Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Desenvolvimento Sustentável - Um conceito no limiar da utopia Carlos de Arbués Moreira Outubro 2005 Carlos de Arbués Moreira Desenvolvimento Sustentável – Um conceito no limiar da utopia 2 Desenvolvimento Sustentável – Um conceito no limiar da utopia Poucas palavras estarão mais na “moda” que sustentabilidade. Um discurso político, uma entrevista televisiva a um especialista económico, uma dissertação num qualquer congresso, nada valem se o conceito de sustentabilidade não estiver expresso, mesmo que tal nada o justifique. A vulgarização do termo e também do conceito, tem sido dos principais obstáculos à consciencialização de que a ideia de sustentabilidade é, neste início do século XXI, de uma importância fundamental para a implementação das políticas reguladoras da actividade humana, ao nível global e nos pontos em que ela contribui para a degradação do equilíbrio económico, social e ambiental do planeta. Martí Boada, da Fundación Abertis, afirmou no VII Congreso Nacional del Medio Ambiente1 que “a ideia-força é que se está falando de uma nova cultura, a cultura da sustentabilidade, recente, e é esse carácter de novidade de um processo novo que arrasta compreensivelmente uma lógica de dificuldade no processo”2. Mais adiante afirmou que “conhecem- se poucos processos com tanto êxito sociolinguístico”3 e, de seguida que “ a primeira grande dificuldade do desenvolvimento sustentável é o fenómeno da diáspora ou, como defendem alguns autores, do babelismo conceptual que nasceu em volta deste conceito”4. Para demonstrar esse babelismo Martí Boada vai buscar o exemplo da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, onde existem 85 definições distintas de desenvolvimento sustentável. Outro dos principais obstáculos à consciencialização da necessidade urgente de implementar regras de sustentabilidade surge do aproveitamento de um erro estratégico por parte das organizações “ambientalistas”. A colagem do conceito de sustentabilidade às suas teses, quase em exclusividade, principalmente a partir da Conferência do Rio de 1992, subalternizou a transversalidade inerente à ideia de sustentabilidade e, paradoxalmente, tornou-a insustentável quando levada à prática. É este um fenómeno a que alguns autores chamam de “verdadeirismo”, em oposição ao “antagonismo”, e que se traduz na tentação de alguns grupos, por lobby, 1 VII Congreso Nacional del Medio Ambiente, Novembro de 2004, Madrid 2 BOADA, Martí, “estrategias del Desarrollo Sostenible”, VII Congreso Nacional del Medio Ambiente, trad: Carlos Arbués Moreira 3 idem 4 ibidem Carlos de Arbués Moreira Desenvolvimento Sustentável – Um conceito no limiar da utopia 3 apropriarem-se do conceito de sustentabilidade para sua exclusiva formulação, como se fosse própria de um só sector. Logo, o “verdadeirismo” (a convicção que se detém a verdade exclusiva) é uma das debilidades que apresenta o conceito de desenvolvimento sustentável. Assim, e em oposição, devemos incentivar o “antagonismo” como forma de enfrentar aquela debilidade conceptual. O “antagonismo” consiste no incentivo ao surgimento do diálogo entre as diversas concepções de sustentabilidade, baseadas normalmente na especialização de quem as defende, de forma a encontrar soluções de consenso entre as partes. Uma terceira dificuldade no conceito de desenvolvimento sustentável é a que advém da confusão entre «sustentável» e «sustentado». 1. «Sustentável» versus «sustentado» Não estamos apenas perante uma diferença semântica, como poderia pensar-se e, provavelmente, pensam muitos dos que usam, indiscriminadamente, um e outro termo. Ainda há alguns dias, o Ministro encarregue da Pasta dos Transportes em Portugal utilizou, numa entrevista radiofónica e a propósito do Metro da cidade do Porto, os termos sustentável, sustentado e sustentabilidade, o que em princípio só lhe ficaria bem. A verdade é que, analisando o texto em concreto, ficámos convencidos que estas expressões tinham sido utilizadas para afirmar que era necessário verificar a viabilidade financeira do projecto de expansão do Metro do Porto. Não se tratava de um problema de sustentabilidade, antes de uma questão de sustentação financeira. Assim, um