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NOVE TESES SOBRE A CRISE POLÍTICA BRASILEIRA

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Nove teses sobre a crise 
política brasileira 
 
Publicado em 29/05/2017 
Por Carlos Eduardo Martins 
 
O aprofundamento da crise política brasileira tem deixado cientistas sociais e 
observadores internacionais perplexos ao atuar na contramão da propalada versão 
institucionalista e liberal que predominou durante a Nova República, segundo a qual a 
democracia brasileira estaria consolidada. 
 
O golpe de 2016, dirigido contra as políticas públicas que ampliaram as demandas dos 
movimentos sociais e dos trabalhadores e a sua representação política e social, é apenas 
um primeiro passo de um projeto que visa uma profunda reestruturação do Estado 
brasileiro, mas o lança em crise orgânica de dominação pelo tipo de destruição criadora 
que supõe. Tal destruição criadora é profundamente regressiva, afastando-se 
parcialmente do modelo schumpeteriano por ser muito mais destrutiva que criadora e ter 
sua liderança no capital financeiro fictício e no capital estrangeiro. Ela implica em forte 
elevação das taxas de superexploração da classe trabalhadora, na reorientação do 
dinamismo do mercado interno para as camadas médias altas e estratos superiores, na 
desnacionalização, desarticulação e destruição de parte das cadeias produtivas 
industriais, bem como no seu redirecionamento parcial para o mercado externo. A 
realização deste projeto exige forte centralização e destruição de capital e estabelece 
fortes conflitos interburgueses, o que abre o espaço para a recomposição social e 
política da unidade dos trabalhadores e sinaliza para uma trajetória acelerada rumo ao 
caos sistêmico, inaugurada pelo golpe de Estado, mas que tende a se desenvolver a 
médio e longo prazo por confrontos sociais intensos, crescentes e de consequências 
imprevisíveis. 
 
Para entendermos a crise política vigente, enumeramos algumas teses sobre a atual 
conjuntura brasileira, desde o caráter do golpe de Estado de 2016 até seus 
desdobramentos recentes: 
 
1. 
 
O golpe de Estado de 2016 foi preventivo e dirigido contra a crescente capacidade de 
organização dos trabalhadores e o protagonismo dos movimentos sociais. Este 
protagonismo se expressou em várias dimensões. Na forte elevação da atividade sindical 
que em 2013 atingiu recorde em números de greves, sendo apenas superada em número 
de horas paradas pelos anos de 1989 e 1990; nas explosões sociais de junho de 2013, 
impulsionadas pela classe trabalhadora jovem, de renda baixa ou média, que 
reivindicava a ampliação de direitos sociais como o transporte público gratuito e a 
garantia de direitos constitucionais, como o acesso público à saúde e educação de 
qualidade; e nas políticas sociais que elevaram a participação da população de baixa 
renda nos rendimentos do trabalho, principalmente através da elevação do salário 
mínimo, mas também por programas de renda mínimas e cotas sociais de acesso à 
educação superior. Na base do fortalecimento do poder popular esteve a forte redução 
da taxa de desemprego provocada pelo mais longo período de crescimento econômico 
desde a década de 1980, que ocorreu entre 2004 e 2013, impulsionado pelo boom das 
commodities e que se articulou com as políticas de expansão da demanda interna e de 
aumento da formação de capital fixo. 
 
2. 
 
O golpe de Estado de 2016 apresenta economia política radicalmente distinta do de 
1964. Enquanto o golpe de 1964 foi modernizador e industrialista ainda que fortemente 
baseado no endividamento externo, o de 2016 é fortemente desindustrializador, centrado 
no protagonismo do capital financeiro fictício e do capital estrangeiro e limita o 
desenvolvimento das cadeias produtivas a nichos agroindustriais fortemente voltados à 
exportação e aos segmentos direcionados ao maior poder aquisitivo do mercado interno, 
cada vez mais pressionados pela competição internacional. A principal razão para isto é 
a necessidade estrutural de alto nível de desemprego para manter, sob elevados níveis de 
superexploração necessários ao capitalismo dependente, uma força de trabalho cada vez 
mais qualificada pelas novas tecnologias e conhecimentos ligados a revolução 
científico-técnica. Diferentemente, do golpe de 1964 que contou com uma oposição 
sindical oriunda principalmente de trabalhadores de segmentos menos dinâmicos do 
ponto de vista tecnológico, abrindo o espaço para modernização industrial e criação de 
uma nova classe trabalhadora que rompesse com a herança trabalhista, os movimentos 
sociais e de trabalhadores que se colocam contra a economia política do golpe de 2016 
estão fortemente vinculados aos segmentos intensivos em conhecimento e tecnologia, o 
que dá a esta fortes tendências regressivas. 
 
