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Aula 2 Texto de Apoio Desenvolvimento Sustentável um conceito no liminar da utopia

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Desenvolvimento Sustentável - 
 
Um conceito no limiar da utopia 
 
 
 
 
 
 
 
Carlos de Arbués Moreira 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Outubro 2005 
 
Carlos de Arbués Moreira 
Desenvolvimento Sustentável – Um conceito no limiar da utopia 2
Desenvolvimento Sustentável – Um conceito no limiar da utopia 
 
 
 
Poucas palavras estarão mais na “moda” que sustentabilidade. Um 
discurso político, uma entrevista televisiva a um especialista económico, 
uma dissertação num qualquer congresso, nada valem se o conceito de 
sustentabilidade não estiver expresso, mesmo que tal nada o justifique. 
A vulgarização do termo e também do conceito, tem sido dos 
principais obstáculos à consciencialização de que a ideia de 
sustentabilidade é, neste início do século XXI, de uma importância 
fundamental para a implementação das políticas reguladoras da actividade 
humana, ao nível global e nos pontos em que ela contribui para a 
degradação do equilíbrio económico, social e ambiental do planeta. 
Martí Boada, da Fundación Abertis, afirmou no VII Congreso 
Nacional del Medio Ambiente1 que “a ideia-força é que se está falando de 
uma nova cultura, a cultura da sustentabilidade, recente, e é esse carácter 
de novidade de um processo novo que arrasta compreensivelmente uma 
lógica de dificuldade no processo”2. Mais adiante afirmou que “conhecem-
se poucos processos com tanto êxito sociolinguístico”3 e, de seguida que “ 
a primeira grande dificuldade do desenvolvimento sustentável é o 
fenómeno da diáspora ou, como defendem alguns autores, do babelismo 
conceptual que nasceu em volta deste conceito”4. Para demonstrar esse 
babelismo Martí Boada vai buscar o exemplo da Biblioteca do Congresso 
dos Estados Unidos, onde existem 85 definições distintas de 
desenvolvimento sustentável. 
Outro dos principais obstáculos à consciencialização da necessidade 
urgente de implementar regras de sustentabilidade surge do aproveitamento 
de um erro estratégico por parte das organizações “ambientalistas”. A 
colagem do conceito de sustentabilidade às suas teses, quase em 
exclusividade, principalmente a partir da Conferência do Rio de 1992, 
subalternizou a transversalidade inerente à ideia de sustentabilidade e, 
paradoxalmente, tornou-a insustentável quando levada à prática. É este um 
fenómeno a que alguns autores chamam de “verdadeirismo”, em oposição 
ao “antagonismo”, e que se traduz na tentação de alguns grupos, por lobby, 
 
1
 VII Congreso Nacional del Medio Ambiente, Novembro de 2004, Madrid 
2
 BOADA, Martí, “estrategias del Desarrollo Sostenible”, VII Congreso Nacional del Medio Ambiente, 
trad: Carlos Arbués Moreira 
3
 idem 
4
 ibidem 
Carlos de Arbués Moreira 
Desenvolvimento Sustentável – Um conceito no limiar da utopia 3
apropriarem-se do conceito de sustentabilidade para sua exclusiva 
formulação, como se fosse própria de um só sector. 
Logo, o “verdadeirismo” (a convicção que se detém a verdade 
exclusiva) é uma das debilidades que apresenta o conceito de 
desenvolvimento sustentável. Assim, e em oposição, devemos incentivar o 
“antagonismo” como forma de enfrentar aquela debilidade conceptual. 
O “antagonismo” consiste no incentivo ao surgimento do diálogo 
entre as diversas concepções de sustentabilidade, baseadas normalmente na 
especialização de quem as defende, de forma a encontrar soluções de 
consenso entre as partes. 
Uma terceira dificuldade no conceito de desenvolvimento sustentável 
é a que advém da confusão entre «sustentável» e «sustentado». 
1. «Sustentável» versus «sustentado» 
 