projecto é «sustentado» se alguma, ou algumas, características o sustém, como por exemplo os fundos comunitários. Um projecto é «sustentável» se, transversalmente, assegura a melhoria das condições de vida económica, social e ambiental das populações a que se dirige e, ao mesmo tempo, não põe em causa a capacidade futura da região e das suas populações em levar a cabo novos projectos sustentáveis. O mesmo se pode dizer do desenvolvimento. O desenvolvimento é «sustentado» se existem condições económicas, sociais e políticas que o suportem. O desenvolvimento é «sustentável» se pressupõe a melhoria das condições económicas, sociais e ambientais da região e das populações autóctones garantindo, simultaneamente, às gerações futuras, as condições necessárias ao seu próprio desenvolvimento sustentável. Como podemos verificar pelo atrás exposto, os termos «sustentado» e «sustentável» não são sinónimos, pelo que não se podem usar em Carlos de Arbués Moreira Desenvolvimento Sustentável – Um conceito no limiar da utopia 4 alternância. O que estamos a tratar neste trabalho é de desenvolvimento sustentável, a que corresponde o conceito de sustentabilidade. Porém, tal facto não impede que o desenvolvimento também tenha que ser sustentado, ou seja, tem de haver a preocupação de criar as condições económicas, sociais e políticas necessárias ao arranque de um processo de desenvolvimento. 2. O conceito de Crescimento Interessa, em primeiro lugar, abordar o conceito de crescimento, quantas vezes também confundido com o conceito de desenvolvimento. Mais uma vez, estes dois termos, não sendo sinónimos, não devem ser utilizados como se de um só conceito se tratasse. O conceito de crescimento económico pode ser encontrado logo nos textos dos pais da Economia – Adam Smith e David Ricardo – tendo por base o acréscimo de riqueza produzida. E embora o próprio Ricardo tenha afirmado que “… em estádios diferentes da sociedade, as proporções em que o produto da terra é atribuído a cada uma dessas classes, sob o nome de renda, de lucro e de salários, são essencialmente diversas … O problema principal da Economia política consiste em determinar as leis a que obedece esta distribuição.”, a verdade é que o crescimento era apenas visto na sua forma quantitativa, representando um aumento das rendas, lucros e salários globais, sem qualquer preocupação qualitativa. “… toda a história da análise económica é, também, história da análise do desenvolvimento, com o interregno «marginalista» e neoclássico desde fins do século passado até ao termo da 2ª Guerra Mundial. Ainda assim, excluindo tudo isto, fica matéria confusa nos domínios da teoria.”5 Na verdade, as ideias de desenvolvimento e crescimento de há muito estão incluídas no pensamento do homem, pelo que a sua primeira apreensão é-nos dada através dos historiadores em geral, e dos historiadores da Economia em particular. Porém, se aquelas percepções já fazem parte do pensamento humano, estando presentes na procura constante da melhoria das condições de vida das populações, já as teorias científicas do crescimento e do desenvolvimento, tais como nós as vimos na actualidade, são relativamente recentes. Pode mesmo dizer-se que a moderna teoria do crescimento económico nasceu com o artigo de Harrod, de 1939, três anos depois da publicação da Teoria Geral de Keynes, sendo que os primeiros modelos da5 MOURA, F. Pereira, lições de ECONOMIA, 4ª ed. Revista, reimpressão Coimbra : Livraria Almedina, 1978, p 391 Carlos de Arbués Moreira Desenvolvimento Sustentável – Um conceito no limiar da utopia 5 teoria do crescimento são complementos e respostas à teoria keyneziana. Tal convicção, que vai ao encontro da afirmação anterior de Francisco Pereira de Moura, não implica forçosamente que tenha havido antes um perfeito deserto de ideias no que ao crescimento diz respeito. Há interpretações clássicas e pós-classicas conhecidas que abordam directa ou indirectamente a problemática do crescimento. No entanto, a teoria moderna do crescimento nasce com Harrod e, principalmente, com a ideia que o crescimento económico resulta da acumulação de capital, sendo que esta é resultado da poupança (medida pela taxa de poupança) e do nível de rendimento