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A TEORIA GERAL DOS TÍTULOS DE CRÉDITO NO CÓDIGO CIVIL : perfeita conceituação de título de crédito : conceito construído à luz dos atributos clássicos LUIZ ANTONIO GUERRA Professor do Centro Universitário de Brasília – UNICEUB. Advogado especialista em Direito Comercial-Empresarial. Consultor Jurídico de Companhias nacionais e multinacionais. 1. Introdução O legislador brasileiro inseriu, equivocadamente, a Teoria Geral dos Títulos de Crédito no Código Civil/2002. A nosso sentir, o legislador incluiu, indevidamente, no Código Civil, parte do conteúdo da matéria mercantil, especificamente o Direito de Empresa e a Teoria Geral dos Títulos de Crédito, sem a mínima justificativa pedagógica e científica. Agindo assim causou prejuízo ao progresso e à evolução do Direito Empresarial. Com todo o respeito à Comissão Revisora e Elaboradora do Código Civil, o Brasil, cometeu enorme equívoco ao copiar o modelo do Código Civil italiano, de 1942. O Código Italiano foi aprovado sem a anuência do grande comercialista, Cesare Vivante - então o maior defensor da unificação das obrigações civis e mercantis na Itália e toda a Europa Central -, que instado a elaborar o código daquele país, recusou- se, por não mais acreditar na viabilidade da unificação. Vivante convenceu-se do equívoco e declarou, em 1919, publicamente, que os ramos do Direito Privado, àquela época, já haviam se consolidado e não mais seria possível a sua unificação num único corpo legislativo. O legislador nacional deixou de fora do Código Civil todos os demais institutos mercantis, os quais continuarão a ser regidos pelo combalido Código Comercial e pela legislação extravagante. Embora a A Teoria Geral dos Títulos de Crédito no Código Civil : perfeita conceituação de título de crédito : conceito construído à luz dos atributos clássicos ciência mercantil tenha sofrido prejuízo estrutural, com a chegada do Código Civil, em 2002, é certo que o Direito Comercial manteve a sua autonomia legislativa, acadêmica e substantiva. Comparando os dois principais sistemas jurídicos sul- americanos, representados por Argentina e Brasil, diferentemente, na Argentina, o Código de Comércio, de 1889, embora tenha sofrido substanciais alterações ao longo de sua vigência, os nativos das terras de Dalmácio Velez Sarsfield não cogitaram de inserir matéria mercantil no Código Civil, mesmo tenha sido a Argentina, pioneira nos territórios das Américas, a adotar o regime da unificação das obrigações. Lá, Dalmácio Velez Sarsfield, rigorosamente, ao utilizar-se, por empréstimo, do Projeto e Esboço de Teixeira de Freitas, de 1855/89, limitou-se a utilizar apenas as idéias da unificação das obrigações, garantindo, no entanto, plena autonomia legislativa aos dois ramos do Direito Privado. Na Argentina, o Código de Comércio regula os aspectos gerais – a teoria geral dos títulos, enquanto que todos os títulos em espécie, a exemplo das letras de cambio y pagares estão em legislação especial, como apontam os arts. 589 a 738, no Título 10: De los títulos cambiários: letra de cambio y factura de crédito. Os demais institutos estão no Código de Comércio ou na legislação extravagante, como ocorre com a Ley de Concursos e Quiebras – Ley 24.552. O Brasil, por opção, embora equivocada, quis ser diferente. Seguiu, após 26 anos de tramitação de projeto de Código Civil no Congresso, o questionável modelo italiano. Em outras palavras, inseriu parte do conteúdo de matéria comercial no Código Civil. A suposta novidade apresenta-se pífia, porquanto, a um só tempo, não unificou o Direito Privado, tampouco retirou a autonomia substancial, acadêmica e formal ou legislativa do Direito Comercial. A reforma como ocorrida não se 2 A Teoria Geral dos Títulos de Crédito no Código Civil : perfeita conceituação de título de crédito : conceito construído à luz dos atributos clássicos justificou, tecnicamente; ao revés, trouxe complicação didática ao estudo e ensino do Direito Empresarial. Em substância, a reforma é ruim, pois manteve tipos societários absolutamente em desuso, a exemplo, das sociedades em nome coletivo, em comandita simples e comandita por ações. Manteve, sem melhores aperfeiçoamentos, a criticada sociedade em conta de participação e, ainda, burocratizou, sem necessidade, a sociedade limitada, emprestando-lhe tratamento formal, sem qualquer diferenciação entre os empreendedores, submetendo todos os agentes, independentemente do porte, ao mesmo tratamento formal e burocrático. Em relação à Teoria Geral dos Títulos de Crédito nada de novo acrescentou, salvo a perfeita definição de título de créditos, com apoio no conceito formulado por César Vivante. Sabe-se que a