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20 UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL FÍSICA ACÚSTICA PARA FONOAUDIOLOGIA Prof.: Moacyr Marranghello Acústica Fisiológica – Psicoacústica A diferença básica entre a Audiologia e a Psicoacústica reside na metodologia emprega- da. A psicoacústica interessa-se por pequenas diferenças e efeitos sutis, podendo submeter os pacientes a inúmeros testes, horas a fio, para determinar a média dos resultados obti- dos para um grande número de indivíduos, a fim de investigar estes efeitos. A audiologia, por outro lado, utiliza-se de testes simples, de rápida aplicação a um indivíduo em particular, a fim de determinar a natureza do distúrbio e o local da lesão na via auditiva. A diferença de abordagem, contudo, não impede o intercâm- bio de idéias entre as duas disciplinas, o que efetivamente ocorreu, pois uma é à base da outra. Os testes audiométricos subjetivos utili- zados na audiologia, com o intuito de medir a acuidade auditiva do indivíduo são chamados teste psicométricos ou psicoacústicos e só foram possíveis a partir de estudos psicoacús- ticos, os quais, além outros aspectos, determi- naram a área de sensibilidade do ouvido hu- mano. Faixa de audição humana O ouvido humano não é igualmente sen- sível para todas as freqüências e vários expe- rimentos psicoacústicos foram realizados com o intuito de esclarecer as relações existentes entre as alterações nas propriedades físicas das vibrações sonoras e as correspondentes alterações subjetivas na sensação auditiva. Nestes experimentos foi determinada a faixa de audição humana, que compreendia a área de freqüência de 20 a 20 000 Hz, incluindo o limiar mínimo de detecção ou audibilidade, isto é, a mais fraca intensidade sonora capaz de impressionar o ouvido humano para um tom puro em 50% das vezes em que o estímulo sonoro é apresentado, tomando por base a freqüência de 1 000 Hz e a pressão sonora de referência de 20 µPa. Este valor de pressão determinou o estabelecimento do 0 dB NA (Ní- vel de Audição). O procedimento foi empregado para as demais freqüência e foi construído um gráfico onde, na abcissa eram dispostas as freqüên- cias e na ordenada os valores de pressão so- nora. Neste mesmo gráfico foram, também, registrados os limiares de desconforto que, para um tom de 1 000 Hz, se encontra a 120 dB e dor a 140 dB (Santos & Russo, 1993). Gráfico representando a faixa de audição humana A determinação do nível de audição A área de audibilidade ou o nível de au- dição foi determinado para um grupo de indiví- duos otologicamente normais, com idades va- riando entre 18 e 25 anos, inicialmente para tons puros apresentados em campo livre e, posteriormente, com o uso de fones, no Labo- ratório Nacional de Física, na Inglaterra. Pode se observar que a área da fala concentra energia na faixa de freqüências en- tre 400 e 4 000 Hz, embora inclua freqüências mais baixas (área da freqüência fundamental) e mais altas (formantes de várias consoantes), iniciando, portanto, em torno de 100 Hz e indo até aproximadamente 8 000 Hz, com intensi- dades variando de 40 a 65 dB NA. O audiômetro de tons puros foi projetado como um instrumento eletrônico de calibração 21 de tal forma que a leitura zero para cada fre- qüência correspondesse a um nível de audição médio para jovens adultos normais. Os valores de nível de pressão sonora eram, pois, diferentes para cada freqüência e a audiometria tonal mediria, por sua vez, o nú- mero de dB em que o limiar do indivíduo se situasse com relação a cada valor médio. O resultado era anotado em um gráfico que horizontalizou os limiares de audibilidade – audiograma. Níveis de audição positivos re- presentariam a pressão adicional necessária para ser ouvida por ouvidos menos sensíveis do que as médias da população foram coloca- das para baixo para expressar a idéia de redu- ção na sensibilidade auditiva, ao contrário dos gráficos físicos. No audiograma, as freqüências variam de 125 a 8 000 Hz em intensidade –que vã desde – 10 dB a 120 dB NA. A razão de existirem valores negativos (– 5 dB e – 10 dB NA) justificou-se pelo fato de existirem indivíduos que ouviram valores de pressão sonora inferiores ao valor de referên- cia, ou seja, 20 µPa, sendo sua audição consi- derada como acima do normal. Audiogramas para ouvidos esquerdo e direito Se levarmos em consideração a variação individual, encontraremos o nível de sensação, ou seja, o zero audiométrico de cada indivíduo: é um valor subjetivo e depende do nível de audição individual. Se, por exemplo, imaginar- mos três indivíduos com níveis de audição médios de 20, 40 e 60 dB, expostos a um som de 100 dB NA, seus respectivos níveis de sen- sação serão 80, 60 e 40 dB NS, isto é, a dife- rença