que, em função do coeficiente de capital/produto, influencia significativamente o nível de tecnologia e de capacidade de inovação tecnológica da sociedade, gerando rendimentos de modo a que haja cada vez mais recursos económicos para satisfazer as necessidades de cada sociedade. Assim, seria da conjugação da acumulação de capital com o grau de tecnologia que determinariamos o crescimento da Economia. Era a base da teoria do «progresso», definido como o “crescimento da capacidade e da produção mais rápido do que a da população”6, cuja expressão fundamental era a equação designada de Harrod-Domar, a saber: em que ph é a taxa de crescimento do produto por habitante, f é a intensidade de acumulação de capital (∆K/P), c é o coeficiente capital/Produto (K/P) e π a taxa de crescimento da população. É necessário dizer que tudo isto se passava numa economia hipoteticamente fechada, em condições ceteris paribus, ou seja, onde os factores externos não se faziam sentir e, em que, todas as restantes incógnitas que poderiam influenciar o «progresso», directa ou indirectamente, não se alteravam. Daqui resultava uma primeira lista de obstáculos ao crescimento: a) Escassez de capital; b) Baixa eficiência dos factores produtivos; c) Peso demográfico; d) Exiguidade do mercado. Quanto à escassez de capital, lembremos que numa economia simplificada, a poupança é o que sobra da realização da actividade económica depois da aplicação de parte dos rendimentos gerados em gastos de consumo imediato (S=R-C). Ora, é essa poupança que serve, como foi 6 Idem, p 397 f ph = - π c Carlos de Arbués Moreira Desenvolvimento Sustentável – Um conceito no limiar da utopia 6 dito anteriormente, para investir em tecnologia. Porém, numa sociedade subdesenvolvida, em vias de crescimento, a maior parte da riqueza gerada é destinada ao consumo pondo em causa a própria capacidade de investir. As sociedades que necessitam de um maior crescimento são as que apresentam uma menor eficiência dos factores produtivos (Capital e Trabalho), pelo que, paradoxalmente, são as que mais dificuldades têm em crescer. O acréscimo demográfico das sociedades menos desenvolvidas apresenta-se como um sério obstáculo ao crescimento, aumentando as necessidades de consumo e diminuindo a eficiência dos factores produtivos. A exiguidade dos mercados dos países mais atrasados, relacionada com o fraco poder de compra e a deficiente organização da distribuição de mercadorias e produtos, impede que esse mercado interno sirva de trampolim ao crescimento da economia. Na sequência destas constatações, numa fase posterior à 2.ª Guerra Mundial, os estudos empíricos de Rosenstein-Rodan, entre outros, demonstraram que há dois tipos de crescimento: - o crescimento de países que têm taxas elevadas de poupança e níveis tecnológicos avançados, e nos quais o problema básico é combinar acumulação de capital com inovação tecnológica; - o crescimento em países que, por razões estruturais ou institucionais, culturais, civilizacionais, económicas, jurídicas, políticas, têm factores de atraso que como que os puxam para o fundo, enquanto os outros, os países mais dinâmicos da economia mundial, progridem. Após a primeira crise petrolífera em 1973/74 Robert Solow, constatando que tinha terminado o grande período de crescimento dos países desenvolvidos, cujo inicio remontava ao fim da II Guerra Mundial, perguntava-se pela razão que levara as economias dos países mais industrializados a inverterem a dinâmica de crescimento. A resposta de Solow à sua própria pergunta, seguindo o raciocínio de Schumpeter na primeira metade do século XX, constitui um enorme passo na investigação da teoria do crescimento e permitiu-lhe enunciar aquilo que chamou o Resíduo de Solow. Basicamente, o crescimento a longo prazo, na linha de Harrod Domar, depende da acumulação de capital e da dinâmica demográfica, bem como da variável (constante no curto-prazo, apenas possível de modificar no médio e longo prazo) coeficiente de capital/produto que, como vimos anteriormente, é influenciado pela capacidade tecnológica de cada economia. Carlos de Arbués Moreira Desenvolvimento Sustentável – Um conceito no limiar da utopia 7 Porém, Solow chegou à conclusão que este