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Anotações Helson Nunes da Silva DIR116 IED PRIVADO II Maurício Requião maurequiao@gmail.com (Professor) 2018.1 2 Anotações de Helson Nunes da Silva DIR116 – IED PRIVADO II 3 1. Fenômeno Jurídico 1.1. Considerações iniciais O quotidiano é cercado de fatos, mas nem todos são considerados fatos jurídicos, pelo simples motivo de não serem considerados relevantes para a sociedade, prescindindo assim de normatização pelo direito. A norma jurídica é que impõe o suporte fático (hipotético) necessário a transformar um fato da vida em fato jurídico. Assim, toda vez que um fato da vida encontra correspondência em um suporte fático hipotético, diz-se que a norma jurídica incide para transformar o suporte fático concreto em um fato jurídico. Um exemplo, em linhas gerais, seria o art. 121 do Código Penal: “Matar alguém.” O comando do artigo seria o suporte fático hipotético. A conduta de um agente de matar outrem na vida real seria o suporte fático concreto, que correspondendo ao disposto no suporte fático hipotético, faz incidir a norma jurídica, transformando a ação de matar em fato jurídico conhecido como homicídio. Somente quando um fato se torna um fato jurídico é que ele passa a ser objeto do direito, integrando então o plano da existência. Esse fato jurídico, em regra, está associado a um efeito jurídico do plano da eficácia. Contudo, em alguns casos, entre o plano da existência e o plano da eficácia, é necessário analisar o plano da validade, principalmente quando o fato envolve a vontade do agente. Assim, um fato pode existir e ser eficaz; pode existir e não ser válido, ainda assim produzir efeitos; pode existir, ser válido e não ser eficaz, etc. 1.2. Noções gerais. A convivência social evoluiu de tal forma que o pacto social firmado entre os cidadãos requer a interferência estatal para evitar o caos social, buscando-se uma coexistência harmônica entre os homens (manutenção da segurança e da ordem). Disso decorre “a imperiosa exigência da comunidade de estabelecer normas de conduta que tenham um caráter obrigatório em decorrência do qual a sua impositividade ao homem seja incondicional e independente da adesão das pessoas” (MELLO, 2017). Para tanto, O Estado se vale da coerção e coação. Justo por ser coercitivo é que o Direito não pode regular todos os fatos da vida. Assim, apenas quando “o fato interfere, direta ou indiretamente, no relacionamento inter-humano, afetando o equilíbrio de posição do homem diante dos outros homens,” (MELLO, 2017) é que ele passa a ser de interesse do Estado, erigindo-se à condição de um fato jurídico. Não que os demais fatos não possam ser sancionados, apenas não o serão pelo ente estatal, podendo haver sanção difusa pela sociedade. Os fatos jurídicos pressupõem a existência de uma norma jurídica que dê lhe fundamento no ordenamento. Não significa que deva existir necessariamente um “artigo de lei” para cada norma jurídica, “mas, sim, o conjunto de proposições que no seu todo, sistematicamente, constituam uma norma completa” (MELLO, 2017), com descrição de uma situação fática (suporte fático) e a prescrição de uma consequência (preceito). 4 Anotações de Helson Nunes da Silva A prevalência da legislação é típica dos sistemas de Civil Law, mas outras fontes, tais como a jurisprudência e os costumes – típicos de Common Law –, a doutrina, os negócios jurídicos e o poder normativo podem compor as normas jurídicas. Marcos de Mello assevera que “a integração das normas tem como pressuposto o sistema jurídico como um todo, não apenas a sua topologia nos textos legais. Assim, não importa que as normas jurídicas que se integram estejam colocadas em textos legais diferentes; o que importa, realmente, é que componham um mesmo sistema jurídico.”. 1.3. Sequência do fenômeno jurídico. Os pressupostos necessários para que um fato qualquer se torne um fato jurídico seguem, didaticamente falando, a seguinte sequência: i) Previsão normativa – uma norma (não necessariamente lei no sentido estrito) estabelece o suporte fático hipotético/abstrato, descrevendo as situações (fatos relevantes para a convivência humana) que o Direito quer regular; ii) Suporte fático concreto – quando um evento ou conduta da vida se enquadra no que está descrito na norma ocorre o suporte fático concreto (subsunção perfeita); iii) Incidência da norma – a norma jurídica, então, incide incondicionalmente, tendo por consequência a juridicização do evento ou conduta, gerando assim o fato jurídico (existência no mundo do direito). Sequência didática Suporte fático hipotético suporte fático concreto incidência da norma fato jurídico Plano da existência Plano da validade* Plano da eficácia. * Se houver necessidade de analisar se o fato jurídico é válido, nulo ou anulável. 1.4. Dimensões do fenômeno jurídico. O fenômeno jurídico se desenvolve em três dimensões: Dimensão política; Dimensão normativa; Dimensão sociológica; Dimensão política A comunidade jurídica valora os fatos da vida, decidindo para quais deles serão editadas normas que regularão as consequências no plano jurídico. A seleção é feita com base na sua relevância, considerada a interferência no relacionamento inter-humano. Quais condutas serão consideradas lícitas (permitidas) ou ilícitas (proibidas)? A decisão é política. Cumpre registar que essa decisão de tornar certos aspectos fáticos em fatos jurídicos afeta o mundo jurídico, mas não tem o condão de modificar a natureza original dos fatos (realidade). Assim, uma pessoa com 18 anos de idade antes ou após o Código Civil de 2002 será sempre uma pessoa com 18 anos, muito embora os efeitos jurídicos sejam distintos, já que após o Código de 2002, aos 18, terá atingido a maioridade. Igualmente, um negro no Brasil sempre foi e será um ser-humano, independentemente da época e mesmo no período colonial e do império, quando a norma jurídica dava ao negro tratamento de pessoa para algumas (poucas) situações e de objeto, para maioria delas. DIR116 – IED PRIVADO II 5 Importante Um mesmo fato pode ser suporte fático para várias normas. A troca de drogas por dinheiro se afigura em uma compra e venda nula para o direito civil, mas esse mesmo fato faz incidir a norma antidrogas, com consequências no direito penal. Dimensão normativa Essa dimensão tem caráter dogmático, onde a norma jurídica é vista como dogma em sua abstração lógica. Assim, o direito passa a ser tratado, apenas, em razão de seus comandos consubstanciados nas normas jurídicas na sua pura expressão normativa, despregadas do legislador. Dimensão sociológica Considera que as normas jurídicas só se realizam efetivamente quando existe a subordinação dos fatos da vida à norma jurídica que os previu e regulou. A dimensão sociológica trata da eficácia social da norma, avaliando se há descompasso entre a incidência e a aplicação. Exemplo: Há normas que caem em desuso, antes mesmo de serem revogadas, tal como a lei que tratava do adultério. Observação Há condutas que são universalmente ilícitas, a exemplo do homicídio, enquanto outras variam a depender da localidade, a exemplo do uso de maconha. 1.5. Norma vs. fato jurídico. O suporte fático é um dos elementos da norma, mas não é possível afirmar que exista uma relação de identidade entre eles. Isso porque a norma é composta pelo suporte fático e a correspondente consequência jurídica. Importante Norma = suporte fático + preceito Ressalte-se, que a norma não está disposta necessariamente em um único artigo de lei. Um bom exemplo é a norma que trata do cometimento de ato ilícito e suas consequências. Os art. 186 e 187 do Código Civilcuidam da prescrição do suporte fático hipotético. Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Já o art. 927 estabelece uma consequência (preceito). Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. 6 Anotações de Helson Nunes da Silva 1.6. O que justifica a norma jurídica ser obrigatória? A complexidade da estrutura lógica da norma jurídica tem provocado grandes discussões doutrinárias, que podem ser sintetizadas em duas grandes matrizes teóricas: Sancionista Não-sancionista Sancionista Capitaneada por Hans Kelsen em sua Teoria Pura do Direito, a corrente sancionista preconiza que uma norma, para ser considerada completa, deve possuir estrutura dúplice, constituída necessariamente por norma primária e norma secundária com a seguinte fórmula: Norma secundária: Se F (Suporte Fático), então deve ser P (Prestação), Norma primária: Se não P (Prestação), então deve ser S (Sanção). Em uma leitura simplificada1, se a norma não for cumprida haverá necessariamente uma sanção (Se não houver a prestação implica necessariamente uma sanção). Assim sendo, a norma seria obrigatória porque se ela for descumprida haverá uma sanção, sendo esta o elemento essencial caracterizador da norma jurídica. Não sancionista A corrente não sancionista teve por defensores os autores Larenz e Pontes de Miranda. Sustenta que a obrigatoriedade das normas jurídicas reside na sua incidência. Estando presentes as condições necessárias à incidência da norma, ela se torna inafastável e obrigatória, juridicizando a conduta praticada em fato jurídico, independentemente da existência de sanção. Importante A norma jurídica seria obrigatória pela inevitabilidade de sua incidência, diante do preenchimento das condições necessárias para tanto. Exemplo: Não há como uma pessoa entregar um produto a outra, recebendo em contrapartida dinheiro, sem que isso não seja considerado negócio jurídico de compra e venda. Questão de prova A estrutura normativa é objeto de sérios embates doutrinários. Dentre eles, encontra-se aquele firmado entre os chamados “sancionistas” e os “não sancionistas”. Explique e exponha estas teorias, de modo a diferenciá-las e evidenciar a estrutura normativa. Destaque, ainda, a importância da norma jurídica dentro da teoria do fato jurídico. Barema: Sancionistas. Estrutura normativa. Aspecto ideológico. Correntes. Não sancionistas. Estrutura normativa. Aspecto ideológico. Norma jurídica e fato jurídico 1 Recomendo leitura de (MELLO, 2017), pág. 72-75 para explicação mais detalhada. DIR116 – IED PRIVADO II 7 2. Suporte fático 2.1. Noções gerais Falar em suporte fático é fazer referência a algo (fato, evento ou conduta) que poderá ocorrer no mundo e que, por ter sido considerado relevante (decisão política), tornou-se objeto da normatividade jurídica. 