Não estamos apenas perante uma diferença semântica, como poderia 
pensar-se e, provavelmente, pensam muitos dos que usam, 
indiscriminadamente, um e outro termo. 
Ainda há alguns dias, o Ministro encarregue da Pasta dos 
Transportes em Portugal utilizou, numa entrevista radiofónica e a propósito 
do Metro da cidade do Porto, os termos sustentável, sustentado e 
sustentabilidade, o que em princípio só lhe ficaria bem. A verdade é que, 
analisando o texto em concreto, ficámos convencidos que estas expressões 
tinham sido utilizadas para afirmar que era necessário verificar a 
viabilidade financeira do projecto de expansão do Metro do Porto. Não se 
tratava de um problema de sustentabilidade, antes de uma questão de 
sustentação financeira. 
Assim, um projecto é «sustentado» se alguma, ou algumas, 
características o sustém, como por exemplo os fundos comunitários. Um 
projecto é «sustentável» se, transversalmente, assegura a melhoria das 
condições de vida económica, social e ambiental das populações a que se 
dirige e, ao mesmo tempo, não põe em causa a capacidade futura da região 
e das suas populações em levar a cabo novos projectos sustentáveis. 
O mesmo se pode dizer do desenvolvimento. O desenvolvimento é 
«sustentado» se existem condições económicas, sociais e políticas que o 
suportem. O desenvolvimento é «sustentável» se pressupõe a melhoria das 
condições económicas, sociais e ambientais da região e das populações 
autóctones garantindo, simultaneamente, às gerações futuras, as condições 
necessárias ao seu próprio desenvolvimento sustentável. 
Como podemos verificar pelo atrás exposto, os termos «sustentado» 
e «sustentável» não são sinónimos, pelo que não se podem usar em 
Carlos de Arbués Moreira 
Desenvolvimento Sustentável – Um conceito no limiar da utopia 4
alternância. O que estamos a tratar neste trabalho é de desenvolvimento 
sustentável, a que corresponde o conceito de sustentabilidade. Porém, tal 
facto não impede que o desenvolvimento também tenha que ser sustentado, 
ou seja, tem de haver a preocupação de criar as condições económicas, 
sociais e políticas necessárias ao arranque de um processo de 
desenvolvimento. 
2. O conceito de Crescimento 
 
Interessa, em primeiro lugar, abordar o conceito de crescimento, 
quantas vezes também confundido com o conceito de desenvolvimento. 
Mais uma vez, estes dois termos, não sendo sinónimos, não devem ser 
utilizados como se de um só conceito se tratasse. 
O conceito de crescimento económico pode ser encontrado logo nos 
textos dos pais da Economia – Adam Smith e David Ricardo – tendo por 
base o acréscimo de riqueza produzida. E embora o próprio Ricardo tenha 
afirmado que “… em estádios diferentes da sociedade, as proporções em 
que o produto da terra é atribuído a cada uma dessas classes, sob o nome 
de renda, de lucro e de salários, são essencialmente diversas … O 
problema principal da Economia política consiste em determinar as leis a 
que obedece esta distribuição.”, a verdade é que o crescimento era apenas 
visto na sua forma quantitativa, representando um aumento das rendas, 
lucros e salários globais, sem qualquer preocupação qualitativa. 
 “… toda a história da análise económica é, também, história da 
análise do desenvolvimento, com o interregno «marginalista» e 
neoclássico desde fins do século passado até ao termo da 2ª Guerra 
Mundial. Ainda assim, excluindo tudo isto, fica matéria confusa nos 
domínios da teoria.”5 
Na verdade, as ideias de desenvolvimento e crescimento de há muito 
estão incluídas no pensamento do homem, pelo que a sua primeira 
apreensão é-nos dada através dos historiadores em geral, e dos 
historiadores da Economia em particular. Porém, se aquelas percepções já 
fazem parte do pensamento humano, estando presentes na procura 
constante da melhoria das condições de vida das populações, já as teorias 
científicas do crescimento e do desenvolvimento, tais como nós as vimos 
na actualidade, são relativamente recentes. 
Pode mesmo dizer-se que a moderna teoria do crescimento 
económico nasceu com o artigo de Harrod, de 1939, três anos depois da 
publicação da Teoria Geral de Keynes, sendo que os primeiros modelos da5
 MOURA, F. Pereira, lições de ECONOMIA, 4ª ed. Revista, reimpressão Coimbra : Livraria Almedina, 
1978, p 391 
Carlos de Arbués Moreira 
Desenvolvimento Sustentável – Um conceito no limiar da utopia 5
teoria do crescimento são complementos e respostas à teoria keyneziana. 
Tal convicção, que vai ao encontro da afirmação anterior de Francisco 
Pereira de Moura, não implica forçosamente que tenha havido antes um 
perfeito deserto de ideias no que ao crescimento diz respeito. Há 
interpretações clássicas e pós-classicas conhecidas que abordam directa ou 
indirectamente a problemática do crescimento. No entanto, a teoria 
moderna do crescimento nasce com Harrod e, principalmente, com a ideia 
que o crescimento económico resulta da acumulação de capital, sendo que 
esta é resultado da poupança (medida pela taxa de poupança) e do nível de 
rendimento que, em função do coeficiente de capital/produto, influencia 
significativamente o nível de tecnologia e de capacidade de inovação 
tecnológica da sociedade, gerando rendimentos de modo a que haja cada 
vez mais recursos económicos para satisfazer as necessidades de cada 
sociedade. Assim, seria da conjugação da acumulação de capital com o 
grau de tecnologia que determinariamos o crescimento da Economia. 
Era a base da teoria do «progresso», definido como o “crescimento 
da capacidade e da produção mais rápido do que a da população”6, cuja 
expressão fundamental era a equação designada de Harrod-Domar, a saber: 
 