3. 
 
Precedeu ao golpe de 2016, a forte adesão das principais entidades patronais brasileiras 
(FIESP, FIRJAN, CNI, ABIMAQ, FEBRABAN e Sociedade Rural Brasileira), e seu 
principal braço midiático de organização ideológica (Rede Globo), à implementação de 
um programa de austeridade fiscal e monetária num contexto de queda dos preços das 
commodities e do investimento privado, o que obrigatoriamente levaria à forte 
depressão econômica, com drástica queda da arrecadação fiscal e exponencialização dos 
pagamentos de juros, implicando em forte crise financeira do Estado. A adoção deste 
programa pelo governo Dilma, após as eleições de 2014, derrubou drasticamente a sua 
popularidade e abriu o espaço para o golpe de Estado que permitiu ao grande capital pôr 
em marcha um plano radical de reestruturação do Estado brasileiro tornando as políticas 
recessivas um instrumento estrutural e não conjuntural e cíclico como queria o governo 
Dilma. A queda do governo Dilma possibilitou avançar em temas da agenda de 
reformas neoliberais que encontrariam resistência nos governos petistas como o 
congelamento dos gastos públicos primários por 20 anos, a reforma trabalhista, a lei de 
terceirizações, a reforma da Previdência, o fim das políticas industriais do BNDES, a 
retomada de privatização de empresas ou a eliminação do monopólio da Petrobrás e da 
política de conteúdo nacional para investimentos no Pré-Sal. Por meio das políticas de 
elevação da superexploração do trabalho e da atração de capital estrangeiro procurava-
se compensar a restrição de gastos públicos primários e retomar o dinamismo 
econômico, associando-o ao aumento das taxas de exploração, da lucratividade e do 
investimento; 
 
4. 
 
O golpe de 2016 baseou-se numa importante coalizão que articulou as frações 
estrangeiras, financeiras, industrial, agrária e midiática do grande capital, a sua 
representação política majoritária no Parlamento e na tecnoburocracia do Poder 
Judiciário, e um movimento de massas com fortes conotações fascistas, representado 
principalmente pelas camadas médias e superiores da pequena burguesia. Todavia esta 
coalizão apresenta importantes contradições. Se de um lado, o que garantiu a unidade 
das diversas frações do grande capital foi sua oposição ao aumento do poder material e 
simbólico dos trabalhadores, que elevou os custos da intermediação política e 
estabeleceu forte monopolização da representação e das estruturas partidárias, em razão 
da necessidade de elevar gastos eleitorais para conter o fortalecimento das esquerdas; de 
outro lado, a necessidade de implementar um programa recessivo, de destruir as 
articulações do embrionário capitalismo de Estado petista com frações do empresariado 
industrial, e de atingir os anéis burocráticos que elevaram os custos da gestão do Estado 
para o grande capital, colocam os diversos segmentos que articularam o golpe em 
confronto. 
 
5. 
 