aprovação Código Civil deu-se por acordos de lideranças no Congresso Nacional, tudo por conta do então interesse político de sua aprovação; daí as críticas. Dormitou por longos anos no Congresso e, depois, no apagar das luzes, foi aprovado, em regime de urgência, quando a grande parte dos institutos mercantis não mais condizia com a realidade empresarial. Prova disso é que tramitava, à época da aprovação do Código Civil, no Ministério da Justiça, Anteprojeto de Lei visando a Reforma da então Sociedade de Responsabilidade Limitada. O referido anteprojeto tinha por finalidade atualizar o regime jurídico da principal sociedade – a Sociedade de Responsabilidade Limitada. O Anteprojeto visava a reforma do Decreto 3.708/19, de modo que pudesse expressar a expectativa do mercado empresarial, com a inclusão no Direito Societário Brasileiro, de novidades fundamentais ao 3 A Teoria Geral dos Títulos de Crédito no Código Civil : perfeita conceituação de título de crédito : conceito construído à luz dos atributos clássicos desenvolvimento econômico do País1, como se vê da Exposição de Motivos: II – As sociedades de responsabilidade limitada não foram, no Brasil, produto quer de necessidade premente do comércio e da indústria, quer de amadurecidos estudos, daí porque, conforme enfatizado pelo Professor Egberto Lacerda Teixeira, nasceu imperfeita. Falta ao Decreto 3.708, de 1919, a penetração doutrinária indispensável à exata configuração do novo instituto. Aparecendo no cenário jurídico, como adendo aos dispositivos do Código Comercial de 1850, disciplinadores das sociedades mercantis já existentes, as sociedades por quotas viram-se privadas de estruturação própria, autônoma, como era de desejar-se. A insuficiência do texto legal tem dado margem a impulsos interpretativos contraditórios. Ora, prevalecem as interpretações demasiadamente rígidas dos que subordinam a vida e o desenvolvimento das sociedades por quotas ao padrão estreito das sociedades solidárias ou em nome coletivo, ora, ao contrário, no intuito de libertá-las do jugo personalista das sociedades solidárias, juristas e tribunais, esquecidos do particularismo da nova instituição, acorrentam-se ao império de regras e soluções próprias ao regime do anonimato (Das Sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada, São Paulo, 1956, p. 8 e 9). Porque “nasceu imperfeita”, sob a égide de uma concepção excessivamente individualista e liberal, e, sobretudo, por força da extraordinária evolução experimentada pela economia nacional e internacional nos últimos oitenta anos, impõe-se, como urgente e necessária, uma profunda reformulação no tratamento legal do instituto, inspirada na doutrina pátria e alienígena, no profícuo labor da jurisprudência nacional e nas inovações das mais modernas legislações estrangeiras, inclusive para criar, no Direito positivo brasileiro, atendendo a exigências de ordem prática, a empresa individualde responsabilidade limitada. III – para sistematizar a disciplina da matéria, o Anteprojeto alicerça- se em três postulados. O primeiro traduz um fato social, econômico e histórico indiscutível: a sociedade de responsabilidade limitada é a forma típica, quiçá a única atualmente, da empresa de pequeno e médio porte, constituída e explorada por poucos sócios, as mais das vezes 4 1 http://www.mj.gov.br/sal/ltda.htm - Secretaria de Assuntos Legislativos. “Anteprojeto de Lei de Sociedades de Responsabilidade Limitada. EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS I – A Comissão, nomeada pelo Exmo. Sr. Ministro da Justiça pela Portaria n 145, de 30.03.1999, cujas atribuições foram ampliadas pela Portaria 492, de 15.09.1999, elaborou o presente Anteprojeto de Lei de Sociedades de Responsabilidade Limitada, sob a presidência do Professor Arnoldo Wald, sendo relator o Professor Jorge Lobo e membros o Ministro Cesar Asfor Rocha e os Professores Alfredo Lamy Filho, Egberto Lacerda Teixeira e Waldírio Bulgarelli (..).” A Teoria Geral dos Títulos de Crédito no Código Civil : perfeita conceituação de título de crédito : conceito construído à luz dos atributos clássicos com vínculos familiares ou afetivos, com absoluto predomínio de um ou de alguns deles, quer nas assembléias gerais, ostentando a qualidade de sócio controlador, quer na gestão dos negócios sociais, ao exercer as funções de administrador, o que levou os comercialistas a ela se referirem como sendo, muitas das vezes, uma sociedade intuitu personae, em que predomina a affectio societatis, ou uma sociedade de pessoas e capitais. O segundo decorre da natureza jurídica do ato constitutivo da sociedade de responsabilidade limitada, do seu caráter intuitu personae e da affectio societatis que une os