 
 
 
em que ph é a taxa de crescimento do produto por habitante, f é a 
intensidade de acumulação de capital (∆K/P), c é o coeficiente 
capital/Produto (K/P) e π a taxa de crescimento da população. 
É necessário dizer que tudo isto se passava numa economia 
hipoteticamente fechada, em condições ceteris paribus, ou seja, onde os 
factores externos não se faziam sentir e, em que, todas as restantes 
incógnitas que poderiam influenciar o «progresso», directa ou 
indirectamente, não se alteravam. 
Daqui resultava uma primeira lista de obstáculos ao crescimento: 
a) Escassez de capital; 
b) Baixa eficiência dos factores produtivos; 
c) Peso demográfico; 
d) Exiguidade do mercado. 
Quanto à escassez de capital, lembremos que numa economia 
simplificada, a poupança é o que sobra da realização da actividade 
económica depois da aplicação de parte dos rendimentos gerados em gastos 
de consumo imediato (S=R-C). Ora, é essa poupança que serve, como foi 
 
6
 Idem, p 397 
 f 
ph = - π 
 c 
Carlos de Arbués Moreira 
Desenvolvimento Sustentável – Um conceito no limiar da utopia 6
dito anteriormente, para investir em tecnologia. Porém, numa sociedade 
subdesenvolvida, em vias de crescimento, a maior parte da riqueza gerada é 
destinada ao consumo pondo em causa a própria capacidade de investir. 
As sociedades que necessitam de um maior crescimento são as que 
apresentam uma menor eficiência dos factores produtivos (Capital e 
Trabalho), pelo que, paradoxalmente, são as que mais dificuldades têm em 
crescer. 
O acréscimo demográfico das sociedades menos desenvolvidas 
apresenta-se como um sério obstáculo ao crescimento, aumentando as 
necessidades de consumo e diminuindo a eficiência dos factores 
produtivos. 
A exiguidade dos mercados dos países mais atrasados, relacionada 
com o fraco poder de compra e a deficiente organização da distribuição de 
mercadorias e produtos, impede que esse mercado interno sirva de 
trampolim ao crescimento da economia. 
Na sequência destas constatações, numa fase posterior à 2.ª Guerra 
Mundial, os estudos empíricos de Rosenstein-Rodan, entre outros, 
demonstraram que há dois tipos de crescimento: 
- o crescimento de países que têm taxas elevadas de poupança e 
níveis tecnológicos avançados, e nos quais o problema básico é combinar 
acumulação de capital com inovação tecnológica; 
- o crescimento em países que, por razões estruturais ou 
institucionais, culturais, civilizacionais, económicas, jurídicas, políticas, 
têm factores de atraso que como que os puxam para o fundo, enquanto os 
outros, os países mais dinâmicos da economia mundial, progridem. 
 
