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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE DIREITO HISTÓRIA DO DIREITO PROF. DALVA CARMEM TONATO Aluno: Breno Capeletto de Freitas 2015/1 Diurno O Direito na História: Lições Preliminares – José Reinaldo de Lima Lopes Capítulo 10 – As Fontes: Constituição e Codificação no Brasil do Século XIX Ainda que de forma não muito espontânea, algumas medidas modernas, como a abertura dos portos brasileiros (1808) e a criação do Reino Unido do Brasil (1815) foram feitas. A Revolução do Porto (1820) acelerou o processo pela independência, já que os deputados brasileiros eleitos logo se tornaram ativos no processo de autonomia nacional. O liberalismo, não o confundindo com democracia, foi um elemento-chave no discurso dos brasileiros. Inspirou uma carta de direito incorporada à Constituição do Império do Brasil, envolvendo-se nos temas da autonomia nacional. Por medo de instabilidade a democracia radical foi rejeitada. O liberalismo da independência foi uma luta contra o sistema colonial, contra os monopólios e os estancos. O partido dos brasileiros abriga tanto monarquistas quanto republicanos, confundidos inicialmente sob a bandeira da autonomia. Não se pode ignorar que na ausência de partidos organizados pública e democraticamente, são as sociedades mais ou menos secretas que abrigam as lideranças políticas. Neste ponto encontra-se a maçonaria. Isso impossibilitava ampliar o debate e configurar um espaço público democrático universal, formando um lugar adequado para o reformismo elitista. Proclamada a Independência, a luta liberal se desenvolveu contra o regalismo de D. Pedro I, pela liberdade de oposição, contra a centralização nacional desenvolvida por José Bonifácio, e pelo federalismo, demonstrando a disputa entre as oligarquias locais. O Brasil atravessa a primeira metade do século XIX dividido por conflitos e tentativas de secessão, muito especialmente o período da regência. A estabilidade da centralização monárquica adiou reformas importantes. As mais graves tensões no âmbito jurídico se deram em torno dos poderes das províncias, do poder moderador, da organização judiciária, da escravidão e da demarcação de terras devolutas. Inicialmente tudo isso foi feito por uma geração de letrados formandos em grande parte em Coimbra (no Primeiro Reinado). A primeira tarefa dos legisladores (dos quais provém a nossa cultura jurídica) foi dotar o país de um quadro legal e institucional, reformando as instituições do Antigo Regime, incorporando declarações de direito e formando os quadros do Estado. Na primeira metade do século XIX, os exemplos mais importantes foram o Código Criminal (1830) e o de Processo Criminal (1832). Enquanto não se alterava a legislação, a Assembleia Constituinte pela lei de 20 de outubro de 1823 mandou aplicar as leis e os regimentos de Portugal editadas até 1821, entre elas as Ordenações Filipinas. 1. A Constituição A Independência tem lugar junto com o processo desencadeado em Portugal com a Revolução do Porto (1820) e no Brasil com a revolução pernambucana de 1817, a qual foi fortemente repreendida pelo seu tom republicano e autonomista. Os exemplos de revoluções bem-sucedidas eram o americano, com uma experiência nova de federalismo, e o francês, mais instável. Os Estados Unidos introduziram em sua carta de direitos o Estado laico, algo inaceitável ao clero brasileiro acostumado com o regime de padroado (patrocínio oficial do rei), além de ser parte importante da elite letrada. D. Pedro, em 1822, convoca um Conselho de Procurados Gerais das Províncias para examinar projetos de reformas administrativas e propor planos de maior urgência e vantagem para o Brasil. Deste Conselho sai a proposta de convocação da constituinte. Em 1823, é outorgada a Carta Constitucional e, em 1824, jurada pelo Imperador. Foi criticada por não determinar o território do império, pondo em risco a independência (pois poderia facilmente reunir Brasil e Portugal); pela contradição do imperador ao jurar preservar a integridade do Brasil e, ao mesmo tempo, poder ceder ou trocar o território do império; pelo seu caráter centralizador ao retirar das Províncias o poder de legislar sobre seus interesses; pelo Poder Moderador; e pelo senado vitalício. No Poder Moderador, o sistema brasileiro delegara ao imperador uma representação não eleitoral uma representação não eleitoral dos interesses gerais e permanentes do todo (a nação) e não das partes (os partidos). Esse poder incluía interferências no legislativo, provia cargos públicos, concedia ou negava o beneplácito, resolvia impasses do partidarismo ou do interesse particular e, por fim, isentava o imperador de qualquer responsabilidade. Tudo isso, somado a limitação dos eleitores e as eleições indiretas, desagradou algumas correntes liberais que sobreviveram à crise da Regência. Os Conselhos do Jurados (júris populares) eram formados apenas por eleitores e tendiam a reproduzir em suas sentenças os mesmos constrangimentos sociais e autoritarismo que se viam em toda a parte. Para ser um eleitor (ou seja, escolher os deputados), era preciso ter uma renda de duzentos mil reis, ser livre de nascimento e não estar pronunciado criminalmente. Exceto os escravos, todos os brasileiros gozavam da cidadania passiva com as garantias da carta de direitos do art. 179 da Constituição. 