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SUMÁRIO PRIMEIRA PARTE Introdução aos Filósofos Clássicos.................... PÁGINAS 01 ATÉ 32 Idealismo de Platão.............................................................................................................. 01 Realismo Natural de Aristóteles.......................................................................................... 11 Racionalismo Cartesiano ..................................................................................................... 19 Empirismo de D.Hume ........................................................................................................ 30 SEGUNDA PARTE ............................................................................ PÁGINAS 05 ATÉ 55 O Problema da Filosofia da Ciência .................................................................................... 05 Positivismo Lógico-Verificacionismo................................................................................. 13 Falseacionismo .................................................................................................................... 24 Relativismo Pragmático....................................................................................................... 36 O Anarquismo Epistemológico de P. Feyerabend............................................................... 45 CONCLUSÃO..................................................................................................................... 56 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................ 58 ABREVIATURAS ............................................................................................................. 60 Idealismo de Platâo 1 IDEALISMO DE PLATÃO O problema fundamental da teoria do conhecimento diz respeito ao como os filósofos representam a realidade e quais os pressupostos que estes utilizam para concretizar tal tarefa. Iniciaremos o nosso estudo analisando o idealismo de Platão. O que iremos reparar é que diversos conceitos que estudamos e outros mais aparecerão na medida que expormos a teoria do conhecimento de Platão. A relação fundamental da teoria do conhecimento é a relação sujeito-objeto. Ora, para Platão há dois mundos possíveis que ele denomina de mundo sensível e outro que ele denomina de mundo inteligível. Assim explicar o sentido ou o significado de cada um desses mundos e, consequentemente, explicar a interação desses dois mundos possíveis tornar-se-a tarefa majoritária da teoria do conhecimento de Platão. Mas o que tem que haver mundo sensível e mundo inteligível com o sujeito e com o objeto? Muito simples, o mundo sensível é o mundo dos objetos. São objetos aqui tudo aquilo que pertence a natureza física e humana. Platão irá dizer-nos que o mundo sensível é o mundo físico, do movimento, da mudança, do dinamismo, da pluralidade, das imagens, enfim, de tudo aquilo que é particular. Portanto, é o mundo dos sentidos (audição, visão, paladar, tato e odor). A ciência não pertence a esse mundo, não pertence ao mundo sensível. Ora, se a ciência não pertence ao mundo sensível o mesmo não poder-se-ia dizer dos objetos, dos habitantes do mundo sensível. Estes objetos são objetos da ciência mas que pertencem ao mundo sensível. Os objetos de estudo da ciência são os habitantes do mundo sensível. Agora, quais são os objetos do mundo sensível? São as imagens, as sombras, os reflexos; objetos materiais, sensíveis e visíveis que são animais, plantas e coisas artificiais fabricadas. Esse também é o mundo da opinião. A alegoria da caverna. Ora, os homens que vivem no mundo sensível ou da opinião são semelhantes a prisioneiros que nunca viram o sol e, que estão com os braços e os pés acorrentados no fundo de uma caverna. Havia uma única entrada na caverna. Dentro da caverna e nas costas destes prisioneiros ardia uma fogueira que estes não podiam ver por que estavam de costas e assim permaneceriam até mesmo se quissessem falar, não podendo nem mesmo virar a cabeça. Também havia uma parede que interpunhasse entre a fogueira e os homens. Nessa parede passava outros homens portadores de figuras de coisas e animais. Os homens prisioneiros somente poderiam escutar suas vozes e contemplar as sombras que projetavam-se na parede do fundo da caverna. Neste estado permaneceriam até que alguém os libertasse de suas cadeias e que assim pudessem sair da caverna para contemplar a luz do sol e as coisas "reais". Os homens enquanto possuem corpos, somente podem ver as coisas do mundo sensível ou da opinião que não são nada mais do que imagens ou sombras das verdadeiras realidades. Como poderão os homens libertarem-se dessa cadeia? É jusstamente neste momento que surge o mundo inteligível em oposição ao mundo sensível. A partir da concepção de mundo inteligível podemos responder sobre a existência Idealismo de Platâo 2 e sobre o que há no lado externo da caverna. Como os homens conseguiriam libertarem- se e chegarem ao lado de fora da caverna? O lado exterior da caverna é o mundo inteligível e alcança-mo-la pela filosofia e pela dialética, específicamente. O sol que brilha no exterior, e que de princípio nos ofuscaria pelo fato de que no interior da caverna era escuro, é a idéia de Bem. Pois bem, se à ciência somente corresponde os objetos ou habitantes do mundo sensível, para o mundo inteligível corresponderá a própria ciência, a ciência em si mesma. E é aqui que a ciência assume uma importância maior do que a idéia de bem em Platão ao nosso ver. Como explicar a relação entre os objetos da ciência, que assumem um caráter particular e contingente e a ciência que orienta-se por princípios universais e necessários? Isto seria o mesmo que perguntar: como o sujeito relaciona-se com o objeto? Aos objetos inteligíveis corresponde àqueles que a alma busca-os obrigatóriamente valendo-se de imagens, dos objetos do mundo sensível por meio de hipóteses para alcançar conclusões. Um outro nível de objetos inteligíveis que a alma apreende, são aqueles que a alma não recorre ao sensível. Nesse caso, a alma passa de uma idéia para outra idéia. É, portanto, a inteligência pura, a ciência perfeita que inicia com uma hipótese para alcançar um princípio hipotético, ou seja, absoluto. A ciência é " em si ciência do conhecimento ou do objeto a dar-lhe, seja qual for" (República, 438c.) Podemos distinguir uma hierarquia do Saber, do conhecimento: 1º. O ciclo elementar para todos: a ginática para o corpo e a música para a alma; 2º. O ciclo superior para os guerreiros que compreende (a) logística - que é a ciência do cálculo; (b) aritmética - que é a ciência dos números ; (c) geometria plana - que é o desenvolvimento da linha que forma um plano; (d) estereometria - que é o desenvolvimento de um plano que forma um sólido em movimento; (e) astronomia - que é a ciência do sólido em movimento; (f) música - que, em um sentido superior, é própria dos filósofos; 3º. O ciclo do cume da ciência: a Dialética que objetiva auxiliar os filósofos governantes que alcançam o limite do inteligível. O método da ciência é a dialética. A dialética pode ser compreendida em dois sentidos: primeiro, lógico e, em segundo lugar, ontológico. Quanto ao sentido lógico, a dialética significa a arte da discussão por meio do diálogo, no qual intervém pelo menos um dos interlocutores. Dialética é saber interrogar e saber responder. "Uma vez fixado o objeto de discussão", que é o primeiro passo, "examina-se ordenadamente em seus vários aspectos por meio de perguntas e respostas" o objeto de estudo, "resolvendo as dificuldades e avançando até chegara uma conclusão." Aqui a influência de Sócrates é notável. A dialética se propõe a ser um método pelo qual possamos passar do contingente e particular para o universal e necessário, do sujeito para o objeto. É um método racional e não de persuasão. Mas, como opera esse método com o objetivo de explicar essa passagem? Como passamos do mundo sensível para o mundo inteligível? A explicação racional do método dialético avança em redor de dois outros aspectos - ainda no sentido lógico da dialética - a síntese e a análise. Na síntese, eliminamos as diferenças por meio de reduções da confusa multiplicidade (e indeterminada) para a unidade concreta (e determinada), expressada por um conceito comum. Esse conceito espressa a essência das coisas. Mas, como ocorre essa redução do múltiplo ao uno? Do indeterminado ao determinado? A síntese endossa nosso Idealismo de Platâo 3 problema e não o resolve. Na análise dividimos o conceito em partes. Decompomos o conceito de acordo com a natureza deste e não aleatóriamente como faziam os sofistas, até chegar a unidade indivisível. Mas, como decompor um conceito? Como decompor a unidade até atingir todos os aspectos, ou seja, todas as divisões da multiplicidade? Quanto ao sentido ontológico, revelasse igualmente uma insatisfação na solução do problema em pauta. No sentido ontológico, o objeto são as entidades transcendentes do mundo ideal. Platão esforça-se por definir o Ser como pertencente ao mundo inteligível, e colocar simplesmente o não-Ser no mundo sensível. O Ser é universal e necessário, o sujeito do conhecimento; e o não-Ser é particular e contingente, o objeto do conhecimento. Dessa forma, é desnecessário postular a passagem