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Clínica e biopolítica na experiência do contemporâneo 
 
 
Clinic and biopolitics: contributions of Foucault’s later work to the field of clinic 
 
 
Títulos abreviados: Clínica e biopolítica 
 Clinic and biopolitics 
 
 
 
 
 
 
 
 
Clínica e biopolítica na experiência do contemporâneo 
 
 
Clinic and biopolitics: contributions of Foucault’s later work to the field of clinic 
 
 
 
 
Títulos abreviados: Clínica e biopolítica 
 Clinic and biopolitics 
 
 
 
Resumo 
 
O artigo discute algumas contribuições da última fase da obra de M. Foucault para o campo da 
clínica. Destacamos as noções de “biopolítica” e de “sociedade da regulamentação”, formuladas 
pelo autor em meados da década de 1970, assim como sua reavaliação do projeto da 
modernidade proposto no Esclarecimento do século XVIII. A atualidade do pensamento de 
Foucault como crítico da contemporaneidade é considerada com base não só em seus textos 
como também em autores que comentam a sua obra e dão continuidade às questões formuladas 
por ele. Por fim, a idéia de liberdade em Foucault nos serve como importante orientação em nossa 
definição do trabalho da clínica. 
 
Palavras-chave: Clínica; Biopolítica; Contemporaneidade 
 
 Abstract: 
 
The present article discusses some of the contributions of Michel Foucault’s later work to the field 
of clinic. Among those are the notions of “biopolitics” and “ruling society”, formulated by Foucault in 
the mid-1970s, as well as his reassessment of the project of modernity held forth by eighteenth-
century Enlightenment. Foucault’s thought is taken as a critique of contemporariness on the 
grounds not only of his own texts but also of those of his commentators who carry on with the 
questions put forth by him. Finally, the idea of freedom in Foucault stands as an important 
guideline in our definition of the clinical work. 
 
Keywords: Clinic; Biopolitics; Contemporariness 
 
Clínica e biopolítica na experiência do contemporâneo 
 
 
 