2. O Código Criminal Promulgado em dezembro de 1830, o Código Criminal procurava revogar o livro V das Ordenações. Alguns princípios gerais da política penal já estavam definidos no art. 179, no geral amenizando as penas excessivamente cruéis do livro. Tamanha crueldade resultada, em muitos casos, em impunidade, visto que a lei excessivamente rigorosa provocava nos juízes um desejo de mitigá-la. Foi precedido por um esboço apresentado por José Clemente Pereira e elaborado por Bernardo Pereira de Vasconcelos, inspirado no código austríaco de 1803. Houve grandes debates em torno da pena de morte, alguns argumentos sustentados pelo catolicismo, outros na utilidade pública, ambos contrários à pena. A partir de 1855, D. Pedro II comutou todas as penas de morte. Foi o primeiro código penal da América Latina e veio a ser traduzido para o francês como exemplar do novo direito penal a ser desenvolvido em nações civilizadas. Só foi revogado com o código de 1890 (republicano). Serviu como modelo para o Código penal espanhol de 1848. O Título I trata de forma abstrata os crimes, o criminoso e as circunstâncias. A satisfação (indenização) das vítimas também é abordada no Código. O Título II define as penas (prisão, morte, desterro, banimento, privação de direito políticos, multas, prisão com trabalhos). Aos juízes de paz também competia dar os termos de bem viver e zelar para que não houvesse vadios nas suas respectivas jurisdições. Os crimes dividiam-se em públicos e privados, conforme a vítima. Os públicos eram os crimes contra a existência do império, contra o livre exercício dos poderes e direitos políticos, contra a segurança interna, entre outros. Os particulares eram os delitos contra a liberdade individual, contra a segurança individual e contra a propriedade. Uma última parte definia os crimes policiais, isto é, contra normas de polícia administrativa, tais como as posturas sanitárias das cidades e províncias. Embora o empenho em dar ao país um Código liberal, mantiveram-se as desigualdades. Escravos ainda eram açoitados, crimes contra a mulher adúltera continuavam justificáveis. Justificava-se com o argumento de que não haveria punição “em defesa da própria pessoa, ou de seus direitos”, incluindo liberdade, honra, vida e fortuna pessoais.Era proibida a prática de feitiçarias, e manteve-se como crime policial celebrar cultos de outra religião que não a católica (do Estado) ou algo que ofendesse seus princípios. A aplicação ficava na competência do Conselho de Jurados (tribunal do júri), de modo que se reproduziu o pensamento e a moralidade dos jurados, em geral patriarcalistas e conservadores. As mesmas condições para o voto se aplicavam para ser um jurado. 3. O Código do Processo Criminal Foi a grande vitória legislativa dos liberais, logo após a abdicação de D. Pedro I. Promulgado em 1832, altera substancialmente o direito brasileiro. Põe fim, praticamente, ao sistema judicial antigo, introduzindo novidades, muitas vindas da Inglaterra, como o habeas- corpus e o Conselho de Jurados (tribunal do júri). A investigação criminal das Ordenações Filipinas, de tom inquisitorial, desparece e é substituída por um juizado de instrução, contraditório, sob a direção de um juiz de paz, leigo e eleito. É dividido em duas partes. A primeira parte reorganiza a justiça criminal. Remove: as ouvidorias de comarca, juízes de fora, juízes ordinários e qualquer jurisdição que não fosse a do Senado, do Supremo Tribunal de Justiça, das Relações, dos juízes militares e eclesiástica. Passa a contar basicamente com: juízes de direito, municipais, de paz, promotores de justiça e jurados; em grau de recurso, havia a Juntas de Paz ou as Relações. Há também uma previsão sobre os escrivães e oficiais de justiça. Os Juízes de Direito eram vitalícios e nomeados pelo Imperador, presidindo o Conselho dos Jurados e substituíam os juízes de fora. Os Juízes Municipais eram nomeados por três anos pelos presidentes das Províncias e poderiam substituir os juízes de direito, exercendo, dentro da Comarca, a “jurisdição