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Exercício Parecer para colocar ementa RESPOSTA

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Universidade Estácio de Sá
Curso Direito
Professor Luiz Carlos Sá
PARECER
Ementa
SOLICITAÇÃO DE INTERRUPÇÃO DE GRAVIDEZ EM DECORRÊNCIA DE ANOMALIA FETAL INCURÁVEL. Negação do pedido – interposição de recurso – impossibilidade de sobrevivência do feto – confirmação de diagnóstico por autoridades em saúde pública – direito à vida e à saúde da gestante, conforme princípio constitucional – Parecer favorável à reforma da sentença.
Relatório
Trata-se de questão referente à solicitação encaminhada ao Poder Judiciário para a obtenção de autorização que assegure à autora o direito de interrupção de sua gravidez, uma vez comprovado que o feto é portador de uma anomalia incurável, denominada anacrania.
O pleito da autora baseia-se nos laudos periciais apresentados pelo Instituto Fernandes Filgueiras, pertencente à Fundação Oswaldo Cruz, especializado no atendimento a gestantes de risco e em tratamento de problemas no período neo-natal. De acordo com a perícia, além de colocar em risco a vida da gestante, em 100% dos casos, a anacrania é incompatível com a vida, Em razão disso, uma comissão de ética médica do Instituto recomendou o aborto do feto, como forma de evitar o prolongamento do sofrimento da mãe.
Em despacho datado de 19 de dezembro de 2002, a juíza negou a autorização para a realização do aborto, sob a alegação de que, apesar de os laudos certificarem a morte do feto, seja na fase intrauterina, seja na neonatal, a lei não confere ao magistrado o poder de determinar o término da vida. Uma autorização legal para o aborto, mesmo nas circunstâncias descritas, equivaleria, segundo a juíza, à condenação de um ser humano com vida à morte. Fundamentou ainda sua sentença com o argumento de que há registros médicos de bebês portadores de anacrania que, submetidos a cuidados especiais posteriores ao nascimento, sobreviveram por um período superior a um mês.
A autora recorreu da decisão.
É o relatório.
Fundamentação
A análise do caso concreto em questão impõe-nos um exercício de prudência e sensibilidade, uma vez que o princípio constitucional que tutela o direito à vida e lhe confere o estatuto de "bem maior" está em pauta. Mãe e feto são possuidores do mesmo direito; entretanto, para que o direito de um possa ser assegurado, mesmo que por um breve tempo, a vida de outro haverá de ficar exposta a risco.
A matéria em exame, além de dialogar com o campo dos direitos da personalidade, especificamente no que se refere ao momento em que ela se instaura - se na oportunidade do nascimento, ou da concepção –, apresenta em seu núcleo um conteúdo de valores ético-morais e religiosos colidentes, que a revestem, ainda mais, de complexidade.
Se assumirmos uma perspectiva puramente legalista, a impossibilidade de conceder uma autorização judicial para a prática do aborto, em razão de circunstâncias não previstas pelo Código Penal brasileiro, por si só, seria argumento suficiente para fundamentar uma decisão pela improcedência do pedido encaminhado pela autora à Justiça.
Todavia, entre a invocação da norma e sua aplicabilidade linear ao caso concreto existe a dimensão excepcional e o caráter singular do pleito da autora. Trata-se, efetivamente, do que a norma é incapaz de prever, até que antes a vida nos interpele e desafie nossos sistemas de valores, inclusive jurídicos, com questões que exigem uma reflexão orientada, no mínimo, pelo princípio da razoabilidade. Em outros termos, o caso em questão é mais um, entre tantos não invocados pela norma, em que o Direito, assim como todos os demais sistemas e modelos de referência, merecem uma relativização, em particular, por estarmos diante de uma aparente colisão de direitos entre mãe e filho e mesmo de um suposto crime; fato que, de imediato, enseja a formulação da seguinte pergunta: a concessão de autorização do aborto, ainda que em situações especiais como a da autora, implica sentenciar à morte um ser humano com vida?
A questão principal, entretanto, não é essa. A pergunta desafiadora é: quem possui maiores e melhores condições de estar vivo até mesmo para exercer esse direito? Ou: quem, entre mãe e filho, poderá desfrutar, de fato e com dignidade, do bem da vida? A tensão e a complexidade dessa discussão, portanto, reside no próprio conceito de vida, independentemente do marco temporal que assinala o seu início.
No ângulo do caso concreto, é indiferente se a vida se inicia na concepção ou no nascimento, porque - repita-se - o problema está em avaliar e decidir quem possui reais chances de viver. De acordo com a maior autoridade em saúde pública do país, a FIOCRUZ, é a autora quem as possui; se, é claro, interromper sua gestação. Essa instituição, representada por uma comissão de ética médica, além de preparar os laudos que atestaram a anomalia do feto, emprestou sua assinatura e sua respeitabilidade à redação de um documento que recomendava o aborto, dadas as circunstâncias extraordinárias do caso.
Ora, a decisão da douta magistrada - fruto da obediência estrita à letra da lei, ou do temor de ser confundida como uma substituta de Deus – embora digna de respeito, temeu o que não poderia: a ponderação dos valores e dos direitos postos em causa no drama pessoal da autora.
Ao fugir do exercício da argumentação e curvar-se à invocação tranqüilizadora dos direitos já positivados em norma, a decisão judicial legou um papel secundário ao fato de que toda norma advém do caso concreto. Em igual medida, legou a morte, não ao feto, é claro, mas à sua própria possibilidade de dizer o Direito e fundamentá-lo corajosamente.
Se as condições de saúde da autora dependem da interrupção de sua gravidez; se os laudos atestam a certeza da morte do filho que ela gera - o que a fez suportar um profundo sofrimento, desde o início da gestação - não há por que condená-la ao prolongamento dessa dor.
Conclusão
À conta dessas considerações, opino pela reforma da decisão judicial.
É o Parecer.
Rio de Janeiro, 06 de setembro de 2005.
 “Equipe de professores de Português Jurídico”
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