2.2. Espécies A terminologia suporte fático deve ser entendida como gênero que se desmembra em duas espécies: i) suporte fático hipotético; ii) suporte fático concreto. Considera-se suporte fático hipotético ou abstrato um enunciado lógico que está descrito na norma como previsão normativa do que pode ocorrer no mundo dos fatos. Relembre-se que o suporte fático hipotético per si não é necessariamente a norma, pois existe ainda o preceito. Já o suporte fático concreto é definido pelo suporte fático materializado, ou seja, quando os fatos previstos como hipótese se tornam realidade no mundo fático. 2.3. Elementos O autor utiliza o nome elementos do suporte fático para apresentar diversas classificações (estrutura, fatores que podem compor o suporte fático). 2.3.1. Fatos da natureza e do animal O suporte fático pode ser fato decorrente da natureza ou de animais. Mas é importante ter em mente que: Devem necessariamente estar relacionado a alguém Exemplo: o O nascimento de um filhote de peixe em pleno mar (adéspota) não tem qualquer conteúdo jurídico (não constitui objeto do direito); o O nascimento de um filhote de peixe em um aquário tem caráter jurídico, porque este fato da natureza resulta uma consequência jurídica, qual seja a propriedade sobre o filhote. o Art. 936, CC: O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior. Tudo o que, na natureza, não possa ser atribuído ao homem ou lhe seja inacessível constitui objeto materialmente impossível e, portanto, não deve entrar nas cogitações do direito. o Evento de natureza – o caput do art. 393, CC traz o preceito, enquanto o parágrafo apresenta a previsão de caso fortuito. Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica- se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir. 8 Anotações de Helson Nunes da Silva 2.3.2. Atos Quanto aos atos humanos, de regra, interessam os que dão ao conhecimento das pessoas, havendo divisão, conforme a seguir: Ato jurídico lato sensu – ato humano concebido como manifestação de vontade intencional Ato-fato jurídico – ato humano considerado avolitivo, importando preponderantemente o resultado fático da conduta, abstraída a vontade do agente (vontade aqui não é essencial). Exemplos: o Tomada de posse, invenção, descoberta do tesouro, comissão. Para essas situações há uma consequência indiferente à circunstância de que alguém a tenha querido ou ainda da capacidade do agente (criança, louco, p.e). 2.3.3. Dados psíquicos A norma jurídica leva em consideração alguns dados íntimos, como o conhecimento ou não conhecimento de alguma circunstância, a intenção na prática e até os motivos de praticar certo ato, para considerar dados psíquicos como sendo algo que compõe o núcleo do suporte fático. Exemplo: A intenção de realizar negócio jurídico, bem como a consciência do negócio, integra o núcleo do suporte fático de negócios jurídicos. Agir de boa-fé é considerado um dado psíquico. O dado psíquico é importante porque ele é responsável por configurar se o ato foi doloso ou culposo. Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. 2.3.4. Estimações valorativas O Código Civil, em vários momentos, faz citações com expressões tais como “pessoas idôneas”, “bons costumes”, “imoralidade, moralidade”, “mulher honesta”. Essas estimações valoriativas, que se relacionam à idoneidade do tutor, a negligência e imprudência, a imoralidade e comportamentos atentatórios aos bons costumes requerem avaliação e se afiguram uma qualificação valorativa que entra na composição do suporte fático. Exemplo: Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes. 2.3.5. Probabilidades Não só acontecimentos concretos, mas também meras probabilidades podem compor o suporte fático. Exemplos: Lucros cessantes (art. 402, CC) – constituem probabilidade que a norma jurídica considera dado suficiente à indenização em decorrência de um ilícito. DIR116 – IED PRIVADO II 9 Direitos do nascituro (art. 2º. CC) – probabilidade de que haja nascimento com vida e a possibilidade de o feto vir a ser uma pessoa. Prole eventual (art. 1.799, I, CC) – admite-se a disposição testamentária em favor daprole eventual de pessoas existentes. Pretensão de segurança contra prejuízo eventual (art. 1.281, CC) – caso de iminente dano decorrente de obras que terceiro venha a realizar em prédio de um proprietário ou possuidor. 2.3.6. Fatos do mundo jurídico Reside na possibilidade de fatos jurídicos e efeitos jurídicos constituírem elementos de suporte fático. Exemplos de efeitos jurídicos como elemento de suporte fático: A mora (art. 394 c/c art. 389, CC) – compõe suporte fático da ressarcibilidade dos danos. A personalidade jurídica das sociedades (art. 45, CC) – é elemento completante do suporte fático dos negócios jurídicos que realiza. Exemplos de fatos jurídicos como elemento de suporte fático: Suporte fático de contratos tem como elementos nucleares dois fatos jurídicos (negócios jurídicos unilaterais): i) proposta (oferta); ii) aceitação. Art. 427 a 435, CC O pressuposto do crime de bigamia (art. 235, CPB) é o fato jurídico do casamento do bígamo. Se, em vez de casamento, há uma união estável, não se pode falar em bigamia. Atenção O fato jurídico, quando previsto como elemento de suporte fático, nele entra como fato jurídico, e não se dilui na massa dos fatos, para integrar suporte fático. 2.3.7. Passagem do tempo O tempo em si não pode ser fato jurídico porque é de outra dimensão, mas o seu transcurso integra com frequência suporte fáticos. Exemplos: Usucapião Prescrição Decadência Mora Maioridade e prazo para alteração de nome em cartório. 2.3.8. Elementos subjetivo e objetivo do suporte fático (não foi comentado em sala de aula) Elemento subjetivo Os fatos jurídicos pressupõem que exista uma referência a sujeitos do direito, pois a eficácia jurídica sempre diz respeito a eles. Assim, os fatos jurídicos são integrados, sempre, 10 Anotações de Helson Nunes da Silva por elemento subjetivo, mesmo quando não esteja explícito, caso em que deve ser pressuposto. Exemplo: Fato jurídico do direito tributário – qualificação obrigatória do contribuinte. Elemento objetivo Os bens da vida, em geral, podem integrar suportes fáticos, mas não é um algo obrigatório. Exemplo: No contrato de empréstimo a fungibilidade ou infungibilidade do bem que seja seu objeto integram como elementos completantes do núcleo o seu suporte fático, estabelecendo a diferença entre mútuo e comodato. Atenção Quando há no suporte fático, mesmo implícito, elemento objetivo, este integra o núcleo do suporte fático como elemento completante. 2.4. Elementos nucleares, complementares e integrativos Geralmente o suporte fático é complexo, composto por vários fatos. O suporte fático concreto pode ser composto por elementos nucleares, complementares e integrativos. Nem sempre um suporte fático possuirá elementos complementares e integrativos, mas necessariamente sempre haverá o elemento nuclear. Atenção Os elementos nucleares são de observação obrigatória, assim, na falta de algum desses elementos no suporte fático concreto, não haverá incidência, por conseguinte, não haverá fato jurídico. Os elementos complementares e integrativos são facultativos. 