A relação de Foucault com a clínica está presente desde o início de sua obra. Já em 
Doença mental e Psicologia (1975/1954), defende a análise existencial contra o organicismo 
psíquico e critica Freud tomando Pavlov, seguindo o Partido Comunista Francês ao definir a 
doença mental como decorrente de condições materiais. Entre 1955 e 1958 vive em Upsalla 
(Suécia) pesquisando documentos e, em 1961 ao publicar sua tese de Estado História da loucura 
na idade clássica (1991/1961), Foucault desponta como um importante pensador do 
contemporâneo, já deixando pistas dos textos-intervenções que viria fazer. 
Passados 40 anos da publicação da História da Loucura, a relação entre Foucault e a 
clínica não perdeu sua contemporaneidade, forçando-nos a perguntar que intercessões 
transdisciplinares (Passos & Benevides de Barros, 2000) existem entre clínica, filosofia, história e 
política. 
Seguindo a inspiração foucaultiana, entendemos por contemporâneo essa experiência 
sempre desestabilizadora que convoca a nos deslocar de onde estamos, a pôr em questão o que 
somos e a nos livrar das cadeias causais que nos tornam figuras da história. O contemporâneo, 
portanto, nos põe sempre numa situação crítica, tomada aqui, em sua dupla acepção: exercício 
crítico do instituído e experiência de crise. 
No contemporâneo experimentamos a bifurcação produtora da novidade já que nele nos 
defrontamos com o horizonte do inantecipável, com a abertura para o que ainda não somos. É 
nele que estamos em via de nos diferir pois aqui o tempo comporta, numa mesma espessura, o 
passado e o futuro. Esse é o paradoxo do tempo que, no presente, não pára de passar, sendo a 
um só tempo o que foi e o que será. Nesse sentido, o contemporâneo guarda essa relação 
complexa com a história, dela se distinguindo, intempestivamente (Nietzsche, 1988/1874) – e 
quebrando todas as cadeias causais que conferem importância ao passado (fascínio pelas 
origens, explicações deterministas), mas sobre ela retornando produzindo diferença, fazendo-a 
desviar de si. De fato, na experiência do contemporâneo, não podemos e não reivindicamos o 
livrar-se da história, supondo o seu fim. Diferentemente, buscamos na história aquela força 
propulsora que nos permite dela desviar. 
Daí sua relação com a clínica. Clínica enquanto experiência de desvio, do clinamen que 
faz bifurcar um percurso de vida na criação de novos territórios existenciais. O sentido da clínica, 
para nós, não se reduz a esse movimento do inclinar-se sobre o leito do doente, como se poderia 
supor a partir do sentido etimológico da palavra derivada do grego klinikos (“que concerne ao 
leito”; de klíne, “leito, repouso”; de klíno “inclinar, dobrar”). Mais do que essa atitude de 
acolhimento de quem demanda tratamento, entendemos o ato clínico como a produção de um 
desvio (clinamen), na acepção que dá a essa palavra a filosofia atomista de Epicuro (1965). Esse 
conceito da filosofia grega designa o desvio que permite aos átomos, ao caírem no vazio em 
virtude de seu peso e de sua velocidade, se chocarem articulando-se na composição das coisas. 
Essa cosmogonia epicurista atribui a esses pequenos movimentos de desvio a potência de 
geração do mundo. É na afirmação desse desvio, do clinamen, portanto, que a clínica se faz. 
Desvio, desestabilização, são características tanto da clínica quanto do contemporâneo. É 
por esta razão que podemos afirmar que a clínica é sempre uma figura do contemporâneo, 
constantemente forçada a habitar esse espaço-tempo marcado por sua instabilidade, pois, o que 
nos convoca a uma ação clínica, ou o que se produz como uma demanda de análise, não pode 
ser pensado fora desta situação crítica. A clínica do contemporâneo/no contemporâneo, é uma 
clínica necessariamente utópica e intempestiva. Essas duas figuras, uma do espaço (utopia) e a 
outra do tempo (intempestividade), se entrelaçam pela característica comum da instabilidade. Pois 
a clínica não está nem completamente aqui nem completamente agora, sob o risco de ser 
acusada de adaptacionista, utilitária, ortopédica. Entretanto, não podemos também dizer que ela 
Rogerio Moller
Rogerio Moller
Rogerio Moller
Rogerio Moller
seja uma clínica de lá ou do passado, sob o risco de aprisionar as forças produtivas do desejo seja 
nas estruturas arqueológicas, seja na história. Se a clínica não está aqui, nem está lá, é porque 
ela se localiza em um espaço a ser construído. Nesse sentido, podemos dizer que ela habita uma 
utopia, uma vez que é pela afirmação do não-lugar (u-topos) que ela se compromete com os 
processos de produção da subjetividade. Assim é que ela também não pode ser uma ação do 
presente ou do passado. Sua intervenção se dá num tempo intempestivo, extemporâneo, 
impulsionado pelo que rompe as cadeias do hábito para constituição de novas formas de 