policial”, além de executarem as sentenças. As Juntas de Paz eram compostas por cinco juízes de paz. Juízes de Paz tinham funções de polícia, atuando nos crimes contra as posturas municipais, e investigativa, como juízes de instrução. O cargo se renovava a cada ano. Os promotores públicos também eram nomeados pelos presidentes das Províncias por três anos. A segunda parte dispunha sobre o processo em geral (audiências, queixas, denuncias, citações, provas, interrogatórios etc.), o qual poderia ser sumário ou ordinário. O sumário era competência do juiz de paz, como na instrução de queixas. O ordinário era competência do Conselho de Jurados, tanto na denúncia quanto no julgamento. A queixa (da vítima) ou a denúncia (do promotor) fazia-se ou ao juiz de paz, ou ao Supremo, Relações e Câmaras legislativas nos casos de sua jurisdição originária constitucional. O juiz de paz, após a instrução, julgava o caso se fosse de sua alçada, ou remetia ao juiz de direito. Dadas tantas atribuições ao juiz de paz eleito, o Código favorecia nitidamente as intenções descentralizadoras dos liberais. Era também um ataque à elite judicial que se vinha formando na Corte e em todo o Brasil, visto que os magistrados, além de advogados, foram sempre um grupo importante na política imperial. Na onda do Regresso, como resultado das ações dos conservadores, reforma-se o Código com a aprovação da Lei de 3 de dezembro de 1841. As atribuições dos juízes de paz foram esvaziadas. Um dos argumentos era que de, pelo seu caráter de eleição, muitas vezes representavam um partido, não obedecendo, quando oposto ao governo vigente, seus editos. A reforma foi centralizadora e policializante. O Imperador passava a nomear o chefe de polícia da Corte, o qual assumia as funções dos juízes de paz, não apenas fazendo o inquérito como também as sentenças de pronúncia de certos crimes. Em 1871, houve outra reforma com o Novo Código de Processo Criminal, que criou o inquérito policial. A nomeação de juízes municipais e promotores passou a ser feita diretamente pelo Imperador, sem oitiva das Câmaras; os primeiros serviriam por quatro anos, os segundos pelo tempo que conviesse. Adendo: na forma de um pedido de “graça especial”, o recurso de revista existia originalmente nas Ordenações Filipinas. Não era uma apelação, mas um pedido ao rei para que fosse reexaminada a causa por falsidade de provas ou por peita do juiz. Era uma regalia (privilégio do rei) e era usada como instrumento de controle. 4. Código Comercial Em 1850, aprova-se o Código Comercial, de influências liberais e utilitaristas. Colocou fim a muita coisa que existia em função da Ordenações. Acompanhou também as reformas em outras áreas, como a Lei de Terras e a Lei Eusébio de Queirós, que poria fim ao tráfico. Os capitais liberados disso poderiam ser investidos em outras áreas, conceder crédito em com garantia hipotecária e organizar-se em sociedades. Serviu em parte de direito privado comum enquanto não surgir o Código Civil. Divide-se em três partes: (1) do comércio em geral; (2) do comércio marítimo; (3) das quebras. Na primeira parte, trata da qualidade de comerciante (ainda se fala de direito comercial como um direito especial de profissionais do comércio), dos banqueiros; em seguida trata de contratos mercantis, regras de interpretação e disposições gerais. Ali se encontram resumidas disposições para interpretar acordos e muita outra coisa. A sociedade anônima ou companhia ainda depende de autorização governamental para ser estabelecida, justamente porque dissemina um capital de risco. Aos mesmo tempo, a separação de patrimônio entre sociedade e sócios, que a anônima permitia, era exceção, e não regra. O Regulamento nº 737, de 1850, previa prisão civil por endividamento. Muito cedo alterou-se também a disciplina dos juros, os quais eram proibidos nas Ordenações. Aceitavam-se em alguns casos, especialmente quando havia indenização por pactos, promessas ou contratos não cumpridos. Era também lícito cobrar juros em contratos de câmbio, sendo aplicável, em caso de dúvida, o direito canônico. No entanto, por lei de 24 de outubro de 1832, foi autorizada toda a cobrança de juros desde que convencionados e provados por escrito. Segundo Cândido Mendes, o Brasil foi a primeira nação civilizada a aceitar integralmente a doutrina utilitarista de Bentham a favor da usura. 5. Regulamento nº 737, de 1850 – o Processo Civil Para colocar em andamento a lei comercial, foi preciso organizar os tribunais de comércio e neles dar uma nova ordem a processo. O ministro da justiça Eusébio de Queirós expediu o decreto nº 737, que serviu como Código de Processo Civil do Império e vigorou até na Primeira República. 