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1 Notas de aula para o curso de análise econômica de projetos Nota 8.b, análise econômica (valoração, preferência revelada) Thiago Fonseca Morello fonseca.morello@ufabc.edu.br sala 301, Bloco Delta, SBC 1 Abordagem de preferência revelada: ideia básica Como afirmam Pearce et al (2008), as técnicas de preferência revelada procuram revelar a “pegada” (ou rastro) deixada no mercado por bens não-comercializados. A ideia básica é mensurar a contribuição, para o valor de mercado de um bem ou serviço cuja disponibilidade ou qualidade o projeto procura alterar. Trata-se de uma maneira indireta de inferir a variação de bem-estar causada pelo projeto. De fato, por mais que bens/serviços como qualidade do ar, da água, nível de ruído, risco de contração de doenças, acesso a infraestrutura de transporte e educação pública, etc., não sejam comercializados, a disponibilidade e qualidade deles afetam transações de mercado. É exatamente o que a abordagem de preferência revelada reconhece ao tomar por base a existência de complementariedade entre bens/serviços comercializados e bens/serviços não comercializados. P.ex., habitação e serviços públicos de transporte e saneamento básico. Na prática, consome-se um “bundle”, i.e., um pacote de bens/serviços comercializados e não comercializados. A decisão sobre qual pacote consumir é tomada em função da satisfação proporcionada pelo pacote completo. Em suma, a abordagem de preferência revelada procura explorar o fato de que a satisfação proporcionada pelo consumo do bens/serviços privados depende de bens/serviços não- privados e não-comercializados. Ou, de forma ainda mais simples, o fato de que esses dois tipos de bens/serviços são relacionados. 2 Método de preços hedônicos 2.1 Teoria A instalação do aeroporto de Schipol, em Amsterdã, Holanda, causou danos aos residentes das proximidades via poluição sonora decorrente de decolagens e aterrisagens. Os imóveis expostos a esta externalidade negativa do projeto público de construção do aeroporto sofreram desvalorização. Esta perda de valor econômico capta, ao menos em parte, um impacto negativo não deliberado do projeto aeroportuário (Van Praag e Baarsma, 2005). Os EIAs de aeroportos devem quantificar a poluição sonora, de acordo com a prática no Brasil. Uma vantagem do método de preços hedônicos é a de permitir o uso de dados secundários, como é o caso dos preços de imóveis e características de tais imóveis que são valorizadas pelo mercado (tamanho, localização, número de quartos, etc), bem como fontes externas de impacto. Isso permite com que os resultados de um estudo hedônico do efeito da poluição laranjinha Highlight laranjinha Highlight laranjinha Highlight laranjinha Highlight 2 sonora causada por um aeroporto já instalado em algum lugar do Brasil possa ser empregado como base para avaliação de um projeto de construção de um novo aeroporto. A mensuração da contribuição da fonte de impacto sobre o preço de um imóvel é feita a partir da estimação de uma regressão em que tal preço (P) é explicado em função de uma medida da quantidade em que o bem ou serviço suprido pelo projeto está disponível nas proximidades do imóvel (Z) e de atributos intrínsecos ao imóvel e ao entorno dele (X). Ou seja, trata-se de estimar a seguinte função de regressão populacional: P = β0 + β1Z + Xβ2 + u 2.2 Exemplos Clark e Herrin (2000) estimaram o valor econômico da qualidade de escolas públicas a partir da influência deste fator sobre o preço de venda de imóveis. Trata-se de substrato crucial para um projeto público voltado a aumentar a qualidade das escolas como é o caso, por exemplo, supostamente, da “reorganização” do ensino do Estado de São Paulo iniciada em 2016. Os autores utilizaram dados do município de Fresno na Califórnia. O desafio econométrico está em isolar a influência da qualidade da educação, uma vez que há diversos outros