2.4.1. Elementos nucleares: cerne e completantes Há fatos que, por serem considerados pela norma jurídica essenciais à sua incidência, constituem-se nos elementos nucleares do suporte fático (núcleo). Cerne Os elementos nucleares que determinam a configuração final do suporte fático, fixando no tempo sua concreção, são considerados o cerne do suporte fático. Nem sempre o cerne estará expressamente mencionado, mas sempre se constituirá em dado fático fundamental, estando pressuposto em todas as normas que integram a ordem jurídica. Exemplos: No negócio jurídico, em que a manifestação de vontade consciente é o cerne do suporte fático, a sua ausência implica não existir o negócio, mesmo presente os demais elementos. A morte, quanto à sucessão; A vinculação do fato da natureza ou do animal à alguém, quanto aos fatos jurídicos stricto sensu; O dolo ou a culpa, no ilícito penal; DIR116 – IED PRIVADO II 11 Completantes Os elementos nucleares que completam o núcleo do suporte fático, tendo influência direta sobre a existência do fato jurídico, de modo que a sua falta não permite que se considerem os fatos concretizados suficientes à incidência da norma Exemplos: O mútuo é composto por acordo de vontades mais a entrega efetiva do objeto fungível (tradição) ao mutuário. O acordo de vontades é o cerne, e a entrega efetiva é elemento completante, sem o qual não há que se falar em mútuo. O bem que, existente ao momento da formalização do negócio, se perder antes da entrega efetiva (antes da tradição). O bem futuro que, ofertado em promessa de compra e venda, não vier a existir por quaisquer circunstâncias. O elemento subjetivo do suporte fático (o sujeito do direito) integra o núcleo como elemento completante. A forma do negócio jurídico constitui elemento que a lei considera essencial à sua própria existência. o Não existe testamente se elaborado na forma não prevista, a exemplo de vídeos, carta ou mensagem em redes sociais. Importante Se faltar um elemento nuclear, seja ele cerne ou completante, nunca existirá o fato jurídico, pois impedirá a incidência da norma. Crítica O professor Maurício Requião não vê utilidade prática na distinção entre elemento cerne e elemento completante, dentro do conceito de elemento nuclear. 2.4.2. Elementos complementares Há de se considerar, além dos elementos nucleares, outros elementos que o complementam (não completam), sendo chamados de elementos complementares. Por não integrarem o núcleo do suporte fático, apenas complementam, referindo-se, exclusivamente, à perfeição de seus elementos, em uma análise muito mais normativa. Relativos ao sujeito: Capacidade de agir (validade); o Adolescente de 14 anos celebrando contrato de compra e venda. O fato jurídico existe, pois possui sujeitos e vontade consciente, mas não será válido, pela falta de elemento complementar (capacidade de agir). Legitimação (poder ativo ou passivo de disposição) (eficácia); Perfeição da manifestação de vontade (não pode haver defeitos) o Ausência de erro, dolo, lesão, estado de perigo, simulação, fraude contra credores; Boa-fé e equidade, quando se tratar de negócios de consumo. Relativos ao objeto Licitude; Moralidade; Possibilidades físicas e jurídicas; Determinabilidade; 12 Anotações de Helson Nunes da Silva Relativos à forma de manifestação da vontade O atendimento à forma quando prescrita ou não defesa em lei. Atenção A forma do fato jurídico pode compor tanto como elemento nuclear completante, quanto complementar. Análise de exemplos: “A” vende um notebook, que pertence a “B”, para “C”. o Neste caso, não é eficaz para “B”, pois o fato jurídico é desprovido do elemento complementar de legitimação ativa (“A” não é proprietário), atuando na falta de eficácia. o Como o negócio existiu e estava válido, “A” estará inadimplente com “C”, devendo reparar-lhe os danos. 2.4.3. Elementos integrativos Nos negócios jurídicos, exclusivamente, enquanto os elementos nucleares (cerne e completantes) dizem respeito à sua existência, e os complementares, à sua validade ou eficácia, há espécies em que são necessários atos jurídicos praticados por terceiros, em geral autoridade pública, que o integram, mas apenas no plano da eficácia. Eles atuam no sentido de que se irradie certo efeito que se adiciona à eficácia normal do negócio jurídico. Assim, se o suporte fático hipotético prevê um elemento integrativo que não se concretiza, por hipótese, no momento da incidência da norma,diz-se que o fato jurídico existe, normalmente é valido e produz eficácia, mas não produz toda a eficácia que poderia alcançar. Exemplos: Eficácia real dos negócios jurídicos relativos à constituição, translação ou extinção de direitos reais sobre imóveis, inter vivos, depende do registro no Registro de Imóveis (art. 1.227, CC). o O registro cria, modifica ou extingue as relações jurídicas de direito real, atuando no direito de propriedade do imóvel. o Antes do registro, o negócio existe, é válido, produz toda a eficácia no plano obrigacional, mas não produz eficácia real da transmissão do direito de propriedade. Nota promissória – A transmite uma nota promissória a B. o O fato jurídico existe, é válido, é eficaz para A e B, pois houve uma cessão de crédito. o Ocorre que a cessão de crédito no CC, na parte de obrigações diz, em seu art. 288, que “É ineficaz, em relação a terceiros, a transmissão de um crédito, se não celebrar-se mediante instrumento público, ou instrumento particular revestido das solenidades do § 1º do art. 654”. o Dessa forma, sem o instrumento público, a cessão de créditos não terá eficácia quanto à modificação do credor de A para B. Se o devedor pagar a A, sua obrigação estará extinta, sem que B possa tomar qualquer providência em relação a ele. No direito tributário, o lançamento constitui elemento integrativo do suporte fático do fato jurídico tributário, pois a lei lhe confere a função de deflagrar sua eficácia final, qual seja a de atribuir exigibilidade ao crédito tributário. DIR116 – IED PRIVADO II 13 Atenção O registro de casamento religioso compõe elemento completante (núcleo) do suporte fático, por ser fundamental à existência do casamento para o direito. Assim, sem o registro o casamento é inexistente. 2.4.4. Consequências da ausência dos elementos completantes, complementares e integrativos. Os elementos completantes, juntamente ao cerne, constituem o próprio suporte fático do fato, de modo que é obrigatória sua total concreção no mundo para haver a incidência. Assim, são ditos elementos suficientes do suporte fático, sem os quais não haverá o fato jurídico. Os elementos complementares e integrativos se referem à eficiência de seus elementos, sendo pressupostos de validade ou eficácia do ato jurídico e nunca dizem respeito à sua existência. Questão de prova Os chamados elementos nucleares, complementares e integrativos do fato jurídico são fundamentais à compreensão da teoria do fato jurídico trabalhada por Marcos Bernardes de Mello. Explane tais elementos, identificando eventuais subdivisões e implicações a eles associadas. Barema: Elementos nucleares. Definição. Cerne e completante. Consequências: Insuficiência -> Inexistência do fato. Elementos complementares. Definição. Importância e aplicabilidade. Consequências: Deficiência -> Invalidade Elementos integrativos. Definição. Importância e aplicabilidade. Consequências: Eficácia. 2.4.5. Fato (real), suporte fático e fato jurídico. A diferença entre fato real e fato jurídico reside na juridicização ou não da norma. Se houver incidência, é fato jurídico, se não houver, diz-se ser apenas um fato real. A distinção que gera mais confusão é entre suporte fático e fato jurídico. O fato jurídico é um fato de mundo real, qualificado pela norma como sendo jurídico, por haver subjunção perfeita à uma descrição denominada de suporte fático. Exemplo: A morte é fato real, enquanto que a morte conhecida é suporte fático que faz incidir, p.e, a norma jurídica da sucessão. 2.5. Preceito Tudo que foi estudado sobre suporte fático, serve para os preceitos. O preceito, também denominado de disposição, constitui a parte da norma jurídica em que são prescritos os efeitos atribuídos aos fatos jurídicos. Assim, toda e qualquer consequência jurídica que se atribua a um fato jurídico constitui eficácia jurídica, objeto, portanto, de um preceito (MELLO, 2017). De mais importante, tem-se que na identificação do fato jurídico e na aplicação do correspondente preceito, não pode, nem deve, o intérprete limitar-se a ler e conhecer certo dispositivo legal, apenas, mas precisa conhecer tudo o que se refira ao fato considerado em sua classe, inclusive os princípios que o regem, se houver (MELLO, 2017). 14 Anotações de Helson Nunes da Silva Curiosidade Ponte de Miranda afirma que há, na escolha da eficácia jurídica, da parte do legislador, uma certa arbitrariedade. Por seu turno, Marcos Mello entende que há limites irremovíveis nesse processo: a) valores culturais da comunidade; b) valores absolutos da juridicidade (justiça, paz, verdade, ordem, segurança e bem comum; c) natureza das coisas (dignidade da pessoa humana) 3. Juridicização 3.1. Noções gerais Composto o seu suporte fático suficiente, a norma jurídica incidirá (efeito cogente), havendo assim a juridicização da norma. A incidência tem o condão de transformar em fato jurídico o suporte fático considerado relevante, fazendo-o ingressar no mundo jurídico. Atenção A incidência é cogente sempre que presente todos os pressupostos definidos na norma jurídica (suporte fático suficiente). Critica A incidência nem sempre vai operar para que algo entre no mundo jurídico. É uma definição que não abrange todos os efeitos da norma jurídica. Ela é insuficiente. Não abarca tudo que é possível. Seria melhor dizer que gera uma consequência juridicamente relevante. 