Após a primeira crise petrolífera em 1973/74 Robert Solow, 
constatando que tinha terminado o grande período de crescimento dos 
países desenvolvidos, cujo inicio remontava ao fim da II Guerra Mundial, 
perguntava-se pela razão que levara as economias dos países mais 
industrializados a inverterem a dinâmica de crescimento. 
A resposta de Solow à sua própria pergunta, seguindo o raciocínio de 
Schumpeter na primeira metade do século XX, constitui um enorme passo 
na investigação da teoria do crescimento e permitiu-lhe enunciar aquilo que 
chamou o Resíduo de Solow. 
Basicamente, o crescimento a longo prazo, na linha de Harrod 
Domar, depende da acumulação de capital e da dinâmica demográfica, bem 
como da variável (constante no curto-prazo, apenas possível de modificar 
no médio e longo prazo) coeficiente de capital/produto que, como vimos 
anteriormente, é influenciado pela capacidade tecnológica de cada 
economia. 
Carlos de Arbués Moreira 
Desenvolvimento Sustentável – Um conceito no limiar da utopia 7
Porém, Solow chegou à conclusão que este modelo não explicava 
totalmente o crescimento, que estava incompleto, que lhe faltaria qualquer 
coisa para além da demografia e do capital, coisa essa que explicaria as 
alterações de ritmo do crescimento económico sem que tais variáveis 
acusassem modificações susceptíveis de justificar que em determinadas 
alturas uma economia registasse grande crescimento e noutras pouco ou 
nada. 
A investigação de Solow levou-o a encontrar um conceito essencial 
da teoria do crescimento, o conceito de “produtividade” que marcou 
decididamente o conceito de crescimento desde o final dos anos 70 até aos 
dias de hoje. 
A produtividade, segundo Solow e outros que lhe seguiram, obtinha-
se da conjugação de dois factores fundamentais: 
- a tecnologia 
- a inovação 
Esses factores, porém, dependem da capacidade que os homens 
apresentam em avançar nos propósitos da técnica e da inovação, com base 
numa preparação cada vez mais avançada. Então, a tecnologia e a inovação 
dependeriam principalmente do capital humano ou, por outras palavras, da 
qualificação dos elementos de uma sociedade. 
A partir dos finais dos anos 80, princípios dos anos 90, consolidou-se 
esta ideia de produtividade ligada à inovação combinada com a tecnologia, 
verificando-se porém, com a introdução da variável tempo, que os efeitos 
da qualificação dos recursos humanos tenderiam a diluir-se com o avançar 
do tempo, pelo que para garantir a continuidade do crescimento seria 
necessário um investimento permanente de forma a garantir o 
prosseguimento do efeito desses factores de produtividade. É na sequência 
deste raciocínio, que Lucas, curiosamente um neo-liberal, defende a 
necessidade do investimento do sector público (Estado) e privado 
(empresas), como forma de apostar a médio e longo prazo na qualificação 
dos recursos humanos e da sociedade em geral, visando a 
“sustentabilidade” do crescimento. 
Interessa aqui expor claramente a diferença entre Capital Humano e 
Capital Social: 
- Por Capital Humano entendemos a qualificação da mão-de-obra, 
isto é, dos recursos humanos de uma sociedade; 
- Já o Capital Social será o conjunto organizado das instituições nas 
quais o Homem, cada vez mais formado e qualificado, é capaz de produzir, 
tirando melhor proveito das inovações tecnológicas existentes e criando 
condições para que em momentos incertos novas inovações e novas 
Carlos de Arbués Moreira 
Desenvolvimento Sustentável – Um conceito no limiar da utopia 8
capacidades e competências tecnológicas gerem novas vagas de 
crescimento. 
 
Em resumo,a contribuição de Lucas e depois de Giddens e da 
famosa Escola de Londres, firma-se na ideia de que o crescimento, e 
também o desenvolvimento num contexto mais complexo, depende 
principalmente da capacidade que as sociedades demonstram de, a partir de 
acções dos sectores públicos e privados, investirem no capital humano e no 
capital social, ou seja, de apostarem na educação e formação, na ciência e 
na cultura de forma continuada. Este será, para esta escola, o factor 
principal que condicionará, a longo prazo, a produtividade, sendo desta que 
depende o crescimento económico e, como vimos anteriormente, o próprio 
desenvolvimento num contexto mais alargado. 
 
3. O conceito de Desenvolvimento Sustentável 
 
 
O conceito de desenvolvimento é bem mais complexo que o de 
crescimento. Enquanto este último se baseia na combinação entre 
instituições, tecnologia e capital acumulado como variáveis determinantes, 
o conceito de desenvolvimento é muito mais transversal, tocando um 
conjunto de matérias de diversas ciências, desde a economia à biologia, da 
sociologia à geografia, da ecologia à antropologia, abarcando um número 
elevado de temas, tais como: - Crescimento económico, ambiente, cultura, 
pobreza, saúde, integração, nível de vida, tradição, identidade, espaço, 
equidade, etc… 
Tal mescla de assuntos e ciências implica uma ofensiva em várias 
frentes, através de equipas pluridisciplinares, de âmbito económico e não 
económico, exigindo ao mesmo tempo uma grande capacidade de diálogo, 
coordenação e negociação, para além de uma permanente regulação. 
Já não se trata de modelos simplistas, com pressupostos que 
dificilmente se obtêm na vida real, como era o caso do modelo 
Harrod/Domar, antes um trabalhar sobre o quotidiano, sobre as condições 
reais de vida das populações, visando a melhoria qualitativa e quantitativa a 
curto, médio e longo prazo. 
Porém, tais ideias de desenvolvimento são recentes. Apenas a partir 
da segunda metade do século XX, o conceito de desenvolvimento tomou 
esta complexidade, afastando-se do conceito de crescimento, embora ainda 
só assentasse nas teorias de acumulação de capital, de utilização dos 
recursos naturais, no desenvolvimento da tecnologia, nas condições e 
Carlos de Arbués Moreira 
Desenvolvimento Sustentável – Um conceito no limiar da utopia 9
organização socio-culturais e políticas. O que acontecia era que cada autor 
procurava seleccionar alguns destes elementos, indo ao encontro da sua 
especialização, atribuindo-lhes uma importância maior capaz, só por si, de 
explicar o desenvolvimento ou a falta dele. Aliás, paradoxalmente, é ao 
conceito de subdesenvolvimento que se devem os trabalhos mais 
interessantes nesta área. 
 