determinantes do preço de imóveis, alguns deles correlacionados com a variável de interesse. Uma maneira de fazer isso é introduzindo explicativas (controles) que captam esses outros determinantes. Uma primeira categoria de controles é a referente a características do imóvel. Uma segunda categoria captou “fatores de vizinhança”, i.e., características das proximidades do imóvel, entre elas qualidade do ar, ruído emitido por aeroportos, tempo de comutação para o trabalho, existência de uma prisão há uma milha de distância, risco de terremotos e outros eventos ambientais, características étnicas da região, etc. Diversas características das escolas, algumas delas proxies para a qualidade, foram também incorporadas, como a razão professor- aluno das escolas do distrito em que o imóvel se localiza, taxa de evasão, proporção de estudantes que realizaram exames nacionais, etc. Deve-se notar o grande número de controles incorporados, cujo intuito é garantir a máxima precisão na estimação do efeito isolado da qualidade da educação sobre o preço dos imóveis. Uma conclusão interessante é que características da escola que dizem respeito aos resultados (outputs) que ela proporciona, p.ex., evasão e participação no exame nacional, mostraram ter influência inferior a fatores que determinam tais resultados como é o caso do tamanho das classes e da razão professor- aluno. A experiência cotidiana sugere que o valor dos imóveis é positivamente correlacionado com a proximidade em relação a vias de transporte e locais de acesso ao transporte público (estações de ônibus, metrô e trem). Uma maneira, pois, de estimar o bem-estar (valor econômico) de melhorias em vias urbanas e no sistema de transporte público é com um modelo hedônico que contém entre suas explicativas distâncias em relação a vias e a pontos de acesso. laranjinha Highlight laranjinha Highlight 3 Faria et al. (2008)1 estimam o impacto do Projeto de Investimento em Pavimentação e Esgotamento Sanitário, realizado em Santa Catarina, sobre o valor dos imóveis. Trata-se de uma maneira de captar o aumento de bem-estar proporcionado pela melhoria da qualidade dos serviços de transporte e saneamento básico. Para isso, tomaram por base o valor de 233 imóveis localizados no município de São Bento do Sul, 192 deles localizados na área de influência do projeto e 41 fora dela. Concluem que a pavimentação aumenta em 10% os preços dos imóveis. Já a coleta de esgotos não teve influência relevante sobre os valores dos imóveis. Este último resultado é decorrente do fato em que os imóveis da amostra pouco diferem em função do sistema de esgoto a que tem acesso, com a maioria tendo a fossa como destino e a minoria (3-8%) estando conectada à rede pública (ver tabela 5). 3 Método do custo de viagem 3.1 Teoria (Hanley e Barbier, 2009, cap. 4) Proposto por Harold Hotelling originalmente para serviços ambientais. Consiste em medir o valor econômico a partir da despesa em deslocamento realizada com o intuito de desfrutar da contemplação do meio ambiente ou de um patrimônio cultural. No exemplo original, trata-se de viajar para apreciar a beleza cênica de um parque nacional norte-americano. Há aplicações do método para, por exemplo, paisagens montanhosas, florestas tropicais, praias brasileiras (Finco et al., 2002)2, patrimônio cultural3, etc. Em geral, pode-se denominar o objetivo do deslocamento por recreação ou turismo. Mendes e Proença (2005) estimaram, com base no método do custo de viagem, o valor econômico do parque nacional português de Peneda- Gerê. Trata-se de uma informação necessária a um projeto de revitalização do parque ou de investimento em infraestrutura de ecoturismo (EC, p.327). Os projetos de construção de usinas hidrelétricas em rios da Amazônia também pode fazer uso do método para mensurar o valor de unidades de conservação (UCs) impactadas e nas quais a atividade turística seja relevante.Para a análise de projetos de