do Ser para o não- Ser? Em termos, por que a questão seria o não-Ser possuiria ou não um Ser (existência). Ora, se a nossa resposta for afirmativa, haverá da mesma maneira o problema própriamente dito. Mas, ainda há uma outra questão: os objetos da ciência, que a própria ciência se ocupa, seriam caracterizados como não-Ser? Como responder a essa questão. Portanto, o problema continua. Como o não-Ser eleva-se, ou melhor ainda, supera-se e alcança o Ser?Alguns filósofos acreditarão que o problema reside em definir o Ser e os Modos do Ser e esquecer o não-Ser. Outros acreditarão que o problema está ainda em explicar essa bipolaridade. Os primeiros concordarão com a metafísica tradicional ou até reconstruir a metafísica com outro objeto de estudo: a ciência. A ansiedade da filosofia contemporânea reside justamente neste aspecto. como explicar a coexistência do múltiplo, da diverdade, do particular e do contingente, representado pelos objetos físicos da natureza com o uno, imutável, universal e necessário, representado pelos objetos ideais do Ser? Se a ciência é objeto ideal por excelênciacomo explicar a sua natureza a partir de objetos físicos? "A ciência requer objetos fixos, estáveis e permanentes acima de toda mutação. Por isso, os objetos da ciência não podem ser conhecidos pelos sentidos, senão somente pelo entendimento." (HF, Fraile,324). Relação entre os Mundos Sensível e Inteligível. Platão sabe qual é o seu problema, apesar que toda a tradição metafísica irá de algum modo negar. Propõe, neste sentido, dois conceitos que deveriam unificar, explicar a coexistência entre os mundos sensível e inteligível. O primeiro desses conceitos é o de Participação e o segundo conceito é o de imitação. No "Banquete" e no "Fedón", Platão expressa a relação entre o mundo sensível e intelegível pelo conceito de Participação. Somente no "Fedro" é que Platão substitui o conceito de participação pelo de imitação. O conceito de Participação no Fédon: A participação procura determinar "a natureza das coisas,que, sem serem contrárias, não admitem a presença de seu contrário" (FÉD. 104e). Assim, a idéia do três só participa da idéia do ímpar, tal como a idéia do cinco que também participa da idéia de impar. Porém, a idéiado três jamais participará da idéia de par. A idéia do quatro participa da idéia de par, assim como a idéia do seis participa da idéia de par. Para Platão, sempre que, "ao aproximar-se esse contrário, ou fogem ou cessam de existir". Ao "aproximar-se o par, o ímpar e o três fogem depressa. E o mesmo Idealismo de Platâo 4 poderíamos dizer a propósito do fogo, do calor e das demais coisas." (FÉD. 106c). Mas o que significa "FUGIR DEPRESSA"? Ou, o que significa "CESSAR DE EXISTIR"? Essa é a consequência quando queremos aproximar a idéia do três da idéia de par, ou, a idéia do seis da idéia de ímpar. Se às idéias não compartilham uma e mesma natureza, elas nao participam uma das outras. No Fédon, Platão transfere essa hipótese para argumentar em favor da imortalidade da alma. Aquilo que torna vivo o corpo é a alma. É a alma que traz vida ao corpo. Ora, o contrário da vida é a MORTE. Mas, a alma que é vida jamais aceitará o seu contrário a Morte. A morte não participa da mesma natureza do que a Vida. No entanto, não têm sentido falar de alma sem saber-se o que é a morte. Sendo que, a alma jamais aceitará a morte, ela deverá, naturalmente, SER IMORTAL. Ao aproximar a alma (vida) da morte, elas se repelem. "Quando a morte sobrevém ao homem, a sua parte mortal naturalmente morre - mas a parte imortal foge, rápida, subsistindo sem se destruir, escapando a morte." (FÉD. 106). Portanto, a alma é indestrutível, além de ser imortal. Aplicando esse conceito de participação ao nosso problema, o que teríamos como consequência? Bem, os objetos da ciência participam de uma única e mesma natureza. Os objetos da ciência participam do Mundo Sensível. A ciência, por sua vez, participa de uma única e mesma natureza. A ciência participa do Mundo Inteligível. Assim como a idéia do três não participa da idéia de par, assim também, os objetos da ciência não participam da ciência. O mundo sensível não participa do mundo inteligível. Mas como compreender isso? Para Platão, os objetos da ciência fogem ou cessam de existir quando colocados lado à lado a ciência. Os objetos da ciência são contrários a própria ciência. A contingência e particularidade nunca participará da Universalidade e necessidade. O conceito de participação faz mais em separar os objetos da ciência do que em separa o particular e contingente do Universal e necessário do que em explicar uma possível relação. Parece que o paralelismo entre mundo sensível e inteligível é ainda melhor interpretação que podemos obter de Platão e de sua filosofia. O conceito de participação no Banquete: A obra de Platão entitulada "O Banquete" trata sobre a temática do AMOR. Aí também aparece, surge o conceito de PARTICIPAÇÃO. O Belo em Platão não está ligado a Arte. O Belo está ligado ao Amor. No entanto, o amor em Platão não é nem o Belo e nem o Bem; não é nem um homem e nem um Deus; não é nem mortal e nem imortal."Que seria então o Amor? Perguntei-lhe. - um mortal? Absolutamente. - Mas o quê, ao certo, ó Diótima?" "Como nos casos anteriores - disse-me ela - algo entre mortal e imortal."(BANQ. 202 d,c). Há diversos graus de amor: primeiro grau: é o amor físico, que é desejo de possuir o corpo belo como objeto e engendrar, no belo, outro corpo; segundo grau: é dos amantes fecundos, não no corpo, mas em almas. Portanto, portadores de uma semente Idealismo de Platâo 5 que nasce e cresce na dimensão do espírito. Os amantes das almas se diversificam em amantes das artes, amantes da justiça, amantes das leis, amantes das ciências puras; o terceiro grau é o Amor que envolve a idéia de Belo em si mesma, do Absoluto.A função mediadora do Amor determina o aparecimento do conceito de participação no Banquete. O mortal participa da imortalidade pela geração: "Pois aqui, segundo o mesmo argumento que lá, a natureza mortal procura, na medida do possível, ser sempre e ficar imortal. E ela só pode assim, ATRAVÉS DA GERAÇÃO, porque sempre deixa um outro ser novo em lugar do velho.(...) E não é que é só no corpo, mas também na alma os modos, os costumes, as opiniões, desejos, prazeres, aflições, temores, cada um desses afetos jamais permanece o mesmo em cada um de nós, mas uns nascem, outros morrem."(BANQ. 207 d,e) Por outro lado, o imortal participa da mortalidade pelo Amor. "É em virtude da imortalidade que a todo ser esse zelo e esse amor acompanham." (BANQ. 208b) O Amor, em sua natureza, unifica os contrários, torna-os uniformes, de modo que tudo participa desta mesma idéia de Bem em si que é a idéia suprema em Platão entre todas as idéias. O Amor (Belo) não é nem algo do mundo sensível e nem uma idéia própriamente dita, pois esta é a idéia de Bem. O mundo inteligível participa do mundo sensível pelo Amor. E o mundo sensível participa do mundo inteligível pela geração. Mas como os objetos da ciência podem gerar a ciência? Como o particular e contingente GERARÁ o Universal e necessário? O conceito de imitação no Fedro: Platão realiza mais uma tentativa de relacionar o mundo sensível com o mundo inteligível em seu diálogo. Fedro ou sobre a Beleza. Desta vez Platão procura juntar o mundo sensível e o mundo inteligível por meio do conceito de IMITAÇÃO. Como no conceito de participação, Platão não apresenta uma justificação consistente para a efetiva (a) substituição do conceito de participação pelo conceito de imitação; (b) para que o conceito de imitação se firme como mediador e elemento de ligação entre o mundo sensível e o mundo inteligivel. A tese fundamental do FEDRO, em relação ao nosso problema, é a de que o mundo sensível é uma CÓPIA ou IMITAÇÃO do mundo inteligível. Diz Platão: "Sem dúvida, o recém iniciado, o que tem contemplado muito aquelas realidades, quando vê um rosto divino, que IMITA bem a beleza verdadeira, ou um corpo igualmente formoso, primeiro sente um estremecimento e invade parte de seus terrores desde então; depois, dirigindo seus olhares para ele , venera como uma divindade e, se não temer passar por um louco exaltado, ofereceria sacrifícios, como a uma imagem santa ou uma divindade, a seu amado." (FEDR. 250-1c). A imitação que o mundo sensível é do mundo inteligível pressupõe alguns detalhes: em primeiro lugar, um MODELO que é o mundo inteligível; em segundo lugar, uma CÓPIA ou IMITAÇÃO que é o mundo sensível; e, finalmente, um Idealismo de Platâo 6 ARTÍFICE ou INTELECTO que copiou ou imitou o mundo das formas para fazer nascer o mundo natural. Mas por que a cópia ou a imitação teria sido tão diferente, ou melhor, imperfeita em relação ao modelo original? Essa mesma questão podemos retirar do Timeu (ou da Natureza). Platão, em verdade, no Fedro, coloca que a imitação é o conceito de ligação entre o sensível e o inteligível, mas não entra no mérito da questão. Por que? Há uma enorme diferença entre dizer apenas que o conceito de imitação liga os mundos sensível e inteligível e, justificar (dizer o porquê) o conceito de imitação vincularia esses dois mundos. Em uma outra passagem do FEDRO Platão confessa a dificuldade que as virtudes teriam ou têm em refletir-se nas coisas da natureza, nos objetos