5.1. O Direito Anterior – As Ordenações Até 1850, ressalvando o processo criminal, o regime processual era ainda o das Ordenações Filipinas. Distinguiam-se duas formas básicas de processo: um sumário (verbal, sem delonga, sem figura de juízo) e um ordinário. Sem figura de juízo queria dizer sem delonga e sem contraditório. No sistema das Ordenações, os juízes ordinários (das câmaras) eram eleitos e não letrados. Em vários casos decidiam informalmente, sem apelação, nem agravo. No Livro III das Ordenações, as matérias processuais eram cheias de repetições, pois tratava-se de uma simples compilação. Distinguiam-se as questões preliminares em exceções peremptórias e dilatórias. Obrigação de julgar conforme os autos e conforme a prova dos autos constava no Código Filipino. O Livro III também definia os casos de sentença nula. Eram decisões dadas em processos sem citação de parte, ou contra sentença dada, ou dadas por peita, preço ou falsa prova, por juiz incompetente, contra direito expresso. O processo deveria começar sempre com o apelo do juiz à conciliação das partes. 5.2. O Novo Direito O Código do Processo Criminal já havia determinado alguma novidadeem termos de processo civil. O artigo 14, por exemplo reduziu todos os agravos ao agravo nos autos do processo. A apelação era o único recurso permitido da sentença definitiva. A fase postulatória se consumava com a contestação, não havendo mais réplicas nem tréplicas. Estas, porém, são restabelecidas com a reforma em 1841. O Regulamento nº 747 não alterou substancialmente o processo. Apenas lhe deu ordem e sistematicidade de exposição. Muitas das disposições acimas são encontradas no Regulamento. Divide-se em três partes: processo comercial em geral (até a sentença); execuções; recursos. A primeira parte (Do processo comercial) conserva a tradição vinda das Decretais de Gregório IX, tratando do juiz, da aplicação da lei, da competência, e outros dispositivos. O Título II da Parte I trata do processo ordinário geral, como a conciliação, ações não sumárias, incompetências, suspeitas, ilegitimidade, da contestação, entre outras. O Título III disciplina as ações sumárias (para recebimento de valores como despedida de tribulação, aluguéis etc.). Ações especiais compunham o Título IV, pelas quais tentava-se receber o devido por notas promissórias, contratos etc. A Parte II tratava da execução, e a Parte III dos recursos, das nulidades do processo e da sentença e do recuso próprio no caso de nulidade, isto é, o recurso de revista. Havia duas hipóteses de revista: nulidade manifesta e injustiça notória. A revista consistia no pedido de anulação da sentença. A sentença era nula se fosse dada por juiz incompetente, suspeito; se fosse expressa contra disposição de lei. A injustiça notória consistia em violar expressamente o direito pátrio, cerceamento ou negativa de defesa ou não recebimento de agravo. Mas o Decreto nº 737 ia além e estabelecia casos de nulidade dos contratos mercantis. Terminava com um Título Único com disposições gerais (sobre advogados e procuradores, entre outras). O Recurso de Revista vinculou-se, no plano político, à Jurisdição do Supremo Tribunal de Justiça. O processo tem um objetivo político reconhecido pelos legisladores. Não se desliga da magistratura, que é um poder de Estado e ao mesmo tempo um estamento social. Os liberais desejavam ampliar a participação dos poderes locais no procedimento, por isso defenderam juízes leigos (juízes de paz e jurados). Os conservadores, por outro lado, desejavam disciplinar tais poderes submetendo-os ao centro. A reforma do processo visa sistematizar o mar de preceitos, mas não quer ainda democratizar acesso à justiça. 6. As Leis Civis É muito provável que o Brasil tenha vivido sem o Código Civil por um conjunto particular de razões. Na França, o Código foi uma outorga aos “cidadãos” de uma carte de direitos privados certos e claros, que garantiam estabilidade à vida privada, ao mercado e à propriedade independentemente de flutuações políticas. Serviu também para superar a divisão entre o norte francês de direito costumeiro e o sul de direito romano comum. No Brasil, esta segunda tarefa era dispensável, pois a vigência secular do direito português dera unidade ao país. Quanto ao primeiro ponto, os brasileiros tiveram de substituir o Código por outros instrumentos, inclusive o Código Comercial que tratava dos contratos e das garantias. Com o novo clima econômico que parecia desenhar-se com o café, o fim do tráfico negreiro e a liberação de capitais para investimento, já convinha organizar a vida privada. Entretanto, sabemos que o Código só viria em 1916. O que houve foi uma organização do direito civil independentemente de uma lei