infraestrutura, que, pois, não pertencem ao setor ambiental ou turístico, o método de custo de viagem é útil apenas para mensurar impactos sobre o meio ambiente ou patrimônio cultural. Ele não permite mensurar o valor econômico dos resultados que o projeto foi desenhado para gerar. A obtenção dos dados é feita geralmente a partir de entrevistas estruturadas com amostras de indivíduos que costumam visitar o local que é objeto da valoração. Tradicionalmente, a principal pergunta a ser feita aos entrevistados é quanto ao número de visitas que realizam 1 Faria, R. C. D., Tabak, B. M., Lima, A. P., & Pereira, S. D. P. S. (2009). UMA APLICAÇÃO DO MÉTODO DE PREÇOS HEDÔNICOS NO SETOR SANEAMENTO: O PROJETO DE SÃO BENTO DO SUL-SC. Planejamento e Políticas Públicas, 1(31). http://ipea.gov.br/ppp/index.php/PPP/article/viewFile/23/27 2 http://repositorio.furg.br/bitstream/handle/1/906/Valora%C3%A7%C3%A3o%20econ%C3%B4mica%20do%20 meio%20ambiente.pdf?sequence=1 3 http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=825569 e http://repositorio.unb.br/handle/10482/11474 laranjinha Highlight 4 por ano ao local em questão4. Tal número é exatamente a quantidade de recreação/turismo demandada. Uma segunda pergunta diz respeito ao custo de viagem, a qual compreende não apenas a despesas no deslocamento em si, mas todas as despesas associadas à viagem. É o caso da aquisição de tickets, quando há cobrança pela apreciação, e também do consumo realizado no local (p.ex., aquisição de souvenires). Para calcular o bem-estar proporcionado pela visita ao local, é necessário estimar a função de demanda. Isso é feito em dois estágios. No primeiro, estima-se o modelo de custo de viagem. Este tem como variável explicada o número de visitas anuais, V. As principais variáveis explicativas são o custo de viagem, CV, incluindo não apenas o custo de transporte, mas também tarifas pagas pelo acesso. Geralmente é incorporada uma medida do custo de oportunidade do tempo, COT, do indivíduo, ou, pelo menos, da propensão a empregar alternativamente seu tempo. Atributos socioeconômicos, X, também devem ser incluídos no modelo. E, em particular para a análise de projetos, é necessário introduzir uma variável “I” que capta o impacto causado pelo projeto no local turístico/recreativo. P.ex., no caso de uma unidade de conservação, I pode captar a extensão da área florestal no entorno, como maneira de medir o impacto de um projeto que eliminaria parte dessa extensão. V = β0 + β1CV + β2COT + β3I + Xβ4 + u Uma vez estimado o modelo de custo de viagem, pode-se recuperar dele a função de demanda. Este é o segundo estágio. Trata-se de determinar o número de visitas, V, correspondente a cada valor possível para CV, bastando, para isso, igualar, no modelo acima, CV a um dado valor e observar o valor previsto para V. A área abaixo da curva de demanda assim obtida corresponde ao valor econômico do bem-estar proporcionado pelo turismo/recreação ao indivíduo médio. Sendo tal área função do valor de I, é possível saber como o bem-estar varia em função do nível de impacto causado pelo projeto. Por exemplo, pode-se calcular o bem-estar para ausência de impacto (cenário sem projetos) e o bem-estar com o nível de impacto que se estima que o projeto causaria (cenário com projetos). A diferença de bem-estar entre estas duas situações é uma medida para a DAP para evitar o impacto causado pelo projeto. 