Em 1972, a Conferência de Estocolmo introduz as preocupações 
ambientais na agenda internacional, embora ainda de forma incipiente. Uns 
anos mais tarde, em 1980, é publicado pela UICN a “Estratégia Mundial 
para a Conservação” onde pela primeira vez é referido o termo 
desenvolvimento sustentável. Porém, só em 1987 o Relatório Brundtland 
aborda verdadeiramente o conceito de sustentabilidade e advoga um 
desenvolvimento com preocupações ambientais, que finalmente assumem a 
forma de um compromisso internacional na Conferência do Rio de Janeiro, 
em 1992. 
 
O conceito de desenvolvimento passa então a ter um carácter 
transversal, abarcando um conjunto vasto de áreas do conhecimento, que 
podem ser sintetizadas no conhecido modelo de Sadler e Jacobs7 : 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 1 – Modelo de Sadler e Jacobs 
 
 O modelo de Sadler e Jacobs funda-se na teoria dos conjuntos, 
propondo-se analisar o desenvolvimento sustentável a partir de um 
conjunto de alvos. Neste modelo o desenvolvimento sustentável surge 
 
7
 SADLER, B. e JACOBS, P., Définir les repports entre l’evaluation envoronnementale et les 
développement durable: la clé de l’avenir. In Developpement durable et evaluation environnementale: 
perspectives de planification d’un avenir commun, Conseil canadien de recherche sur l’evaluation 
environnementale, 1990, Ottawa 
Alvo 
Económico Alvo Social 
Alvo 
Ambiental 
1 
2 
3 
1 – Desenvolvimento Sustentável 
2 – Economia Comunitária (ou social 
democrática segundo Ferron 1993) 
3 – Conservação de equilíbrio (ou 
sistema de auto-consumo em 
agricultura sustentável segundo 
Ferron 1993) 
4 – Integração económica/ambiental 
4 
Carlos de Arbués Moreira 
Desenvolvimento Sustentável – Um conceito no limiar da utopia 10
como uma situação de equilíbrio entre três alvos (Social, económico e 
ambiental). 
 Este modelo acabou por dar a conhecer o triângulo do 
desenvolvimento sustentável de Sadler e Jacobs, que passamos a mostrar de 
seguida: 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 2 – Triângulo de Sadler e Jacobs 
 
 Este triângulo surge em quase todos os textos sobre o 
desenvolvimento sustentável, e justifica a procura de um equilíbrio entre as 
políticas económicas, ambientais e sociais. Porém, pensamos que, sendo de 
simples compreensão, não reflecte a complexidade que inevitavelmente a 
transversalidade dos conhecimentos e a profundidade dos tempos 
acarretam. O modelo de Sadler e Jacobs é, neste sentido, demasiado redutor 
para quem queira aprofundar a estratégia sustentável do desenvolvimento. 
 
O modelo desenvolvido pela “região-laboratório do desenvolvimento 
sustentável”8, inspirado em Claude Villeneuve9 e no triângulo de Sadler e 
Jacobs, apresenta quatro pólos fundamentais: 
 a) Pólo Ético; 
 b) Pólo Ecológico; 
 c) Pólo Económico; 
 d) Pólo Social. 
 A novidade relativamente ao modelo anterior está na introdução de 
um Pólo Ético, revelador de que o modelo foi construído com base numa 
experiência prática de implementação regional do desenvolvimento 
sustentável. 
 O modelo é representado por uma figura piramidal em 3D, um 
tetraedro com os quatro pólos referidos. 
 
8
 Région-laboratoire du développement durable du Saguenay – Lac-Saint-Jean, Une région engagée dans 
le développement durable: explication et grille d’analyse, Document d’information, sans date. 
9
 VILLENEUVE, Claude, Qui a peur de l’na 2000? Guide d’education relative à l’envirennement pour le 
développement durable, Editions Multimondes et UNESCO, 1998, Sainte-Foy 
Economia 
Ambiente Sociedade 
Carlos de Arbués Moreira 
Desenvolvimento Sustentável – Um conceito no limiar da utopia 11
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 3 – Modelo da região-laboratório do desenvolvimento sustentável 
 
 O vértice superior do tetraedro representa a plena qualidade de vida, 
ou seja, a satisfação das necessidades respeitando os constrangimentos 
ecológicos, económicos e sociais, quer individualmente quer 
colectivamente, para além da equidade entre extractos sociais, regiões e 
países (equidade global) e a igualdade de oportunidades das actuais e das 
futuras gerações. 
 Este conceito de qualidade de vida é, quanto a nós, um dos grandes 
contributos deste modelo com vista à conceptualização de um 
desenvolvimento sustentável aberto às necessidades actuais e à garantia de 
que é possível providenciar às gerações futuras condições próximas das 
actuais. 
 