existência. 
Este compromisso clínico só se faz pondo em questão nossos especialismos, o que exige 
de nós a busca de estratégias eficazes contra o conservadorismo das imagens identitárias. É 
nesse sentido que nos servimos da força intercessora do conceito filosófico (Deleuze & Guattari, 
1992 ) que vem nos ajudar a fugir do lugar onde estamos instituídos. Com esse propósito é 
estratégico também problematizar nossa relação com a história, ou melhor, com as práticas 
históricas e seus efeitos. Articulando clínica e história somos levados também a incluir a dimensão 
política da clínica. Pois argüir a história é poder dela extrair seus processos de produção, é 
desnaturalizar seus eventos fazendo aparecer este jogo de forças que dá corpo à realidade. A 
operação histórica que Foucault tão bem realizouem sua obra indica esse plano que Deleuze e 
Guattari (1996/1980) chamaram de micropolítico, plano de engendramento das palavras e das 
coisas. Acreditamos que a clínica está comprometida com este plano de produção ou de 
individuação sempre coletivo e que é indissociável do domínio da realidade individuada. Assumir a 
dimensão política da clínica é apostar na força de intervenção sobre a realidade efetuada 
apostando nos processos de produção de si e do mundo. Neste sentido, o conceito clínico para 
nós mais importante não é o de sujeito, mas o de produção de subjetividade, tal como ele é 
proposto por Deleuze e Guattari (1976/1972; 1997/1980; 1996/1980) e por Guattari (1992). 
Se defendemos a clínica como uma política temos sempre que nos perguntar qual política 
tal clínica produz, que efeitos-subjetividade instaura. Portanto, é preciso investigar o sentido da 
clínica como política no contemporâneo. Daí se colocar para nós como importante acompanhar a 
análise de Foucault no que ela nos permite deslindar as engrenagens do presente. 
A partir do seminário de janeiro de 1975 a março de 1976, Em defesa da sociedade 
(1999/1997), Foucault dedicou-se à análise da incidência das novas formas de poder sobre a vida, 
propondo os conceitos de biopoder e biopolítica. Eis, então, que o tema da vida assume uma 
posição de destaque, pois o paradoxo no contemporâneo parece que se realiza agora colocando a 
vida ao mesmo tempo como ponto de incidência do exercício do poder e ponto de resistência. 
Este tema do biopoder se coloca como inevitável criando uma dificuldade especial para a 
clínica, pois, se a política da clínica é uma política da produção da subjetividade, da criação de si, 
como ainda conceber a sua força de intervenção em um mundo dominado pelo poder que 
mimetiza a vida? 
Essa discussão da criação de si e do mundo ganha uma relevância especial no 
pensamento contemporâneo quando a analítica do poder foucaultiana nos conduz à descrição de 
Rogerio Moller
Rogerio Moller
uma “sociedade da regulamentação” (Foucault, 1999/1997) em cujas redes parece que estamos 
definitivamente enredados e capturados. 
Em 1974, quando proferiu na PUC/RJ as seis conferências intituladas A verdade e as 
formas jurídicas (1974), e quando terminava a preparação de seu livro Vigiar e Punir (1977/1975), 
Foucault apresentava a tese sobre a microfísica do poder expressa em diferentes regimes ao 
longo da história. É na fase genealógica de sua obra, iniciada na década de 1970, que este autor 
se dedica a pensar a vida em sua relação com o poder. Para tal, discute a distinção entre os 
regimes de poder que ele designa como disciplinar e de regulamentação e que compõem a trama 
do contemporâneo. 
A pesquisa genealógica localiza na passagem do século XVIII para o século XIX a 
formação da sociedade disciplinar atrelada à reforma do sistema penitenciário e judiciário. Essa 
reforma parecia não só uma redefinição do ato infrator, entendido agora como transgressão à lei 
civil (e não mais infração a uma lei natural, religiosa ou moral), como também redefinia o criminoso 
como o inimigo social ou como aquele que teria rompido o pacto social. Para a infração e seu 
agente, os teóricos da reforma (Bentham, Beccaria) conceberam várias maneiras de punir 
(deportação, trabalho forçado, humilhação e lei de talião). Surpreendentemente, nenhuma dessas 
formas vingou. Entretanto, uma penalidade não prevista na reforma do legislativo e do judiciário 
tornou-se a forma por excelência de a sociedade disciplinar reagir às infrações: tratava-se da 
prisão, que surge e se generaliza como uma instituição no início do século XIX (Foucault, 
1977/1975). 
Chama a atenção a mudança de foco da legislação penal que se desvia do tema da 
utilidade social para visar o ajustamento ao indivíduo. Foucault destaca que, nesse desvio, um 
novo tema ganha expressão no discurso penal. É o tema das circunstâncias atenuantes, 