do mundo sensível. Diz Platão: "Pois bem, a justiça, a temperança e todas as demais coisas preciosas para a alma NÃO POSSUEM nenhum resplendor em suas IMAGENS deste mundo: somente mediante órgãos imprecisos, e a duras penas, podem uns poucos, recorrendo às imagens, contemplar o gênero REPRESENTADO nelas." (FEDR. 250.b). As perguntas são inevitáveis: Por que só alguns conseguem relacionar às imagens do mundo sensível com as formas do mundo inteligível? E, mais COMO conseguem relacionar às imagens com as formas? Por que o Artífice construiria um mundo tão imperfeito? Em outras palavras; parece que Platão deixa claro que, NEM O ARTÍFICE (o autor de todo o mundo sensível) possui às formas do mundo inteligível. O que nos leva evidentemente a questão: Qual é a origem do mundo inteligível, das formas Universais e necessárias? Essa questão, aliás, aparece clara no Timeu. Para nosso problema: todas as coisas do mundo sensível possuem uma natureza particular e contingente porque são cópias ou imitações imperfeitas do mundo inteligível que é por natureza Universal e necessário. Uma outra consideração que podemos fazer do FEDRO é que o homem pode até contemplar, PARTICIPAR momentâneamente do lugar hiperuranio, ou simplesmente, mundo inteligível, mas quando procura COMUNICAR a outros a sua proeza, sua aventura, não encontra palavras que possam cumprir esse objetivo. A sua IMITAÇÃO do mundo inteligível é imperfeita. "Este lugar supraceleste (hiperuranio) jamais tem sido contado dignamente pelos poetas daque de baixo. É, pois, assim (se tem que ter com efeito, a ousadia de dizer a verdade e sobretudo quanto se fala a verdade): a realidade que verdadeiramente é sem cor, serm forma, impalpável, que somente pode ser contemplada pela inteligência, piloto da alma, que ocupa este lugar. Assim, pois, como o pensamento da divindade se alimenta de inteligência e CIÊNCIA SEM MESCLA, e o mesmo de toda a alma que se preocupa de receber o que lhe corresponda, ao ver o transcurso do tempo, a realidade, a ama e contemplando a verdade se alimenta e se sente feliz até que o movimento circular em sua revolução retoma ao mesmo lugar. Durante esta circunevolução contempla a mesma justiça, contempla a temperança, CONTEMPLA A CIÊNCIA, não aquela em que está vinculado o devir, nem aquela que é imutável porque fala de coisas distintas, objetos distintos que chamamos entes, senão daquela que é realmente ciência do objeto que é realmente ser. E depois de termos contemplado do mesmo modo as demais entidades reais e de termos saciado delas, submergimos outra vez no interior do céu e voltamos para casa". (FEDR. 247b) Uma última consideração que podemos fazer ainda em relação a essa belíssima Idealismo de Platâo 7 citação do FEDRO é sobre a NATUREZA DA CIÊNCIA: Qual é a verdadeira ciência? Qual é a ciência do Universal e do necessário, portanto das formas? É a ciência que versa sobre o que é realmente a realidade, diria Platão. E, nessa mesma citação, Platão define o que ou quais seriam as ciências que são meramente IMITAÇÃO dessa verdadeira ciência: a ciência como devir e a ciência como mutabilidade. Agora, ninguém tem a posse dessa verdadeira ciência. Podemos ter contemplado ou até vir a contemplá-la em um futuro, mas dificilmente poderemos COMUNICAR toda sua beleza. Não há palavras, não há gestos, não há gestos, não há ação que possa traduzir o verdadeiro sentido de ciência ou a ciência verdadeira. Muito antes pelo contrário, a nossa noção de ciência é meramente uma CÓPIA ou IMITAÇÃO dessa verdadeira ciência. Na Filosofia Contemporânea a definição de ciência é a de CIÊNCIA COMO APROXIMAÇÃO. A derivação, inevitavelmente, é de Platão. Diz Popper: "Temos mesmo boas razões para pensar que, na maior parte, nossas teorias - mesmo nossas melhores teorias - são, estritamente falando, FALSAS; pois supersimplificam ou idealizam os fatos. Contudo, uma conjectura falsa pode estar mais perto ou menos perto da verdade. Chegamos assim à idéia da proximidade da verdade, ou de uma aproximação melhor ou pior da verdade; isto é verossimilitude."(CO, 292) CRÍTICA AOS CONCEITOS DE PARTICIPAÇÃO E IMITAÇÃO EM PARMÊNIDES:No diálogo entitulado"Parmênides" ou sobre as IDÉIAS, Platão faz uma crítica ao conceito de participação que pode tranquilamente projetar-se no conceito de imitação. Até o presente momento, em nossa análise o que fizemos foi procurar explicar COMO as Formas - Universais e necessárias - do mundo inteligível podem ser aplicadas à natureza - particular e contingente - do mundo sensível. Em Platão, exclusivamente, essa tentativa concretiza-se por meio de dois conceitos: participação e imitação. Essa tese também está presente no "Parmênides" 131d: participação do uno e do múltiplo no mesmo objeto físico, ou melhor ainda, a participação do Universal e necessário NO particular e contingente (objeto físico). Como ocorre isso, mesmo? Parmênides critica essa tese da coexistência de contrários em uma única natureza. Propõe, em contra-partida, um paralelismo entre o mundo sensível e o mundo inteligível. "Portanto, se se dá em Deus a absoluta exatidão da soberania em si e da ciência em si, isso não quer dizer que a soberania dessas realidades se exerça sobre nós, nem que a ciência divina conheça a nós ou algo que tenha relação conosco. De igual maneira, não é possível que nós exerçamos domínio sobre as realidades do alto, nem que conheçamos nada de Deus por meio de nossa ciência, como tão pouco é possível pela mesma razão que ditas realidades imponham-se a nós ou conheçam os assuntos humanos, ainda em qualidade de essências divinas." (1346-135c). O Resultado desse paralelismo o mundo inteligível só mantém RELAÇÕES CONSIGO MESMO, isto é, RELAÇÕES EM SI. TAIS RELAÇÕES SÃO INCOGNOSCÍVEIS. Nós, homens, operamos com Universais, pensamos com Universais, mas não podemos conhecê-los, própriamente. Não podemos conhecer a natureza dos Universais apesar de pensar, no dia-a-da, com eles. Mas uma questão irá impor-se: Como uma forma pode relacionar-se com outra? A primeira tese em volta desta questão é a de que O UNO É porque participa do SER. O Uno é Universal e necessário em sua natureza específica. Já o ser é particular e contingente. Ora, o Universal só pode existir para nós, ser cognoscível, se ele PARTICIPA daquilo que é particular e contingente, isto é, do SER. Mas se o Uno é, por participar do Ser, então, ele não é Uno, é múltiplo: "Dizemos que o Uno participa Idealismo de Platâo 8 no ser o que por isso mesmo ele é? Sim. Mas por isto mesmo o Uno se tem mostrado como múltiplo. Assim é." (PARM. 143d). A segunda tese gira em torno do seguinte: O Uno não É porque não participa do SER. Ora, o Universal e necessário não existe porque não participa do particular e contingente. Portanto, o Universal e necessário é INCOGNOSCÍVEL para nós. Apenas, pensamos com eles, mas não o podemos conhecê-lo em sua natureza específica. As formas somente mantém RELAÇÃO CONSIGO MESMAS. Essas relações são lógicas e matemáticas. Diz Platão, enfim: "Em resumo, se dissermos que o UNO NÃO É, nada é, não estaríamos falando como toda certeza? Completamente. Concluamos, pois, e digamos que, segundo parece, do que o UNO seja ou não seja DEPENDE que o mesmo e os outros sejam, inteiramente ou não, tanto em sua relação consigo mesmo, como em sua relação mútua, e que, assim mesmo, pareçam ou não pareçam ser. É pura verdade." (PARM. 166b-166c) O conceito de imitação e participação no Sofista: O diálogo sobre o Sofista ou Sobre o Ser procura restabelecer uma conciliação entre os conceitos de participação e imitação. Foi possível isso? Como foi possível? E, se não foi, por que? De princípio, Platão procura estabelecer uma definição para a controvertida figura do Sofista. Alcança efetivamente seis definições do Sofista: a) O Sofista como "um caçador interesseiro de jovens ricos"; b) "Um negociante, por atacado, das ciências relativas à alma"; c) "um produtor e vendedor destas mesmas ciências"; d) Um versado na "arte da luta, como um atleta do discurso, reservando, para si, a erística" (arte da controvérsia); e) o sofista, também é aquele que "purifica as almas das opiniões que são um obstáculo às ciências; f) Um varejista das ciências da alma. Mas a pergunta fatal é esta: "como chegam esses homens a incutir na juventude que somente eles, e a propósito de todos os assuntos, são mais sábios que todo o mundo?" (Sof. 233b). Parece existir um CONSENSO apenas em considerar o sofista como alguém que fala de falsas aparências da ciência Universal. Mas, como tais homens chegaram a possuir tal poder de persuasão e convencimento? "O homem que se julgasse capaz, por uma única arte, de tudo produzir. Como sabemos, não fabricaria, afinal, SENÃO IMITAÇÕES, e homônimos das realidades." (Sof. 234b). Como consegue o Sofista realizar essa façanha? Qual é a técnica que lhe se utiliza? O Sofista sabe IMITAR as realidades e parece ter a ciência de todos os assuntos que ele é capaz de contradizer, porém qual é a técnica por ele utilizada? É A MIMÉTICA, isto é, a arte de produzir imagens da realidade. É a arte dos ilusionistas. Há, no entanto, duas formas de MIMÉTICA: a primeira, é a arte de copiar. "Copia-se mais fielmente quando, para melhorar a imitação, transportam-se do modelo as suas relações exatas de largura, comprimento e profundidade, revestindo cada uma das partes das cores que lhe convém."