entre o seu nível de audição e o estímu- lo sonoro apresentado (Santos & Russo, 1993). Aspectos Psicoacústicos da Percepção do Som Na percepção auditiva dos sons, em ge- ral, desde puros ou complexo, periódicos ou aperiódicos, o ouvido necessita de algumas informações básicas, referentes a quatro as- pectos: a) “Pitch”: Sensação subjetiva de freqüência. b) Duração: Tempo em segundos da vibração sonora. c) “Loudness”: Sensação subjetiva de intensi- dade. d) Timbre: Qualidade fornecida pela combina- ção harmônica do som, decorrente das ca- racterísticas da fonte sonora que o produz. O atributo da sensação auditiva, em ter- mos de que sons podem ser ordenados em uma escala musical ou de tonalidade, variando de graves a agudos, é denominado de sensa- ção subjetiva de freqüência ou “pitch”. Pesquisas têm mostrado que o ouvido humano é notavelmente sensível às diferenças de freqüência, podendo detectar, na faixa de 20 a 20 000 Hz, mudanças de freqüências da ordem de 1% (o intervalo entre uma nota mu- sical branca e uma preta do piano é da ordem de 6%), dando-nos cerca de 1 000 intervalos discrimináveis nesta faixa (Boothroyd, 1986). A “pitch” está relacionada à taxa de repe- tição da forma de onda de um som. Para um tom puro isto corresponde à sua freqüência e para uma onda complexa periódica correspon- de à freqüência fundamental (Moore, 1989). Uma vez que é um atributo subjetivo, não pode ser medido diretamente, embora tenha sido criada uma unidade denominada sone para medir a sensação de freqüência. A duração está relaciona à habilidade em detectarmos diferenças nos estímulos sonoros em função do tempo. Podemos detectar dife- renças de cerca de 10 milionésimos de segun- do de intervalo de tempo entre os estímulos sonoros que atingem os nossos ouvidos, gra- ças à audição estereofônica. Com apenas um ouvido podemos detectar mudanças temporais da ordem de 1 milionésimo de segundo, per- 22 cebendo a ordem de dois eventos sonoros distintos, separados por apenas 1/50 de se- gundo (Boothroyd, 1986). A “loudness” é também uma impressão subjetiva, relacionada à intensidade de um som a partir de sua pressão, energia ou ampli- tude. Em geral, podemos dizer que, quanto maior a amplitude de um som, mais intensa- mente o ouvimos, embora não haja linearidade neste processo e variações existam, depen- dendo da freqüência. Quando a pressão sono- ra é reduzida, a “loudness” também decresce e, abaixo de certo nível de pressão, o som não é mais ouvido: A menor pressão sonora capaz de impressionar o ouvido humano é de 20 µPa para um tom de 1 000 Hz e podemos aumentá- la um trilhão de vezes, até que atinjamos o limiar da dor (Starkey – “Basics of Audiology”, 1988). A “loudness” é definida como sendo o a- tributo da sensação auditiva em Termos de quais sons podem ser ordenados em uma es- cala que varia de fraco a forte (Moore, 1989). Nossa sensibilidade auditiva para mudanças na intensidade sonoraé menos precisa do que para as de freqüência. Precisamos de pelo menos 1 dB de intervalo para percebermos diferenças na intensidade, o que corresponde a uma mudança de 10%, dando-nos, na faixa audível, cerca de 100 intervalos discrimináveis entre o limiar de audibilidade e o de desconfor- to (Broothroyd, 1986). A unidade de medida da “loudness” é o fone, que eqüivale à sensação de intensidade em dB, produzida para um tom de 1 000 Hz a partir das curvas de igual audibi- lidade ou isofônicas, determinadas em experi- ências realizadas por Fletcher e Munson (Gon- zales, 1980). A fim de responder à questão: “Quantas vezes um som é mais audível do que o ou- tro?”, foi decidido que o nível correspondente a 1 sone seria igual a 40 fones, com base no conhecimento de que a cada aumento ou di- minuição do nível de audibilidade de um som em 10 fones corresponde ao dobro ou à meta- de da audibilidade, sendo possível, assim, de- terminar a associação entre essas duas unida- des (Gonzales, 1980). Curvas de igual audibilidade ou isofônicas (Fletcher & Munson) O timbre, como vimos, é o que torna possível a distinção entre a mesma nota musi- cal, executada em instrumentos diferentes, e depende da qualidade e da quantidade de harmônicos presentes na onda sonora com- plexa. Sendo também uma impressão subjeti- va, não pode ser medido diretamente e é sabi- do que o timbre de um som pode ser alterado por mudanças na intensidade e/ou no número dos seus componentes harmônicos, ou seja, alterações no modelo sonoro. O timbre está diretamente relacionado com nossa habilidade de analisar freqüências e depende das várias combinações de freqüências e intensidades no modelo físico da estimulação acústica (Davis, 1970). Relação entre “Pitch” e Freqüência, “Loud- ness” e Intensidade. Existem relações interessantes entre es- tes