sócios: a regulamentação legal deve ser flexível, facultando-se às partes disciplinar as relações “interna corporis” de acordo com o princípio da autonomia da vontade e adequar as normas contratuais às suas necessidades e conveniências específicas, sem, todavia, prescindir de um mínimo de formalismo, com o escopo de criar um regime jurídico-legal suficientemente abrangente que possa prevenir ou por termo a dúvidas e controvérsias, sobretudo quanto, v.g., aos direitos e deveres dos sócios e aos deveres e responsabilidades dos controlador e dos administradores, reforçando, destarte, a tutela dos direitos dos minoritários e dos credores da sociedade. O terceiro é conseqüência lógica do primeiro postulado: a sociedade de responsabilidade limitada é uma sociedade fechada, em que, v.g., (a) a cessão e transferência de quotas é, normalmente, restringida, inclusive na sucessão “causa mortis” ou quando possa vir a resultar de processo de execução forçada, (b) a circulação das quotas se aperfeiçoa mediante cessão de direitos através de alteração contratual e (c) as deliberações das assembléias gerais e as demonstrações financeiras não são publicadas, o que, de novo, exige que se regule e se intensifique, de maneira eficaz, a tutela dos minoritários, em particular o direito de recesso, e se criem óbices ao arbítrio da maioria, em especial quanto à possibilidade de exclusão de sócio, que só é admissível quando fundada em violação de dever legal. IV – O Anteprojeto está dividido em onze capítulos, tratando primeiro da “constituição da sociedade de responsabilidade limitada” na seguinte ordem: a) a forma e os requisitos preliminares de constituição; b) a finalidade e as características da sociedade; c) as cláusulas essenciais e facultativas do contrato social; e d) o arquivamento e o registro do ato constitutivo e demais alterações. O capítulo primeiro deixa, desde logo, evidência: 1º) o caráter contratual da sociedade e a possibilidade de criação da empresa individual; e 2º) a flexibilidade do regime legal, ao possibilitar aos sócios a utilização de cláusulas facultativas, entre as quais podem incluir-se, entre outras, previsões por mútuo consenso sobre: a) caução, penhora, usufruto, fideicomisso e alienação fiduciária em garantia de quotas; b) direitos especiais de veto e de voto; c) prestações suplementares e acessórias; d) exclusão de sócio; e e) solução por arbitragem dos conflitos e interesses entre a 5 A Teoria Geral dos Títulos de Crédito no Código Civil : perfeita conceituação de título de crédito : conceito construído à luz dos atributos clássicos sociedade e os sócios ou entre estes. O capítulo segundo refere-se aos sócios, definindo: a) a obrigação de realizar o valor das quotas subscritas ou adquiridas; b) a constituição em mora e as suas conseqüências; c) os deveres e responsabilidades do sócio controlador; e d) os direitos, deveres e responsabilidades dos sócios. O capítulo segundo deixa, ainda, patente que: 1º) o sócio responde, individualmente, pelo valor das quotas subscritas ou adquiridas e, solidariamente, pela integralização do capital social; 2º) o sócio é obrigado a realizar, no modo e prazo estabelecidos no contrato social, o valor das quotas subscritas ou adquiridas, sob pena de sofrer processo de execução forçada ou ser excluído da sociedade; 3º) o sócio controlador deve exercer o poder de controle e o direito de voto no interesse da sociedade; e 4º) os sócios têm direitos, mas, por igual, deveres perante a sociedade, os demais sócios e terceiros. O capítulo segundo fixa regras para formação e preservação do capital social, inspirado nos princípios da realidade e intangibilidade, tornando sócios e administradores solidária e ilimitadamente responsáveis pela exata avaliação dos bens conferidos ao capital social. O capítulo quarto regula as quotas, possibilitando, se os sócios desejarem, a instituição de quotas preferenciais, que a prática demonstrou ser útil em determinadas situações, sobretudo as decorrentes de joint venture, tratando, ainda, das seguintes matérias: a) a cessão e transferência para a sociedade, os demais sócios e terceiros; b) a responsabilidade solidária do cedente; e c) a penhora de quotas. Os capítulos quinto, sétimo e oitavo estabelecem regras sobre a assembléia geral, o conselho fiscal, o acordo de quotistas e a dissolução, liquidação e extinção da sociedade, deixando evidenciado o caráter subsidiário da Lei das Sociedades por Ações. O capítulo sexto, ao cuidar do modo de administrar a sociedade: 1º) faculta a gestão e a representação a um ou mais administradores, pessoa física ou jurídica, nacional ou estrangeira; 2º) institui o dever de diligência, para nortear o exercício das funções