3.2 Exemplos Impactos de hidroelétricas As barragens das quais depende o funcionamento das usinas hidroelétricas impactam no meio aquático, podendo causar perda de qualidade da água e redução da fauna aquática. A beleza cênica dos rios e de seus arredores também é afetada negativamente. Para mensurar estes impactos, pode-se aplicar o método de custo de viagem para deslocamentos destinados às proximidades dos rios. É comum, em muitos países, o uso recreativo dos rios, para contemplação, prática de esportes, entre eles a pesca esportiva, entre outros fins. 4 Mais recentemente experimentos de escolha têm sido utilizados para mensurar preferências por recreação e turismo. A pergunta que tais experimentos fazem às pessoas é de qual localidade hipotética, dentre algumas alternativas, seria escolhida, sendo que as localidades oferecidas diferem em função do custo de viagem (Hanley e Barbier, 2009. P.79). laranjinha Highlight 5 É exatamente o que foi feito por Wang et al (2010)5 como parte do avaliação dos impactos de três projetos de instalação de UHEs representativos para a China, Daguan, Xizaikou e Tiangong. Estas três usinas foram instaladas no Rio Jiulong no sudeste da China. Rafting O serviço florestal dos Estados Unidos estimou o valor monetário do bem-estar proporcionado pela prática do rafting no rio Salmão localizado no estado de Idaho6. Os autores do estudo afirmam que se trata de uma informação importante para a tomada de decisão acerca do uso dos rios norte-americanos para atividades tais como a exploração hidroelétrica, a qual inviabilizaria usos recreativos como o rafting. Neste estudo foi estimada a função de demanda a seguir: Número de viagens anuais = f(preço, renda, pesca, outra_localidade) A variável dependente é o número de viagens anuais realizadas pelo indivíduo ao rio Salmão. A variável “preço” capta o custo de deslocamento e também a tarifa paga por visitas guiadas ao local de prática do rafting. As duas últimas variáveis são binárias que indicam com valor unitário, respectivamente, indivíduos que declararam realizar a atividade de pesca e indivíduos que declararam estar dispostos a se dirigirem a outro local se o local-objeto do estudo estivesse indisponível. Foi realizado um procedimento de amostragem aleatória com base em uma listagem de frequentadores do rio disponibilizada pela guarda florestal. Uma peculiaridade do estudo permitida pelo registro, pela guarda florestal, do nome e informações dos visitantes. Os indivíduos receberam a pesquisa pelo correio e, como é comum quando esta forma de abordagem é utilizada, a taxa de resposta foi baixa, 456 dos 993 contatados responderam (46%). Turismo em praias Finco et al (2002) estimaram a demanda por viagens destinadas à praia do Cassino no Rio Grande do Sul. Com base nas estimativas, calcularam o bem-estar proporcionado pelo uso da área litorânea. Para isso, aplicaram, em 2001, 234 questionários nos frequentadores da praia. Com base nos dados obtidos estimaram uma regressão linear em que a variável dependente é o número de dias que o entrevistado permaneceu na praia do Cassino. Entre as variáveis explicativas, além do custo com deslocamento, foram consideradas a idade, gênero, nível educacional e renda média mensal. O coeficiente da despesa em deslocamento estimado permitiu chegar à conclusão de que um aumento de 1% em tal despesa reduziria o tempo de permanência em 0,11% a 0,12%. O valor de uso foi estimado em R$91,57 ou R$101,38, a depender do modelo, por pessoa. 5 http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0272771409001401 6 http://www.srs.fs.usda.gov/recreation/psfew94.pdf 6 4 Métodos da função de produção e da função de dose-resposta 4.1 Teoria: função de produção (Hanley & Barbier, cap.6, Vincent, 20117) A ideia central do método de função de produção é a de que alguns dos bens/ serviços que são alterados em qualidade ou quantidade pelo projeto podem ser concebidos como fatores de produção. Da mesma forma, recursos ou serviços ambientais impactados pelo projeto também podem ser tomados como fatores de produção. Pelos dois canais, os impactos do projeto alteram as quantidades dos tradicionais fatores de produçãoque se deve empregar para produzir uma dada quantidade de produto (bem ou serviço). Por exemplo, para produzir os alimentos consumidos no País, é necessário empregar uma quantidade relevante de água que é provida, em parte pelas chuvas. Mas, a depender da cultura agrícola, do