A destruição do bloco histórico de centro-esquerda exige atingir suas articulações com 
ascadeias produtivas vinculadas aos segmentos de petróleo e gás, tecnologia nuclear, 
construção civil, carnes, processamento de alimentos, papel e celulose, objetos seja da 
política de conteúdo nacional ou de campeões nacionais dos governos petistas. Para 
isso, além da política recessiva que reduziu dramaticamente as taxas de investimento no 
país, do desmonte da política de financiamento subsidiado do BNDES em favor da 
subordinação à taxa SELIC e à dívida pública, direcionou-se seletivamente a atuação 
moralizadora e de combate à corrupção do Ministério Público, da Polícia Federal e do 
Poder Judiciário para estas redes e articulações buscando criminalizar a política 
industrial do embrionário capitalismo de Estado petista, que, se bem moderou, nunca 
chegou a predominar sobre a política de financeirização, eixo central de seus governos. 
Assim, as operações policiais, investigações e sentenças judiciais, mediadas pelo uso 
abusivo da prisão preventiva para estabelecer delação premiada com vistas a alcançar 
alvos políticos, foram aplicadas principalmente contra estes segmentos para atingir a 
Petrobrás, a Eletronuclear, o BNDES, a Odebrecht, a Andrade Gutierrez, a JBS, e os 
fundos de pensão de empresas públicas como Petrobrás, Banco do Brasil, Caixa 
Econômica e Correios. Todavia, a amplitude da vinculação no espectro político das 
organizações empresariais privadas atingidas, muitas delas parte da coalizão golpista, 
cujas frações competem pelo controle do Estado, torna esta tentativa de criminalização 
seletiva e de eliminação da competição interburguesa de alto risco e explosiva, porque 
suscetível a contra-ataques. Assim em reação à Operação Greenfield, à Operação Carne 
Fraca e às diversas ações da Policia Federal e do Ministério Público que derrubaram em 
46% o valor das ações de suas empresas, entre janeiro a maio de 2016, os irmãos 
Joesley e Wesley Batista fecharam acordo de delação premiada atingindo centralmente 
o Presidente da República, Michel Temer, e o Presidente do PSDB, Aécio Neves, com 
gravação de conversas que constituem provas contundentes da delação que formulam a 
respeito da participação destes em esquemas de corrupção passiva, lavagem de dinheiro 
e/ou formação de organização criminosa. 
 
6. 
 
Motivado a destruir a hegemonia do bloco de centro-esquerda e a emergência das 
esquerdas, bem como a reduzir fortemente o custo das campanhas eleitorais e da 
intermediação política para fazer valer seus interesses no Estado, o grande capital 
impulsionou e respaldou a atuação abusiva da Polícia Federal, do Ministério Público e 
da Magistratura para criminalizar a vida pública brasileira e atingir seus objetivos 
políticos. Para isso foi central a ofensiva ideológica dos meios de comunicação 
buscando situar a corrupção como principal problema do Estado brasileiro, o que 
justificaria o uso de medidas excepcionais para o seu combate. Esta ofensiva ideológica 
manifestou-se na pressão para a aprovação da lei 12.850/2013, em agosto do mesmo 
ano, como resposta às Jornadas de Junho; no respaldo ao uso abusivo da prisão 
preventiva como instrumento de barganha para impor a “colaboração” premiada; no 
vazamento público na grande imprensa midiática de interceptações telefônicas judiciais 
que violaram direitos constitucionais para respaldar uma cruzada seletiva que permitisse 
desmoralizar e desalojar do poder o petismo. Uma vez atingido em grande parte o 
desmonte e o risco político do capitalismo de Estado petista, ampliou-se o alvo para 
atingir, de forma mais ou menos cirúrgica e estratégica, lideranças de partidos políticos 
da própria base golpista, buscando-se reduzir os custos das transações políticas para o 
grande capital ao afetar esquemas patrimonialistas e monopolistas de intermediação. 
 
Entretanto, o avanço abusivo do Poder Judiciário sobre as prerrogativas constitucionais 
só foi possível pelo alto nível de consenso entre o grande capital, o poder midiático, o 
Parlamento e o Poder Judiciário, o que exigiu a centro-esquerda e a esquerda como 
alvos. Uma vez que a articulação entre Ministério Público, Polícia Federal e mídia 
passou a atingir diretamente segmentos estratégicos do PMDB e do PSDB, como os 
representados por Michel Temer e Aécio Neves, sinalizando-se ainda a possibilidade de 
se alvejar outros quadros importantes destes partidos, abriu-se uma enorme 
desorganização da base golpista que tende a se dividir em dois projetos distintos. 
 
7. 
 