circunstâncias essas que podem modificar, segundo a avaliação do juiz ou do júri, a aplicação da 
lei em função do indivíduo em julgamento. É o princípio da universalidade da lei representando 
interesses sociais que é alterado quando o discurso penal se interessa, agora, pelas 
circunstâncias subjetivas do ato infrator. O que se investiga portanto não é mais um fato, mas uma 
“periculosidade”, uma personalidade infratora (Foucault, 1974). 
Esse controle das virtualidades, das potencialidades dos indivíduos passa a ser exercido 
não mais apenas por um poder autônomo – o judiciário – mas por uma rede de “poderes laterais”, 
à margem da justiça, que vigiam e corrigem: a escola, o hospital, o asilo, a polícia. Entre eles uma 
mesma função, que é a de corrigir virtualidades. Entre essas instituições da sociedade disciplinar, 
pode-se verificar o que Deleuze (1992a/1990) chamou de uma analogia de função, ou isso que 
Foucault identificou como panoptismo: forma de poder que se exerce como foco de luz que a tudo 
ilumina sem ser ele mesmo visto. Esse panoptismo apresenta-se sob um tríplice aspecto: 
vigilância, controle e correção/produção. 
As instituições disciplinares não se caracterizam por excluir os indivíduos, mas sim por 
ligá-los a um “processo de produção, de formação ou de correção dos produtores. Trata-se de 
garantir a produção ou os produtores em função de uma determinada norma” (Foucault, 1974, 
p.92). Pois, se no início do século XVIII a prisão era uma instituição de reclusão que excluía os 
indivíduos do círculo social, a partir do século XIX as instituições disciplinares caracterizam-se por 
uma inclusão por exclusão, isto é, se excluem o indivíduo de um certo convívio, o fazem incluindo-
o em um aparelho de produção ou de normalização. Mas, nesse esquema disciplinar o exercício 
do poder se faz guardando ainda uma distância entre os focos do poder (instituições disciplinares) 
e os corpos a eles submetidos. Podemos dizer que há aí uma relação de transcendência (Hardt, 
2000/1998) já que o poder se exerce incidindo sobre os corpos que são dele separados. Daí a 
articulação entre o aspecto produtivo do poder disciplinar e a sua função de correção, de 
ortopedia. 
Na sociedade disciplinar encontramos essa tendência à invisibilização do exercício do 
poder. Este se capilariza formando um tecido microfísico onde a verticalidade do exercício do 
poder é substituída por uma horizontalidade ou lateralidade de suas práticas. Acompanhamos uma 
alteração da análise do poder que deixa de ser entendido como repressivo para ser produtivo, isto 
é, um poder não só de gerência, mas de geração dos indivíduos. 
Em dois pequenos textos publicados em 1990, “Controle e devir” (Deleuze, 1992b/1990) e 
“Post scriptum sobre as sociedades de controle” (Deleuze, 1992a/1990), Deleuze se utiliza de 
uma expressão de W. Burroughs – sociedade de controle – para caracterizar o mundo em que 
vivemos. Segundo Deleuze, esta teria sido uma indicação das análises feitas por Foucault acerca 
da passagem da sociedade disciplinar para essa realização contemporânea do capitalismo. 
Nestes textos densos e só indicativos de uma importante discussão, Deleuze caracteriza a 
sociedade disciplinar como um espaço estriado no qual suas instituições exercem um poder de 
moldagem dos corpos. Já a sociedade de controle se apresenta como um espaço liso no qual as 
instituições se volatilizaram perdendo suas fronteiras e mantendo entre si uma relação de 
modulação num continuum regulador. 
As discussões que têm sido atualmente encaminhadas com base nessas breves 
indicações se organizam em torno da questão-eixo acerca da relação entre poder e vida. Pois, se 
na sociedade disciplinar, como vimos, o exercício do poder se fazia sobre corpos individuados 
submetidos a moldagens ortopédicas ou corretivas,contemporaneamente as relações de poder 
incidem sobre o próprio processo da vida. O biopoder se caracteriza por uma nova aposta das 
políticas e das estratégias econômicas na vida e, sobretudo, no viver. O que precisamos entender 
é essa relação de imanência do biopoder que exige um reequacionamento das formas de luta e de 
intervenções clínico-políticas quaisquer que sejam elas. 
Giorgio Agamben no seu livro Homo Sacer: le pouvoir souverrain et la vie nue 
(1997/1995), toma como problemática a ser desenvolvida a questão tal como formulada por 
Foucault (1980/1976) em A vontade de saber: a integração da vida nos mecanismos e nos 
cálculos do poder estatal, fazendo da política uma biopolítica. A vida, que Foucault toma agora 
como alvo de incidência do poder, tem um sentido preciso que Agamben inicia por esclarecer 
propondo a distinção feita no grego clássico entre zoe e bios. O primeiro sentido diz respeito ao 
simples fato do viver comum a todos os seres vivos ou isso que Agamben chama de a “vida nua”. 