modelo não explicava totalmente o crescimento, que estava incompleto, que lhe faltaria qualquer coisa para além da demografia e do capital, coisa essa que explicaria as alterações de ritmo do crescimento económico sem que tais variáveis acusassem modificações susceptíveis de justificar que em determinadas alturas uma economia registasse grande crescimento e noutras pouco ou nada. A investigação de Solow levou-o a encontrar um conceito essencial da teoria do crescimento, o conceito de “produtividade” que marcou decididamente o conceito de crescimento desde o final dos anos 70 até aos dias de hoje. A produtividade, segundo Solow e outros que lhe seguiram, obtinha- se da conjugação de dois factores fundamentais: - a tecnologia - a inovação Esses factores, porém, dependem da capacidade que os homens apresentam em avançar nos propósitos da técnica e da inovação, com base numa preparação cada vez mais avançada. Então, a tecnologia e a inovação dependeriam principalmente do capital humano ou, por outras palavras, da qualificação dos elementos de uma sociedade. A partir dos finais dos anos 80, princípios dos anos 90, consolidou-se esta ideia de produtividade ligada à inovação combinada com a tecnologia, verificando-se porém, com a introdução da variável tempo, que os efeitos da qualificação dos recursos humanos tenderiam a diluir-se com o avançar do tempo, pelo que para garantir a continuidade do crescimento seria necessário um investimento permanente de forma a garantir o prosseguimento do efeito desses factores de produtividade. É na sequência deste raciocínio, que Lucas, curiosamente um neo-liberal, defende a necessidade do investimento do sector público (Estado) e privado (empresas), como forma de apostar a médio e longo prazo na qualificação dos recursos humanos e da sociedade em geral, visando a “sustentabilidade” do crescimento. Interessa aqui expor claramente a diferença entre Capital Humano e Capital Social: - Por Capital Humano entendemos a qualificação da mão-de-obra, isto é, dos recursos humanos de uma sociedade; - Já o Capital Social será o conjunto organizado das instituições nas quais o Homem, cada vez mais formado e qualificado, é capaz de produzir, tirando melhor proveito das inovações tecnológicas existentes e criando condições para que em momentos incertos novas inovações e novas Carlos de Arbués Moreira Desenvolvimento Sustentável – Um conceito no limiar da utopia 8 capacidades e competências tecnológicas gerem novas vagas de crescimento. Em resumo,a contribuição de Lucas e depois de Giddens e da famosa Escola de Londres, firma-se na ideia de que o crescimento, e também o desenvolvimento num contexto mais complexo, depende principalmente da capacidade que as sociedades demonstram de, a partir de acções dos sectores públicos e privados, investirem no capital humano e no capital social, ou seja, de apostarem na educação e formação, na ciência e na cultura de forma continuada. Este será, para esta escola, o factor principal que condicionará, a longo prazo, a produtividade, sendo desta que depende o crescimento económico e, como vimos anteriormente, o próprio desenvolvimento num contexto mais alargado. 3. O conceito de Desenvolvimento Sustentável O conceito de desenvolvimento é bem mais complexo que o de crescimento. Enquanto este último se baseia na combinação entre instituições, tecnologia e capital acumulado como variáveis determinantes, o conceito de desenvolvimento é muito mais transversal, tocando um conjunto de matérias de diversas ciências, desde a economia à biologia, da sociologia à geografia, da ecologia à antropologia, abarcando um número elevado de temas, tais como: - Crescimento económico, ambiente, cultura, pobreza, saúde, integração, nível de vida, tradição, identidade, espaço, equidade, etc… Tal mescla de assuntos e ciências implica uma ofensiva em várias frentes, através de equipas pluridisciplinares, de âmbito económico e não económico, exigindo ao mesmo tempo uma grande capacidade de diálogo, coordenação e negociação, para além de uma permanente regulação. Já não se trata de modelos simplistas, com pressupostos que dificilmente se obtêm na vida real, como era o caso do modelo Harrod/Domar, antes um trabalhar sobre o