3.2. Características 3.2.1. Incondicionalidade Não há opção quanto à incidência da norma, pois ela não está vinculada ao desejo dos sujeitos envolvidos na relação. Assim, verificados se os pressupostos estão presentes, de forma, obrigatória, haverá a incidência. Atenção O processo de incidência independe de vontade dos sujeitos afetados pelo fato, pois se ocorre a simples concreção do suporte fático suficiente, a incidência é infalível e sua veracidade não necessita ser comprovada, fisicamente, em face da impossibilidade de ser percebida por nossos sentidos. A incidência torna a norma jurídica obrigatória. Exemplo: A entrega de um produto, tendo por contrapartida um valor financeiro, sempre fará incidir a norma de “compra e venda”. Existe incondicionalidade na norma não cogente? A norma cogente tem preceitos obrigatórios, não dando qualquer margem de negociação para a vontade das partes. A ideia de incondicionalidade fica muito clara. Já para a norma não cogente, fica a dúvida sobre a incondicionalidade. Mas é cediço que existe a incidência da norma, mas de modo diverso. Na disciplina Contratos há um assunto chamado “Evicção”: “A” aliena um bem a “B”, mas “C” prova que o bem na verdade era dele. Então “B” perde o bem para “C”. O código traz uma garantia para “B”, dando possibilidade de obter indenização. DIR116 – IED PRIVADO II 15 Art. 447. Nos contratos onerosos, o alienante responde pela evicção. Subsiste esta garantia ainda que a aquisição se tenha realizado em hasta pública. Art. 448. Podem as partes, por cláusula expressa, reforçar, diminuir ou excluir a responsabilidade pela evicção. O art. 448 dá margem de atuação das partes. Mas em verdade, mesmo uma norma não cogente está abrangida pelo conceito de incondicionalidade da norma, pois o que acontece é que a norma é mais ampla, dando margem à incidência de formas diversas, ainda que pré-determinadas. Importante Nem sempre é fácil identificar quais são as normas cogentes e não cogentes em determinada lei. 3.2.2. Inesgotabilidade Significa que o fato de ocorrer a incidência não gera nenhum impedimento de a norma incidir novamente. Algumas normas regulamentam situações que vão acontecer esporadicamente ou talvez apenas uma vez. Assim, por mais que a norma permaneça lá vigente, se nãoocorrer o suporte fático concreto, não haverá incidência, o que não se confunde nem prejudica o conceito de inesgotabilidade. Exemplo: Art. 19, ADCT, CF Art. 19 - Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37 da Constituição, são considerados estáveis no serviço público. 3.3. Pressupostos 3.3.1. Vigência da norma jurídica A norma judicia somente pode incidir após entrar em vigência. Não basta que a norma exista no ordenamento jurídico. Além disso, ela deve estar apta (vigente) a produzir os seus efeitos específicos. Assim, durante a vacatio legis, mesmo que se concretizem os fatos previstos em seu suporte fático hipotético, não haverá incidência da norma. Atenção É possível que uma norma jurídica deixe de existir sem ter sido vigente, sem que isso implique qualquer contradição. Exemplo: Revogação de norma que estava em vacatio legis. 16 Anotações de Helson Nunes da Silva Diferença entre norma existente e norma vigente O que distingue a norma simplesmente existente da norma jurídica vigente é, exatamente, a possibilidade de ser eficaz, que quer dizer, a possibilidade de incidir sobre seus pressupostos fáticos quando concretizados, subordinando-os ao sentido que lhes impõe (MELLO, 2017). Importante A norma que se refira a um único caso, cuja eficácia se esgota à ocorrência de seu suporte fático, mesmo que não seja expressamente revogada, não poderá ser considerada vigente. O não poder incidir a exclui dentre as normas vigentes do sistema jurídico. (MELLO, 2017) 3.3.2. Concreção do Suporte fático A incidência da norma jurídica exige que todos os elementos nucleares que constituem seu suporte fático se tenham materializado. É dizer, exige-se que o suporte fático seja suficiente. Se os elementos nucleares estão presentes, ainda que faltem complementares e integrativos, há condições para a concreção do suporte fático, considerado assim suficiente. Há certos dados que, embora não explícitos, constituem pressupostos de suficiência de alguns suportes fáticos, tais como: capacidade jurídica, personalidade de direitos, consciência da vontade manifesta, o não ser proibido o objeto. Se o suporte fático é insuficiente, significa que faltou algum elemento nuclear. Não há concreção, não há incidência. Se faltarem elementos complementares ou integrativos, fala-se em suporte fático DEFICIENTE. O fato existe, mas há uma deficiência pela falta de ao menos um dos elementos complementares ou integrativos. Resumo Presentes os dois pressupostos ocorrerá a incidência: i) Norma existente no ordenamento jurídico e apta a produzir efeitos (vigência) e ii) concretização de forma suficiente dos elementos do suporte fático previstos na hipótese normativa. Fato e realidade Somente fato cuja ocorrência seja da ciência de alguém ou que seja possível de prova pode ser considerado concretizado para os fins de incidência das normas jurídicas. É possível, diante dessa exigência, haver uma incompatibilidade entre a realidade e a concreção do suporte fático, desde que o fato, mesmo acontecido, não poderá ser tratado como integrante de suporte fático concreto, por não ser de conhecimento de alguém. Exemplo: A morte (realidade ocorrida) deve ser conhecida. Ficção e presunção jurídica Visando minimizar as incertezas de certas situações, o sistema jurídico lança mão de soluções que nem sempre representam a realidade fática, mas que satisfazem a necessidade de segurança jurídica. Assim, existirá a incidência da norma sem a concreção efetiva do fato nas seguintes hipóteses: DIR116 – IED PRIVADO II 17 Presunção Ficção A ficção jurídica atribui certo sentido ao fato jurídico em caráter absoluto, não se permitindo prova em contrário ao seu sentido. Ela independe da realidade, mas ao direito é necessário para regular algumas situações. Exemplo de ficção: LINDB – A ninguém é dado o direito de não conhecer a lei. Gera uma ficção de que todo mundo é conhecedor da lei, e que o desconhecimento não é algo arguível. Mesmo que você desconheça a lei, será tratado como se conhecesse. A presunção jurídica pressupõe que o fato jurídico ocorreu efetivamente, com maior grau de probabilidade de ter acontecido (iuris et de iure) ou menor grau (iuris tantum) de credibilidade, admitindo-se prova em contrário. Exemplo de presunção: A pessoa que quita uma dívida tem direito a um comprovante de pagamento. Se ela não apresentar a quitação, pressupõe que não pagou, mas pode provar o contrário. No caso de pagamento de várias parcelas, a quitação da última pressupõe o pagamento das parcelas anteriores, mas se admite prova em contrário. Atenção O sistema admite a prova da realidade em contrário à presunção, que, no entanto, não pode ser elidida por meros indícios, mas, sempre, por meio de prova irrefutável. A presunção absoluta requer meio probatório bem complexo para desfazê-la. 3.4. Consequências 3.4.1. Juridicização Considerada a consequência mais comum e fundamental da incidência da norma, por transformar o suporte fático em fato jurídico (fatos jurídicos jurígenos). Apesar de a juridicização ser a consequência típica, há fatos jurídicos cuja eficácia é diferente, não se destinando a originar relações jurídicas, mas a produzir consequências outras: 3.4.2. Pré-exclusão da juridicização Normas jurídicas cuja incidência cria fato jurídico que tem a finalidade de impedir a juridicização do suporte fático de determinadas normas. Exemplo: A incidência do art. 188, CC pré-exclui e impede a juridicidade do art. 186. Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito Art. 188. Não constituem atos ilícitos: I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido; 18 Anotações de Helson Nunes da Silva II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente. Normas excludentes de ilicitude do direito penal – art. 23, CP. 3.4.3. Invalidação Essas normas não excluem nem atingem a existência do fato jurídico em si, mas alcançam a sua validade, tornando deficiente o seu suporte fático. Assim, o fato jurídico existe, porém é nulo ou anulável. São divididas em duas espécies: Normas nulificantes – incidem no plano da validade para tornar nulos atos jurídicos Normas anulantes – incidem para criar fatos jurídicos, como o erro, o dolo, a coação, a fraude contra credores, o estado de perigo e a lesão, que constituem causas de anulação de atos jurídicos lato sensu. 3.4.4. Deseficacização Há normas jurídicas cuja incidência cria fato jurídico que tem o efeito de desfazer a eficácia que outro fato jurídico já produziu no mundo jurídico, sem contudo, alcançá-lo em sua existência ou validade. Atenção Atuam somente no plano da eficácia. Exemplos: Prescrição, decadência, preclusão, etc. incidem para criar atos-fatos jurídicos que têm eficácia deseficacizante. 