do administrador; 3º) prevê que, no silêncio do contrato social, a sociedade só se obriga pelos atos regulares de gestão praticados pelo administrador; 4º) deixa evidenciado que, arquivado e registrado o contrato social, as limitações e restrições às atribuições e poderes dos administradores aplicam-se erga omnes, ressalvados os direitos de terceiros de boa-fé; e 5º) explicita as hipóteses de responsabilidade civil do administrador. O capítulo nono cria a empresa individual de responsabilidade limitada, dispondo sobre: a) a sua constituição originária ou derivada, conforme seja constituída por ato do sócio único ou decorra de transformação da sociedade de responsabilidade limitada em individual, em virtude da redução do número de sócios a apenas um; b) a forma e os efeitos da publicidade do ato constitutivo; c) a designação da sociedade e a imperiosa 6 A Teoria Geral dos Títulos de Crédito no Código Civil : perfeita conceituação de título de crédito : conceito construído à luz dos atributos clássicos necessidade de ficar evidenciada a sua condição de unipessoal; d) a formação do capital social e os limites de responsabilidade do sócio único; e e) o cuidado que deve ter o sócio único de registrarum livro próprio as decisões sociais, sob pena de desconsideração da personalidade jurídica. O capítulo décimo elenca as disposições gerais. Novidade no Direito Societário Brasileiro viria com a constituição da empresa individual de responsabilidade limitada, com o destacamento de parcela do patrimônio do sócio único, como apontava o abortado art. 44: O sócio único, ao constituir a empresa individual, destacará de seu patrimônio bens para a formação do capital social, destinando-os à consecução do objeto social. § 2º. Integralizado o capital social, somente responderá o patrimônio da empresa individual pelas obrigações e dívidas sociais. Esclareça-se que jamais ocorreu, com a chegada do Código Civil de 2002, a unificação do Direito Privado. Equivoca-se quem pensa assim. Ocorreu apenas a unificação das obrigações e foi incluído parte do conteúdo mercantil no mencionado diploma legal. É por isso que criticamos o Código Civil, porque bastaria unificar as obrigações, sem, contudo, avançar para incluir matéria empresarial. No que tange especificamente à teoria geral dos títulos de crédito, a sua inclusão no Código Civil também não foi acertada. O mundo globalizado e o surgimento da informática vêm exigindo novas relações jurídicas e a partir delas novos conceitos e princípios são e serão formados e consolidados nos próximos anos, nesta primeira parte do novo século e milênio, com transações on line. Porém, nem tudo merece críticas! O ponto principal de destaque e elogio é o conceito de título de crédito adotado pelo Código Civil, no art. 887, após 152 anos de indefinição no Direito Cambiário Brasileiro (Código Comercial Brasileiro – Lei 556, de 25/06/1850). 7 A Teoria Geral dos Títulos de Crédito no Código Civil : perfeita conceituação de título de crédito : conceito construído à luz dos atributos clássicos Com precisão técnica, o Código Civil, no art. 887, adotou o conceito de Cesare Vivante, ao afirmar que: “O título de crédito, documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei.” É óbvio que os estudiosos da Ciência Jurídica são contrários às definições e conceituações. Todavia, didaticamente, a conceituação de título de crédito, no art. 887, apresenta-se importante, do ponto de vista científico-didático, porquanto o instituto foi estudado no Brasil há 152 anos, sem conceituação legal. A natureza jurídica do instituto, firmada através dos atributos clássicos, foi a responsável pela conceituação. Assim, embora repudiando as definições legais, somos obrigados a reconhecer que a conceituação de título de crédito, lançada no art. 887 do CC, apresenta-se cientificamente perfeita, o que é raro. A definição, no entanto, é formulada à luz das características, contemplando, sem exceção, os princípios norteadores, o que está a merecer aplausos. Feliz conceituação adotada pelo legislador, posto que presentes, sem exceção, todas as três principais características dos títulos de crédito, as quais distinguem esse documento de qualquer outro. Os atributos clássicos da cartularidade ou incorporação, autonomia das obrigações cambiárias e a literalidade estão mantidos no conceito de título de crédito. Tais princípios são responsáveis pela estrutura do instituto e foram fielmente adotados. 2. Da Teoria Geral dos Títulos de Crédito no Código Civil Como dito acima, no Brasil, a Teoria Geral dos Títulos de Crédito somente agora é inserida, verdadeiramente, em um código, no Código Civil. 