período do ano e do local, também há utilização da irrigação, em parte realizada com base no abastecimento hídrico público. Uma maneira, pois, de valorar a expansão da oferta de água proporcionada por um projeto público é determinando a magnitude em que tal expansão contribuiria para o aumento da produção alimentar, ou para a redução do custo de produção alimentar. Em linhas gerais, o método da função de produção pode ser compreendido da seguinte maneira, proposta por Hanley e Barbier (2012, cap.6). Seja o nível de produção física de uma atividade econômica indicado por Y e os fatores de produção elementares denotados por L para trabalho e K para capital fixo. Neste caso, a função de produção é nada mais do que a uma correspondência entre quantidades de L e K, de um lado, e quantidades de Y, de outro. Trata-se de Y = f(K,L), com f(.) sendo a função de produção. Esta representação convencional pode ser expandida para incorporar bens, serviços públicos, serviços ambientais e recursos naturais cuja qualidade e disponibilidade são alteradas por projetos públicos. Considerando, por simplicidade, apenas um item desta categoria, e indicando a quantidade dele por S, tem-se Y = f(K,L,S) – notar que se trata de uma representação análoga à utilizada para incorporar componentes não-monetários à função de utilidade; S é, pois, um vetor de fatores de produção não-monetários/não-comercializados. Se S é positivamente relacionado com Y, então, quanto menor S, menor é produção que se pode gerar a partir de uma mesma quantidade dos demais fatores. De modo equivalente, para obter uma mesma quantidade de Y é preciso incorporar maiores quantidades de L e K quanto menor for S. E, pois, quanto menor S, maior é o custo de produção. Os impactos do projeto sobre S, pois, alteram a quantidade produzida e o custo de produção - isso significa que tais impactos são externalidades tecnológicas, pois deslocam a função de produção. É mais intuitivo que o fator “S” capte elementos tais como eletricidade, suprimento de água e acesso a vias de transporte (para circular a produção, p.ex). Mas “S” também pode captar o nível educacional ou de qualificação da população economicamente ativa (PEA) e o nível de saúde, caso Y seja, por exemplo, o PIB de um país ou de uma região. Além disso, “S” 7 Vincent JR (2011) Valuing the environment as a production input. In AKE Haque, MN Murty, and P Shyamsundar, eds., Environmental Valuation in South Asia. Cambridge University Press, New Delhi, India. laranjinha Highlight laranjinha Highlight 7 também pode captar impactos negativos de projetos públicos, por exemplo, a degradação do solo e a redução das chuvas provocadas pela remoção da floresta original realizada para dar lugar a usinas hidrelétricas ou rodovias. Uma das vantagens do método de função de produção está em captar impactos do projeto sobre bens ou serviços transacionados em mercados, e, portanto, permitir a utilização de preços de mercado para a valoração. Deve ser assinalado que o método de função de produção permite estimar variações no nível de lucro e não no nível de bem-estar. Não se trata, pois, de estimar a DAP ou a DARC, as quais captam impactos sobre consumidores (de bens não-comercializados). Mas sim de estimar impactos sobre as empresas. O método de função de produção requer dados sobre processos produtivos, i.e., sobre a relação quantitativa entre, de um lado, fatores de produção e, de outro, nível de produção8. Estes dados podem ser tanto coletados de fontes secundárias (como, por exemplo, a Pesquisa Industrial Anual, do IBGE), como de fontes primárias, entrevistando-se empresas. Este última possibilidade geralmente é a mais adequada para obter dados precisos. Na literatura mais recente a estimação da função de produção tem sido substituída pela estimação de funções de custo ou de lucro, o que é mais consistente com a teoria microeconômica (Vincent et al., 2011). De qualquer maneira, mesmo quando se toma por base a função de produção, o estágio final sempre consiste em calcular uma medida de variação de lucro ou bem-estar. 