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Representações Sociais: A Construção Do Saber Pelo Viés Do Saber Comum • Por ANGELA DA SILVA SOARES • www.artigonal.com.br REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: CONCEITOS BÁSICOS Para Moscovici (2003), Durkheim é o verdadeiro inventor do conceito de representações sociais. Durkheim utilizou o termo representações coletivas para designar a força do pensamento social sobre o pensamento individual, determinando ações e comportamentos dos indivíduos. É importante ressaltar que para o autor as representações coletivas não se resumem apenas às somas das representações dos indivíduos que constituem a sociedade. Estas são uma realidade que se impõe aos indivíduos, de forma coercitiva, sem chances de escolha para os mesmos, pois quando estes nascem já encontram essa realidade formada. Na perspectiva de Durkheim (1993) as representações coletivas são fenômenos permanentes e, referem-se às tradições, às lendas e mitos, com força autônoma em relação ao sujeito. A consciência externa predomina sobre a consciência interna, e o indivíduo não tem como reagir à realidade que o cerca, caracterizando-se como um elemento passivo na relação indivíduo-sociedade; apenas reproduz o que é previamente estabelecido por seu entorno social. A sua maneira de agir e pensar vem de uma força externa; não há ressignificação da realidade pelo indivíduo, apenas a sua conformação. Moscovici (2001) aponta que Durkheim separa as representações coletivas das representações individuais. A primeira ele confere um caráter de estabilidade, de transmissão e de reprodução e à segunda, um caráter efêmero. Traz a posição de Durkheim em relação a essa separação, quando este autor afirma que: Se é comum é porque é óbvia da comunidade. Já que não é marca de nenhuma inteligência particular, é porque é elaborada por uma inteligência única, onde todas as outras se reúnem e vêm, de certa forma, alimentar-se. Se ele tem mais estabilidade que as sensações ou as imagens é porque as representações coletivas são mais estáveis que as individuais, pois, enquanto o indivíduo é sensível até mesmo a pequenas mudanças que se produzem em seu meio interno ou externo, só eventos suficientemente graves conseguem afetar o equilíbrio mental da sociedade. (p. 48) Dessa forma, fica evidente a representação coletiva como fator determinante na formação e permanência de conceitos, e a representação individual como fator secundário nesse processo. Assim, as bases durkheimianas sobre representações sociais estavam mais voltadas para o seu caráter coletivo, o que de certa forma, delineia um caráter homogêneo nessa relação, já que as representações individuais não eram colocadas no mesmo patamar das representações coletivas. Nesse sentido tinha uma visão estática das representações. Esta visão era coerente para os estudos de sociedades primitivas e de pouca mobilidade social, mas já não corresponde à complexidade da sociedade moderna e contemporânea que se apresenta móvel, dinâmica e com plasticidade. Partindo de Durkheim Moscovici (2001) amplia o conceito de representações sociais e defende a especificidade do seu estudo, ao afirmar que: As representações sociais que me interessam não são nem as das sociedades primitivas, nem as suas sobreviventes, no subsolo de nossa cultura, dos tempos pré-históricos. Elas são a de nossa sociedade atual, de nosso solo político, científico, humano, que nem sempre têm tempo suficiente para se sedimentar completamente para se tornarem tradições imutáveis. (p. 48). Dessa maneira, Moscovici propõe que para estudar as representações sociais seria necessário percebê-las como algo dinâmico, vivo, que está imbricada com a interação entre o sujeito e a sociedade, numa relação intensa, de ir e vir, na qual, tanto sujeito, quanto sociedade produzem e reproduzem conceitos, símbolos e imagens. Esse processo é uma forma do indivíduo se apropriar da realidade, construindo um saber de caráter cotidiano, o chamado conhecimento do senso-comum, indispensável à organização da vida em grupo. Coloca que no início dos anos 60, pareceu-lhe possível retornar ao estudo das representações, que estava em estado de latência, que demorou meio século, após ter sido o fenômeno mais marcante da Ciência Social da França. Para ele, a representação social é um fenômeno do cotidiano, que se reproduz num determinado contexto histórico e social. Dentro dessa perspectiva, as representações sociais possibilitam o sujeito fazer uma leitura da realidade produzida por ele e pelo grupo. Reabilita-se, dessa maneira, o saber construído no dia-a-dia, nas práticas