 O Relatório Brundtland define, senão um modelo, pelo menos as 
condições necessárias para prosseguir no sentido do desenvolvimento 
sustentável. 
 Este modelo, baseado no referido Relatório da Comissão Mundial 
para o Ambiente e Desenvolvimento (CMAD), sublima o relacionamento 
entre os diversos sistemas da sociedade (Político, Económico, Social, 
Produtivo, Administrativo e Internacional) e os objectivos com que cada 
sistema pode contribuir para o objectivo final do Desenvolvimento 
Sustentável. 
 
 A evoluçãodeste sistema, nomeadamente através dos conceitos de 
organização em rede, permitiram verificar a complexidade do modelo, para 
além de imporem a ideia da transversalidade do desenvolvimento e a 
necessidade da existência de equipas ou grupos de trabalho 
pluridisciplinares. 
 
Pólo Ético 
Necessidades de equidade 
Pólo Ecológico 
Necessidade de um ambiente são 
Pólo Económico 
Necessidades materiais 
Pólo Social 
Necessidades sociais 
Qualidade de Vida 
Carlos de Arbués Moreira 
Desenvolvimento Sustentável – Um conceito no limiar da utopia 12
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 4 – Modelo adaptado por Carlos de Arbués Moreira a partir do Reletório Brundtland 
 
 Em 1992, Young10 apresentou as condições que, segundo ele, 
permitiriam uma aplicação do desenvolvimento sustentável. Estas 
condições deveriam ser integradas num Projecto de Desenvolvimento, ou 
seja, num plano por etapas e objectivos a partir de um diagnóstico prévio à 
situação do território que se deseja desenvolver. 
 O texto de Young teve o mérito de alargar a visão economicista e 
estreita que, até então, suportava a ideia de desenvolvimento, ao mesmo 
tempo que tipificava um conjunto de normas e práticas destinadas à 
elaboração de Planos de Desenvolvimento a partir de um conjunto 
homogéneo de objectivos. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 5 – Modelo de Young, adaptado por Carlos de Arbués Moreira 
 
10
 YOUNG, M.D., Sustainable Investment and Resources Use, Parthenon – UNESCO, 1992 
Sistema de 
Produção 
Sistema 
Social 
Sistema 
Político 
Sistema 
Económico 
Sistema 
Internacional 
Sistema 
Administrativo 
Desenvolvimento 
Sustentável 
Conservação do 
Capital -
Natureza 
Manter a 
Qualidade 
Ambiental 
Evitar os erros da 
Administração e 
do Governo 
Manter as 
oportunidades 
para o futuro 
Equidade 
Nacional e 
Internacional 
Utilização 
eficiente dos 
Recursos 
Projecto de Desenvolvimento 
Sustentável 
Soluções de 
Compromisso 
Carlos de Arbués Moreira 
Desenvolvimento Sustentável – Um conceito no limiar da utopia 13
 
 Não cabe neste trabalho, por evidente falta de espaço, uma 
explicação mais pormenorizada do modelo de Young, dada a sua 
complexidade. Interessa, no entanto reter o conceito Capital – Natureza, ou 
seja, a capacidade do Planeta, de um País ou de uma região gerir os 
recursos parcialmente renováveis e os não renováveis. Para os primeiros, 
Young defende que os custos de renovação devem ser incorporados no 
preço dos próprios recursos, introduzindo o conceito de utilizador/pagador 
tão em moda nos dias de hoje. Para os segundos, Young defende a 
revalorização dos recursos não renováveis, mantendo ou diminuindo o seu 
consumo, ao mesmo tempo que pretende reinvestir os montantes obtidos 
nos direitos de exploração na investigação e desenvolvimento de soluções 
alternativas de substituição. 
Note-se que o objectivo primeiro deste modelo de Young foi o de 
tentar compatibilizar e integrar a “economia ambiental” (resultante dos 
diversos impactes ambientais) na economia clássica. Porém, ao colocar os 
Projectos de Desenvolvimento na escala territorial (internacional, nacional 
e local) e ao defender as soluções de compromisso entre o ambiente e a 
economia, Young foi, sem dúvida, o precursor dos diversos modelos em 
que se baseiam as Agendas 21, quer estas sejam globais, nacionais ou 
locais. 
 