4.2 Teoria: função de dose-resposta A ideia do método da função de produção é medir, indiretamente, impactos do projeto que alteram a maneira como a produção é realizada, modificando as proporções quantitativas entre fatores e produto. O método da função de dose-resposta parte de uma ideia mais simples e básica e não necessariamente procura captar impactos do projeto na esfera da produção. Trata-se da ideia de que o elemento diretamente impactado pelo projeto pode ser visto como uma causa e, pois, uma variável explicativa, z, e as consequências para o bem-estar humano podem ser tomadas como variáveis dependentes, Yj. E, além disso, a causa e cada uma das consequências podem ser conectadas com base no conceito de função matemática. Ou seja, Yj = f(z), j=1,...,J, em que Yj é um indicador de nível de bem-estar humano (consequência) e z é o nível do bem, serviço antropogênico, serviço ambiental ou recurso ambiental diretamente impactado pelo projeto (causa). A função dose-resposta é bastante utilizada na literatura de saúde para mensurar o impacto de medicação, tratamento médico ou formas de comportamento (alimentação, prática de exercícios) na saúde. Na literatura de valoração econômica-ambiental ela é utilizada para 8 Sendo rigoroso com a teoria microeconômica, o correto seria estimar funções de lucro ou de custo de produção, e não a função de produção. A literatura atual tem caminhado no primeiro sentido. laranjinha Highlight laranjinha Highlight laranjinha Highlight laranjinha Highlight laranjinha Highlight 8 mensurar o impacto de uma transformação do meio-ambiente na saúde (p.ex., contagem de coliformes fecais na água de uma praia (dose) e taxa de banhistas que adoeceram após nadarem (resposta); Hanley e Barbier, 2009, p.317). Por exemplo, para projetos que alterem o nível de poluição do ar e da água, a variável z (dose) capta exatamente tais níveis de poluição. No que tange aos indicadores de impacto sobre o bem-estar humano (resposta), pode se tomar dois, um referente à mortalidade ou anos de vida perdidos (YLL) e outro referente à morbidade ou anos de vida com doença (YLD). Para projetos do setor de saúde, a variável z capta o nível de oferta de bens ou serviços que serão ampliados pelo projeto, por exemplo, tratamento médico de doenças infectocontagiosas ou oferta de medicamentos. Um indicador de bem-estar possível seria o número de vidas perdidas (mortalidade). Hanley e Barbier (2008) assinalam uma limitação importante do método da função de dose- resposta. É possível estimar uma função de dose-resposta com o intuito de mensurar um impacto do projeto sobre a produção. Esta estratégia, contudo, não é recomendável. A razão está em que ela não permite incorporar à análise a maneira como os produtores se adaptam ao impacto, ajustando as quantidades dos fatores de produção. E isso pois a função de dose- resposta não contém os fatores de produção. A omissão dos fatores implica em desconsiderar a possibilidade de que as empresas se adaptem ao impacto alterando as quantidades de fatores empregados. Com isso, subestima-se a capacidade de adaptação ou flexibilidade das empresas. Acaba-se, portanto, com estimativas que representam mal o comportamento dos agentes e mais, superestimam o impacto do projeto. Daí porque é mais correto recorrer à abordagem da funçãode produção. A função dose-resposta é geralmente utilizada para conectar causas e consequências de processos naturais ou sociais que não são tão bem compreendidos como o processo de produção. Outra diferença importante entre os métodos de função de produção e de dose-resposta está em que o primeiro conduz mais diretamente ao valor monetário do impacto. E isso pois se trata de avaliar o impacto em termos de bens e serviços comercializados. Já, no caso da função dose-resposta, as consequências ou indicadores de bem-estar são expressos em unidades de medida elementares, correspondendo, pois, a grandezas físicas e não monetárias. É, pois, preciso, dar um passo adicional, convertendo tais indicadores em valores econômicos. 