quotidiano, sobre as condições reais de vida das populações, visando a melhoria qualitativa e quantitativa a curto, médio e longo prazo. Porém, tais ideias de desenvolvimento são recentes. Apenas a partir da segunda metade do século XX, o conceito de desenvolvimento tomou esta complexidade, afastando-se do conceito de crescimento, embora ainda só assentasse nas teorias de acumulação de capital, de utilização dos recursos naturais, no desenvolvimento da tecnologia, nas condições e Carlos de Arbués Moreira Desenvolvimento Sustentável – Um conceito no limiar da utopia 9 organização socio-culturais e políticas. O que acontecia era que cada autor procurava seleccionar alguns destes elementos, indo ao encontro da sua especialização, atribuindo-lhes uma importância maior capaz, só por si, de explicar o desenvolvimento ou a falta dele. Aliás, paradoxalmente, é ao conceito de subdesenvolvimento que se devem os trabalhos mais interessantes nesta área. Em 1972, a Conferência de Estocolmo introduz as preocupações ambientais na agenda internacional, embora ainda de forma incipiente. Uns anos mais tarde, em 1980, é publicado pela UICN a “Estratégia Mundial para a Conservação” onde pela primeira vez é referido o termo desenvolvimento sustentável. Porém, só em 1987 o Relatório Brundtland aborda verdadeiramente o conceito de sustentabilidade e advoga um desenvolvimento com preocupações ambientais, que finalmente assumem a forma de um compromisso internacional na Conferência do Rio de Janeiro, em 1992. O conceito de desenvolvimento passa então a ter um carácter transversal, abarcando um conjunto vasto de áreas do conhecimento, que podem ser sintetizadas no conhecido modelo de Sadler e Jacobs7 : Figura 1 – Modelo de Sadler e Jacobs O modelo de Sadler e Jacobs funda-se na teoria dos conjuntos, propondo-se analisar o desenvolvimento sustentável a partir de um conjunto de alvos. Neste modelo o desenvolvimento sustentável surge 7 SADLER, B. e JACOBS, P., Définir les repports entre l’evaluation envoronnementale et les développement durable: la clé de l’avenir. In Developpement durable et evaluation environnementale: perspectives de planification d’un avenir commun, Conseil canadien de recherche sur l’evaluation environnementale, 1990, Ottawa Alvo Económico Alvo Social Alvo Ambiental 1 2 3 1 – Desenvolvimento Sustentável 2 – Economia Comunitária (ou social democrática segundo Ferron 1993) 3 – Conservação de equilíbrio (ou sistema de auto-consumo em agricultura sustentável segundo Ferron 1993) 4 – Integração económica/ambiental 4 Carlos de Arbués Moreira Desenvolvimento Sustentável – Um conceito no limiar da utopia 10 como uma situação de equilíbrio entre três alvos (Social, económico e ambiental). Este modelo acabou por dar a conhecer o triângulo do desenvolvimento sustentável de Sadler e Jacobs, que passamos a mostrar de seguida: Figura 2 – Triângulo de Sadler e Jacobs Este triângulo surge em quase todos os textos sobre o desenvolvimento sustentável, e justifica a procura de um equilíbrio entre as políticas económicas, ambientais e sociais. Porém, pensamos que, sendo de simples compreensão, não reflecte a complexidade que inevitavelmente a transversalidade dos conhecimentos e a profundidade dos tempos acarretam. O modelo de Sadler e Jacobs é, neste sentido, demasiado redutor para quem queira aprofundar a estratégia sustentável do desenvolvimento. O modelo desenvolvido pela “região-laboratório do desenvolvimento sustentável”8, inspirado em Claude Villeneuve9 e no triângulo de Sadler e Jacobs, apresenta quatro pólos fundamentais: a) Pólo Ético; b) Pólo Ecológico; c) Pólo Económico; d) Pólo Social. A novidade relativamente ao modelo anterior está na introdução de um Pólo Ético, revelador de que o modelo foi construído com base numa experiência prática de implementação regional do desenvolvimento sustentável. O modelo é representado por uma figura piramidal em 3D, um tetraedro com os quatro pólos referidos. 