Na Conferência do Rio, em 1992, foi lançada a ideia da Agenda 21 
Local (A21L) como forma de levar à escala regional e local os processos de 
desenvolvimento sustentável. Estas A21L’s têm produzido formal e, 
principalmente, de forma informal, modelos locais de desenvolvimento 
sustentável. Embora diferentes e adaptados aos locais de implementação da 
Agenda, quase todos os modelos existentes estão baseados num conjunto 
de relações e práticas que, simplificando, podem dar origem a um modelo 
síntese. 
A Agenda 21 Local é, na sua essência, um método de actuação ao 
nível local que visa a implementação de uma estratégia de desenvolvimento 
sustentável através de um esquema de participação das autoridades locais, 
instituições, grupos organizados da sociedade civil e/ou cidadãos 
individuais, com vista à melhoria das condições de vida dos cidadãos 
residentes no território em causa, melhorando as condições económicas e 
sociais e preservando e ordenando o meio ambiente e os recursos naturais, 
tendo em conta a necessidade de legar para o futuro pelo menos as mesmas 
condições que herdámos do passado. 
Assim, a A21L vai ao encontro da transversalidade pluridisciplinar e 
da profundidade temporal do desenvolvimento sustentável, residindo na 
Carlos de Arbués Moreira 
Desenvolvimento Sustentável – Um conceito no limiar da utopia 14
rede local de informação, formação e decisão a seiva que permite caminhar 
no sentido da definição da estratégia e na escolha das actividades e dos 
objectivos específicos que implicarão acções concretas a curto, médio e 
longo prazo11. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 6 – Modelo Formal síntese da A21L adaptado por Carlos de Arbués Moreira 
 
 A este modelo formal corresponde um modelo de desenvolvimento 
sustentável compatível com a estrutura existente, e vice-versa. Na verdade, 
 
11
 Na Europa em geral e na Península Ibérica em particular, a A21L é de iniciativa das autoridades locais 
(Câmaras Municipais em Portugal, Ayuntamientos, Comarcas e Províncias em Espanha). A estrutura da 
A21L é normalmente formada pelos Grupos Temáticos, que discutem os problemas do território por 
tema, a Comissão que reúne os vários temas e elabora documentos sínteses e o Fórum 21 que discute e 
aprova o Diagnóstico, Plano de Acção e as alterações decorrentes da avaliação contínua da execução do 
Plano de Acção. A Câmara Municipal apoia e coordena os trabalhos da Agenda 21 Local e é o órgão 
executivo. A Entidade Técnica (exterior à Câmara ou constituída por técnicos da autarquia) é o órgão 
consultivo da A21L e realiza os estudos, inquéritos e outros trabalhos necessários. 
Administração 
Pública 
Câmaras 
Municipais 
 
Entidade 
Técnica 
 
POPULAÇÃO 
GRUPOS 
TEMÁTICOS E 
COMISSÃO 
 
FÓRUM 21 
LOCAL 
DIAGNÓSTICO 
DA SITUAÇÃO 
LOCAL 
ACTIVIDADES 
DE FORMAÇÃO 
E INFORMAÇÃO P
LA
N
O
 
D
E 
A
CÇ
ÃO
 
EXECUÇÃO 
Formação da Estrutura 
 
Circuito de Sensibilização 
 
Circuito do Diagnóstico 
 
Circuito de Boas Práticas 
 
Circuito do Plano de Acção 
 
Circuito de Execução do Plano 
 
Circuito de Retroacção 
LEGENDAS: 
Carlos de Arbués Moreira 
Desenvolvimento Sustentável – Um conceito no limiar da utopia 15
só a complexidade dos temas abordados numa A21L e a necessidade de 
garantir a participação do maior número de entidades, grupos de interesse e 
cidadãos comuns justifica uma estrutura tão pesada. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 7 – Modelo síntese da A21L adaptado por Carlos de Arbués Moreira 
 
 
 Da figura 7 pode retirar-se que os motores da A21L são as 
Autoridades Locais, a Estrutura da A21L, a Entidade Técnica e as 
Condicionantes Externas12. 
 A Agenda 21 Local coloca o problema do desenvolvimento 
sustentável na localização correcta perante a pressão neoliberal que 
caracteriza na actualidade a política de grande parte dos países 
desenvolvidos e de importantes organizações internacionais. Na verdade, é 
nas esferas locais e regionais, onde se joga grande parte do nível de vida 
daspopulações, que é fundamental alterar as mentalidades e os 
 
12
 É devido à existência destas condicionantes externas que faz sentido a frase “pensar global, agir local”. 
 