(Sof. 235 e); A segunda é a arte do simulacro, isto é, uma cópia ou reprodução imperfeita ou grosseira da ciência Universal. É aquele que "parece copiar o belo para espectadores desfavoravelmente colocados, e que, entretanto, poderia esta pretendida fidelidade de cópia para os olhares capazes de alcançar plenamente proporções tão vastas..." (Sof. 236b). A onde podemos enquadrar o Sofista? Quem é o Sofista, Afinal? Idealismo de Platâo 9 Ora, podemos supor o não-ser como ser? Se o sofista é um ilusionista, portanto, um não-ser ele deveria ser. Mas, para dizermos o que ele não é, nós estamos dando os contornos de um Ser. Como podemos falar do não-ser sem estar caracterizando-o como ser? Há um ser no não-ser? "Compreender então que não se poderia, legitimamente, nem pronunciar, nem dizer, nem pensar o NÃO-SER em si mesmo; que, ao contrário, ele é impensável, infalável, impronunciável e inexprimível?" (Sof. 238c). Como pode Platão refutar o não-ser, se ao tentar refutar ele lhe dá as características de SER? A contradição, o paradoxo, é inevitável. "o não-ser não deve PARTICIPAR nem da Unidade nem da pluralidade, já ao afirmá-lo eu o disse Uno; pois disse "o não-ser". Compreendes certamente. Sim" (Sof. 238 e) respondeu Teeteto. A tese de Parmênides é a de que só existe o Ser e que o não-ser não existe. Platão, na necessidade de esclarecer a natureza da figura do sofista como não-ser que seria, recorre a seguinte tese - em contraposição a Parmênides: devemos mostrar "pela força de nossos argumentos que, em certo sentido, o NÃO-SER É; e que, por sua vez, o SER, de certa forma, NÃO-É. " (Sof. 241 e). Platão, opta por explicar a PARTICIPAÇÃO do SER no NÃO-SER e pela participação do NÃO-SER no SER. Platão retorna a sua tese de explicar como as formas - Universais e necessárias aplicam-se as coisas naturais - particulares e contingentes. Como explica essa aplicação? Platão faz mediante o conceito de ALTERIDADE. Essa alteridade ocorre entre o mesmo e o outro. "Quando afirmamos que ele é o mesmo é porque em si mesmo, ele participa do mesmo, e quando dizemos que ele não é o mesmo, é em consequência de sua comunidade com "o outro", a comunidade esta que o separa do "mesmo" e o torna não-mesmo e sim outro; de sorte que, neste caso, temos o direito de chamá-lo "não-o-mesmo". (Sof. 256 b). O que fica claro aqui é que ALTERIDADE é comunidade entre o mesmo em si e o outro. O mesmo em si é o SER e o outro é o não-ser. Platãoquer com isso mostrar que SER e não-ser podem formar uma comunidade unida. O Ser, o mesmo, é Universal e necessário, que participa do Não-ser, o outro, particular e contingente. O que é então, o não-ser? "Quando falamos no não-ser isso não significa, ao que parece, qualquer coisa contrária ao Ser, mas apenas OUTRA coisa qualquer que não o ser." (Sof. 257b). Assim, não há uma oposição entre racional (O Ser) e irracional (não-Ser). O Não-Ser é, em verdade, o não-racional. A Fórmula não-x encerra em si uma multiplicidade de nomes que podem ser atribuidas ao Ser. Assim começamos a entender "como pode acontecer que designemos uma única e mesma coisa por uma pluralidade de nomes." (Sof. 251a). Quando dizemos que o belo é o Ser em si mesmo, o não-belo e o outro que abriga em si vários nomes. Assim, o belo tem seus múltiplos nomes. "Ao que parece, quando uma parte da natureza do outro e uma parte da natureza do ser se opõem mutuamente, esta oposição não é, se assim podemos dizer, menos ser que o próprio ser; pois não é o contrário do ser o que ele exprime; e sim, simplesmente, algo dele diferente." (Sof. 258 b) Platão procura aplicar essa solução brilhante na ciência. A ciência enquanto tal é Una, mas pode dividir-se. A ciência possui um Ser, isto é, uma forma do mundo inteligível. A ciência, assim é o mesmo, enquanto que as suas partes; divisões, e sub- divisões são o outro, o não-ser, A NÃO-CIÊNCIA. A não-ciência são todos os nomes que damos à ciência, são seus múltiplos. Pois tudo o que chamamos de não-ciência é Idealismo de Platâo 10 outro que a ciência, exclusivamente. "Também a ciência é una, não é? Mas cada parte que dela se separa, para aplicar-se a um determinado objeto, tem um nome que lhe é próprio: é por isso que se fala de uma pluralidade de artes e ciências." (Sof. 257 d). Com essa definição de não-ser, da natureza do não-ser, como sendo "alteridade" - algo diferente do ser - e não necessáriamene oposição ao ser, Platão derruba, ou seja, refuta a tese de Parmênides que dizia "Jamais obrigarás os não-seres a ser." É assim que o não-ser participa do Ser. Como poderíamos aplicar ao problema em pauta? Como dissemos, o mundo inteligível ou das formas universais e necessárias é o MESMO (SER) e o mundo sensível ou das coisas naturais particulares e contingentes é o OUTRO (Não-Ser). Ora, dissemos que há uma comunidade entre o Ser e o não-ser. Não há oposição entre um e outro. Do mesmo modo ocorre com o mundo inteligível e com o mundo sensível. Não há uma relação de oposição, mas sim, o mundo sensível é em verdade o NÃO- INTELIGÍVEL. Portanto, haveria o mundo inteligível e o mundo NÃO-INTELIGÍVEL (do sensível). Esse mundo se constitui das diversas maneiras que podemos denominar o mundo inteligível. O mundo inteligível é único, mas pode ser dito de múltiplas maneiras, pode ser expresso de várias maneiras - e é aqui que obtemos o mundo sensível - ou o mundo não-inteligível. Enfim, a participação ocorre justamente quando procuramos expressar, comunicar esse mundo inteligível de diversas maneiras. Aristóteles, no entanto, dirá que TODAS as maneiras de expressar ou comunicar o ser como Uno não serão suficientes para justificar essa participação. Ainda haverá a incompreensão. Portanto, como pode o Ser ser Uno e ser dito de muitas maneiras? Todas as maneiras de traduzir sua unidade são insatisfatórias. Se não há oposição entre o Ser e o não-Ser como poderemos entender o Ser? Como entender, perceber, o branco sem o preto? É nesse momento que começa o pensamento de Aristóteles. Por último, perguntaríamos; Quem é o sofista? É o Ser? Não. É a oposição do Ser? Não. O Sofista é o não-ser. Não o mesmo, mas o outro. Não o imoral em oposição ao moral, mas o não-moral. Não o irracional em oposição ao racional, mas o não- racional. Diz Platão: "Sábio, exatamente, é, impossível, pois já afirmamos que ele não sabe nada. Mas, porque imita o sábio, ele terá um nome que se aproxime deste, e já estou quase convencido de que é a seu propósito que devemos dizer: eis, verdadeiramente, nosso famoso sofista." (Sof. 268 c) Realismo natural de Aristóteles 11 REALISMO NATURAL DE ARISTÓTELES Nasceu em Estagira. Platão foi seu mestre e estimava-o muito chamando-o de "o leitor" e "a mente da escola". No entanto, havia diferenças sensíveis entre o pensamento de Platão e o de Aristóteles. Vamos apenas citar três dessas diferenças: a) o pensamento platônico ainda possui raízes nas legiões órficas. Assim, o elemento místico-religioso-escatológico está presente. No pensamento Aristotélico há um abandono total, completo desses elementos. A razão disso certamente é o discurso lógico, isto é, o discurso amparado em regras lógicas. Isso evidentemente deu uma consistência bem maior ao logos (razão); b) em segundo lugar, o pensamento platônico preocupa-se especialmente com as ciências formais, em particular pela matemática (Geometria). O pensamento Aristotélico envolve-se muito mais pelas ciências empíricas, em particular pela biologia; c) em terceiro lugar, o pensamento platônico caracterizou-se fortemente pela ironia e maiêutica socrática, dando dessa forma uma abertura ao discurso e uma busca sem interrupção da resposta ao seu problema central; a conciliação entre o mundo sensível e o mundo inteligível. O pensamento Aristotélico, ao contrário, procura uma sistematização aos problemas. Cada problema possui uma determinada natureza, e, exige a aplicação de um determinado método racional. Assim, temos em Aristóteles, os problemas de natureza metafísica, psicológica, física, ética, política, estética e lógica. O "CORPUS ARISTOTELICUM" está articulado da seguinte maneira: a) obras de lógica: organon - que se compõe: (a.1) Categorias ao predicamentos; (a.2) Interpretação ou sobre os juízos; (a.3) Primeiros analíticos ou sobre o silogismo; (a.4) Segundos analíticos ou Analíticos posteriores ou sobre a demonstração silogística; (a.5) Tópicos ou sobre a demonstração silogística que conduz a uma conclusão provável; (a.6) Refutações sofísticas, incluídos nos tópicos, sobre os silogismos que conduzem ao erro; b.Filosofia Primeira: Metafísica. c. Física; ( c.1 ) Físicos; ( c.2 ) Do céu ou sobre a astronomia; ( c.3 ) Da geração ou da corrupção; ( c.4 ) Meterologia; d. BIOLOGIA; I) TRATADOS MAIORES: De anima ou sobre o vivente em geral; História dos Animais entre outros. II) Tratados menores: Da memória e da reminiscência; Do sono e da vigília; Da respiração; Da vida e da morte; entre outros. e. Ética : Ética de Nicômaco, entre outros.f. Política: Política; Constituição de Atenas; g. Arte: Retórica; Poética; Poesias. Nessa introdução é importante colocarmos algumas considerações sobre a evolução do pensamento Aristotélico: Em Aristóteles podemos falr de três períodos pertencentes à filosofia primeira: um período que Aristóteles