civil geral. Em 1855, firmou-se um contrato entre o governo imperial com Teixeira de Freitas, onde antes de se fazer o Código Civil, deveria ser organizada uma compilação das leis civis. Dominavam na época dois modelos jurídicos no direito privado: o francês, com um código civil simples, voltado para o cidadão comum, e o alemão, a “ciência do direito”, de estilo pandectístico, o direito dos professores, voltado para a precisão da linguagem conceitual afastada do senso comum leigo. Esta ciência do direito não produziria um código. O Código Civil francês (de 1804) foi criticado pela sua excessiva simplicidade. Dividia- se em três livros. O Livro I tratava das pessoas; o Livro II do direito das coisas e das transferências de propriedades; o Livro III das formas de aquisição da propriedade, contratos, delitos, prescrição. Reproduzia esquemas de Domat e doutrinas de Pouthier. O código cumpria uma função política: permitir ao cidadão conhecer seus direitos e deveres com facilidade. Teixeira de Freitas rejeitou o modelo francês. Era um erudito e conhecedor da “ciência jurídica” alemã. Conclui sua Consolidação das Leis Civis obtendo a aprovação do governo em 1858. A Consolidação possuía uma divisão com: uma parte geral sobre as pessoas e as coisas; uma parte especial em dois livros, o primeiro sobre os diretos pessoais (relações, função da família, relações de contratos, atos ilícitos) e o segundo dos direitos reais e de garantia. Tem um fundo burguês, mas ao mesmo tempo aceita alguma forma de direito racional. Procura organizar tudo sob um sistema conceitual. Tudo é sistema e direito, deveria ser uma máquina de operar e produzir conceitos jurídicos. A Consolidação logo se tornou uma referência obrigatória, contendo, sem repetições e de forma compreensível, todo o direito vigente, conservando essencialmente o que de direito privado sobrevivia das Ordenações Filipinas. Como dizia o autor na Introdução, já se poderia considerar como revogado tudo o que era incompatível com o regime constitucional. Os projetos de Teixeira de Freitas terminaram por ser abandonados pelo governo, mas sua influência foi reconhecida internacionalmente. Muitas questões importantes não se encontravam totalmente solucionadas no direito civil, como o tema das pessoas jurídicas que era tratado de modo tradicional. Na consolidação, fala-se das pessoas coletivas, mas de forma a listá-las. Em temas de contrato, a Consolidação ainda aceita a lesão quando houver engano em mais da metade do justo preço. Trata-se de um instituto tradicional, em que a validade do negócio depende de sua justiça, e em nome da justiça pode-se alegar o preço justo de uma coisa. O comprador, no caso de lesão, fica obrigado a restituir a coisa ou a pagar o preço justo. Sobre a responsabilidade civil, a Consolidação é bastante restrita. Terminada a Consolidação, Teixeira de Freitas foi encarregado de preparar o esboço do Código Civil. Começou um trabalho que se sofistica cada vez mais. O primeiro esboço também apresentava uma parte geral e outra especial. A “Tábua Sintética” do Esboço apresentava antes da Parte Geral um Título Preliminar que tratava do lugar e do tempo. Falava da aplicação da lei, seus âmbitos de validade, sua irretroatividade, prazos e possíveis conflitos. No Esboço, sente-se à vontade para defender a sua própria teoria da existência ideal. Classifica as pessoas jurídicas de existência necessária (como o Império, o Estado, as Províncias etc.) e as de existência possível (estabelecimentos e corporações para fins públicos, sociedades anônimas). No direito das obrigações, o Esboço adota a doutrina da convenção, exigindo-se sempre o consentimento, ainda nos contratos unilaterais e benéficos. O Esboço aborda contratos do tipo de compra e venda, troca, doação, entre outros. Diversas instituições relevantes foram tratadas em leis especiais. A Lei das Hipotecas, de 1864, será a mais importante, introduzindo o regime de transcrição. O registro (transcrição) não é mera formalidade para dar publicidade a terceiros, mas é constitutivo da propriedade. É o mesmo regime abstrato dos alemães, opostoao regime francês, em que a compra e venda, comprovada com o respectivo instrumento, gera domínio. É nesta mesma lei de 1864 que se organiza um sistema financeiro hipotecário. Ela cria uma transcrição que dá segurança aos financistas. Companhias poderiam ser criadas para emitir letras hipotecárias e negociar tais letras no mercado. Lidando com este, necessitavam da aprovação do governo. Embora seja voltada para atividades financeiras, a lei retira do Código Comercial o regime de hipotecas, alegando que o direito de hipotecas é sempre civil.
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