Desenvolvimento 
Sustentável 
Câmara 
Municipal 
- Objectivos 
Institucionais 
e de 
Coordenação 
Grupos 
Temáticos, 
Comissão e 
Fórum 21 
- Objectivos 
Económicos, 
Sociais, 
Culturais, 
Ambientais e 
Observatório 
Entidade 
Técnica 
- Objectivos 
Éticos, 
Científicos e de 
Monotorização 
 
Condicionantes 
Externas ao 
Território 
- Objectivos de 
Integração e 
Cooperação 
Carlos de Arbués Moreira 
Desenvolvimento Sustentável – Um conceito no limiar da utopia 16
comportamentos numa primeira instância, aproveitando as boas práticas 
daqui resultantes como exemplos para outros locais ou regiões. Face à 
globalização neoliberal das grandes variáveis macroeconómicas, a resposta 
deve apostar na transformação das práticas diárias ao nível local, num 
discurso que invoque a todo o momento as vantagens em caminhar no 
sentido do desenvolvimento sustentável. 
 
4. Conclusão 
 
 
 Por tudo o que escrevemos anteriormente parece ter ficado claro o 
carácter simultaneamente utópico e imprescindível do desenvolvimento 
sustentável. Utópico porque é uma prática que, pelo menos com os 
conhecimentos actuais, nunca será completamente conseguida. 
Imprescindível porque sem este tipo de desenvolvimento condenamos o 
Planeta, e com ele a espécie humana, ao caos e à extinção prematura. O 
desenvolvimento sustentável é, antes de mais, uma utopia fundamental à 
sobrevivência da humanidade e do mundo tal como ainda podemos vê-lo 
actualmente. Logo o seu carácter de urgência. Mas também é algo que 
exige um esforço constante, uma atenção permanente, uma vigilância 
apertada e um discurso cauteloso. 
 O desenvolvimento sustentável é, fundamentalmente, um processo 
de organização da sociedade, ao nível das mentalidades e dos 
procedimentos, tendente a garantir a sobrevivência da espécie humana 
através da equidade social e da preservação ambiental, permitindo o acesso 
de cada vez maior número de pessoas aos níveis de vida socialmente 
aceitáveis e, simultaneamente, garantindo uma utilização progressivamente 
mais eficiente dos recursos existentes. 
 É, pois, altura de privilegiar um discurso que defenda os benefícios 
de uma prática tendente a um desenvolvimento mais sustentável, a 
partir da criação de plataformas locais, regionais e nacionais em redor dos 
princípios da equidade social, da preservação ambiental e do progresso 
qualitativo (desenvolvimento não é só crescimento). É, ainda, altura para 
difundir e vulgarizar o conceito de desenvolvimento sustentável através de 
uma educação que explique as vantagens da utilização permanente de boas 
práticas ambientais e dos valores da solidariedade activa e da cooperação. 
 É, por fim, necessário e imprescindível pressionar os governos 
nacionais e regionais para adoptarem, no quadro das suas competências, 
políticas económicas em que estejam presentes, efectivamente, 
Carlos de Arbués Moreira 
Desenvolvimento Sustentável – Um conceito no limiar da utopia 17
considerações de ordem ambiental e de justiça social visando um estado 
superior de desenvolvimento sustentável. 
 
5. Bibliografia 
 
 
BOADA, M., “estrategias del Desarrollo Sostenible”, VII Congreso Nacional del Medio 
Ambiente, Madrid, 2004, trad: Carlos Arbués Moreira 
HERRERO, Luis J., La Estrategia Española de Desarrollo Sostenible, Cuadernos de 
Sostenibilidad y Patrimonio Natural, nº1, Fundación Santader Central Hispano, Madrid, 
2002, 52-76 
MOURA, F. Pereira, lições de ECONOMIA, 4ª ed. Revista, reimpressão, Livraria 
Almedina, Coimbra, 1978 
NOGUEIRA, V., Introdução ao Pensamento Ecológico, Plátano Ed. Técnicas, Lisboa, 
2000 
SADLER, B. e JACOBS, P., Définir les repports entre l’evaluation envoronnementale et 
les développement durable: la clé de l’avenir. In Developpement durable et evaluation 
environnementale: perspectives de planification d’un avenir commun, Conseil canadien 
de recherche sur l’evaluation environnementale,Ottawa, 1990 
VILLENEUVE, Claude, Qui a peur de l’na 2000? Guide d’education relative à 
l’envirennement pour le développement durable, Editions Multimondes et UNESCO, 
Sainte-Foy, 1998 
YOUNG, M.D., Sustainable Investment and Resources Use, Parthenon – UNESCO, 
1992

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