O projeto mais dinâmico é o representado pelos segmentos mais agressivos do grande 
capital, vinculados ao capital financeiro fictício, ao capital estrangeiro e ao monopólio 
mídiático, que associam-se a frações expressivas do Ministério Público e da 
Magistratura, buscando o apoio de importantes segmentos da pequena burguesia para 
desorganizar os esquemas patrimonialistas presentes nos partidos partidos políticos e 
baixar os custos das campanhas e da intermediação política. Este consórcio de poder 
apoia a queda do governo Temer, a escolha do novo Presidente por eleição indireta, a 
reforma política desde o Congresso para impor o parlamentarismo, o voto distrital e a 
permissão de candidaturas avulsas independentes dos partidos políticos para aumentar o 
nível de competitividade do sistema, onde celebridades midiáticas possam se projetar, 
restringindo a autonomia do político para aproximar governo e Parlamento de 
instituições sob comando direto do grande capital. Entretanto, este projeto apresenta 
importantes contradições, como a que se estabelece entre o uso do Judiciário pelo 
grande capital para diminuir os custos da intermediação política e a tendência expansiva 
do Poder Judiciário que, respaldado no corporativismo, nas disputas interburguesas e no 
respaldo midiático para sua atuação fora dos marcos constitucionais, alimenta as 
pretensões de reestabelecer um capitalismo de Estado, ainda que muito distinto, sob 
comando tecnoburocratico do aparato jurídico-repressivo, supostamente legalista. A 
outra importante contradição é a que se estabelece entre a institucionalização de uma 
economia política recessiva e a base de apoio de massas nas clamadas médias. 
 
O outro projeto, sob ataque, centra-se sobretudo na preservação, com mínimas 
modificações, das estruturas patrimonialistas representadas pelos partidos políticos de 
centro-direita e de direita; defende uma reforma política baseada em modelo eleitoral de 
listas fechadas com prioridade aos deputados e senadores eleitos; e apoia o 
estabelecimento de controles sociais à atuação do Poder Judiciário. As confrontações 
entre os dois projetos, apesar de produzir crises significativas, como a que afeta o 
governo Temer, tendem a levar a fórmulas de composição, uma vez que o setor mais 
internacionalizado do capital não pode prescindir do Parlamento e necessita colocar 
limites ao capitalismo de Estado, venha este da tecnoburocracia jurídico-repressiva, da 
centro-esquerda petista, como entre 2003-2016, ou dos militares, como nos anos 1964-
85. 
 
8. 
 
A Magistratura e a Procuradoria possuem capacidade extremamente limitada de 
enfrentar as estruturas corporativas do capitalismo dependente brasileiro, em razão de 
sua posição estratégica na estrutura de classes, o que lhe compromete fortemente a 
autonomia e a independência. Os altos salários diretos e indiretos auferidos por seus 
membros, que em sua grande maioria recebe salários acima do teto constitucional, o 
intenso grau de corporativismo, o caráter autocrático de sua atuação e o precário 
controle democrático a que estão submetidos tornam-no um segmento propenso a 
articulações políticas conservadoras e reacionárias, incapaz de jogar um papel 
independente frente às classes dominantespara sanear as instituições públicas e 
privadas brasileiras. A sua intervenção no sistema político brasileiro tem aprofundado 
assimetrias através da seletividade dos seus alvos; da falta de critérios legais, de 
proporcionalidade e de impessoalidade no estabelecimento de sentenças; e do uso 
casuístico, abusivo e normativo de métodos excepcionais de investigação, como a 
condução coercitiva e a prisão preventiva. Entre os alvos preferenciais da Procuradoria 
e da Magistratura destacam-se as lideranças políticas de centro-esquerda e de esquerda, 
as lideranças empresariais vinculadas ao adensamento das cadeias de valor produtiva e 
as lideranças de movimentos sociais e universidades públicas. Enquanto selecionam 
estes alvos, ignoram amplamente a corrupção do Estado na articulação dos grandes 
negócios da burguesia brasileira que são a dívida pública e a especulação cambial, 
regulados por uma política monetária que abre carteiras de investimento para os bancos, 
das quais usufruem os responsáveis por esta política pública ao aplicarem seus recursos 
através deles. Aparentemente, a Magistratura e a Procuradoria envolvidas na Operação 
Lava-Jato tendem a considerar a indução de políticas públicas setoriais criminosas e 
suspeitas, enquanto olham com benevolência para a fabricação de capital fictício contra 
o erário público que abre oportunidades de lucros sem contrapartida produtiva às 
diversas frações burguesas por meio da expansão da dívida pública, sintetizando seus 
interesses particulares nesta forma abstrata e geral do capital. 
 