compactua com o DUALISMO PLATÔNICO: ai a filosofia primeira é a ciência que tem por objeto de estudos às substâncias transcendentes e suprasensíveis separadas. Diametralmente oposta está a física que possui como objeto de estudo as substâncias do mundo sensível. Aqui podemos incluir: Metafísica livros XIII 9-10 e XIV. Sobre a filosofia, do céu I - II e Física I - II; Em um segundo período podemos observar em Aristóteles um DUALISMO MITIGADO, isto é, um período de transição. A Filosofia primeira é a ciência dos primeiros princípios e das causas supremas e últimas do Ser em sua totalidade, tanto sensível como suprasensível. Temos como referência o LIVRO I da Metafísica e III, XI 1-2; O terceiro período constitui-se na SUPERAÇÃO DO DUALISMO PLATÔNICO, isto é, o Aristotelismo própriamente dito. A Filosofia Realismo natural de Aristóteles12 primeira define o seu objeto de estudo: o ser enquanto ser, isto é, o estudo dos princípios da razão e do ser. Pertencem à Filosofia primeira à física e à todas as ciências particulares, que estudam propriedades concretas e específicas. Podemos subdividir este período em quatro momentos: (a) Metafísica VI 1 - XI 7; VI 2-4 - XI 8; XI 9-12 (resumo da física); (b) metafísica VII, VIII, XIII 1-9 (sobre a substância); (c) IX 1-9 ( sobre o ato e a potência) ; (d) Metafísica livro XII (sobre a substância como ato puro - Ser transcendente). De uma maneira geral, a evolução do pensamento aristotélico segue três períodos - segundo F. Nuyens: 1º Período: Dualismo radical entre alma e corpo conforme EUDEMO h 354; Protréptico e Sobre a Filosofia; Física do Céu ( Com exceção do Cap. VIII ); Da geração e Corrupção; Categorias e Tópicos; Meteorologia; 2º Período: Instrumentismo vitalista ou mecanicista: pertencem a esse período obras de biologia e moral, metafísica XIV, XII 1-9, VI 1; Ética a Nicômaco com exceção dos cap V, VII; Política II, III, VII, VIII. 3º Período: Enteleguismo: pertencem a esse período "De anima", Metafísica VII, VIII, XII, IX; Política Iv, V, VI, I. O problema em Aristóteles Aristóteles atacou o "Monismo" de Parmênides de que, o que existe é o Ser e que o não-ser não existe; Atacou o "mobilismo" de Heráclito e também o pluralismo idealismo de Platão. Contra Parmênides: "O Ser é uno e se diz de muitas maneiras; contra Heráclito: Os particulares movimentam-se, mas as essências são imutáveis e permanecem através de todas as mudanças e mutações; contra Platão: Não existe uma realidade ontológica para os universais, mas somente uma realidade lógica para os universais. Poderíamos indagar: Como pode que o Ser seja uno e seja dito de muitas maneiras? Como pode ser que as essências permaneçam sem cessar o movimento? Como podemos sustentar a Universalidade apenas pela lógica? É a filosofia primeira de Aristóteles que responde. A composição hierarquica do Universo, em Aristóteles, passa por três níveis: 1º NÍVEL: O Mundo físico terrestre: Todos os elementos que possuem a matéria primeira e os quatro elementos. São móveis, geráveis, corruptíveis, compostos de matéria e forma (potência e ato). Estão em uma escala hierárquica de organização em ordem de perfeição, levando-se em conta a sua forma. Os elementos materiais são eternos, porém eles SÃO CONTINGENTES (enquanto individuais). Assim temos: Não-viventes Princípios (Matéria-Forma) Elementos (Água-Ar-Fogo-Terra) Realismo natural de Aristóteles 13 Mistos (em número indefinido) Viventes Vegetais (forma vegetativa, nutritiva) Animais ( forma sensitiva ) Homem (forma racional) O 2º NÍVEL é o Mundo físico celeste. Composto das esferas, Astros que são móveis, eternos, não são geráveis, incorruptíveis, compostos de matéria (éter - o 5º elemento), dotadas de formas viventes, inteligentes e perfeitíssimas. São 54 esferas que rodeiam a terra em círculo e não possuem contrários. A última esfera é movimentada pelo motor primeiro imóvel; O 3º NÍVEL é o da SUBSTÂNCIA DIVINA SUPRACELESTE que está fora do Universo. É simples, eterna, imóvel, incorruptível, forma pura sem matéria, ato puro sem potência. É Deus. Não criou o mundo, pois o mundo é eterno. Não organizou o mundo. A Única ação de Deus no mundo é ser a causa do movimento por atração e por amor. A partir dessa descrição da composição hierárquica do Universo, passamos a concepção de ciência em Aristóteles, onde o problema maior se centralizará. Aristóteles mantém o mesmo conceito de ciência que os pré-socráticos e que Platão adotaram. A ciência é um conhecimento fixo, estável e correto. Mas Aristóteles acaba com a existência de um mundo transcendente de Idéias que o seu mestre havia imaginado. O que há, segundo Aristóteles, são substâncias particulares e individuais que estão distribuidas em três planos: a) o terrestre; b) o celeste; c) e o divino. Ainda mais, Aristóteles termina com os conceitos de imitação e participação de Platão. Toda substância, segundo Aristóteles, possui o seu Ser, que norteia-se por quatro causas: a) material; b) formal; c) suficiente; d) teleológica ou final, que são comuns a todos os fenômenos naturais, que os explicam. Aristóteles distingue dois tipos de conhecimento: O conhecimento SENSITIVO a qual pertence as coisas particulares e contingentes , sujeitas a mudança. Esse conhecimento é VERDADEIRO, mas não é científico; O segundo tipo de conhecimento é o INTELECTIVO a qual pertence o universal e necessário que é fixo, imutável (portanto, não muda) e o estável. Esse é o conhecimento CIENTÍFICO capaz de produzir conceitos universais. As características centrais para Aristóteles daquilo que é A ciência devem preocupar-se em responder a pergunta O QUE É? E expressar definições das essências das coisas. Sendo assim, a ciência é um conhecimento das coisas por suas causas; um conhecimento necessário; é um conhecimento Universal. Mas, a questão é: Como obtemos, segundo Aristóteles, um conhecimento com essas características? Como pode dar-se um conhecimento científico (Intelectivo), necessário, universal e certo VERSANDO SOBRE objetos essencialmente contingentes, instáveis e mutáveis (sensitivo)? Aristóteles tem presente o problema da compatibilidade entre necessidade e Realismo natural de Aristóteles 14 Universalidade da ciência e contingência e particularidade dos objetos da ciência. A maneira de proceder perante este problema herdado de seu mestre, não será a mesma de seu mestre. Platão considerou que o problema deveria ser combatido a nível ontológico. Aristóteles acredita que o mesmo problema deva ser considerado a nível LÓGICO. De um ponto de vista lógico, o problema é tratado na medida que se propõe a descrição do procedimento de formação ou obtenção dos conceitos universais e, a sua posterior aplicação na natureza. Ora, para Aristóteles a investigação científica ocorre em uma progressão das observações até os princípios gerais e daí retorna as observações. Assim, devemos induzir princípios universais dos próprios fenômenos contingentes a serem explicados, e logo após deduzir afirmações sobre os fenômenos contingentes a partir de premissas que incluem esses princípios universais. O início do processo INDUTIVO, isto é, o processo pelo qual é responsável em apontar as razões que explicam a passagem do particular-contingente ao universal- necessário, - ocorre a partir da percepção sensível. A Sensação, a primeira etapa do processo indutivo, define-se como a percepção dos objetos particulares-contingentes. Nada é inato. Tudo provém dos sentidos que são afetados pelos objetos naturais. O Efeito dessa "afetação" (afetar) é o PRAZER e, também, já muito mais abstrato, a maior quantidade e variedade de conhecimentos. Uma vez que nossos sentidos foram afetados e que nós percebemos, essa sensação perpetua-se na MEMÓRIA. A memória, segunda etapa do processo indutivo, é a persistência e a conservação das impressões sensitivas. É o armazenamento daquilo que mais significativamente nos afetou. A terceira é a EXPERIÊNCIA. A experiênciaprovém da repetição e confrontação de várias sensações repetidas, procedentes de objetos semelhantes, conservadas na memória e unidas na observação consciente e atenta. A quarta etapa: O conceito Universal. O conceito Universal é produto da redução de muitas experiências. Reduzimos o múltiplo, característico do particular-contingente, ao conceito. E se produz o universal-necessário. É aqui que os problemas acumulam-se: Como reduzimos o múltiplo a uma unidade? Como passamos de experiências repetidas e diversas para o conceito de universal? Ao que parece há uma distância muito grande entre a experiência e o conceito universal. Quem conhece o Universal conhece, em certo sentido, tudo o que pertence ao modo das coisas particulares que CONVÉM a ele (o universal). A formação do conceito universal-necessário passa pela unificação da pluralidade na unidade; passa pela estabilização reduzindo o mutável ao imutável; e passa pela desmaterialização prescindindo da matéria e considerando-a em geral. Podemos perceber o universal nos indivíduos. Percebemos o Universal homem e brancura, em um indivíduo: Sócrates branco. Assim, o conceito universal é o fundamento da arte como ação e produção, e da ciência como aplicação desse universal ao particular. Porém,aquele que somente conhece o universal cometerá erros ao aplicar aos casos particulares. Aquele que só conhece o