8 A Teoria Geral dos Títulos de Crédito no Código Civil : perfeita conceituação de título de crédito : conceito construído à luz dos atributos clássicos Portugal, nossa pátria-mãe, fez aportar no Brasil as idéias do Direito Europeu, principalmente sob a influência do Código Napoleônico, de 1807, trazendo-nos os títulos de crédito, cuja origem remonta à Idade Media, na Itália. No Brasil, de lá para cá, o Direito Cambiário deu os primeiros passos graças à legislação do Reino, o que possibilitou, mais tarde, em 1850, no segundo período do Império, a chegada do Código Comercial. A história do Direito Cambiário Brasileiro tem origem no Código Comercial Imperial, de 1850, nos artigos 354 a 427, no Título XVI - Das Letras, Notas Promissórias e Créditos Mercantis. A parte primeira, que cuidava dos títulos, foi expressamente revogada pelo Decreto n° 2044, de 31/12/1908. Posteriormente, o Brasil, em 1930, aprovou a Lei Uniforme sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias. Porém, somente em 1966 o Brasil ratificou o referido tratado internacional, incorporando ao seu ordenamento jurídico a Lei Uniforme de Genebra sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias. A partir de janeiro daquele ano é que passamos a ter legislação internacional uniformizadora. O Código Comercial, a Lei Cambiária e a Lei Uniforme de Genebra foram os diplomas responsáveis pela criação da Teoria Geral dos Títulos de Crédito, no Brasil. Interessante registrar que a teoria geral foi criada sob a inspiração da letra de câmbio, porque, além de ser cambial por excelência, foi e continua sendo o título de maior complexidade e expressão internacional. O Direito Cambiário, hoje, no Brasil, está distribuído em legislação esparsa, sendo certo que cada título possui sua lei de regência. Os títulos apresentam características e requisitos de validade específicos; 9 A Teoria Geral dos Títulos de Crédito no Código Civil : perfeita conceituação de título de crédito : conceito construído à luz dos atributos clássicos daí a necessidade de consultar a legislação extravagante para a correta identificação de sua natureza jurídica. O Título VIII, do Livro I, da Parte Especial do Código Civil/2002, inserido no Direito das Obrigações, obedecendo o critério de unificação das obrigações, passou a regular o instituto dos Títulos de Crédito, isto é, a Teoria Geral dos Títulos de Crédito. A Teoria Geral dos Títulos de Crédito, no Código Civil, são preceitos amplos, aplicáveis subsidiariamente, porquanto os títulos, dadas as suas características peculiares, variáveis conforme a sua natureza jurídica, possuem legislação especial, como afirmou Fiúza: As normas relativas aos títulos de crédito constantes do novo Código Civil são regras gerais que estabelecem a disciplina da matéria, não revogando as diversas leis e convenções internacionais adotadas pelo Brasil que regulam esse assunto. A legislação brasileira anterior ao Código Civil de 2002 sobre títulos de crédito é específica para cada tipo de título. O novo Código Civil, nesta parte, também é inovador por conter normas gerais que definem os títulos de crédito e enunciam suas características básicas.2 Aqui o Código Civil merece críticas. Ora, evidentemente, se o legislador fez inserir a Teoria Geral dos Títulos de Crédito no Código Civil é porque a finalidade era emprestar normas gerais ao instituto, servindo de base ao seu estudo. Sucede que, no caso particular dos Títulos de Crédito, se, reconhecidamente, a matéria é especializada e que cada título tem natureza específica, com requisitos próprios e legislação especial, por óbvio que restará inaplicável ou pouco aplicável a Teoria Geral dos Títulos de Crédito, salvo a sua utilização subsidiária. 10 Forçoso é concluir que o legislador cochilou ao lançar a matéria no Código Civil. A letra da lei é natimorta, porque somente na omissão de lei especial é que o intérprete de utilizará da Teoria Geral, 2 FIÚZA, Ricardo. Novo Código Civil Brasileiro.A Teoria Geral dos Títulos de Crédito no Código Civil : perfeita conceituação de título de crédito : conceito construído à luz dos atributos clássicos como aponta o Art. 903. Salvo disposição diversa em lei especial, regem- se os títulos de crédito pelo disposto neste Código. 