O segundo sentido, refere-se à vida como forma ou maneira específica de viver, isto é, a vida 
qualificada do indivíduo ou do grupo. Segundo o autor, a grande novidade do último Foucault foi “a 
introdução da zoe na esfera da polis, a politização da vida nua como tal”, isto que “constitui o 
acontecimento decisivo da modernidade e marca uma transformação radical das categorias 
político-filosóficas do pensamento clássico” (Agamben, 1997/1995, p.12) i. 
O encaminhamento que Agamben dá à discussão do biopoder vai no sentido da análise 
do procedimento característico do ocidente que estabelece entre o político (domínio da vida 
especificada, da vida qualificada, da relação entre os indivíduos e os grupos) e o plano do viver 
(zoe) uma relação de exclusão assim como de implicação. Agamben pergunta, então, “qual é a 
relação entre a política e a vida, se esta se apresenta como isso que deve ser incluído por uma 
exclusão?” (ibidem, p.15). 
Eis que nos deparamos, novamente, com o paradoxo de nossa experiência 
contemporânea: como ativar formas de resistência a um biopoder já que seu exercício se dá na 
imanência do vivo? É certo que a descrição que Foucault nos oferece de nossos tempos pode nos 
levar a um pessimismo frente ao poder de regulamentação/controle alcançado pelo capitalismo 
contemporâneo. No entanto, temos que nos armar contra o efeito paralisante desse pessimismo. 
De fato, o último momento do pensamento de Foucault se caracterizou por uma aposta na força 
de resistência da própria vida tornada obra de arte. Daí a ênfase em temas como os da estética da 
existência, das práticas de si e o da liberdade. 
A crítica foucaultiana se assenta na perspectiva da liberdade e da criação. O sujeito, em 
suas dimensões política, estética e ética, caracteriza-se como expressão da potência da vida para 
resistir às formas de dominação. De nosso ponto de vista sobre a clínica, se o poder toma a vida 
como objeto de seu exercício, isto é, se ele se faz biopoder, interessa então pensar uma 
biopolítica, enquanto forma de resistência ao assujeitamento. O que propomos, baseados na 
leitura de Foucault, é uma distinção entre biopoder e biopolítica, que corresponda a esta outra 
distinção entre assujeitamento e subjetivação definida, aqui, como resistência/criação. Essa 
resistência se faz biopoliticamente através de práticas de si, de uma estética da existência que 
investe na capacidade de auto-organização ou de autopoiese da vida (Maturana & Varela, 
1997/1994; Passos, 1997), pois se o biopoder investe sobre a vida, a biopolítica é a livre 
expressão da potência autopoiética da vida. 
Mas com isso não fugimos do paradoxo já que a ele retornamos quando pensamos essa 
dimensão ético-estético-política da clínica. Afirmar que a resistência se dá por uma prática de si 
não pode significar a pressuposição de um fundamento dessa autopoiese em um sujeito. O si não 
é um agente da criação, mas é sempre efeito dela, emergindo de um plano de produção coletivo, 
anônimo, impessoal. É este plano que Foucault descreveu como o plano das práticas discursivas 
e não discursivas da história. A ele só chegamos por um exercício crítico que desnaturaliza o 
instituído, desestabilizando o presente nisso que ele se dá como conjunto de verdades 
constituídas. 
Foucault identifica tal atitude crítica à Aufklarung. Em um texto publicado originalmente em 
inglês em 1984 e reeditado em francês na Magazine Littéraire de 1993 (Foucault, 1993/1984) 
Foucault retoma o artigo de Kant de 1734 Was ist Aufklarung para daí destacar o que considera o 
mais importante: aud sapere, tenha coragem, a audácia de saber. Essa consigna de Kant indica 
sua aposta de que, naquele momento (século XVIII), a razão iluminista tinha alcançado a 
possibilidade de fazer o homem sair de seu estado de minoridade. A Aufklarung é, portanto, para 
Kant uma “saída” o que, necessariamente, faz dela uma experiência de liberdade. 
Segundo Foucault, a novidade deste pequeno texto de Kant é o fato de o filósofo ali 
articular sua teoria do conhecimento com uma reflexão sobre a história e, em especial, uma 
análise de seu momento contemporâneo. Trata-se, portanto, de uma reflexão “sobre o hoje como 
diferença na história e como motivo para uma tarefa filosófica particular” (Foucault, 1993/1984, 
p.66). Interessa-lhe, nesse texto, o modo como a modernidade é tomada menos como um período 
da história e mais como atitude. Esta atitude ou este ethos, Foucault define como “modo de 
relação com a atualidade; uma escolha voluntária feita por alguns, enfim, uma maneira de pensar 
e sentir” (ibidem, p.67). E, mais importante do que definir os limites desse período moderno frente 
às épocas pré e pós-modernas, o autor sublinha que a atitude da modernidade se forma no século 