3.4.5. Desjuridicização Normas jurídicas de cuja incidência resulta tornar negócio jurídico passível de ser desjuridicizado, sendo excluído do mundo jurídico e levado de volta apenas ao mundo fático. A lógica é inversa à da juridicização. Exemplos: Revogação, rescisão, resolução stricto sensu, resilição, denúncia. A norma do distrato tem efeito desjuridicizante. Abolitio Criminis 4. Os Planos do MundoJurídico 4.1. Noções gerais O objetivo desse semestre é trabalhar com os planos da existência, da validade e da eficácia. Plano da existência Elementos nucleares (cerne e completantes) (obrigatório) Plano da validade Elementos complementares (não obrigatório) Plano da eficácia Elementos complementares / integrativos (não obrigatório). DIR116 – IED PRIVADO II 19 Importante A análise da validade só ocorre em relação a fatos jurídicos que possuem em seu cerne a vontade. Combinações possíveis Fato existe, é valido e é eficaz. o Contrato de compra e venda firmado por pessoas capazes e sem vícios. Fato existe, é válido e não produz eficácia. o Testamento de pessoa capaz, elaborado dentro das formalidades legais, antes da ocorrência da morte. Fato existe, é inválido e é ineficaz. o Contrato de compra e venda firmado por menor de 16 anos (incapaz) Fato existe, é inválido, mas produz efeitos. o Excepcionalmente essa invalidade pode ser avaliada pelo grau de invalidade. o Se o fato é nulo não produz efeitos, em regra. o Mas há uma situação que pode. O casamento putativo, antes da decretação da anulibilidade. Impedimentos para o casamento. Um deles é justamente um dos nubentes já ser casado. O segundo casamento deve ser nulo. Se um dos nubentes tiver de boa-fé, mesmo o casamento sendo nulo, para proteger a família e quem está de boa-fé, mantém-se a condição de casamento. Situações sem validade, então o fato existe e é eficaz. o Nascimento com vida, dano causado a bem alheio Não há impedimento de ter fato existente, sem eficácia. o O Código Civil espanhol estabelece que o ser humano adquire a personalidade se nascer com a forma humana e sobreviva durante 24h. Atenção O elemento existência se mantém sempre invariável, em todas as combinações possíveis, sendo a base de que dependem os outros elementos. Atenção Há necessidade de fazer distinção entre plano da validade e plano da eficácia? Existência, validade e eficácia são três situações distintas porque podem passar os fatos jurídicos, portanto, não podem ser tratados como se fossem iguais. Não dá para falar somente em validade, pois há fatos jurídicos que não passam pelo controle do plano da validade e possuem eficácia. Além, disso, vimos acima que há atos válidos que podem ter eficácia ou não. 4.2. Plano da existência Ao sofrer a incidência de norma jurídica, a parte relevante do suporte fático é transportada para o mundo jurídico, ingressando no plano da existência (plano do ser). Ele abrange todos os fatos jurídicos, sejam lícitos ou ilícitos. 20 Anotações de Helson Nunes da Silva 4.3. Plano da validade Se o fato jurídico existe e é daqueles em que a vontade humana constitui elemento nuclear do suporte fático (ato jurídico stricto sensu e negócio jurídico) há de passar pelo plano da validade, onde o direito fará a triagem entre o que é perfeito (não possui vício invalidante) e o que está eivado de defeito invalidante. A nulidade ou anulabilidade são graus da invalidade, prendendo-se à deficiência de elementos complementares do suporte fático relacionados ao sujeito, ao objeto ou à forma do ato jurídico. Exemplo: Falta de capacidade civil na vontade negocial torna deficiente o suporte fático. 4.4. Plano da eficácia É a parte do mundo jurídico, onde os fatos jurídicos produzem os seus efeitos, criando as situações jurídicas, as relações jurídicas, com todo o seus conteúdo eficacial representado pelos direitos/deveres, pretensões/obrigações, ações/exceções ou os extinguindo-o. No plano da eficácia são admitidos e podem produzir efeitos todos os fatos jurídicos lato sensu, inclusive os anuláveis e os ilícitos; os nulos, quando a lei, expressamente, lher atribui algum efeito. 5. Classificação dos fatos jurídicos Segundo definição de Pontes de Miranda, fato jurídico é o fato ou complexo de fatos sobre o qual incidiu a regra jurídica, e para o qual poderá emanar eficácia jurídica. Muitos são os critérios adotados para classificá-los (segundo os efeitos, natureza dos fatos, critério de Teixeira de Freitas, etc.), mas o critério adotado para a disciplina leva em consideração o elemento cerne do suporte fático, que se torna também o elemento caracterizador da espécie do fato jurídico. A partir da orientação metodológica de Pontes de Miranda, identificam-se por elementos nucleares (cerne) diferenciais: i) Conformidade ou não conformidade do fato jurídico com o direito; ii) Presença, ou não, de ato volitivo no suporte fático tal como descrito hipoteticamente na norma jurídica. Conformidade ou contrariedade a direito Os fatos que se concretizam exatamente em conformidade com as prescrições jurídicas, realizando afirmativamente a ordem jurídica são fato em conformidade a direito – lícitos. Os fatos cuja concreção representa a violação das normas jurídicas, implicando sua negação, são os fatos contrários a direito - ilícitos. Importante O critério conformidade é útil para a classificação dos fatos jurídicos lato sensu. DIR116 – IED PRIVADO II 21 Elemento volitivo cerne do suporte fático A classificação das espécies tem ainda um dado que as distingue definitivamente: a presença, ou não, de conduta humana volitiva como base do suporte fático. Sob esse aspecto, constata-se que há fatos jurídicos diferenciados da seguinte forma: a) Fatos da natureza ou do animal, que prescindem de ato humano para existir – fatos jurídicos stricto sensu (lícitos ou ilícitos). b) Fatos que dependem de conduta humana, mas esta não é considerada cerne do suporte fático – atos-fatos jurídicos (lícitos ou ilícitos). c) Fatos que dependem de conduta humana e esta é considerada cerne do suporte fático – atos jurídicos lato sensu (lícitos ou ilícitos), que podem se dividir em ato jurídico stricto sensu e negócios jurídicos. Classificação dos fatos jurídicos (Marcos de Mello) 22 Anotações de Helson Nunes da Silva 5.1. Fato jurídico (lato sensu) É o fato que integra o mundo do direito, após ter havido a juridicização do suporte fático suficiente, abrangendo todas as espécies possíveis. Esse fato pode ser conforme a direito ou contrário a direito, sendo essa classificação determinante para estabelecer se um fato é lícito ou ilícito. Parece evidente que não há diferença ontológica entre o lícito e o ilícito, uma vez que ambos são jurídicos, porque, e somente porque, recebem a incidência juridicizante de uma norma jurídica, integrando o ordenamento. Atenção É um equívoco achar que os ilícitos não integram o mundo do direito No que diz respeito aos fatos jurídicos lícitos, conforme visto no critério do elemento volitivo do cerne acima, podem ser divididos em: i) Fato jurídico stricto sensu ii) Ato-fato jurídico iii) Ato jurídico lato sensu. Os fatos ilícitos serão trabalhados mais à frente. 5.2. Fato jurídico stricto sensu Todo fato jurídico em que, na composição do seu suporte fático, entram apenas fatos da natureza ou do animal, independentes de ato humano como dado essencial. Atenção O critério para classificação se baseia na presença ou não de ato humano como elemento necessário para a composição do suporte fático suficiente. Se não houver a conduta humana como requisito (cerne) do suporte fático para sua ocorrência será chamado de fato jurídico stricto sensu. Exemplos: Passagem do tempo Eventos naturais o Produção de frutos, o Confusão, aluvião, alusão, formação de ilha. o O nascimento e a morte; Atenção A morte não deixa de ser evento da natureza se provocada por ato humano. Do mesmo modo, o nascimento não perde a sua característica de fato natural porque houve um ato que lhe deu origem. Eventosde animais 5.3. Ato-fato jurídico Pressupõe que a situação de fato prevista do suporte fático somente pode se materializar como resultante de uma conduta humana, abstraído qualquer elemento volitivo que possa existir em sua origem. É dizer, existe a conduta humana no suporte fático, mas não importa se houve, ou não, vontade em praticá-lo, pois a norma jurídica recebe como avolitivo. DIR116 – IED PRIVADO II 23 Atenção Pode existir ato de vontade, o que não pode é essa vontade compor o cerne do suporte fático (por manifestação ou declaração de vontade). Exemplos: Uma criança que pega um livro que foi descartado no lixo. Caça, pesca, comistão, a descoberta do tesouro, a semeadura, a ocupação, o abandono de bem móvel, a tomada de posse, a tradição de posse, o abandono da posse. Inação das pessoas em exercer certos direitos durante determinado tempo o Decadência, prescrição, preclusão. Importante Não haver vontade no cerne do suporte fático implica que o ato-fato nunca irá alcançar o plano da validade. Deu exemplo a partir de 5’50 sobre o pagamento. Bem interessante. Até 7’ Outro exemplo a partir de 7:20 até 15:33h. Os principais doutrinadores pensam que a resposta é ato-fato. Espécies 5.3.1. Atos reais Atos humanos de que resultam circunstâncias fáticas, geralmente irremovíveis. O fato resultante é que importa para a configuração do fato jurídico, não o ato humano como elemento volitivo (maioria dos atos-fatos). Atenção Não se tem em conta a vontade em praticar o ato, mas, simplesmente, toma-se o resultado, que é dado fático com lugar no mundo e que, por isso mesmo, não pode ser ignorado. Exemplos: Criança incapaz que encontra o tesouro no quinta adquire a propriedade, independentemente de ter querido, ou não, encontrá-lo. O louco que pinta o quadro adquire a propriedade. 5.3.2. Atos-fatos indenizativos Ocorre quando um ato humano (lícito) decorre prejuízo a terceiro, com dever de indenizar. Exemplo: Art. 188, II c/c Art. 929 e 930, CC – prevê indenização pelo simples fato de que danos são indenizáveis, independentemente de serem fatos ilícitos. 