atributos físicos mensuráveis da onda so- nora e a sensação que eles produzem em nossos ouvidos. Entre freqüência e “pitch” a relação pode ser entendida a partir do seguinte experimento: apresentamos a um indivíduo um tom de 1 000 Hz e pedimos que ele procure um tom que lhe pareça duas vezes mais grave ou duas vezes mais agudo do que o tom apresentado, através de um gerador de freqüências. A princípio, é esperado que o tom escolhido tenha a fre- qüência de 500 ou de 2 000 Hz, respectiva- 23 mente. Todavia, foi descoberto que esta rela- ção linear entre “pitch” e freqüência existe so- mente na faixa compreendida entre 125 e 2 000 Hz, não sendo válida para tons situados fora dela. Neste experimento, por mais que possa haver problema do indivíduo não haver compreendido bem o que significa duas vezes mais grave ou agudo, sua confiabilidade reside no fato de que ele foi realizado com um núme- ro muito grande de indivíduos, sendo a con- cordância entre os resultados surpreendente- mente boa. É exatamente neste fato que resi- de à confiabilidade dos testes psicométricos (Starkey – “Basics of Audiology”, 1988). Na relação entre “loudness” e intensida- de os teste psicométricos mostram que, nova- mente, não há linearidade entre ambas. Experimentos psicométricos realizados com diversos indivíduos, solicitando a cada um deles que, do mesmo modo que no experimen- to anterior, procurassem ajustar um tom que fosse duas vezes mais intenso do que o outro tomando como referência, revelaram que so- mente numa pequena faixa de intensidade, entre 30 e 60 dB, a “loudness” é proporcional à intensidade sonora. Isto acontece porque esta faixa inclui os valores médios de intensidade sonora para a fala (50 – 60 dB) e é, portanto, permitido afir- mar que, quando alguém fala duas vezes mais forte, o nível de pressão sonora aumenta em 6 dB. Padrões de Calibração para Audiômetros Desde 1922, quando Fowler e Wegel, descreveram o primeiro audiômetro eletrônico, estes instrumentos vem sofrendo modificações significativas ao longo do tempo. As diversa instituições existente ao redor do mundo como a “American Standard Association” (ASA), “In- ternational Organization for Standardization” (ISO) e a “American National Standards Institu- te” (ANSI) – antiga ASA –, estabeleceram pa- drões de calibração diferenciados para os ins- trumentos utilizados. Portanto, ao se anotar no audiograma os níveis de audição de um indivíduo é importante especificar o padrão de calibração ao qual o audiômetro foi submetido, uma vez que os valores de referência para o 0 dB diferem de padrão para padrão. Valores obtidos para o 0 dB (NA) audiométrico, segundo o padrão ASA - 51. Freqüência (Hz) 125 250 500 1000 2000 3000 4000 6000 8000 Intensidade (dB) 54,5 39,5 25,0 16,5 17,0 16,0 15,0 17,5 21,0 Valores de conversão (a serem somados) do padrão ASA – 51 para ISSO – 64 Freqüência (Hz) 125 250 500 1000 2000 3000 4000 6000 8000 Intensidade (dB) 9 15 10 10 8,5 8,5 6 9,5 11,5 Valores obtidos para o 0 dB audiométrico nos padrões de calibração ASA – 51, ISSO – 64 e ANSI – 69. Freqüência (Hz) 125 250 500 1000 2000 4000 8000 ASA – 51 51,8 39,5 24,1 17,2 18,0 14,3 26,8 ISO - 64 42,8 24,5 10,1 7,2 9,5 8,3 15,3 ntensidade (dB) ANSI - 69 45,0 25,5 11,5 7,0 9,0 9,5 13,0 Padrões de calibração para audiômetros As Diferenças apenas perceptíveis Numa experiência realizada há muitos anos, um pesquisador fez vibrar a haste de um diapasão afinado na nota dó central a poucos metros do ouvido de uma boa cantora e pediu- lhe que a reproduzisse com sua voz. Em se- guida o pesquisador aproximou o mesmo dia- pasão a poucos centímetros do ouvido da can- tora e pediu que esta repetisse a nota. Para a cantora, a nota passara a ser consideravel- 24 mente mais intensa e mais grave, o que não seria possível uma vez que se tratava do mesmo diapasão, mas sua voz reproduziu uma nota mais grave do que a primeira. Neste caso a sensação de freqüência da cantora foi alte- rada pela sensação de intensidade. Exatamente para tentar explicar fenôme- nos como estes a Psicoacústica foi criada. Fechner, físico e filósofo alemão, após muita meditação a respeito do assunto, propõe a existência de uma lei matemática pela qual julgava poder medir a sensação causada por qualquer estímulo, denominando-a “lei de We- ber”, em homenagem ao filósofo alemão E. H. Weber, cujo enunciado é: “o indivíduo ao rece- ber um estímulo, a sensação não é diretamen- te proporcional a ele, mas ao seu logaritmo”. Esta lei poderia ser aplicada a qualquer estímulo e a qualquer sensação, não somente a som e audição. Até hoje esta lei é discutida nos meios científicos, pois se trata de uma perspectiva matemática para medirmos sensa- ções humanas.
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