8 Région-laboratoire du développement durable du Saguenay – Lac-Saint-Jean, Une région engagée dans le développement durable: explication et grille d’analyse, Document d’information, sans date. 9 VILLENEUVE, Claude, Qui a peur de l’na 2000? Guide d’education relative à l’envirennement pour le développement durable, Editions Multimondes et UNESCO, 1998, Sainte-Foy Economia Ambiente Sociedade Carlos de Arbués Moreira Desenvolvimento Sustentável – Um conceito no limiar da utopia 11 Figura 3 – Modelo da região-laboratório do desenvolvimento sustentável O vértice superior do tetraedro representa a plena qualidade de vida, ou seja, a satisfação das necessidades respeitando os constrangimentos ecológicos, económicos e sociais, quer individualmente quer colectivamente, para além da equidade entre extractos sociais, regiões e países (equidade global) e a igualdade de oportunidades das actuais e das futuras gerações. Este conceito de qualidade de vida é, quanto a nós, um dos grandes contributos deste modelo com vista à conceptualização de um desenvolvimento sustentável aberto às necessidades actuais e à garantia de que é possível providenciar às gerações futuras condições próximas das actuais. O Relatório Brundtland define, senão um modelo, pelo menos as condições necessárias para prosseguir no sentido do desenvolvimento sustentável. Este modelo, baseado no referido Relatório da Comissão Mundial para o Ambiente e Desenvolvimento (CMAD), sublima o relacionamento entre os diversos sistemas da sociedade (Político, Económico, Social, Produtivo, Administrativo e Internacional) e os objectivos com que cada sistema pode contribuir para o objectivo final do Desenvolvimento Sustentável. A evoluçãodeste sistema, nomeadamente através dos conceitos de organização em rede, permitiram verificar a complexidade do modelo, para além de imporem a ideia da transversalidade do desenvolvimento e a necessidade da existência de equipas ou grupos de trabalho pluridisciplinares. Pólo Ético Necessidades de equidade Pólo Ecológico Necessidade de um ambiente são Pólo Económico Necessidades materiais Pólo Social Necessidades sociais Qualidade de Vida Carlos de Arbués Moreira Desenvolvimento Sustentável – Um conceito no limiar da utopia 12 Figura 4 – Modelo adaptado por Carlos de Arbués Moreira a partir do Reletório Brundtland Em 1992, Young10 apresentou as condições que, segundo ele, permitiriam uma aplicação do desenvolvimento sustentável. Estas condições deveriam ser integradas num Projecto de Desenvolvimento, ou seja, num plano por etapas e objectivos a partir de um diagnóstico prévio à situação do território que se deseja desenvolver. O texto de Young teve o mérito de alargar a visão economicista e estreita que, até então, suportava a ideia de desenvolvimento, ao mesmo tempo que tipificava um conjunto de normas e práticas destinadas à elaboração de Planos de Desenvolvimento a partir de um conjunto homogéneo de objectivos. Figura 5 – Modelo de Young, adaptado por Carlos de Arbués Moreira 10 YOUNG, M.D., Sustainable Investment and Resources Use, Parthenon – UNESCO, 1992 Sistema de Produção Sistema Social Sistema Político Sistema Económico Sistema Internacional Sistema Administrativo Desenvolvimento Sustentável Conservação do Capital - Natureza Manter a Qualidade Ambiental Evitar os erros da Administração e do Governo Manter as oportunidades para o futuro Equidade Nacional e Internacional Utilização eficiente dos Recursos Projecto de Desenvolvimento Sustentável Soluções de Compromisso Carlos de Arbués Moreira Desenvolvimento Sustentável – Um conceito no limiar da utopia 13 Não cabe neste trabalho, por evidente falta de espaço, uma explicação mais pormenorizada do modelo de Young, dada a sua complexidade. Interessa, no entanto reter o conceito Capital – Natureza, ou seja, a capacidade do Planeta, de um País ou de uma região gerir os recursos parcialmente renováveis e os não renováveis. Para os primeiros, Young defende que os custos de renovação devem ser incorporados no preço dos próprios recursos, introduzindo o conceito de utilizador/pagador tão em moda nos dias de hoje. Para os segundos, Young defende a revalorização dos recursos não renováveis, mantendo ou diminuindo o seu consumo, ao mesmo tempo que pretende reinvestir os montantes obtidos nos direitos de exploração na investigação e desenvolvimento de soluções alternativas de substituição. Note-se que o objectivo primeiro deste modelo de Young foi o de tentar compatibilizar e integrar a “economia ambiental” (resultante dos diversos impactes ambientais) na economia clássica. Porém, ao colocar os Projectos de Desenvolvimento na escala territorial (internacional, nacional e local) e ao defender as soluções de compromisso entre o ambiente e a economia, Young foi, sem dúvida, o precursor dos diversos modelos em que se baseiam as Agendas 21, quer estas sejam globais, nacionais ou locais. Na Conferência do Rio, em 1992, foi lançada a ideia da Agenda 21 Local (A21L) como forma de levar à escala regional e local os processos de desenvolvimento sustentável. Estas A21L’s têm produzido formal e, principalmente, de forma informal, modelos locais de desenvolvimento sustentável. Embora diferentes e adaptados aos locais de implementação da Agenda, quase todos os modelos existentes estão baseados num conjunto de relações e práticas que, simplificando, podem dar origem a um modelo síntese. A Agenda 21 Local é, na sua essência, um método de actuação ao nível local que visa a implementação de uma estratégia de desenvolvimento sustentável através de um esquema de participação das autoridades locais, instituições, grupos organizados da sociedade civil e/ou cidadãos individuais, com vista à melhoria das condições de vida dos cidadãos residentes no território em causa, melhorando as condições económicas e sociais e preservando e ordenando o meio ambiente e os recursos naturais, tendo em conta a necessidade de legar para o futuro pelo menos as mesmas condições que herdámos do passado. Assim, a A21L vai ao encontro da transversalidade pluridisciplinar e da profundidade temporal do desenvolvimento sustentável, residindo na Carlos de Arbués Moreira Desenvolvimento Sustentável – Um conceito no limiar da utopia 14 rede local de informação, formação e decisão a seiva que permite caminhar no sentido da definição da estratégia e na escolha das actividades e dos objectivos específicos que implicarão acções concretas a curto, médio e longo prazo11. Figura 6 – Modelo Formal síntese da A21L adaptado por Carlos de Arbués Moreira A este modelo formal corresponde um modelo de desenvolvimento sustentável compatível com a estrutura existente, e vice-versa. Na verdade, 11 Na Europa em geral e na Península Ibérica em particular, a A21L é de iniciativa das autoridades locais (Câmaras Municipais em Portugal, Ayuntamientos, Comarcas e Províncias em Espanha). A estrutura da A21L é normalmente formada pelos Grupos Temáticos, que discutem os problemas do território por tema, a Comissão que reúne os vários temas e elabora documentos sínteses e o Fórum 21 que discute e aprova o Diagnóstico, Plano de Acção e as alterações decorrentes da avaliação contínua da execução do Plano de Acção. A Câmara Municipal apoia e coordena os trabalhos da Agenda 21 Local e é o órgão executivo. A Entidade Técnica (exterior à Câmara ou constituída por técnicos da autarquia) é o órgão consultivo da A21L e realiza os estudos, inquéritos e outros trabalhos necessários. Administração Pública Câmaras Municipais Entidade Técnica POPULAÇÃO GRUPOS TEMÁTICOS E COMISSÃO FÓRUM 21 LOCAL DIAGNÓSTICO DA SITUAÇÃO LOCAL ACTIVIDADES DE FORMAÇÃO E INFORMAÇÃO P LA N O D E A CÇ ÃO EXECUÇÃO Formação da Estrutura Circuito de Sensibilização Circuito do Diagnóstico Circuito de Boas Práticas Circuito do Plano de Acção Circuito de Execução do Plano Circuito de Retroacção LEGENDAS: Carlos de Arbués Moreira Desenvolvimento Sustentável – Um conceito no limiar da utopia 15 só a complexidade dos temas abordados numa A21L e a necessidade de garantir a participação do maior número de entidades, grupos de interesse e cidadãos comuns justifica uma estrutura tão pesada. Figura 7 – Modelo síntese da A21L adaptado por Carlos de Arbués Moreira Da figura 7 pode retirar-se que os motores da A21L são as Autoridades Locais, a Estrutura da A21L, a Entidade Técnica e as Condicionantes Externas12. A Agenda 21 Local coloca o problema do desenvolvimento sustentável na localização correcta perante a pressão neoliberal que caracteriza na actualidade a política de grande parte dos países desenvolvidos e de importantes organizações internacionais. Na verdade, é nas esferas locais e regionais, onde se joga grande parte do nível de vida daspopulações, que