XVIII sendo convocada a combater atitudes de contramodernidade. 
A Aufklarung, então, é definida como uma interrogação filosófica que problematiza tanto a 
relação com o presente, o modo de ser histórico, quanto a constituição de si mesmo como sujeito 
autônomo. E se há um fio que nos liga à Aufklarung é menos o que se pode preservar da doutrina 
e mais “a reativação permanente de atitude; quer dizer de um ethos filosófico, que se poderia 
caracterizar como crítica permanente de nosso ser histórico” (ibidem, p.69). 
Foucault dá uma definição positiva ao ethos filosófico que consiste, em linhas gerais, em 
uma crítica de nós mesmos ou do que dizemos, pensamos e fazemos. Esta atitude crítica é por 
ele designada como uma “ontologia histórica de nós mesmos”. Nesse sentido, esse ethos é uma 
“atitude-limite” ou de experiência dos limites, forçando-os em um processo de diferenciação de si. 
Verifica-se que Foucault modula o sentido da crítica proposto no século XVIII, pois se em Kant a 
tarefa era identificar os limites do conhecimento renunciando ultrapassá-los, a questão agora 
retorna em sua versão positiva. No lugar de buscar estruturas universais que limitariam o 
pensamento, Foucault propõe como atitude filosófica a reflexão sobre o presente numa 
investigação histórica que nos apresenta o plano de produção de nós mesmos ou isto que nos fez 
constituir e nos reconhecer como sujeitos do que fazemos, pensamos e dizemos. 
Mas, Foucault nos adverte que esta atitude-limite do ethos filosófico se complementa com 
uma atitude experimental que confere à liberdade uma consistência diferente da do sonho e mais 
próxima das produções materiais da história. Experimentar o limite é apreender os pontos em que 
a mudança é possível e desejável e determinar a forma precisa para estas mudanças. 
A proposta foucaultiana de construção permanente de uma ontologia histórica de nós 
mesmos aponta saídas que devemos investir, no risco de experimentar os limites, ultrapassando-nos enquanto forma vivida: trabalho de nós mesmos sobre nós mesmos, na experiência da 
liberdade. 
O tema da liberdade, segundo Rajchman (1987/1985) é o fio condutor do pensamento de 
Foucault. Esse comentador descreve a obra foucaultiana como uma história nominalista, história 
de pseudo-objetos que dissipa “a espécie de rotina, a autoconfiança instituída que as pessoas 
alimentam a respeito da realidade de entidades tais como as desordens mentais, de que temem 
estar sofrendo, ou as necessidades sexuais internas que acreditam ter que descarregar” (ibidem, 
p.47-48). A noção de liberdade tem um sentido nominalista e um sentido real. É por uma história 
nominalista dos sentidos da liberdade que podemos alcançar uma liberdade real. Para cada 
concepção instituída de liberdade, isto é, para cada liberdade alcançada ou estabelecida, é 
preciso realizar a “inversão nominalista” que consiste em afirmar criticamente que o que se 
alcançou tem tão somente um nome de liberdade, não sendo efetivamente liberdade real. Esta 
não pode ser alcançada ou instituída como fundamento já que somos “realmente livres porque 
podemos identificar e mudar aqueles procedimentos ou formas através dos quais as nossas 
histórias tornam-se verdadeiras; porque podemos questionar e modificar aqueles sistemas que 
tornam possíveis (somente) certas espécies de ação; e porque não existe nenhuma relação 
’autêntica’ com o nosso próprio eu a que tenhamos de nos ajustar” (ibidem, p.104). O nominalismo 
de Foucault faz da liberdade não uma coisa ou um estado, mas um processo, uma libertação. 
Libertamo-nos quando colocamos em questão a naturalidade ahistórica de categorias com 
as quais nos identificamos, indagando a história que subjaz a estas categorias, isto é, indagando 
seu processo de constituição. A liberdade, portanto, se alcança por um exercício crítico ou, como 
entendemos, por um exercício clínico, desviando-nos da natureza humana que acreditamos nos 
definir. 
Tal atitude clínico-crítica nos permite, agora, retomar aquela questão inicial: se a política 
da clínica é uma política da produção da subjetividade, da criação de si, como ainda conceber a 
sua força de intervenção em um mundo dominado pelo poder que mimetiza a vida? 
Acreditamos que Foucault nos dá uma indicação fecunda para avançarmos em nossa 
tarefa. Pois, se a atitude filosófica nos convoca a uma experiência-limite, sua intercessão com a 
clínica se dá nesse ponto em que ambas se desviam em seus percursos, produzindo bifurcações, 
desestabilizando o já-dado. Clínica e filosofia como clinamen. Nesses movimentos de desvio pelos 
quais a história vai se fazendo estamos irremediavelmente comprometidos com uma certa política, 
já que em constante embate com as forças de assujeitamento. Trata-se de construir uma política 
em favor da vida – uma biopolítica. 
 