sociais, no fazer humano, no desvelamento da realidade. Moscovici (2001) defende as representações sociais como: Conjunto de conceitos, proposições e explicações originado na vida cotidiana, no curso de comunicações interpessoais. Elas são o equivalente, em nossa sociedade, dos mitos e das crenças das sociedades tradicionais, podem também ser vistas como a versão contemporânea do senso comum. (p. 52). Assim, as representações sociais se apresentam como uma forma de perceber e interpretar o mundo real. É constituída de símbolos, que codificam e constroem uma realidade, que ganha corpo através das relações que os indivíduos estabelecem com os objetos e os acontecimentos. A representação social é uma forma de conhecimento particular, pelo qual o indivíduo ou grupo elaboram comportamentos e comunicam estes entre si, construindo assim um saber que lhe permitem atuar sobre a realidade, como pode ser constatado no pensamento de Moscovici (2003, p. 32) ao dizer que “ eu simplesmente percebo que, no que se refere à realidade, as representações sociais são tudo que temos, aquilo que nossos sistemas perceptivos, como cognitivos estão ajustados.” Isso significa que é pelas representações sociais que o homem consegue dá sentido ao mundo que o rodeia, sem as mesmas não seria possível transformar o imperceptível em perceptível, o desconhecido em conhecido, o não-familiar em familiar. E assim, desbravar o verdadeiro mar de símbolos e imagens no qual se encontra mergulhado. Para ratificar o conceito de representações sociais, coloca-se a definição de MACHADO, que pontua: A representação social é a construção social de um saber ordinário (de senso-comum) elaborado por e dentro das interações sociais, através de valores, das crenças, dos estereótipos, partilhada por um grupo social no que concerne a diferentes objetos (pessoas, acontecimentos, categorias, objetos do mundo etc), dando lugar a uma visão comum das coisas. (2003, p. 14) Dessa forma, fica evidente que a representação social confere ao sujeito um modo de ser e estar no mundo, pois é através dela que este constrói um sistema de significações que o permitem ter segurança diante de objetos estranhos que escapam à sua compreensão, remetendo-os em categorias pré-existentes que foram elaboradas e transmitidas por seu grupo social de geração em geração. Para Moscovici (2001) a representação social só ganha forma na ação, nas trocas, na interação entre os sujeitos e os grupos. Daí a diferença entre o seu pensamento e o de Durkheim, pois o autor prioriza essa relação indissociável entre o sujeito e a sociedade, a linha que separa os dois é tênue, não sendo possível determinar onde começa um e termina o outro. Ou seja, um se constitui no outro, ambos exercem papel ativo na construção da realidade. O sujeito é co-construtor da história do seu grupo social, não apenas mero espectador dos fenômenos sociais. O autor numa perspectiva crítica e construtiva das representações sociais concebe para a Psicologia Social um arcabouço de instrumentos e conceitos capazes de penetrar no fenômeno das representações sociais e a partir daí criar um conhecimento sobreo mesmo, em contato direto onde é produzido, no cotidiano, na vida real, e não em laboratórios, como era defendido pela corrente científica do behaviorismo, com aspectos fragmentados e dissociados do contexto sócio-histórico-cultural do sujeito. Levando-se em conta esta perspectiva Moscovici (2003) aponta o seu objetivo ao estudar as representações sociais ao dizer que: Quando estudamos representações sociais nós estudamos o ser humano, enquanto ele faz pergunta e procura respostas ou pensa e não enquanto ele processa informação, ou se comporta. Mais precisamente, enquanto seu objetivo não é comportar-se, mas compreender. (43). Assim, o autor demonstra com precisão o papel ativo do sujeito na elaboração de conceitos que o ajudam a compreender a realidade, não é uma questão de reproduzi-la tal e qual como se mostra e sim de compreendê-la e dessa forma poder atuar sobre a mesma. O que leva Moscovici a propor uma psicossociologia do conhecimento, composta do saber sociológico, mas levando-se em conta os processos subjetivos e cognitivos que fazem parte da apropriação da realidade pelo sujeito. Dessa forma, há uma inovação, pois agora, o conhecimento produzido fora da esfera científica seria elevado a uma forma particular de saber, nem superior nem inferior, mas específica, devendo ser considerada e respeitada. Nota-se a reabilitação do senso-comum, do saber popular, do conhecimento prático, que orienta o cotidiano dos sujeitos, conferindo sentido e possibilitando a sua