particular não saberá aplicá-los ao universal. Todas as coisas fenomênicas, particulares e contingentes, possuem matéria e forma. A matéria torna-o particular em um indivíduo único. E a forma é o que torna o particular em membro de uma classe de coisas semelhantes. Estabelecer a forma de um Realismo natural de Aristóteles 15 particular é especificar as propriedades que ele compartilha com outros particulares. De acordo com Aristóteles, podemos falar de dois tipos de indução: Indução por simples enumeração e a Indução intuitiva que é uma questão de visão interior. A indução por simples enumeração parte da premisssa de que - o que se observa em vários indivíduos - pode-se generalizar para a conclusão de que - é o que se presume verdadeiro para a espécie que pertencem os indivíduos. Continuando o processo de generalização por indução simples: Da premissa que diz: o que se observa para várias espécies - generalizamos para a conclusão de que: o que se presume verdadeiro para o genêro ao qual pertence as espécies. Assim temos: um esquema de indução por simples enumeração. GENERALIZAÇÃO INDIVÍDUOS ______________________ » ESPÉCIE GENERALIZAÇÃO ESPÉCIES ________________________ » GÊNERO A forma de uma argumento típico por enumeração simples será o seguinte: a1 tem a propriedade P a2 tem a propriedade P a3 tem a propriedade P _________________________________ . . todos os a ' s têm a propriedade P A indução intuitiva é uma instituição direta dos princípios gerais exemplificados pelos fenômenos. É saber olhar, o que se deve olhar. É ter visão do que se deve dar importância na indução. Dedução: É o segundo estágio da investigação cietífica. No que consiste este estágio? A dedução define-se pelas generalizações alcançadas pela indução que são utilizadas como premissas para a dedução de declaração sobre as observações iniciais. As declarações dedutivas INCLUEM OU EXCLUEM EM uma classe. Assim, segundo Realismo natural de Aristóteles 16 Aristóteles temos: A Todos os S são P onde S é completamente incluído em P E Nenhum S é P onde S é completamente excluído de P I Alguns S são P onde S é parcialmente incluído em P O Alguns S não são P onde S é parcialmente excluído de P A mais importante destas declarações é a "A" porque reproduz exatamente a estrutura destas relações. A figura e o modo do Silogismo seguirá específicamente este tipo de declaração: o modo mais perfeito é o de primeira figura em que as demais figuras devam ser reduzidas. O modo mais perfeito da primeira figura é o BAR-BA-RA. O Silogismo mais importante para a explicação e investigação científica: Todos os M são P Todos os S são M logo, Todos os S são P O Silogismo, como o argumento dedutivo mais importante para Aristóteles, consiste na interposição de termos médios. A premissa inicial se obtém pela indução; a segunda premissa e a conclusão são deduções. O termo médio é escolhido. Portanto, não há aparentemente uma justificação racional para sua escolha. Vamos ao exemplo: Todos os corpos próximos à terra são corpos que brilham continuamente Ora, todos os planetas são corpos próximos da terra logo, todos os planetas são corpos que brilham continuamente o que corresponderia respectivamente a : M T Premissa maior ou Premissa inicial t M Premissa menor t T Conclusão ou generalização científica Requisitos para a explicação científica Realismo natural de Aristóteles 17 Há segundo Aristóteles quatro requisitos extra-lógicos: (1) Todo silogismo dedutivo satisfatório deverá ter as premissas verdadeiras e a conclusão verdadeira; (2) As premissas são indemonstráveis; (3) As premissas devem ser melhor conhecidas do que a conclusão; (4) As premissas devem ser as causas da atribuição feita na conclusão. (Conferir Analítica Posterior - Aristóteles 71b 20-72a 5). Quanto a segunda condição, há leis gerais da ciência, segundo Aristóteles, que são indemonstráveis para podermos evitar o regresso infinito nas explicações. Quanto a quarta condição, Aristóteles constata que há silogismos em que há uma conexão causal entre as premissas e a conclusão, mas há outros silogismos em que essa conexão não há, isto é, são correlações causais acidentais, enquanto que, no primeiro caso, as correlações causais são essenciais. Mas qual seria o critério para diferenciar relações causais essenciais de acidentais? Disse Aristóteles que os critérios são os seguintes: (a) o predicado ou atributo é verdadeiro para todos os casos em que aparece o sujeito; (b) o predicado ou atributo é verdadeiro específicamente para o sujeito, e não por ele ser parte de um todo maior; (c) o predicado ou atributo é essencial ao sujeito. Com esse último ítem Aristóteles retorna ao mesmo problema: " Na verdade, ele sugeriu que "animal" é um predicado essencial do "homem", enquanto "musical" não o é, e que cortar o pescoço de um animal é essencialmente relacionado com a sua morte, enquanto que dar um passeio não é essencialmente realcionado com aocorrência de raios. Mas dar exemplos de predicação essencial é uma coisa, e estipular um critério geral para distingui-los é outra." (HFC,21). Apesar da falha, da limitação, Aristóteles insistiu no fato de que a ciência têm sujeitos distintos e predicados próprios. Assim, " a ciência individual é um grupo dedutivamente organizado de declarações. No mais alto nível de generalidade acham-se os primeiros princípios de TODA a demonstração - os princípios da identidade , não- contradição e do médio-excluído. Tais princípios são aplicáveis a todos os argumentos dedutivos. No segundo nível de generalidade estão os princípios primeiros e às definições da ciência particular em questão." ( IHFC, 22) Um outro requisito para as interpretações científicas são as quatro causas que estãopresentes em toda interpretação ou explicação de um fenômeno. Segundo Aristóteles, temos: (a) causa formal, que define o objeto, distinguindo-o dos demais; (b) causa material, aquilo de que uma coisa é feita; (c) causa eficiente, oisto é, o sujeito que faz o objeto (coisa); (d) causa final, isto é, a idéia da coisa, existente na mente do sujeito. " Um processo suscetível deste tipo de análise é a mudança de cor da pele do camaleão à medida que ele se desloca de uma folha verde a um ramo cinzento. A cusa formal é a forma do processo. Descrever a causa formal é especificar uma generalização sobre as condições sob as quais tem lugar a mudança de cor. A causa material é a substância contida na pele, que sofre a mudança de cor. A causa eficiente é a transição da folha para o ramo, transição esta acompanhada por uma mudança de luz refletida e Realismo natural de Aristóteles 18 uma variação química correspondente na pele do camaleão. A causa final do processo é que o camaleão deveria escapar à detecção pelos seus predadores." (IHFC, 22). O problema das causas dos fenômenos encontra-se restringida a causa final: ora, se a causa final pressupõem que um futuro estado de coisas determina o desenrolar de um estado presente, então, significa que o futuro está determinado pelo presente, pois o estado futuro "puxa consigo" a sucessão de estados que leva a ele. A última questão a rspeito da ciência é a demarcação entre o científico e o não- científico que Aristóteles atribui: ora, demarcar é assunto próprio de cada ciência mas se quisermos distinguir entre ciência empírica e matemática pura, diríamos, no entender de Aristóteles, que a ciência empírica trata do que é variável e a matemática pura do invariável. Racionalismo Cartesiano 19 RACIONALISMO CARTESIANO O ceticismo do Renascimento, representado aqui por nós na figura de M. Montaigne, fundamentou e deixou claro a decadência da razão. Aliás, na história da filosofia são sucessivos os momentos de ascenção, apogeu e consequentemente decadência da razão. A filosofia é por excelência, um estudo dos movimentos de ascenção, apogeu e decadência da razão humana. A razão aparece como a faculdade mais precisa do homem. Sua origem, sua evolução e seu destino enfim, sua sobrevivência estão ligados íntimamente a ela. Esse zelo pela razão será a pedra de toque do racionalismo que iniciou seu programa com a figura de Descartes. No renascimento a razão era descrita como sendo responsável ou melhor, como a faculdade humana responsável pela descoberta e manifestação da ordem divina do mundo. Para Descartes, entretanto, como sendo um dos primeiros racionalistas a apresentar o seu programa, a razão era responsável pela produção e estabelecimento da ordem dos conhecimentos e das ações dos homens. Portanto, em Descartes, a razão é uma faculdade humana e não divina. Deus não interfere na razão, pois esta, em grande parte, depende exclusivamente, de REGRAS. Ai está pois, a diferença principal entre Descartes e o pensamento renascentista. Veremos, no entanto, que as sequêlas da filosofia renascentista aparecem vivamente na filosofia racionalista de Descartes. Essa parte de nosso estudo constará de duas etapas. A primeira enfocará a concepção cientiífica de Descartes; a segunda objetivará explicitar a concepção metafisica de Descartes. 