5.3.3. Atos-fatos caducificantes Fatos jurídicos, cujo efeito consiste na extinção de determinado direito e, por consequência, da pretensão, da ação e da exceção dele decorrentes. Exemplos: Caducidade, prescrição e preclusão. 24 Anotações de Helson Nunes da Silva Atenção Sendo ato-fato jurídico, tem no suporte fático uma conduta humana (não no cerne), qual seja a inação (negativa), somada com a passagem do tempo. 5.4. Ato jurídico lato sensu Denomina-se ato jurídico o fato jurídico cujo suporte fático prevê em seu cerne uma exteriorização consciente de vontade (manifestação ou declaração unilateral), que tenha por objeto obter um resultado juridicamente protegido ou não proibido e possível. Atenção Se houver necessidade de analisar a validade de um fato jurídico, sempre terá que ser ato jurídico stricto sensu ou negócio jurídico, pois a validade está ligada à vontade no cerne que implica ato jurídico lato sensu. Elementos essenciais à caracterização: Ato humano volitivo – conduta juridicamente relevante, com exteriorização de vontade que esteja prevista no suporte fático de norma. Atenção O elemento volitivo da conduta deve ser conhecido das pessoas. A vontade que permanece interna (reserva mental) não serve à composição de suporte fático do ato jurídico. A exteriorização de vontade, ainda que com reserva mental em sentido contrário, vincula, salvo se a pessoa com que se está celebrando o ato tenha conhecimento da reserva mental do primeiro. Art. 110, CC: A manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento. Um cliente passa numa banca da feira, pega uma fruta e deixa o dinheiro. O vendedor fica em silêncio, configurando a compra e venda. Importante A vontade exteriorizada toma forma em simples manifestações ou declarações mais estritas. Importante A declaração de vontade é mais explícita, por isso mais requerida pelas normas. . Não é possível existir o casamento sem o “Sim” com a declaração de vontade. . Não é possível fazer um testamento por manifestação de vontade. . Art. 111, CC. O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa. No que foi exteriorizado, importa mais a intenção da manifestação, do que o mero sentido literal do que foi exteriorizado. Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem. Atenção A exigência de especificação da forma de manifestação em legislação integra o elemento completante do núcleo do suporte fático. DIR116 – IED PRIVADO II 25 --- Anotações de Maria Antônia (com adaptações) --- Outra coisa que o professor chamou atenção foi para um ditado popular equivocado no direito, que diz que quem cala consente. Mas, como aqui estamos trabalhando com a ideia de que a vontade tem que ser exteriorizada, o silêncio, em regra, não significa consentimento. O silêncio, em regra, não tem valor jurídico. Ele só terá valor jurídico, quando houver alguma norma afirmando isso. Exemplo: o Art. 11. O silencio só terá conteúdo jurídico, quando pela prática, se autorize que ele tenha sentido de concordância e quando a lei não exigir a declaração expressa. Por isso que no casamento, o sujeito não pode ficar em silencio para dizer que aceita se casar, pois a lei exige a exteriorização da vontade expressa. Em outras situações, o próprio CC já traz uma configuração que se a pessoa ficar em silêncio significa um aceite. Exemplo: o Art. 303. Exigência de uma obrigação, sendo que um terceiro assume a dívida do devedor. Aqui, o silêncio terá reflexo no conteúdo, ou seja, se em 30 dias ele não se manifestar, o silencia implicará o assentimento. Importante Notem que o normal é que o silencio não vai implicar em anuência, mas em algumas situações, em que se tem uma permissão legal, o silêncio implica concordância. Consciência da vontade – a pessoa manifesta ou declara vontade de realizar a conduta juridicamente relevante, devendo saber que o está fazendo com aquele sentido próprio, ou seja, devendo saber qual o efeito jurídico da vontade. Exemplo: o Pessoa que entra em um leilão, e, sem saber do regulamento, levanta a mão para cumprimentar um amigo que o viu à distância. Neste caso, não há que se falar em exteriorização de vontade, pois ela não foi consciente. o A pessoa que abandona o livro no lixo, sem saber que havia dinheiro lá dentro. O livro foi abandonado, mas o dinheiro não. Quem achar tem o dever de devolver. Importante A inconsciência não se confunde com o problema do erro na manifestação de vontade. A inconsciência implica inexistência da vontade (ato inexistente), enquanto no erro, há vontade, porém defeituosa (ato anulável). Resultado deve ser protegido ou, pelo menos, não proibido e possível. O ato jurídico deve ter um objeto, e este deve ser lícito, possível, determinado ou determinável. Esse elemento guarda relevância nos negócios jurídicos, por dar possibilidade de regulações. O ato jurídico stricto sensu é mais amarrado. Aspectos a considerar: o A falta de objeto faz nenhum o ato jurídico. Ato não sério, feito por brincadeira, o ato didático e o ato aparente. Ato praticado por simulação absoluta, quando inocente, pois é aparente, mentiroso. A atmosfera, o sol, a estrela Veja, “o poder legislativo” 26 Anotações de Helson Nunes da Silva o Objeto ilícito – levam como consequência,em regra, a invalidade. o Objeto impossível Deve ser originária, se jurídica, e deve se referir ao objeto do ato jurídico em si e não ao objeto da prestação. Exemplos: o Compra e venda da lua (objeto impossível). o Negócio jurídico sobre a ressurreição das pessoas (objeto impossível). o “Quero que me venda duas...” (objeto indeterminado e indeterminável). Importância em avaliar o ato volitivo O professor fez um questionamento interessante: No ato de pagamento de uma dívida, é importante que a pessoa queira pagar (volitivo) ou basta que ela esteja pagando (avolitivo)? Vejamos as implicações: Considerar que a vontade do sujeito pagar é cerne do suporte fático implica dizer que o pagamento é um ato jurídico. Por outro lado, considerar que pouco importa a vontade do sujeito em pagar, resulta classificar o fato jurídico como ato-fato jurídico. E essa classificação, tem reflexos importantes para o direito. Vejamos. “A” deve R$ 1.000,00 a “B” e a “C”, sendo que as duas dívidas já estão vencidas, o que implica que tanto “B” quando “C” teriam o direito de cobrar a “A”. “A”, que só dispunha de R$ 1.000,00, resolveu que iria pagar (querer volitivo) a “B”, mas, por equivoco, transferiu o valor para “C”. “A” pode pegar de volta o dinheiro que transferiu para “C”? Se a reposta for “SIM”, implica dizer que a vontade compõe o cerne do suporte fático, sendo então um ato jurídico. Se a resposta for “NÃO”, implica dizer que a conduta foi avolitiva, pouco importando a vontade para a composição do suporte fático (importa o resultado), sendo então um ato-fato jurídico. Atenção Os principais doutrinadores pensam que a resposta é ato-fato jurídico. Distinção entre ato jurídico stricto sensu e negócio jurídico. A principal distinção guarda relação com a modulação dos efeitos dentro dos limites da lei (o autorregramento). Atos jurídicos mistos É possível existir condutas que ao mesmo tempo integram um ato jurídico stricto sensu e um negócio jurídico, ao que Marcos Mello chama de atos mistos. Exemplo: o “A” empresta um objeto, mas não estabelece quando “B” deverá devolver. “A” precisa, então, fazer uma interpelação “devolva-me” (ato jurídico) para colocar “B” em mora. Mas se fizer a interpelação estabelecendo o prazo para devolução, estará colocando-o em mora (ato) e determinando o prazo (negócio). Ato e negócio se complementam. o Credor que tem direito de escolha dentre as prestações A, B ou C, comunica ao devedor que escolheu a B (ato jurídico stricto sensu comunicativo), mas lhe concede oportunidade de, dentro de certo prazo, fazer outra prestação a sua escolha (negócio jurídico). DIR116 – IED PRIVADO II 27 Atos jurídicos de direito públicos Exceto os de natureza normativa (leis e decretos, por exemplo), os atos praticados no plano do direito público são classificáveis na categoria de ato jurídico lato sensu. O professor Requião citou que normalmente são atos jurídicos stricto sensu. Exemplos: Direito Administrativo - A nomeação de servidor aprovado em concurso público é um ato jurídico stricto sensu. Processual – a elaboração de uma petição inicial ou de sentença é um negócio jurídico. Processual – O juiz quando recebe a inicial e ordena a citação do réu, pratica ato processual classificável como ato jurídico stricto sensu.. Atos complexos e atos compostos São atos jurídicos de direito público para cuja realização se exige a prática de vários atos e deliberações que lhes são condicionantes. Complexos – sucessão de atos praticados por órgãos integrantes de um mesmo Poder do Estado ou entidade administrativa autônoma; Exemplo: o Edital de concurso público, elaboração, aplicação de provas, etc. tudo pelo mesmo ente. Compostos – atos e deliberações praticados por órgãos de Poderes ou entidades diversos. Exemplo: o Nomeação do Ministro do STF, pois depende da indicação do chefe do executivo e da aprovação do legislativo. o Preenchimento de vaga de desembargador por advogados, pois a decisão final é do chefe do executivo, dentre a lista tríplice que lhe é entregue. Espécies O ato jurídico lato sensu se divide em duas espécies, conforme a possibilidade ou não dos sujeitos do direito modularem efeitos ao ato. Ato jurídico stricto sensu – sem modulação dos efeitos do ato, que já são preestabelecidos e inalteráveis pela vontade dos interessados. Negócio jurídico – com possibilidade de modulação dos efeitos do ato, pela outorga de liberdade às pessoas para, dentro de certos limites, autorregrar os seus interesses, permitindo a escolha de categorias jurídicas, de acordo com suas conveniências e possibilitando a estruturação do conteúdo eficacial das relações jurídicas. 