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Direito Internacional Privado Aula 03 – Limites à aplicação do Dir. Estrangeiro Profª. Daiana Seabra Ordem Pública • Definições de Ordem Pública: • “A reserva da ordem pública é uma cláusula de exceção que se propõe a corrigir a aplicação do direito estrangeiro, quando este leva, no caso concreto, a um resultado incompatível com os princípios fundamentais da ordem jurídica interna.” (RECHESTEINER, W.B. Direito internacional privado: teoria e prática. 18ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 197) • A ordem pública é uma noção fluida, que se amolda a cada sistema jurídico, em cada época e fica entregue à jurisprudência em cada caso. • É um conceito aberto que, necessariamente, precisa ser concretizado pelo juiz quando este está diante de uma causa de direito privado com conexão internacional Ordem Pública Quando a reserva de ordem pública aparece no DIPri? Quando for aplicável o direito estrangeiro (conforme as regras de conexão) No reconhecimento/ execução de sentenças estrangeiras Ordem Pública • Onde está prevista a reserva de ordem pública? • LINDB: “Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.” • Convenção Interamericana sobre Normas Gerais de Direito Internacional Privado, 1979 (Decreto Nº 1.979 de 9 agosto 1996): “Artigo 5. A lei declarada aplicável por uma convenção de Direito Internacional Privado poderá não ser aplicada no território do Estado Parte que a considerar manifestamente contraria aos princípios da sua ordem pública.” Ordem Pública • Dispositivos do Código Civil em que a noção de “ordem pública” aparece: “Art. 122. São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes.” “Art. 606. Se o serviço for prestado por quem não possua título de habilitação, ou não satisfaça requisitos outros estabelecidos em lei, não poderá quem os prestou cobrar a retribuição normalmente correspondente ao trabalho executado. Mas se deste resultar benefício para a outra parte, o juiz atribuirá a quem o prestou uma compensação razoável, desde que tenha agido com boa-fé. Parágrafo único. Não se aplica a segunda parte deste artigo, quando a proibição da prestação de serviço resultar de lei de ordem pública.” Ordem Pública • Dívida de Jogo e o Divórcio • O art. 814 do CC versa sobre a inexigibilidade de dívida de jogos de azar. Nossa jurisprudência, porém, entende que não viola a ordem pública homologação de cartas rogatórias oriundas de processo de cobrança de dívida de jogo contraída no exterior. • O conceito de ordem pública é relativo e instável, variando no tempo e no espaço. O divórcio foi uma das instituições com maior relatividade, já que diversos países demoraram a aceitá-lo. • No Brasil, o divórcio era extremamente rejeitado e a indissolubilidade do casamento esteve presente nas Constituições de 1934, 1937, 1946 e 1967/69. Somente em 1977, com a EC nº 9, é que a dissolução do casamento passou a ser aceita, desde que após a separação judicial por mais de três anos. Ordem Pública Redação original art. 7º §6º LICC •“§ 6º Não será reconhecido no Brasil o divórcio, se os cônjuges forem brasileiros. Se um deles o for, será reconhecido o divórcio quanto ao outro, que não poderá, entretanto, casar-se no Brasil.” (REDAÇÃO ORIGINAL DO ARTIGO FOI REVOGADA) Divórcio, portanto, violava a ordem pública. Jurisprudência evoluiu •Passou a admitir que os divórcios pronunciados no exterior passassem a ser parcialmente homologados, com efeitos de desquite (ato jurídico pelo qual se dissolve a sociedade conjugal, com separação de corpos e bens dos cônjuges, sem quebra do vínculo matrimonial) EC9/77 e Lei 6.515/77 •Admitiu o reexame das homologações parciais com efeito de desquite •A homologação dos divórcios proferidos no exterior passou a ser plena, desde que respeitado o prazo da Lei do Divórcio (Lei 6.515/77) Fraude à lei Definição de fraude à lei • “Dá-se fraude à lei no DIPri quando o agente, artificiosamente, altera o elemento de conexão que indicaria a lei aplicável. Por exemplo: se em matéria de estatuto pessoal, um indivíduo promover , por ato intencional ou programado, a mudança de sua nacionalidade ou de seu domicílio, como o propósito de colocar-se sob a incidência de uma lei diversa da que lhe seria originalmente aplicável, visando fugir a uma proibição desta, ou a uma incompetência por ela determinada, terá agido com fraude à lei.” (JACOB, Dolinger; TIBURCIO, Carmen. Direito internacional privado. Rio de Janeiro: Forense, 2017.) Fraude à lei • Convenção Interamericana sobre Normas Gerais de DIPri, 1979 (Decreto 1.979 de 09 de agosto de 1996): “Artigo 6º. Não se aplicará como direito estrangeiro o direito de um Estado Parte quando artificiosamente se tenham burlado os princípios fundamentais da lei de outro Estado Parte. Ficara a juízo das autoridades competentes do Estado receptor determinar a intenção fraudulenta das partes interessadas.” Fraude à lei Medidas para evitar fraude à lei • Afastar a aplicação da lei do foro: As partes não podem pactuar contra a lei (contra legem) e, para isso, usam uma estratégia para mudar a conexão local, redundando num ato de vontade contrário a uma regra protegida pela ordem pública do foro. • Teoria do abuso de direito: Quando um titular do direito excede os limites impostos pela boa-fé ou pelo fim econômico ou social (art. 187 CC). Exemplo: o direito internacional reconhece a todos o direito de mudar de nacionalidade, mas se alguém exerce esse direito para fugir do rigor da sua lei nacional (ex: proíbe o divórcio ou que permite a investigação de paternidade), estará abusando do direito de mudar de nacionalidade. • A fraude à lei tem, em geral, esses dois elementos = afastar a lei do foro (“fugindo” de