4.3 Exemplos Função de produção e setor pesqueiro Diversos projetos podem impactar a produção pesqueira. Com efeito negativo, no caso da instalação de usinas hidrelétricas e da supressão de áreas úmidas para a instalação de plantas industriais. E, com efeito positivo, no caso da expansão da rede coletora de esgotos. Hanley e Barbier (2011) apresentam uma metodologia de função de produção que permite estimar o impacto da redução de áreas úmidas costeiras que servem de habitats para espécies de peixes. Por exemplo, a expansão urbana que se faz acompanhar de projetos privados de construção 9 de imóveis e de projetos públicos de infraestrutura, tem contribuído para reduzir, no Brasil, as áreas úmidas costeiras9. É empregada uma função de produção Cobb-Douglas, H = f(A,E,S) = AEaSb, em que H ≡ colheita pesqueira, A ≡ nível do progresso tecnológico, E ≡ esforço pesqueiro, compreendendo tanto capital (barcos) como trabalho e S ≡ área costeira úmida (km2). Com base nesta função e hipóteses sobre a demanda por recurso pesqueiro, os autores obtém uma fórmula que permite calcular a variação no excedente do consumidor causada pela redução de S. Tal fórmula foi empregada para um caso específico, o da redução da área de manguezais na Tailândia (um problema que também ocorre no Brasil10), considerando o período de 1996- 2004. Este artigo tem uma peculiaridade. Os autores não estimaram a perda de lucro, mas sim a perda bem-estar causada aos consumidores de crustáceos e de espécies demersais. Os resultados estão na tabela abaixo e contêm também uma análise dinâmica que permitiu mensurar o impacto sobre o nível de longo prazo das populações das espécies. Tabela Valoração da conexão manguezais- recurso pesqueiro na Tailândia, 1996- 2004 Função de produção e purificação de água Vincent et al. (2015)11 estimaram o impacto do desmatamento de florestas localizadas em bacias hidrográficas sobre o custo de tratamento de água. A extensão de florestas é um “fator de produção” não-comercializado que afeta o processo de produção de água tratada a partir 9 http://anp.gov.br/brasil- rounds/round8/round8/guias_r8/sismica_r8/%C3%81reas_Priorit%C3%A1rias/Banhados.pdf 10 http://pedrofidelman.com/pdf/Fidelman.1999.VIIICOLACMAR.pdf 11 Vincent, J. R., Ahmad, I., Adnan, N., Burwell III, W. B., Pattanayak, S. K., Tan-Soo, J. S., & Thomas, K. (2016). Valuing water purification by Forests: an analysis of Malaysian Panel Data. Environmental and Resource Economics, 64(1), 59-80. 10 de água in natura, mão de obra, insumos e equipamentos. Os resultados mostram que evitar o desmatamento reduz consideravelmente o custo de tratamento e, portanto, aumenta o lucro das empresas de tratamento de água (empresas privadas, no caso). Foi estimada a seguinte função de custo: C = β0 + β1Y + β2S + β3R + u Em que C ≡ custo de tratamento de água, Y ≡ quantidade de água tratada (nível de produção), S ≡ área de floresta na bacia hidrográfica-fonte, R ≡ quantidade de chuvas. Dose-resposta e saneamento Mendonça e Motta (2005) estimaram a função dose-resposta Y = β0 + β1S + β2X + e, em que Y ≡ “taxa de mortalidade por doenças relacionadas às condições inadequadas de saneamento”, S ≡ vetor de variáveis que descrevem as condições de saneamento básico, X ≡ atributos socioeconômicos. Foram utilizados dados na escala estadual para o Brasil, no período de 1981 - 2001. O vetor S contém duas variáveis, as proporções populacionais com acesso a condições adequadas de água e de esgoto. E o vetor X contém variáveis que captam a oferta de serviços de saúde, como o gasto público no setor e número de leitos de hospital. As estimativas para os coeficientes destas