ação sobre a realidade. A abordagem do autor choca-se com a tradição behaviorista, que prioriza a relação estímulo-resposta, numa ligação direta entre sujeito e o objeto de conhecimento, sem considerar as interfaces desse processo, como a subjetividade e o contexto social no qual o sujeito está imerso. Dessa maneira, coloca que a realidade é socialmente construída e o saber é uma construção do sujeito, que está intrinsecamente ligado ao seu entorno social, numa intensa e mútua construção e reconstrução de símbolos, Moscovici (2001) aponta que nesse processo de apropiação do real, encontram-se dois universos, o consensual e o reificado. O universo consensual se constitui nas conversas informais, no cotidiano; neste universo os sujeitos podem opinar sobre tudo que o rodeia, enquanto o universo reificado caracteriza o saber científico, e só os especialistas podem inferir sobre a realidade. Já as representações sociais encontram-se no universo consensual, como propõe o autor (2001,p.53) ao afirmar que: “a natureza específica das representações expressa a natureza específica do universo consensual, produto do que elas são e ao qual elas pertencem exclusivamente”. Por este aspecto, há um avanço considerável na busca de se colocar o saber do senso-comum como uma forma de conhecimento, que não deve ser considerado como ingênuo, confuso ou inconsistente. Portanto, estudos das representações sociais levam a um questionamento sobre a racionalidade científica, que defende a idéia de que as pessoas comuns, na sua vida diária, pensam irracionalmente e só podem conhecer a realidade através da ciência. O autor propõe então o paradigma da sociedade pensante que questiona as teorias que concebe os sujeitos apenas como um processador mecânico de informações que são recebidas do seu mundo exterior, como revela Moscovici (2003, p.45) ao mostrar o que estas teorias defendem: “...sustenta-se que os sujeitos, como regra, não pensam, ou produzem nada de original por si mesmos: eles reproduzem e em contrapartida, são reproduzidos.” Esta posição vai totalmente de encontro aos pressupostos de uma sociedade pensante, o que pode ser constatado na afirmação de Moscovici (2003) ao dizer que: ...a compreensão é a faculdade humana mais comum. Acreditava-se antigamente que esta faculdade fosse estimulada, primeiramente e principalmente , pelo contato com o mundo externo. Mas aos poucos, nós nos fomos dando conta que ela na realidade brota da comunicação social. (p.43) Assim, postula-se a importância das interações sociais no processo de formação e disseminação de conceitos, é através dessas interações que as representações sociais se configuram como saber prático. Então, por esse prisma, a sociedade pensa e constrói a sua realidade sócio- histórico-cultural. O mesmo autor (2003) ainda propõe que: ...pessoas e grupos, longe de serem receptores passivos, pensam por si mesmos, produzem e comunicam incessantemente suas próprias e específicas representações e soluções às questões que eles mesmos colocam. Na s ruas, nos bares escritórios, hospitais, laboratórios, etc...as pessoas analisam, comentam, formulam “filosofias” espontâneas, não oficiais, que têm um impacto decisivo em suas relações sociais, em suas escolhas...(p.45) Dessa maneira, as representações sociais aparecem como uma ponte entre o conhecimento científico e o conhecimento do senso-comum, tendo a função de tornar significativos conceitos que se apresentam estranhos aos sujeitos, de familiarizar o objeto desconhecido. Desse modo, para o sujeito transformar o não-familiar em familiar destaca-se dois processos indissociáveis, que são: a objetivação e a ancoragem. Na objetivação liga-se um conceito a uma imagem, tornando concretas noções abstratas. Moscovici (2003) afirma sobre esse processo que: A objetivação une uma idéia de não-familiaridade com a realidade, torna-se a verdadeira essência da realidade. Percebida primeiramente como um universo puramente intelectual e remoto, a objetivação aparece, então, diante de nossos olhos, física e acessível. (p.71). Portanto, objetivar significa descobrir a imagem de uma idéia, de um conceito, tornando-o concreto. Transformar um ser impreciso em algo que pode ser visualizado, assim, cria-se uma imagem mental na tentativa de se apropriar do objeto estranho. Já a ancoragem, é responsável por dá sentido às imagens criadas. Para Moscovici (2003) ancorar é: ...classificar, e dar nome a alguma coisa. Coisas que não são classificadas são estranhas, não existentes e ao mesmo tempo ameaçadoras. Nós experimentamos uma resistência, um distanciamento, quando não somos capazes de avaliar