é fundamental alterar as mentalidades e os 12 É devido à existência destas condicionantes externas que faz sentido a frase “pensar global, agir local”. Desenvolvimento Sustentável Câmara Municipal - Objectivos Institucionais e de Coordenação Grupos Temáticos, Comissão e Fórum 21 - Objectivos Económicos, Sociais, Culturais, Ambientais e Observatório Entidade Técnica - Objectivos Éticos, Científicos e de Monotorização Condicionantes Externas ao Território - Objectivos de Integração e Cooperação Carlos de Arbués Moreira Desenvolvimento Sustentável – Um conceito no limiar da utopia 16 comportamentos numa primeira instância, aproveitando as boas práticas daqui resultantes como exemplos para outros locais ou regiões. Face à globalização neoliberal das grandes variáveis macroeconómicas, a resposta deve apostar na transformação das práticas diárias ao nível local, num discurso que invoque a todo o momento as vantagens em caminhar no sentido do desenvolvimento sustentável. 4. Conclusão Por tudo o que escrevemos anteriormente parece ter ficado claro o carácter simultaneamente utópico e imprescindível do desenvolvimento sustentável. Utópico porque é uma prática que, pelo menos com os conhecimentos actuais, nunca será completamente conseguida. Imprescindível porque sem este tipo de desenvolvimento condenamos o Planeta, e com ele a espécie humana, ao caos e à extinção prematura. O desenvolvimento sustentável é, antes de mais, uma utopia fundamental à sobrevivência da humanidade e do mundo tal como ainda podemos vê-lo actualmente. Logo o seu carácter de urgência. Mas também é algo que exige um esforço constante, uma atenção permanente, uma vigilância apertada e um discurso cauteloso. O desenvolvimento sustentável é, fundamentalmente, um processo de organização da sociedade, ao nível das mentalidades e dos procedimentos, tendente a garantir a sobrevivência da espécie humana através da equidade social e da preservação ambiental, permitindo o acesso de cada vez maior número de pessoas aos níveis de vida socialmente aceitáveis e, simultaneamente, garantindo uma utilização progressivamente mais eficiente dos recursos existentes. É, pois, altura de privilegiar um discurso que defenda os benefícios de uma prática tendente a um desenvolvimento mais sustentável, a partir da criação de plataformas locais, regionais e nacionais em redor dos princípios da equidade social, da preservação ambiental e do progresso qualitativo (desenvolvimento não é só crescimento). É, ainda, altura para difundir e vulgarizar o conceito de desenvolvimento sustentável através de uma educação que explique as vantagens da utilização permanente de boas práticas ambientais e dos valores da solidariedade activa e da cooperação. É, por fim, necessário e imprescindível pressionar os governos nacionais e regionais para adoptarem, no quadro das suas competências, políticas económicas em que estejam presentes, efectivamente, Carlos de Arbués Moreira Desenvolvimento Sustentável – Um conceito no limiar da utopia 17 considerações de ordem ambiental e de justiça social visando um estado superior de desenvolvimento sustentável. 5. Bibliografia BOADA, M., “estrategias del Desarrollo Sostenible”, VII Congreso Nacional del Medio Ambiente, Madrid, 2004, trad: Carlos Arbués Moreira HERRERO, Luis J., La Estrategia Española de Desarrollo Sostenible, Cuadernos de Sostenibilidad y Patrimonio Natural, nº1, Fundación Santader Central Hispano, Madrid, 2002, 52-76 MOURA, F. Pereira, lições de ECONOMIA, 4ª ed. Revista, reimpressão, Livraria Almedina, Coimbra, 1978 NOGUEIRA, V., Introdução ao Pensamento Ecológico, Plátano Ed. Técnicas, Lisboa, 2000 SADLER, B. e JACOBS, P., Définir les repports entre l’evaluation envoronnementale et les développement durable: la clé de l’avenir. In Developpement durable et evaluation environnementale: perspectives de planification d’un avenir commun, Conseil canadien de recherche sur l’evaluation environnementale,Ottawa, 1990 VILLENEUVE, Claude, Qui a peur de l’na 2000? Guide d’education relative à l’envirennement pour le développement durable, Editions Multimondes et UNESCO, Sainte-Foy, 1998 YOUNG, M.D., Sustainable Investment and Resources Use, Parthenon – UNESCO, 1992
Compartilhar