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ARTIGO RELIGIÃO E POLÍTICA NO ORIENTE MÉDIO

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http://portalcienciaevida.uol.com.br/esfi/Edicoes/29/artigo119551-1.asp
Religião e política no Oriente Médio: uma leitura à luz da obra de Rousseau
Conflito entre judeus e palestinos se baseia na mistura entre o indivíduo político e o indivíduo religioso e na crença que cada um dos grupos possui a verdade revelada
Por Thomaz Kawauche
	
	
	
	O conflito entre judeus e palestinos ocorre, principalmente, pela posse e direito de soberania sobre Jerusalém, e os territórios da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, onde fica o muro das lamentações, principal santuário judeu e também onde os palestinos querem estabelecer a capital de um futuro estado independente. As regiões têm significado religioso para os dois povos. Para Rousseau, origem de conflitos deste tipo estaria na recusa em admitir a verdade do outro
Os conflitos entre israelenses e palestinos que ocorrem hoje no chamado Oriente Médio poderiam nos levar ao seguinte questionamento acerca da relação entre política e religião: a disputa pelos territórios da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, bem como da parte leste da cidade de Jerusalém, é uma questão política ou religiosa? Em outros termos: os argumentos teológicos dos discursos das partes beligerantes são apenas fonte de motivação e legitimidade para as ações militares, ou eles expressam uma dimensão maior da vida humana que abarcaria, entre outras coisas, a Ética e a Política?
No primeiro caso, a Religião estaria subordinada à Política, de tal maneira que os líderes espirituais, tanto dos judeus quanto dos árabes, estariam simplesmente utilizando o discurso religioso como um instrumento ideológico para mobilização de seus exércitos; teríamos então que nos indagar acerca da legitimidade dessa manipulação. No segundo caso, a Política estaria subordinada à Religião, e, dessa forma, é a própria ideia de Política que seria posta em xeque: o problema do convívio entre os homens seria resolvido, não em termos de acordos estabelecidos pelos próprios homens, mas mediante o conhecimento de uma vontade divina, o que colocaria a arte do governo na dependência de uma revelação sobrenatural.
Ora, não é preciso ser um especialista no assunto para perceber que a questão, colocada dessa maneira, não apenas simplifica demasiadamente o problema, como também cria novas questões ainda mais embaraçosas. Afinal, não é tarefa das mais fáceis distinguir o que pertence à Religião e o que pertence à Política nas falas fervorosas dirigidas contra os “infiéis” acerca de um Estado de direitos, ou nas ações de entrega da própria vida como sacrifício à divindade que, para os órgãos internacionais, não representa outra coisa além de uma ameaça à segurança pública. Política e Religião mesclam-se de modo tão intenso que a fronteira entre os domínios de uma e de outra se mostra extremamente difusa, e não nos parece adequado tentar estabelecer qualquer distinção em termos tão rígidos.
	
	Na obra prima de Rousseau, Do contrato social que fala do pacto de associação entre os indivíduos para formar a sociedade e o Estado, o filósofo menciona conflito na Antigüidade, que misturava a Política e a Religião, assim como ocorre entre judeus e palestinos nos dias atuais. Ele critica o fanatismo e a intolerância e aponta os malefícios da Religião na sociedade.
É exatamente por conta dessa dificuldade que os conflitos não podem ser explicados apenas como expressão do fanatismo religioso. Pois, assim, estaríamos pressupondo a possibilidade de um acordo político que passasse ao largo das questões religiosas, o que seria equivalente a desprezar todo o desenvolvimento histórico dos povos envolvidos, para os quais a própria ideia de nação se encontra profundamente arraigada nas tradições do judaísmo e do islamismo.
Da mesma forma, não poderíamos simplesmente rotular os seguidores dessas tradições como povos “primitivos” ou “atrasados” por seus costumes religiosos, em oposição aos povos “modernos” do mundo ocidental. Isso implicaria na aceitação da tese de que existe um progresso da cultura à medida que a moral se dessacraliza (ou se “seculariza”), o que, de modo algum é consenso entre os estudiosos do fenômeno religioso; além do mais, tal juízo seria uma retomada da conhecida distinção entre “antigos” e “modernos”, que sempre serviu mais para justificar preconceitos eurocêntricos do que para esclarecer de fato as diferenças entre formas distintas de pensamento. Basta nos lembrarmos da expressão francesa desse binômio que, nos séculos XVII e XVIII, se deu em termos da oposição entre “selvagens” e “civilizados”.
Um recuo ao passado
Por meio dessa primeira reflexão sobre a questão israelo-palestina é possível introduzir um filósofo que, entre outras coisas, dedicou muito tempo de sua vida a analisar o vínculo entre Religião e Política: Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Esse genebrino, cujas idéias políticas inspiraram os protagonistas da Revolução Francesa, é um caso exemplar na história da Filosofia para nos dar elementos de reflexão sobre as guerras “santas”, não apenas no que se refere às questões de seu tempo, mas também no que diz respeito ao problema do lugar da Religião na sociedade atual.
	
	Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), filósofo suíço, grande influenciador do Iluminismo francês. Conseguiu criticar a revelação e, ao mesmo tempo, dizer acreditar nas verdades reveladas por Deus
	Não podemos rotular os seguidores dessas tradições religiosas como “atrasados” em oposição aos “modernos” do mundo ocidental
Assim como diversos outros filósofos do século XVIII, Rousseau também criticava os efeitos negativos da Religião na sociedade, sobretudo o fanatismo e a intolerância. A opinião de nosso autor sobre o assunto fica clara em uma passagem bastante polêmica, extraída do Contrato social, que, por conta do caráter ofensivo ao cristianismo, valeu a Jean-Jacques a honra de ter sua obra queimada em praça pública pelas autoridades eclesiásticas de Genebra:
“Mas esta Religião [o cristianismo], não tendo nenhuma relação particular com o corpo político, deixa as leis unicamente com a força que tiram de si mesmas, sem acrescentar-lhes nenhuma outra; e, desse modo, fica sem efeito um dos grandes elos da sociedade particular. Mais ainda, longe de ligar os corações dos cidadãos ao Estado, desprende-os, como de todas as coisas da terra. Não conheço nada mais contrário ao espírito social.” (Contrato social, livro IV, cap. 8).
Basicamente, o que está em questão na passagem citada é a falta de envolvimento dos cristãos na Política. Para Rousseau, um verdadeiro cristão preocupa-se mais com a vida futura do que com a vida presente, e, por isso mesmo, acaba deixando de lado os problemas da sociedade. Daí dizer que os seguidores dessa Religião não têm compromisso com o corpo político e que seus corações são desprendidos das coisas terrenas.

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