algo, de descrevê-lo a nós mesmos ou a outras pessoas. (p.62) Pode-se afirmar que na busca para superar a resistência causada pelo objeto desconhecido, o sujeito coloca este objeto em determinada categoria, dá-lhe um rótulo, tornando-o conhecido. Todo o processo está ligado com os sistemas de crenças e valores socialmente construídos, ou seja, o sujeito compara o objeto desconhecido a uma rede de significações, a um modelo já existente. Levando-se em conta esses dois processos, Jodelet (2001), uma das principais colaboradoras de Moscovici, propõe que as representações sociais nascem da necessidade do homem em estar informado sobre o mundo que o cerca e de como agir nesse mundo, dando sentido a sua existência. O homem não reage apenas automaticamente aos estímulos de seu ambiente físico e simbólico. Em relação a esta questão a autora afirma que: Frente ao mundo de objetos, pessoas, acontecimentos ou idéias, não somos apenas automatismos, nem estamos isolados num vazio social: partilhamos esse mundo com os outros, que nos servem de apoio, às vezes de forma convergente, outras pelos conflitos, para compreendê-lo, administrá-lo ou enfrentá-lo. (2001, p. 18). Assim, Jodelet prioriza a subjetividade no processo de construção das representações sociais, a relação com o outro se torna imprescindível para a elaboração e trocas de saberes entre o sujeito e o grupo. Essa relação deve ser estudada com a articulação entre os elementos afetivos, cognitivos, mentais e sociais, que se efetivam pela linguagem e comunicação. Assim, a autoradefende um estudo global do processo pelo qual o sujeito constrói a sua visão de mundo, preconizando a superação da clássica separação entre a objetividade e a subjetividade, pois o sujeito ao entrar em contato com o objeto não faz esse corte. O sujeito e o objeto se vêem imbricados nessa relação. O que infere dizer que as representações sociais não se dão no nada. MACHADO (2003) em consonância com o pensamento de Jodelet afirma que: ...o conhecimento de sentido comum é uma maneira de interpretar, de conceituar a realidade quotidiana. Este pensamento não se constrói no vazio, ele se enraíza nas formas e nas normas da cultura e se constrói ao longo das trocas quotidianas. Por isso se afirma que a representação social é socialmente construída. (p. 13). Portanto, somente através das interações sociais é possível construir o saber do senso-comum, esse saber estar presente nas práticas cotidianas e orientam a maneira de agir e pensar do sujeito. Jodelet (2001) sistematizou um conjunto de elementos que configuram a representação social como uma espécie de saber prático que liga o sujeito a um objeto: A representação social é sempre a representação de alguma coisa (objeto) e de alguém (sujeito). As características do sujeito e do objeto nelas se manifestam; A representação social tem com seu objeto uma relação de simbolização (substituindo-o) e de interpretação (conferindo-lhe significado). Estas significações resultam de uma atividade que faz da representação uma construção e uma expressão do sujeito; Forma de saber: a representação será apresentada como uma modelização do objeto diretamente legível em (ou inferida de) diversos suportes lingüísticos, comportamentais ou materiais; Qualificar esse saber prático se refere à experiência a partir da qual é produzido, aos contextos e condições em que ele o é e, sobretudo, ao fato de que a representação serve para agir sobre o mundo e o outro, o que desemboca em suas funções e eficácia sociais. (Jodelet, 2001, p.28) Dessa maneira, Jodelet sintetiza com clareza a noção de representação social, enquanto processo de apropriação de um objeto. Fica demonstrado que só há representação social se o objeto fizer parte do grupo, do campo de relações e trocas entre os sujeitos, ou seja, se fizer parte do seu sistema de significação. Em relação a esse conjunto de elementos, a autora formula as seguintes questões: Quem sabe e de onde se sabe?; O que e como se sabe?; Sobre o que se sabe e com que efeitos? Esses questionamentos levam à reflexão de como se dá a construção e a apropriação do conhecimento pelo sujeito e seu grupo. De que forma o conhecimento perpassa pelo sujeito, como ele dá sentido ao que lhe é novo e estranho? E qual a repercussão desse conhecimento construído, como este modifica ou ajuda a manter as condutas dos sujeitos, já que orienta as práticas sociais? Com estes questionamentos a autora procura buscar as conduções em que se dá a produção e circulação das representações sociais como forma de conhecimento prático e sócio-construído.
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