3. O Perfeito Conceito de Título de Crédito – Artigo 887 do Código Civil O art. 887 do Código Civil definiu O título de crédito, documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei. Reputamos tal conceito como de grande importância para o estudo do Direito Cambiário Brasileiro. O art. 887 é feliz na conceituação, porquanto conseguiu reunir, sem exceção, todos os atributos clássicos dos títulos de crédito, o que garantiu excelência na definição do instituto. Infere-se que no art. 887 estão presentes todas as características essenciais ou atributos clássicos dos títulos de crédito. Os traços especiais distinguem os títulos de crédito de todos e quaisquer outros títulos ou papéis, residindo no próprio conceito a natureza jurídica do instituto. São atributos clássicos e, portanto, comuns a todos e quaisquer títulos de crédito: cartularidade ou incorporação, literalidade, autonomia das obrigações cambiárias, formalismo e legalidade. Tais atributos ou características estão presentes em todos os títulos de crédito, independentemente de sua classificação. Os atributos da incorporação, literalidade e autonomia são reconhecidamente clássicos por toda a doutrina comercialista, no Brasil e no exterior. O art. 887 reuniu as referidas características quando afirma que título de crédito é documento necessário ao exercício do direito. Aqui indica o atributo da cartularidade ou incorporação, isto é, o direito de crédito incorpora-se no documento, na cártula; não há direito de crédito, 11 A Teoria Geral dos Títulos de Crédito no Código Civil : perfeita conceituação de título de crédito : conceito construído à luz dos atributos clássicos em sede de Direito Cambiário, se o crédito não estiver materializado ou incorporado no documento - que é o próprio título ou cártula. Com o título, o credor poderá exercer o seu direito de crédito, daí por que o legislador indicou o exercício do direito literal. Aqui reside o atributo da literalidade, ou seja, vale tudo aquilo que estiver lançado ou grafado no título; é a exata dimensão da obrigação cartular através do conteúdo indicado no título; nem mais e nem menos, mas exatamente aquilo que estiver lançado no corpo do título de crédito, o que garante a validade do título mesmo se posteriormente completado ou preenchido pelo portador, como previsto e autorizado pela Lei Cambiária Nacional e Lei Uniforme de Genebra. O direito contido no título é autônomo. Por isso é que o preceito legal dispõe que o crédito nele, título, contido é autônomo. Tal previsão garantiu a plena autonomia da obrigação cambiária, isto é3, os participantes da cadeia cambiária não podem se opor ao pagamento da obrigação ao credor, alegando direito pessoal ou exceções pessoais ao portador do título ou a outro coobrigado, salvo a ocorrência de má-fé, vício de forma da cártula ou, ainda, prescrição da ação cambiária;4 é a 12 3 Lei Cambiária Nacional – Decreto 2.044, de 31.12.1908: Art. 3º. Esses requisitos são considerados lançados ao tempo da emissão da letra. A prova em contrário será admitida no caso de má-fé do portador. Art. 4º. Presume-se mandato ao portador para inserir a data e o lugar do saque, na letra que não os contiver. Art. 39. O possuidor é considerado legítimo proprietário da letra ao portador e da letra endossada em branco. Lei Uniforme de Genebra – Decreto 57.663, de 24.01.1966: Art. 10 – Se uma letra incompleta no momento de ser passada tiver sido completada contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má-fé ou, adquirindo-a, tenha cometido uma falta grave. 4 Lei Cambiária Nacional – Decreto 2.044, de 31.12.1908: Art. 2º Não será letra de câmbio o escrito a que faltar qualquer dos requisitos acima enumerados. Art. 3º Esses requisitos são considerados lançados ao temo da emissão da letra. A prova em contrário será admitida no caso de má-fé do portador. Art.52. A ação cambial, contra o sacador, aceitante e respectivos avalistas, prescreve em 5 (cinco) anos. Art. 54, § 4º Não será nota promissória o escrito ao qual faltar qualquer dos requisitos acima enumerados. Os requisitos essenciais são considerados lançados ao tempo da A Teoria Geral dos Títulos de Crédito no Código Civil : perfeita conceituação de título de crédito : conceito construído à luz dos atributos clássicos consagração aos princípios da vinculação e solidariedade e da inoponibilidade das exceções pessoais. Com efeito, o título somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei. Aqui o legislador, em boa hora, reforçou os atributos do formalismo e legalidade ou tipicidade. O primeiro - formalismo, o título para surtir efeito como tal, obrigatoriamente, deve preencher os requisitos de validade, requisitos esses previstos na lei de regência de cada título, os quais emprestam natureza jurídica à cártula; a ausência dos requisitos implica descaracterização da qualidade de título de crédito, passando o documento a ser qualquer outro papel, menos título de crédito. 