1.1.1 Descartes e a ciência O conceito dominante não só no racionalismo mas também em Descartes é o conceito de SUBSTÂNCIA. Mas por que o conceito de substância advindo de Aristóteles colocou-se como o centro do programa racionalista do séc XVI? Ora, assim como Aristóteles distingue em sua lógica o Sujeito do Predicado, o mesmo ele efetua em sua metafísica diferenciando Substância de Atributo. Neste sentido, quando pronunciamos a seguinte sentença: "Pedro é um homem", temos que "Pedro" será o sujeito da sentença e, o restante "um homem" será o predicado. Ora, enfocando esta mesma sentença teremos que o termo "Pedro" é a Substância, a essência, e o complemento "um homem" é o seu atributo. Sendo assim, a substância possui e é uma essência, e os seus atributos são acidentes, isto é, propriedades com relação às quais a substância pode mudar sem deixar de existir. A essência é justamente a parte da substância que não muda e não deixa de existir. Em uma palavra a substância em essência é o que permanece. Racionalismo Cartesiano 20 Este conceito de Substância assume importância vital porque essa contém em si a explicação total ou completa da natureza. A dificuldade residirá em que a IDÉIA DE MATÉRIA dificilmente se enquadrará na estrutura conceitual de SUBSTÂNCIA, em Aristóteles. Estabelecer essa relação entre a idéia de MATÉRIA e o conceito de substância, se é possível ou não, será o centro de polêmicas no racionalismo moderno e, principalmente em Descartes. Diz Descartes: "Pois, com efeito, aquelas que me representam SUBSTÂNCIAS são, sem dúvida, algo mais e contém em si (por assim falar) mais realidade objetiva, isto é, participam, por representação, num maior número de graus de ser ou de perfeição do que aquelas que representam apenas modos ou acidentes" (Meditações, 103) Como Descartes opera para estabelecer ou restabelecer a relação entre a IDÉIA de MATÉRIA e a de Substância? Descartes estabelece uma diferença entre Substância pensante e Substância extensa: "Pois, quando penso que a pedra é uma substância, ou uma coisa que é por si capaz de existir, e em seguida que sou uma substância, embora eu conceba de fato que sou UMA COISA PENSANTE E NÃO EXTENSA, e que a pedra, ao contrário, é UMA COISA EXTENSA E NÃO PENSANTE, e que assim, entre essas duas concepções há uma notável diferença, elas parecem, todavia, concordar na medida em que representam substâncias." (Meditações, 107) Ora, enquanto que a substância pensante aqui em nosso estudo será melhor explicitada na segunda parte que trata da METAFÍSICA, a substância extensa será tratada neste momento. A razão disso é que a extensão é a categoria fundamental, em Descartes, para entender-se a concepção de UNIVERSO. A filosofia de Descartes se compõem, básicamente, de três momentos: 1º O da dúvida metódica (que corresponderia a 1ª e 2ª MEDITAÇÃOES); 2º O da inserção do cógito (que corresponderia a 2ª e 3ª MEDITAÇÕES); e 3º O da saída do cógito (que corresponde a 3ª,4ª,5ª e 6ª MEDITAÇÕES). Portanto, o cerne da filosofia cartesiana é a dificuldade que há em sair-se do cógito para admitir que existe algo fora dele, isto é, se há uma realidade exterior ao cógito. Descrever a concepção de Universo (ou de ciência) em Descartes é justamente deter-se neste terceiro momento, que pode ser sintetizado neste esquema: IDÉIA »»»»»»»»»»»»»»»»» OBJETO Isto é, como ocorre a passagem de uma idéia localizada no interior do cógito para um objeto localizado fora do cógito? Em termos Cartesianos: SUBSTÂNCIA PENSANTE »»»»»»»»»»»»»»»» SUBSTÂNCIA EXTENSA Racionalismo Cartesiano 21 Isto é, como ocorre a passagem de substância pensante para a substância extensa? Como Descartes reconhece a existência do mundo exterior? Vejamos em Descartes: "Tomemos, por exemplo, este PEDAÇO DE CERA que acaba de ser tirado da colmeia (...) todas as coisas que podem distintamente fazer conhecer um corpo encontram-se neste (...) Mas eis que, enquanto falo, é aproximado do fogo (...) A mesma cera permanece após essa modificação? Cumpre confessar que permanece : e ninguém o pode negar,(...) Consideramo-lo atentamente e, afastando todas as coisas que não pertencem à cera, vejamos O QUE RESTA. Certamente, nada permanece SENÃO ALGO DE EXTENSO, flexível e mutável (...) E agora, que é essa extensão? (...)" (Meditações, 96) Ora, chegamos a idéia de extensão por intuição da mente. Mas, o que significa extensão? Extensão, em Descartes, significa "SER CHEIO DE MATÉRIA". Portanto, é uma contradição sustentar a extensão como algo desprovido de toda matéria. A matéria possui extensão e movimento. E a razão concebe a extensão pelo método geométrico. Aqui que começa-se a explicar a passagem que vai do interior do cógito para o seu exterior. Isso ocorre graças ao método geométrico de Descartes. Ora, se eu me constituo como uma substância finita, como posso ter a idéia de um ser infinito em mim? Logo, esse ser infinito está fora de mim. Diz neste sentido Descartes: "Portanto, resta tão somente a idéia de Deus, na qual é preciso considerar se há algo que não possa ter provindo de mim mesmo? Pelo nome de Deus entendo uma substância infinita, eterna, imutável (...) (...) ainda que a idéia de substância esteja em mim, pelo próprio fato de ser eu uma substância, EU NÃO TERIA, todavia, a IDÉIA DE UMA SUBSTÂNCIA INFINITA, EU QUE SOU UM SER FINITO, se ela não tivesse sido colocada em mimpor alguma substância que fosse verdadeiramente infinita" (Meditações,107-8) O infinito não pode estar contido no finito, mas o finito (homem) pode estar contido no infinito (Deus). Logo, o infinito está fora do finito, existe fora do finito. Deve haver uma realidade exterior ao cógito. O Universo físico será um mecanismo criado por Deus, que pode ser reduzido ao cálculo. O Universo é um relógio preciso. A precisão desse relógio se explica pelo movimento das partes extensas. Esse princípio, e assim acreditou Descartes, explica todos os fenômenos da natureza. Deus é a causa primeira desse mecanismo e as leis da física dele são deduzidas. Neste sentido, temos em Descartes a primeira lei da natureza: O PRINCÍPIO DE INÉRCIA. O que significa este princípio? Todas as coisas, que compõem a realidade exterior do cógito, enquanto simples e indivisas preservam-se sempre no mesmo estado e não se alteram, não mudam a não ser que uma causa externa os ponha em movimento. A segunda lei: todas as coisas tendem a movimentar-se em linha reta. E a terceira lei, conhecida como a lei ou o princípio da conservação do movimento, diz que no choque de dois corpos entre si, o movimento não se perde, mantendo-se a sua quantidade constante. Racionalismo Cartesiano 22 Destas leis é que Descartes deduz toda estrutura do Universo e aponta para o fato de que todos os fenômenos desse Universo, dessa natureza possam, por essas leis, serem REDUZIDOS. Neste sentido, o Universo atual, a ordem atual do mundo se formou a partir do caos. "A matéria primitiva era composta de particulas iguais em grandeza e em movimento; estas particulas moviam-se quer, em torno do próprio centro quer uma em relação as outras, de modo a formarem turbilhões fluidos que, compondo-se de modos vários entre si, deram origem ao sistema e depois à terra". (HF,59-60) Esse Universo mecânico, esse Universo máquina transfere esssasua característica aos seus componentes. Dessa forma, Descartes, fala de um mecanismo não só para o Universo mas também para aquilo que nele está contido: Homens, Plantas e Animais. A comprovação de Descartes que o homem é uma máquina dentro da grande mecânica do Universo, está no circulação do sangue. Mas a descrição de Descartes a respeito da circulação do sangue não parece concordar muito com a de Harvey - descobridor do trajeto da corrente sanguinea. Enquanto que Descartes atribui à circulação sanguinea, em causa, a maior quantidade de calor que existe no coração, Harvey (1628) indicava como sua causa a contração e distenção do músculo cardíaco. Cabe por último salientar que, toda matéria existente no Universo, na concepção Cartesiana, foi posta em movimento uma vez por todas, ao mesmo tempo e, o papel de Deus é que esse movimento seja perpétuamente conservado. Em conclusão, dir-se-ia que Descartes "queria alcançar uma concepção de mundo que fosse, num sentido totalmente específico, objetiva, isto é, quera mostrar que, independentemente de seus pensamentos e percepções, existe um mundo que poderia, a qualquer momento, diferir do que parece ser para ele, do qual ele fosse apenas uma parte finita e falível e cuja verdadeira natureza ele só pudesse descobrir mediante laboriosa investigação" (IFM, 39). 