variáveis podem ser empregadas para determinar o impacto de um projeto do setor de saneamento sobre a taxa de mortalidade. Os autores fazem algo similar: estimam a despesa em ampliação de serviços de saneamento e de saúde que tem de ser feita para evitar uma morte decorrente de más-condições de saneamento. Tal estimativa é obtida a partir da razão ΔSkDk/(ߚመΔSk), em que ΔSk ≡ aumento de 1% na oferta do k-ésimo serviço (saneamento ou saúde), Dk ≡ custo de uma ampliação de 1% do k-ésimo serviço e ߚመ ≡ coeficiente do serviço estimado na equação acima. A tabela abaixo apresenta os resultados (ΔSkDk é o custo marginal e o número de mortes evitadas é ߚመΔSk). 11 Tabela Estimativas dos custos de redução da mortalidade, ano de 2000 Fonte: Mendonça e Motta (2005). Dose-resposta e poluição do ar O exemplo abaixo, retirado do “Green book” (HMT, 2011), descreve um procedimento para aplicar a metodologia de função de dose-resposta à valoração de impactos sobre o nível de poluição do ar. Tal metodologia ser adaptada, sendo tornada mais ou menos detalhada, a depender do projeto avaliado. Por exemplo, é esperado que projetos dos setores de transporte e de energia alterem o nível de poluição ao menos no âmbito local. Box 1 Valoração econômica de impactos sobre a poluição do ar causados por projetos (adaptado de HMT, 2011) 1. Estimar a concentração média anual de poluentes e de população residente em cada um dos pixels (quadrados) de 1km2 em que a área de influência do projeto pode ser subdividida; 2. Atribuir, para cada pixel, o número de eventos relacionados à saúde (mortalidade e morbidade) e à poluição do ar que prevalece no cenário sem projetos. Devem ser consideradas especialmente mortes diárias e internações hospitalares para o tratamento de doenças respiratórias; 1. A partir de um método estatístico ou econométrico (regressão linear, p.ex.), estimar funções de dose-resposta para indicadores de mortalidade e morbidade diretamente relacionados à concentração de poluentes no ar. Nesta, a variável explicada, Y, é o evento de saúde (p.ex., internações hospitalares) e a principal variável explicativa é a poluição do ar, P, mas também devem ser incorporadas variáveis socioeconômicas e que captem condições ambientais das unidades espaciais (p.ex., velocidade do vento, precipitação, inclinação do terreno). O coeficiente da principal variável explicativa, ߚመ , deve ser utilizado para calcular os 12 aumentos percentuais de mortalidade e morbidade provocados por um aumento de 1% na concentração de poluentes; 4. Estimar, consultando especialistas da área de saúde e de poluição do ar – neste último caso, a CETESB é uma fonte importante –, bem como a equipe de engenharia do projeto, a magnitude do impacto do projeto sobre a concentração de poluentes. A estimativa de um intervalo de confiança para a magnitude do impacto é geralmente mais apropriada do que uma estimativa pontual, dada a incerteza. Tal estimação deve ser realizada com base nos melhores dados disponíveis e ajustada de acordo com a avaliação dos especialistas. Em caso de dados precários ou insuficientes para a análise estatística, deve-se recorrer à literatura científica especializada e aos especialistas para chegar a um intervalo razoável. 5. De posseda estimativa para o impacto do projeto sobre a concentração de poluentes, ΔP, esta pode ser multiplicada pelo coeficiente obtido no passo 3, ߚመ , para obter as variações absolutas de morbidade e mortalidade causadas pelo projeto; 6. Os passos anteriores permitiram realizar a quantificação física do impacto do projeto sobre morbidade e mortalidade relacionadas à poluição do ar. O último passo está em multiplicar os impactos físicos pelos valores econômicos das unidades de impacto. Tais valores são denominados por “valor estatístico da vida humana” e, para chegar a eles, é preciso aplicar uma metodologia específica.
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