hora
de sonhar e implantar uma
“museologia possível”, baseada na
mescla de valores e soluções, apoi-
ada em conceitos sólidos e críti-
cos, como a praticada nos
exemplos acima referidos.

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