1.1.2 Descartes e a Metafísica Anteriormente tentamos esclarecer a concepção de substância extensa em Descartes como sendo a pedra de toque para a sua concepção cosmológica da ciência. Vimos que todo universo composto de matéria possui sua autêntica natureza em Deus e dele se deduz as leis da física de maneira geométrica, sendo que todas idéias daí derivadas são por assim dizer, para Descartes, claras e distintas. Agora partiremos para o estabelecimento da substância pensante que, por sua vez, é a pedra de toque da metafísica de Descartes. Descartes inicia todo seu filosofar pela dúvida, pela dúvida orientada ou direcionada pelo método, enfim, pela DUVIDA METÓDICA. Diz Descartes que o seu propósito é: "(...) desfazer-me de todas opiniões a que até então dera crédito, e começar tudo Racionalismo Cartesiano 23 novamente desde os fundamentos, se quisesse estabelecer algo de firme e de constante nas ciências (...). Ora, não será necessário, para alcançar esse desígnio, provar que todas elas são falsas, o que talvez nunca levasse a cabo (...) o menor motivo de dúvida que eu nelas encontrar bastará para me levar a rejeitar todas." (Meditações, 85) A atitude de Descartes tinha sua razão de ser. O Renascimento deixará para a filosofia uma situação bastante incômoda: todo nosso conhecimento não possui nenhuma estrutura segura. Tudo que afirmamos, mais cedo ou mais tarde, aparecem contrários à nossa razão. A atitude de Descartes, em princípio, é a de um cético que suspende todos os seus juízos e coloca-os em cheque. Porém, sua meta é bastante racional: estabelecer princípios seguros e absolutos para a razão. Esses princípios seriam norteadores de todo o conhecimento objetivo. A objetividade da razão é em Descartes algo determinado e determinador, reflexo da certeza e da segurança que todo conhecimento que se diga científico, deveria ter. As idéias claras e distintas advém deste conceito de objetividade. Desta atitude cartesiana perante a razão, provém o problema fundamental da teoria do conhecimento: como posso EU conhecer ou ter certeza das coisas que afirmo conhecer? Se trata aqui de se estabelecer o conhecimento humano como uma árvore que, tem a física como tronco e a metafísica como raiz. Ora, apartir deste problema do conhecimento, faz com que Descartes, de sua dúvida metódica se volte para dentro de si mesmo. Mas todo este procedimento é coordenado pela razão. Portanto, haverá, por assim dizer, um método de valor universal para que tudo se desenrole do jeito que está se desenrolando. É sobre este método que queremos dizer alguma coisa a partir de agora. O método de Descartes justifica, sobretudo, a sua atitude de interiorização, de recolhimento em si mesmo e, por conseguinte, sua abertura para a realidade exterior. Sendo assim, Descartes define como Método o conjunto de "regras certas e fáceis que, por quem quer que sejam exatamente observadas, lhe tornam impossível tomar o falso pelo verdadeiro e, sem nenhum esforço mental inútil, antes aumentando sempre gradualmente a ciência, o conduzirão ao conhecimento de tudo oque ele será capaz de conhecer" (Discurso do Método). Esse aumento gradual de que fala Descartes em sua definição de Método, espelha sua atitude de contela e desconfiança para, por fim, alcançar a certeza incontestável. Pois bem, quatro são as regras de direção do espírito metódico: a) a regra da evidência b) a regra da análise c) a regra da síntese d) a regra da enumeração Vejamos pois, cada uma: pela regra da evidência Descartes procura estabelecer que Racionalismo Cartesiano 24 jamais podemos aceitar algo como verdadeiro se não pudessemos reconhecê-lo como evidente. Reconhecer como evidente é reconhecer segundo a luz natural da razão, é reconhecê-lo pela INTUIÇÃO, chave de toda boa razão. Oposta a noção de evidência é a de conjectura, que é em Descartes, aquilo que não nos dá a verdade de modo IMEDIATO ao espírito, mas tal verdade é MEDIADA por outras circunstâncias para alcançar o espírito. Daí se deduz que a evidência é aquilo que se dá imediatamente ao espírito, sem a interferência de outros fatores. O conceito, por assim dizer, se torna cristalino, transparente para a razão. Daí se deriva a CLAREZA enquanto tal. A DISTINÇÃO é um outro momento que consiste na separação do conceito imediatamente captado de outros conceitos adjacentes. A distinção é um processo de discernimento de conceitos ou idéias e a clareza é propriamente dita como a apresentação da idéia para a mente. Diz Descartes a respeito desta primeira regra: "O primeiro era o de jamais acolher alguma coisa como verdadeira que eu não conhecesse EVIDENTEMENTE como tal; isto é, de evitar cuidadosamente a precipitação e a prevenção, e de nada incluir em meus juízos que não se apresentasse tão clara e distintamente a meu espírito, que não tivesse nenhuma ocasião de pô-lo em dúvida." (DM,37) Em segundo lugar, pela regra da análise temos um processo que consiste em dividir cada uma de nossas dificuldades, segmentando nosso problema central no maior número possível e necessário de partes para poder chegar a uma conclusão. "A análise designa aqui o método que consiste em supor conhecida a linha desconhecida, em estabelecer as relações que a ligam a grandezas conhecidas, até que se possa constituí-la a partir destas relações." (DM, nota 20) Segundo Descartes a etapa da análise pode ser definida como "... o de dividir (no sentido de decompor até os elementos mais simples cuja combinação engendrará a solução) cada uma das dificuldades que eu examinasse em tantas PARCELAS quantas possíveis e quantas necessárias fossem para melhor resolvê-las" (DM, 37-8) Em terceiro lugar, temos o momento da síntese que envolve um reagrupamento das idéias analisadas em uma nova ordem . Descartes assim fala sobre essa terceira etapa do seu método geométrico: "O terceiro, o de conduzir por ORDEM os meus pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para subir, pouco a pouco, como por degraus, até o conhecimento dos mais compostos, e supondo mesmo uma ordem entre os que não se precedem naturalmente uns aos outros." (DM, 38) Em quarto lugar, temos a etapa da enumeração, que, segundo Descartes, pode ser assim definida: "E o último, o de fazer em toda parte enumerações tão completas e revisões tão gerais, que eu tivesse a certeza de nada omitir".(DM,38) Em conclusão: com este método geométrico Descartes racionaliza a sua dúvida metódica, diferente dos céticos que a sua dúvida e encerteza é motivo de suspensão do juízo, pois constatam que a razão lhe escapa. Racionalismo Cartesiano 25 A dúvida metódica faz com que Descartes se recolha em si mesmo. É o momento do "cógito, ergo sum". A segurança e a certeza não está fora de mim, portanto, devo procurar em meu interior. Está na hora de definir, em oposição a RÉS EXTENSA, A RÉS CÓGITA, isto é, a substância pensante, como centro da metafísica de Descartes. Pois bem, por substância, como já sabemos, entendemos aquilo que existe independentemente de qualquer outra coisa. Ora, a substância pensante se impõem na medida em que, uma vez efetuada a dúvida metódica, ocorre a constatação: se estou duvidando de tudo, uma coisa porém não posso duvidar, a de que estou PENSANDO, porque para duvidar eu tenho que pensar. Por acaso poderia existir alguém que duvidasse de tudo e até mesmo que estivesse a pensar? Seria contraditório. Se cumpre em Descartes o princípio da lógica que diz: posso pensar em tudo quizer, desde que, não entre em contradição comigo mesmo. Dessa forma, Descartes introduz na teoria do conhecimento o sujeito pensante: a epistemologia do sujeito cognoscente. "A teoria do conhecimento subjetivo é muito antiga: mas torna-se explícita com Descartes: "Conhecer" é uma atividade e pressupõe A EXISTÊNCIA DE UM SUJEITO CONHECEDOR. É o ser subjetivo quem conhece." (CO,77) Vimos que a proposição Penso, logo existo (ou até mesmo, Duvido de tudo, logo existo) é a única proposição absolutamente VERDADEIRA porque a própria dúvida a confirma. Ora, devemos distinguir aqui, na filosofia cartesiana, as verdades necessárias das verdades contingentes. A verdade necessária é aquela que pode ser conhecida pela luz natural da razão, pela evidência, pela intuição. A verdade necessária, portanto, nunca será falsa. Ao contrário, a verdade contingente pode (possibilidade) ser falsa. Portanto, não é que necessariamente seja FALSA. Porém, somente as verdades necessárias estarão vinculadas ao cógito, a substância pensante, enquanto que as verdades contingentes estão representadas pela realidade exterior ao cógito. O que leva Descartes de dentro do cógito para a realidade exterior, é a noção de Deus. Temos assim, Mas se as verdades do cógito Racionalismo Cartesiano 26 são necessárias por que Descartes tinha que voltar-se para fora do cógito? Descartes precisa abandonar o solipcismo e demonstrar geométricamente a existência da realidade exterior. Já tivemos alguma idéia de como ele o faz, mas vejamos: O ponto central da obra de Descartes é a sua explicação da passagem do cógito (substância pensante) para a realidade exterior (substância extensa). Essa passagem ocorre pelo fato de que EXISTE DEUS. Mas como Descartes prova a existência de Deus? Aqui Descartes é pouco original. Descartes se volta para os Escolásticos. Especificamente falando, é em Santo Anselmo de Aosta que Descartes encontrará a prova ontológica da existência de Deus. Qual é esse argumento ontológico da existência de Deus? Ora, segundo Anselmo, não é possível conceber um triângulo que não tenha ângulos internos iguais a dois retos, logo, também não é possível conceber Deus como não existente. Essa é exatamente a lógica de Descartes! Como pode ser que o ser soberanamente perfeito possa ser privado daquela perfeição que é a EXISTÊNCIA? A existência está para Deus assim como a propriedade do triângulo está para o triângulo. Perante essa situação dirá Pascal, o Deus de Descartes não tem nada a ver com o Deus de Abraão, de Isaac, de Jacob, com o Deus Cristão; é, simplesmente autor de verdades geométricas e da ordem do mundo. (Pensamento, 556) Pascal acha isso lastimável. Descartes dizia é bom que seja assim! Garantida a existência de Deus, Descartes pode provar agora a existência da realidade exterior ao cógito. E, isso
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