uma norma protegida pela ordem pública) + abuso do direito Fraude à lei • Formas de fraude à lei • Um ato praticado em fraude à lei de determinada jurisdição terá, como consequência, a ineficácia. Ocorre que o judiciário do país em que a fraude ocorrer não tem competência para invalidar aquilo que ocorreu em outra jurisdição. • Exemplo: Na França, discutiu-se o problema da fraude quando as empresas organizadas na França, com capital francês, dirigidas por franceses, que exploravam negócios na França mas estabeleciam sede no exterior para obter benefícios tributários ou beneficiar-se de uma legislação menos rigorosa. O judiciário francês considerou que casos como esse representavam fraude à lei e afirmaram a nacionalidade francesa dessas pessoas jurídicas. Questão Prévia • Questão prévia significa que o juiz não pode apreciar a questão jurídica principal sem ter se pronunciado anteriormente a respeito de uma outra questão que, pela lógica, a precede. O julgamento da questão jurídica principal depende de sua decisão anterior, referente à questão prévia. (RECHESTEINER, W.B. Direito internacional privado: teoria e prática. 18ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 209-210) • Existem duas possibilidades para que o juiz determine o direito aplicável à questão prévia: (i) aplicar o mesmo direito aplicável à questão principal ou (ii) ele determina o direito aplicável à questão prévia, independentemente da principal. Esse segundo entendimento reconhece a autonomia da questão prévia sobre a questão principal. Questão Prévia• Não há previsão sobre como deverá ser resolvida a questão prévia na LINDB. • A Convenção Interamericana sobre Normas Gerais de DIPri de 1979 (DC 1.979/96) reconhece ao juiz a faculdade de apreciar livremente a questão prévia: “Artigo 8. As questões prévias, preliminares ou incidentes que surjam em decorrência de uma questão principal não devem necessariamente ser resolvidas de acordo com a lei que regula esta última.” Instituição desconhecida • Quando a norma conflitual da lex fori indica a aplicação do direito estrangeiro, é necessário que a aplicação deste direito seja possível segundo o ordenamento jurídico do foro. Se o direito material aplicável contém instituição absolutamente desconhecida pela lex fori ou cuja aplicação é incompatível com sua ordem jurídica, então pode se dizer que se está diante de instituição desconhecida. (RAMOS, F. D.; CARDOSO JÚNIOR, L. E. Q. Aplicação e Prova e Interpretação do Direito Estrangeiro. In: FERREIRA JÚNIOR, L. P.; CHAPARRO, V. Z. Curso de Direito Internacional Privado. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Maria Augusta Delgado, 2008.) Instituição desconhecida • São instituições (institutos jurídicos) que não encontram equivalência na lei do foro (lex fori) • A doutrina aponta a dificuldade em conceituar a instituição desconhecida porque esta confunde-se com a ordem pública (p. ex. repúdio). Quando não houver choque com a lei do foro (for apenas desconhecida mesmo), estaremos diante de um problema de qualificação, ou seja, a lei do foro poderá admitir comparações e adaptações com outras instituições existentes na lex fori. Portanto, se não violar a ordem pública, é possível que o direito do foro reconheça a instituição desconhecia e busque outro instituto similar como parâmetro. • Exemplos de instituições desconhecidas: hipoteca de bem móvel, dote, esponsais, trust. Instituição desconhecida • Convenção Interamericana sobre Normas Gerais de DIPri de 1979 dispõe sobre a instituição desconhecida que: “Artigo 3. Quando a lei de um Estado Parte previr instituições ou procedimentos essenciais para a sua aplicação adequada e que não sejam previstos na legislação de outro Estado Parte, este poderá negar-se a aplicar a referida lei, desde que tenha instituições ou procedimentos análogos.” Reenvio Quando acontece o reenvio? Quando precisamos aplicar o direito estrangeiro, é necessário definir qual é a extensão do conteúdo desse direito estrangeiro que iremos aplicar. Busca definir se a aplicação do direito estrangeiro abrange: (i) Apenas as normas substantivas (ou materiais) (ii) Inclui também as normas de DIPri ( ou conflituais). Somente nessa hipótese que podemos nos deparar com o reenvio Reenvio • O DIPri dos Estados adotam 3 entendimentos em relação ao Reenvio: I. Entendem que a aplicação do direito estrangeiro abrange apenas as normas materiais (ou substantivas) do ordenamento jurídico estrangeiro. Esse é o posicionamento adotado pelo Brasil, Inglaterra e Estados Unidos II. Levam em conta as normas de DIPri (ou conflituais) do direito estrangeiro. Entendimento do direito Alemão e Austríaco III. Posição intermediária ou mista, que aceita o reenvio em algumas situações e em outras não. Ex: Lei federal da Suíça sobre direito internacional privado Reenvio • Onde está previsto o Reenvio? • LINDB: “Art. 16. Quando, nos termos dos artigos precedentes, se houver de aplicar a lei estrangeira, ter-se-á em vista a disposição desta, sem considerar-se qualquer remissão por ela feita a outra lei.” – O juiz brasileiro, portanto, desconsidera o DIPri estrangeiro quando julga uma causa de direito privado com conexão internacional. • Convenção Interamericana sobre Normas Gerais de DIPri, 1979 (DC 1.979/1996): “Artigo 9. As diversas leis que podem ser competentes para regular os diferentes aspectos de uma mesma relação jurídica serão aplicadas de maneira harmônica, procurando-se realizar os fins colimados por cada uma das referidas legislações. As dificuldades que forem causadas por sua aplicação simultânea serão resolvidas levando-se em conta as exigências impostas pela equidade no caso concreto.”
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