13 emissão da nota promissória. No caso de má-fé do portador, será admitida prova em contrário. Lei Uniforme de Genebra – Decreto 57.663, de 24.01.1966: Art. 2º - O escrito a que faltar algum dos requisitos indicados no artigo anterior não produzirá efeito como letra, salvo nos casos determinados nas alíneas seguintes: A letra em que se não indique a época do pagamento entende-se pagável à vista. Na falta de indicação especial, o lugar designado ao lado do nome do sacado considera- se como sendo o lugar do pagamento, e, ao mesmo tempo, o lugar do domicílio do sacado. A letra sem indicação do lugar onde foi passada considera-se como tendo-o sido no lugar designado, ao lado do nome do sacador. Art. 70 – Todas as ações contra o aceitante relativas a letras prescrevem em 3 (três) anos a contar do seu vencimento. As ações ao portador contra os endossantes e contra o sacador prescrevem num ano, a contar da data do protesto feito em tempo útil, ou da data do vencimento, se se trata de letra que contenha cláusula “sem despesas”. As ações dos endossantes uns contra os outros e contra o sacador prescrevem em 6 (seis) meses a contar do dia em que o endossante pagou a letra ou em que ele próprio foi acionado. Art. 71 – A interrupção da prescrição só produz efeito em relação à pessoa para quem a interrupção foi feita. Art. 76 – O título em que faltar algum dos requisitos indicados no artigo anterior não produzirá efeito como nota promissória, salvo nos casos determinados das alíneas seguintes: A nota promissória em que se não indique a época do pagamento será considerada à vista. Na falta de indicação especial, o lugar onde o título foi passado considera-se como sendo o lugar do pagamento e, ao mesmo tempo, o lugar do domicílio do subscritor da nota promissória. A nota promissória que não contenha indicação do lugar onde foi passada considera-se como tendo-o sido no lugar designado ao lado do nome do subscritor. A Teoria Geral dos Títulos de Crédito no Código Civil : perfeita conceituação de título de crédito: conceito construído à luz dos atributos clássicos Já o segundo – legalidade ou tipicidade - diz respeito ao surgimento e à criação, não material, mas jurídica/legislativa dos títulos de crédito; os títulos são emitidos por vontade das partes, porém, a rigor, a criação decorre de lei; os títulos de crédito são criados por lei e assim os requisitos de validade, essenciais ou não, estão previstos na lei de regência; a ausência dos requisitos essenciais, ao tempo da cobrança, permite ao devedor opor-se ao pagamento, por vício de forma, salvo se houver oportuno preenchimento. Outros atributos dos títulos de crédito, a exemplo da abstração e da independência, não são aplicáveis a todos os títulos, por conta da respectiva natureza jurídica da cártula. O atributo da abstração diz respeito a origem da cártula - faz surgir títulos causais e acausais, conforme a sua vinculação ou não à causa de dever, ao negócio subjacente, a relação jurídica material anterior à emissão do título. O atributo da abstração, no desdobramento do título acausal, revela-se como o grau maior da autonomia das obrigações cambiárias, porquanto o título é emitido sem qualquer vinculação à causa que lhe deu origem. O atributo da abstração é da essência dos títulos acausais. Por ele não se vincula o título à sua causa material, antecedente à criação ou emissão. Contudo, o atributo da abstração sofre decotamento quando se está diante de título causal. Nesta hipótese, investiga-se a causa material antecedente é o título somente poderá ser emitido e exigido se houver comprovada causa de dever. Já a independência desdobra-se em títulos dependentes e independentes de outro documento que lhe complete. A idéia da dependência reside no fato de que, para alguns títulos, exige-se prévia existência de outro documento que o complemente, de modo que possa garantir validade e eficácia à cártula. 14 A Teoria Geral dos Títulos de Crédito no Código Civil : perfeita conceituação de título de crédito : conceito construído à luz dos atributos clássicos Com o atributo da independência, o título somente terá validade e eficácia se restar completado por outro documento. A independência é atributo específico e de rara aplicabilidade no Direito Cambiário, porquanto poucos são os títulos que dependem de outro documento para o seu aperfeiçoamento. Tendo em vista a utilização relativa ou restrita da abstração e da independência, o legislador deixou de incluir tais atributos no conceito contemplado no art. 887 do Código Civil. O legislador prestigiou somente os atributos clássicos, isto é, aqueles aplicáveis a todo e qualquer título de crédito. A omissão justifica-se plenamente. Sendo o art. 887 de comando genérico, conceitual, jamais poderia o legislador contemplar atributos especiais, de utilização restrita, eis que, como dito, os atributos da abstração e da independência não são aplicáveis a todos os títulos de crédito. O conceito previsto no art. 887, embora