5.4.1. Ato jurídico stricto sensu No ato não negocial, a vontade manifestada pelas pessoas apenas se limita à função de compor o suporte fático de certa categoria jurídica, sendo que o resultado é previamente estabelecido pelas normas jurídicas respectivas, sendo invariáveis e inexcluíveis pelo querer dos interessados. 28 Anotações de Helson Nunes da Silva Atenção A vontade não tem escolha da categoria jurídica, razão pela qual, a sua manifestação apenas produz efeitos necessários, ou seja, preestabelecidos pelas normas jurídicas respectivas INALTERÁVEIS pela vontade e INVARIÁVEIS. Exemplos: Adoção de crianças – os pais não podem modelar os efeitos da adoção. Estabelecimento de residência com ânimo definitivo. A pessoa não pode modular os efeitos, querendo que a residência com ânimo definitivo não seja seu domicílio. Reconhecimento da filiação (paternidade ou maternidade) não resultante de casamento; Perdão, quitação, interpelação para constituir o devedor em mora, escolha de prestações alternativas, confissão, interrupção de prescrição (manifestação de vontade). Comunicação de escolha da prestação, a permissão para sublocar; Prévio aviso a vizinho que irá utilizar seu prédio temporariamente quando for indispensável à construção ou reforma da sua casa. Atenção Não há poder de escolha de categoria jurídica nem possibilidade de estruturar o conteúdo da relação jurídica. Classificação (não discutidos em sala de aula) -> ESTUDAR OS EXEMPLOS. Por Pontes de Miranda, classificam-se em: Reclamativos – reclamações ou provocações, tais como as interpelações para constituir o devedor em mora. Comunicativos Enunciativos Mandamentais Compósitos – não basta a exteriorização de vontade em si, pois necessitam de outras circunstâncias para se completarem. Na fixação de domicílio, é necessário efetivamente fixar a residência, com ânimo definitivo, não apenas a vontade de fixar. o Constituição de domicílio (estabelecimento de residência + ânimo definitivo) o Gestão de negócio (vontade de gerir negócio alheio + efetiva gestão). 5.4.2. Negócio jurídico Noções gerais No ato negocial, além da vontade manifestada ou declarada conscientemente pelas pessoas ser elemento nuclear do suporte fático, o direito reconhece, dentro de certos limites, o poder de regular (ou modelar) a amplitude, o surgimento, a permanência e a intensidade dos efeitos que constituam o conteúdo eficacial das relações jurídicas que nascem do ato. Casamento – os nubentes podem definir o regime de casamento, modulando, assim, seus os efeitos. Contrato – liberdade de estruturar o conteúdo de eficácia da relação jurídica resultante. Negócio jurídico é a espécie de fato jurídico mais importante para o direito civil, de modo que ele reservou o Título I do Livro III inteiro para tratar do negócio jurídico. DIR116 – IED PRIVADO II 29 Não por menos, o conceito de negócio jurídico foi construído sob a inspiração liberal, cuja característica mais notável consistia na preservação daliberdade individual diante do Estado. Assim, a doutrina passou a ver no negócio jurídico um ato de autonomia da vontade, também dita autonomia privada, de onde deriva o termo dogma da vontade. Importante O elemento essencial é o autorregramento da vontade que consiste na modulação das consequências ou efeitos do negócio jurídico. Há necessidade de distinção entre as espécies de ato jurídico? Não há unanimidade entre os doutrinadores da necessidade de se distinguir as espécies de atos jurídicos lato sensu, mas apenas uma minoria recusa a ideia. Para esta minoria: i) não haveria um traço distintivo capaz diferenciar, em qualquer situação, ato jurídico stricto sensu e negócio jurídico; ii) a distinção não teria utilidade prática. Para a doutrina majoritária, que considera importante a distinção, os argumentos são: A disciplina jurídica do negócio jurídico não é de tudo aplicável ao ato jurídico stricto sensu, como afirmam os críticos da distinção. Além disso, é incorreto aplicar analogia para estender as normas específicas dos negócios jurídicos aos atos jurídicos stricto sensu. Tanto negócios jurídicos quanto atos jurídicos stricto sensu podem ter como exteriorização de vontade a manifestação ou a declaração, não sendo este o traço distintivo. Fato é que a doutrina majoritária adota a distinção, por considerar que alguns fatos jurídicos são específicos e só têm funcionalidade se pensarmos em negócio jurídico. Exemplo: Mesmo o contrato de adesão é negócio jurídico, pois toda a confecção do documento de adesão foi pensada como um negócio. As máquinas que vendem produtos sem intervenção de vendedor. Alguns autores argumentam que os negócios jurídicos criam normas individuais, elaboradas pelas vontades das partes. Esse entendimento não prospera na opinião de Maurício Requião e de Marcos de Mello. O efeito do contrato é consequência (OUVIR. PEGAR AUDIO 13.03.2018. Parte 2 COM LAURA OU SERENA). Não dá para falar em norma jurídica individual, pois a vontade negocial só tem poderes de escolha dentro dos limites traçados pelo ordenamento jurídico, não sendo, portanto, livre e muito menos absoluta. A partir de tal concepção, Marcos de Mello que mesmo os contratos de adesão, o contrato-tipo, etc. são negócios jurídicos. Outros autores falam em contrato negócios jurídicos e outros contratos que não são. Apenas para contemplar a situação de contratos praticados por incapazes. Atos existenciais. Classificações de negócios jurídicos Marcos de Mello apenas aborda as classificações que têm significado e influência na própria existência do negócio, sua validade, eficácia ou efetividade no plano da existência. Unilaterais x Bilaterais x Plurilaterais Quantidade de exteriorizações de vontade e o sentido delas (convergem ou divergem?) 30 Anotações de Helson Nunes da Silva Unilaterais – são aqueles negócios jurídicos que necessitam de apenas uma exteriorização de vontade. Exemplos: o Promessa de recompensa para quem encontrar um objeto perdido; o Elaboração de testamento; o Renúncia de uma herança pelo herdeiro juridicamente capaz. o A, B e C conjuntamente criam uma fundação. Bilaterais – necessitam de duas exteriorizações de vontades de dois pólos distintos, que são opostos e complementares (concordantes e coincidentes) sobre o mesmo objeto. Exemplos: o Contrato – duas exteriorizações opostas e complementares. o A, B e C permutam o imóvel I1 pelo imóvel I2 com D e E. Plurilaterais – Envolvem mais de uma exteriorização de vontade emanadas de mais de duas posições diferentes, mas que não são opostas, convergindo sobre o mesmo objeto. Atenção Pode inclusive ter duas e não ser bilateral. Aqui, as vontades devem convergir para o mesmo objeto. Exemplo: o Diversos sócios manifestando vontade para criar sociedade, associação. Causais e abstratos Causais A ideia de causa está associada ao fim prático que se obtém como decorrência de um negócio jurídico. Não está necessariamente vinculada a uma contraprestação, mas deve ter algo juridicamente previsto que justifique a realização do negócio. Ela não se confunde com a ideia do motivo, pois este não integra, em regra, o negócio jurídico. Motivações como “preciso de dinheiro” não estão associados a causas jurídicas. O motivo é irrelevante para o negócio jurídico. Ele só terá relevância se for declarado, pois é exceção. “Quero comprar um cavalo para reprodução”, mas o cavalo é estéril. Aí faz diferença. O motivo, em regra, não tornará o negócio nulo, a exemplo de “Comprar uma faca para assassinar alguém, ou para usar como utensílio na cozinha”. Tipos usuais de causas: o Causa solvendi – adimplemento de obrigações. o Causa credendi – constituição de um crédito, em contrapartida de uma obrigação. o Causa donandi – inserir bem da vida no patrimônio de outrem. DIR116 – IED PRIVADO II 31 Abstratos Em algumas situações, ao firmar um negócio jurídico, após sua celebração, a causa se tornará irrelevante: São as situações de negócios jurídicos abstratos, em que haverá uma desvinculação entre o negócio jurídico e a causa. Exemplo: o “A” passa cheque para “B”. Se “B” for ao banco descontar o valor, o caixa não irá perguntar qual a finalidade do cheque. É concebido para facilitar a circulação dos valores. No negócio jurídico abstrato não haverá nenhuma relevância a causa que originou. O importante é a exigibilidade. Emitir um título é sempre um negócio jurídico – abstrato. Emitir uma promissória é abstrato, pois pouco importa a causa. Atenção Não pode buscar a invalidade de um negócio jurídico abstrato na causa. Inter vivos ou mortis causa (prof. só disse que era autoexplicativo) Diz-se mortis causa o negócio jurídico cuja eficácia depende da morte (compondo o seu suporte fático). Exemplo: o Testamento, em que a morte deflagra os efeitos do negócio (mortis causa). o Morte do donatário, quando o doador sobrevive (não é mortis causa). O negócio inter vivos não depende do elemento morte para ter eficácia. Consensuais e reais Reais – além da vontade consciente, dependem da presença de um ato-fato representado pela TRADIÇÃO como elemento nuclear, juntamente com o consenso. Exemplos: o Mútuo – exige-se a entrega do dinheiro (tradição) ao mutuário. o Doação de pequeno valor; o Comodato Art. 579. O comodato é o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis. Perfaz-se com a tradição do objeto. o Acordo de transmissão de propriedade de bem móvel. o Contrato de depósito o Constituição de penhor Atenção Nos negócios reais, se os figurantes pactuam sem efetivar a tradição, diz-se que há uma promessa ou negócio jurídico preliminar, o que enseja indenização por perdas e danos pelo descumprimento. Consensuais – além da vontade consciente, perfazem pelo consenso entre os sujeitos, sem necessidade de tradição do bem. Exemplos: o A compra e venda 32 Anotações de Helson Nunes da Silva Art. 481. Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro. o Doação Em regra é um contrato solene (por escrito) Art. 541. A doação far-se-á por escritura pública ou instrumento particular. Parágrafo único. A doação verbal será válida, se, versando sobre bens móveis e de pequeno valor, se lhe seguir incontinenti a tradição. o Locação o Mandato Solenes e não solenes Todo negócio jurídico tem uma forma. A classificação define apenas se ela é mais ou menos solene. Solene – sujeitos a uma forma especial prescrita em lei. o Casamento (forma como elemento completante existência) o Testamento (forma como elemento completante – existência) o Pactos antenupciais (formacomo elemento complementar – validade) o Adoções (forma como elemento complementar – validade) o Fiança, seguro. Atenção No geral, ela é elemento complementar, implicando questões de validade. Em alguns casos, a forma é incluída como elemento completante do núcleo do suporte fático. Sua inobservância implica a própria inexistência do negócio jurídico. Não solene – liberdade de escolha da forma mais convenientes aos sujeitos – vigora o princípio liberdade da forma. Onerosos e gratuitos Onerosos – geram vantagens patrimoniais para ambos os figurantes do negócio jurídico, a exemplo da compra e venda. Gratuito ou benéfico – implica vantagem patrimonial para apenas um dos sujeitos. Importância – o código tende a dar tratamento diferenciado para os negócios jurídicos onerosos e gratuitos. Há autores que falam em negócio jurídico BIFRONTE, qual seja aquele que pode ser oneroso ou gratuito, a exemplo do mútuo. Ex. Devolver o mesmo valor ou devolver com juros? Outros falam em negócios jurídicos NEUTROS. O pacto de gestação por substituição (barriga de aluguel). Já que a vantagem deve ser avaliada no viés patrimonial. Principais e acessórios Principal – existência independentemente de qualquer negócio jurídico. DIR116 – IED PRIVADO II 33 Acessório – existência vinculada a de um negócio jurídico principal, seguindo o mesmo destino do principal. Exemplo: o Fiança Derivado – contratos que têm a mesma natureza do contrato principal e também será afetado pelo contrato principal. Exemplo: o A loca um imóvel para B. B subloca para C, D e E. A sublocação é derivado. o A subempreitada também é um contrato principal. Típico e atípicos Típicos ou nominados – têm tipo previsto e regulado em lei (nominados). Exemplos: o Compra e venda o Doação o Mandato o Locação Atenção Havendo um tipo negocial definido no seu conteúdo, cogentemente, não é possível aos figurantes modificá-lo para furtar-se à incidência legal. Atípicos ou inominados – não têm tipo previsto ou regulado em lei São imprescindíveis à liberdade de contratação, já que a área contratual é o campo onde vigora o poder de autorregramento da vontade (escolha da categoria jurídica e conteúdo eficacial que melhor atenda aos seus interesses). Curiosidade Se o negócio jurídico atípico for utilizado de forma muito frequentes, provavelmente ele será regulamentado, para evitar os conflitos. Exemplos: o Moderno contrato de leasing é um contrato de locação somado a uma promessa de venda. o Built to suit – construído para se adequar. Uma pessoa tem certo imóvel e outra tem interesse em locá-lo. Mas o built to suit permite que o locatário exija a construção ou reforma para atender a seus interesses. Com o tempo, na lei do inquilinato, houve necessidade de regulamentar para deixar claro que não podia se aplicar as mesmas regras no contrato de locação usual. 5.5. Fatos ilícitos 5.5.1. Noções gerais O fato ilícito faz parte do direito. É um equívoco achar que a ilicitude está excluída do direito, pois a própria valoração axiológica está dentro do universo jurídico. O professor discorda com o autor Marcos de Mello quanto a classificar os ilícitos fora da categoria dos atos. Para Requião, a prática da ilicitude está abrangida pelos atos. Além disso, não concorda em colocar um evento natural como ato ilícito, já que a ilicitude é um juízo negativo de conduta. Assim, seria inadequado falar de fato jurídico stricto sensu como ilícito, já que sua ocorrência está associada a uma conduta. 34 Anotações de Helson Nunes da Silva Para ocorrer ilícito ... (pressupostos) O fato jurídico deve ser CONTRÁRIO A DIREITO. Deve-se observar a IMPUTABILIDADE (possibilidade de responsabilizar alguém). Nesse ponto, Requião alerta que não é certo considerar que a ausência de imputabilidade implica a descaracterização do ilícito. Por exemplo, o menor de idade sofre sanções no direito penal, mesmo não sendo considerado imputável. 5.5.2. Classificação quanto à relação prévia: Ilícito relativo – para ocorrer depende de existência de relação prévia. o Exemplo: descumprimento de contrato. Se o sujeito não faz parte do contrato, não tem como descumpri-lo. Ilícito absoluto – não requer relação prévia. Regulamentação do ilícito: O código regulamenta o ilícito em basicamente dois artigos. Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. O ilícito civil está muito mais preocupado com a consequência que a intenção. O objetivo do direito civil é reparar o prejuízo que determinada pessoa sofreu por uma prática de um ato ilícito. Não significa que o grau de culpa não será importante para o direito civil. Mas a regra é observar as consequências, para fixar a indenização. Omissão voluntária tem que ter antes o dever de agir. Ex. do policial. Ainda exclusivamente moral é reflexo de o código ter sido gestado a partir de 1969. O dano moral teve muita resistência. A CF88 traz a ideia de dano moral. Há outro tipo de ilícito que é o ABUSO DE DIREITO. Abuso de direito Previsto no art. 187, CC, tem uma configuração diversa daquele previsto no art. 186. Pois parte de algo que é autorizado pelo regulamento. No art. 186, as condutas são de pronto repudiadas pelo ordenamento (inadequação). No abuso de direito, o ponto de partida não é ilegal. O problema é o modo excessivo como o sujeito exerce esse direito, extrapolando o limite do razoável. Se o sujeito tivesse agido dentro do esperado, não haveria abuso de direito. Exemplo: Desconsideração da personalidade jurídica Gentlificação – processo urbano em que algumas pessoas compram imóveis de determinada área, deixando sem uso, o que faz sucatear a região, para depois fazer melhorias e maximizar os ganhos na venda. DIR116 – IED PRIVADO II 35 Enunciado da Jornada de Direito Civil nº 37 A responsabilidade civil decorrente do abuso de direito independe de culpa e fundamenta-se no critério objetivo-finalístico. A doutrina majoritária entende que a caracterização do abuso de direito prescinde da análise da culpabilidade, devendo se ater na finalidade e em eventual desvio dessa finalidade. Para Leonardo Vieira, entretanto, a subjetividade é importante para a caracterização do abuso de direito. 5.5.3. Categorias e efeitos É muito comum se vincular o efeito do ato ilícito ao dever de indenizar. Este é uma das possibilidades (ato ilícito indenizativo, que é o mais comum). Além deles, há mais três categorias: Indenizante – produz como eficácia o dever de indenizar (que compreende ainda o dever de ressarcimento). Caducificante - A prática de um ato ilícito pode implicar a perda de um direito. O castigo imoderado por parte dos pais, configura ilícito, que tem por consequência a perda do poder familiar. O menor poderia requerer indenização aos pais. Invalidante – a lógica é que se algo é considerado como inválido é porque de alguma forma aquilo é repudiado, logo é ilícito. O ato invalidante engloba tanto a nulidade quanto a anulabilidade. Autorizante – São os ilícitos cujo efeito consiste na autorização, facultada pelo sistema, ao ofendido, para praticar, ou não, a seu critério, determinado ato, normalmente contra quem o prejudicou. Na doação, existe a possibilidade de revogação. Essa revogação pode se dar de duas formas: a) doação com encargos (tem que fazer algo para receber a doação). A revogação se daria pelo descumprimento dos encargos.
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