 
Referências Bibliográficas: 
AGAMBEN, G. (1997/1995) Homo sacer: le pouvoir souverrain et la vie nue. Paris:Seuil. 
DELEUZE,G. (1992a/1990) Post-scriptum sobre as sociedades de controle. In: Conversações. Rio 
de Janeiro: 34, pp. 219-226. 
DELEUZE, G. (1992b/1990) Controle e devir. In: Conversações. Rio de Janeiro: 34, pp.209-218. 
DELEUZE, G. & GUATTARI, F.(1976 /1972) O Anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia. Rio de 
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DELEUZE, G. & GUATTARI, F.(1996 /1980) Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia v. 3. São 
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DELEUZE, G. & GUATTARI, F.(1997 /1980) Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia v. 4. São 
Paulo: 34. 
DELEUZE, G. & GUATTARI, F.(1992 /1991) O que é Filosofia? São Paulo: 34 . 
EPICURO (1965). Doctrines et maximes. Trad., notas e prefácio de Maurice Solovine. Introdução 
Jean Pierre Faye. Paris: Hermann 
FOUCAULT, M. (1974) A Verdade e as Formas Jurídicas. Cadernos da PUC/ Rio de Janeiro. 
Série Letras e Artes, 06/74. 
FOUCAULT, M. (1975/1954) Doença Mental e Psicologia. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. 
FOUCAULT, M. (1977/1975) Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes. 
FOUCAULT, M. ( 1980/1976) História da Sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: 
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NOTAS 
 
 
i As traduções dos textos citados no presente artigo são de inteira responsabilidade dos autores.

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