sem correspondência anterior no ordenamento jurídico nacional, em verdade, é a incorporação da definição dada pelo ilustre professor italiano Cesare Vivante, aliás, responsável por influenciar os ordenamentos jurídicos europeus, no campo dos títulos de crédito. Já o art. 888, complementando a idéia sobre o conceito de título de crédito, aponta que A omissão de qualquer requisito legal, que tire ao escrito a sua validade como título de crédito, não implica a invalidade do negócio jurídico que lhe deu origem. O conteúdo do artigo revela-se inovador. Não há registro de tal tratamento na legislação esparsa que cuida dos títulos de crédito. Assim, é certo que a inviabilidade do documento como título garante ao portador o direito de reaver o seu crédito na via ordinária, com ampla discussão acerca do negócio jurídico que deu origem a emissão do título. 15 A Teoria Geral dos Títulos de Crédito no Código Civil : perfeita conceituação de título de crédito : conceito construído à luz dos atributos clássicos Como já mencionado nos articulados anteriores, quando cuidamos dos comentários ao art. 887, dissemos que o atributo clássico do formalismo exige que o título apresente requisitos essenciais e não essenciais de validade, de forma, como previsto na legislação de regência de cada um dos títulos, respeitando-se a natureza jurídica. Assim, cada título, não por livre vontade ou manifestação das partes, mas por determinação legal, obrigatoriamente, deve apresentar-se com os requisitos de validade, com os requisitos extrínsecos. A ausência dos requisitos essenciais implica descaracterização do documento como título de crédito, passando a cártula a ter a natureza de qualquer outro documento, menos letra, como afirma textualmente a Lei Cambiária Nacional ao tratar dos requisitos de validade da letra de câmbio e da nota promissória. A igual modo, a Lei Uniforme de Genebra, cuidando respectivamente da letra de câmbio e da nota promissória, também, expressamente, nega validade ao título em que faltar os requisitos essenciais.5 A Lei Uniforme de Genebra faz menção aos requisitos de validade essenciais, daí as exceções contempladas salvo nos casos determinados nas alíneas seguintes. As alíneas seguintes dizem respeito aos requisitos não essenciais. Já o art. 888 do CC/2002 definitivamente consagrou o melhor entendimento no sentido de que a falta de requisito de validade prejudica o título, retirando-lhe a característica da executividade, não sendo mais possível a sua cobrança, via processo de execução. A inovação contida no art. 888 reside no fato de que a ausência de requisitos, embora invalide o título de crédito, não implica invalidade do negócio jurídico que lhe deu origem. 16 5 Cf. nota de rodapé n. 142. A Teoria Geral dos Títulos de Crédito no Código Civil : perfeita conceituação de título de crédito : conceito construído à luz dos atributos clássicos Até a chegada do CC/2002 o assunto encontrava-se sem disciplinamento, posto que a previsão era específica quanto à invalidação da cártula, como título de crédito, porém silenciava-se no que tange ao negócio jurídico decorrente da relação material subjacente. Feliz a redação do art. 888 porque garantiu o atributo do formalismo. Emprestou segurança a relação jurídica entabulada entre as partes. Na hipótese de ausência de requisitos essenciais, de forma, de validade do título de crédito, nada impede que as partes resolvam a relação jurídica material, na via própria, através do processo de conhecimento, nos ritos ordinário ou sumário. O título que não preencher os requisitos de validade não se revestirá de executividade. Nesse caso, o portador do título, através do processo de execução, terá de provar a sua condição de credor. Esta via abre ao suposto devedor o direito de discutir amplamente a relação jurídica obrigacional, antes cambiária, agora comum. Tem-se, assim, em favor do suposto devedor a garantia constitucional do devido processo legal, com o contraditório e a ampla defesa, com os recursos dela decorrentes. 4. Conclusão A Teoria Geral dos Títulos de Crédito inserida no Código Civil contempla normas de caráter geral, aplicáveis apenas supletiva e subsidiariamente, quando for omissa a lei de regência do título de crédito. Na omissão ou lacuna da lei especial, de regência do título em espécie, autorizado estará o intérprete a utilizar-se das normas gerais previstas na Teoria Geral dos Títulos de Crédito. Do estudo realizado, resta evidente que a única inovação e contribuição efetivapara o aperfeiçoamento do Direito Cambiário, no Código Civil, no estudo da Teoria Geral, é a perfeita conceituação de título de crédito no art. 88. 17
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