Uma análise sumária e exemplar dos acordos de delação premiada e das sentenças 
proferidas pelo Judiciário indica sua desproporcionalidade e falta de amparo legal. 
Enquanto de um lado, a Procuradoria Geral da República estabelece acordo de delação 
premiada chancelado pelo STF com os irmãos Joesley e Wesley Batista, estendendo a 
eles o perdão judicial que viola a lei 12.850/2013, uma vez que são chefes de 
organização criminosa e não são os primeiros a delatar, e Moro absolve Claudia Cruz, 
que na hipótese mais branda teria cometido crime de peculato por não devolver 
dinheiro reconhecidamente ilícito de suas contas; do outro lado, o vice-almirante Othon 
Pinheiro da Silva, um dos responsáveis pelo êxito do programa nuclear brasileiro é 
condenado a 42 anos detenção por supostos desvios de recursos públicos na 
Eletronuclear. Enquanto a Operação Lava-Jato avança principalmente contra este perfil 
de políticos e lideranças empresariais da cadeia produtiva, a Operação Zelotes que 
investiga compras de sentenças no CARF para legalizar a sonegação de tributos de 
grandes empresas e Bancos caminha a ritmo muito mais lento, protegendo a RBS, 
filiada da Globo, uma das acusadas e Augusto Nardes, um dos pivôs desta articulação, 
relator no TCU das “pedaladas” fiscais do governo Dilma, peça-chave do golpe de 
Estado. 
 
Nem a Magistratura, nem o Ministério Público têm a capacidade de estender muito sua 
atuação autocrática e corporativa contra os segmentos mais amplos da burguesia e da 
estrutura partidária oligárquica brasileira, seja pela reação através dos monopólios 
midiático ou do Parlamento alvejando suas grandes vulnerabilidades. A aprovação no 
Senado da lei que criminaliza o abuso de autoridade por agentes públicos, coloca limites 
mais precisos contra a atual tendência expansiva do poder autocrático do Judiciário e 
revoga a legislação vigente cuja origem é a ditadura militar de 1964. 
 
9. 
 
As disputas interburguesas e a desorganização da coalizão de poder golpista abrem às 
esquerdas uma janela de oportunidade de mobilização e projeção política. Todavia para 
aproveita-la é preciso ultrapassar muitos obstáculos. O mais importante é o da 
mobilização popular, ainda restrita à militância de esquerdas sem alcançar segmentos 
mais abrangentes da classe trabalhadora, profundamente decepcionada e desconfiada 
com os processos eleitorais, a partir da adesão do PT à ordem burguesa dependente e 
neoliberal, na qual buscou introduzir modificações pontuais. Sem enfrentar esta 
desconfiança popular e reconstruir sua unidade, dificilmente as esquerdas conseguirão 
dar à bandeira das Diretas Já peso suficiente para interferir nas decisões do Congresso 
Nacional ou do TSE. 
 
A alternativa política mais provável no curto prazo é a de que o impasse se resolva ou 
por uma vitória da fração mais agressiva do grande capital derrubando o governo 
Temer, ou pela neutralização desta ofensiva pelas forças patrimonialistas dos partidos 
de direita e centro-direita brasileiros, principalmente, PMDB, PSDB e DEM. Todavia 
um prolongamento do Governo Temer levará a um aumento das disputas interburguesas 
ampliando a janela de oportunidade para as esquerdas se reorganizarem e relançarem o 
seu protagonismo através do fortalecimento dos movimentos de massa que voltou a 
liderar nas ruas. 
 
*** 
Carlos Eduardo Martins é doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), 
professor do Programa de Estudos sobre Economia Política Internacional (UFRJ), 
coordenador do Laboratório de Estudos sobre Hegemonia e Contra-Hegemonia 
(LEHC/UFRJ), coordenador do Grupo de Integração e União Sul-Americana do 
Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso). É autor de Globalização, 
dependência e neoliberalismo na América Latina (2011) e um dos coordenadores da 
Latinoamericana: Enciclopédia contemporânea da América Latina e do Caribe (Prêmio 
Jabuti de Livro do Ano de Não Ficção em 2007) e co-organizador de A América Latina 
e os desafios da globalização (2009), ambos publicados pela Boitempo. É colaborador 
do Blog da Boitempo quinzenalmente, às segundas. 
 
Disponível em https://blogdaboitempo.com.br/2017/05/29/notas-sobre-a-crise-politica-
brasileira/. Acesso em 10 de julho de 2017.

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