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PRESSUSPOSTOS DA MEDIAÇÃO APLICADOS AO ÂMBITO PENAL E A ADOÇÃO DE PRÁTICAS RESTAURATIVAS A Justiça Restaurativa pode ser compreendida como um movimento que surgiu nas últimas décadas do século passado em diferentes pontos do mundo, com uma abordagem interdisciplinar, aplicando pressupostos da mediação no âmbito criminal. Assim, aplicam-se processos restaurativos que buscam a obtenção de resultados mais eficientes. Como Explica Vasconcelos (2008, p. 126): Processo restaurativos seriam aqueles nos quais vítimas, ofensores e, quando apropriado, outros indivíduos ou membros da comunidade, afetados pelo crime, participam juntos e ativamente na solução das questões provocadas pelo crime, geralmente com a ajuda de um facilitador (mediador) – uma terceira pessoa independente e imparcial, cuja tarefa é facilitar a abertura de uma via de comunicação entre as partes. Quando se trabalha a ideia de resultados restaurativos, ou seja, aqueles decorrentes de processo restaurativos, tem-se em vista acordos que englobam a reparação dos danos, a restituição de bens e até mesmo a prestação de serviços à comunidade, ou seja, delineia-se a responsabilidade do agente, atende-se aos interesses individuais e coletivos das partes e ainda permite a reintegração do ofensor e daquele que sofreu as ofensas. A Justiça Restaurativa, embora abrangente e diversificada, permite a identificação ao menos de duas expressivas finalidades: (i) Finalidade institucional: é um aperfeiçoamento da denominada justiça formal, isto é, reflete um aperfeiçoamento das esferas estatais (por isso, institucionalizadas) no tratamento do ato transgressor, lidando de modo eficiente e a partir de uma perspectiva humanizada. Salienta Vasconcelos (2008, p. 126): “na obra de John Braithwaite, para quem a Justiça Restaurativa figura como um meio menos dispendioso de reação ao crime, já que, quando exitosa, substitui outras medidas mais custosas e costuma ser aceita como mais legítima e, conforme observa aquele autor, estimulando um maior respeito à lei, pois permite a participação dos envolvidos”. Através da comunicação e negociação, a Justiça Restaurativa pretende encorajar as partes envolvidas no conflito (vítima e ofensor) a definirem uma melhor solução ao caso, logicamente, acompanhados de agentes públicos que atuam como facilitadores. (ii) Finalidade Política-criminal: entende a Justiça Restaurativa como ferramenta de intervenção social, alterando assim o modo de tratamento da fatos jurídicos relevantes à seara criminal, seja como medida a evitar os excessos das visões punitivas e, em algumas concepções de pensamento, levar a uma abolição do sistema penal. A redução do controle formal deve estar atrelado ao fato de que a diminuição de garantias penais não podem representar a imposição de encargos superiores as partes envolvidas e nem resultar num processo de continuidade das desigualdade sociais. Em síntese, a justiça restaurativa está fundada no elemento da voluntariedade e do consenso, onde vítima, ofensor e outros sujeitos afetados atuam, conjuntamente, na minimização das consequências e traumas da prática criminosa. Como desta Gomes Pinto (2005), é um processo aplicável, especialmente, aos espaços comunitários e marcado pela informalidade, sem os obstáculos da solenidade da dinâmica judicial, pelo uso de diversas técnicas, como mediação, a conciliação e também a transação, almejando a reintegração social do ofensor e da vítima. Na perspectiva de Gomes Pinto, a aplicação da sanção penal, por si só, não está atenta a outros fatores importantes como de ordem emocional e social, por isso, o objetivo da Justiça Restaurativa é reconstruir e reparar o trauma emocional, alcançando assim uma redução do impacto do ato delituoso sobre os indivíduos. Por isso, “justiça restaurativa é capaz de preencher essas necessidades emocionais e de relacionamento e é o ponto chave para a obtenção e manutenção de uma sociedade civil saudável” (PINTO, 2005, p. 22). Há uma mudança na lógica do trabalho do fenômeno criminal, porque não se está mais focalizado no passado ou na culpa, ou melhor, na identificação do culpado e do seu castigo, mas está direcionada ao futuro e na reparação dos relacionamentos. Vale lembrar que se trata de um procedimento alicerçado, em grande medida, na vontade das partes e na busca de respostas razoáveis e com a definição de obrigações proporcionais, contudo, “A aceitação do programa não deve, em nenhuma hipótese, ser usada como indício ou prova no processo penal, seja o original seja em um outro”. 1. Experiências da Justiça Restaurativa As primeiras experiências, por volta dos anos 70, era marcada pela mediação entre o ofensor e a vítima. Nesta primeira abordagem, a vítima era responsável por descrever os fatos, estabelecer uma narrativa do vivenciado e a indicação de impactos do crime. O ofensor, por sua vez, apresentava sua explicação ou justificativa. Já no modelo desenvolvido na Nova Zelândia, os encontros de mediação eram ampliados, com a participação de familiares e outros sujeitos para apoiarem as partes. No Canadá, por sua vez, os sujeitos eram dispostos em círculos e um papel era transmitido de mão em mão, oportunizando a fala a aquele que estivesse com o papel. A reunião era conduzida até o momento adequado em que todos convergiam quanto a necessidade de solução da contenda. Por meio da Resolução nº 2002/12, do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, de 13 de Agosto de 2002, foram tratados os princípios básicos quanto à Justiça Restaurativa: 1. Programa de Justiça Restaurativa significa qualquer programa que use processos restaurativos e objetive atingir resultados restaurativos. 2. Processo restaurativo significa qualquer processo no qual a vítima e o ofensor, e, quando apropriado, quaisquer outros indivíduos ou membros da comunidade afetados por um crime, participam ativamente na resolução das questões oriundas do crime, geralmente com a ajuda de um facilitador. Os processos restaurativos podem incluir a mediação, a conciliação, a reunião familiar ou comunitária (conferencing) e círculos decisórios (sentencing circles). 3. Resultado restaurativo significa um acordo construído no processo restaurativo. Resultados restaurativos incluem respostas e programas tais como reparação, restituição e serviço comunitário, objetivando atender as necessidades individuais e coletivas e responsabilidades das partes, bem assim promover a reintegração da vítima e do ofensor. A vítima e o ofensor poderão a qualquer momento desistir do procedimento, contudo, para que seja eficaz, é essencial que a autoria da conduta seja assumida e exista o consenso das partes quanto aos fatos que ocorreram. 2. Traços comuns da Mediação e da Justiça Restaurativa - Trabalha-se os conflitos interpessoais e pelo uso do suporte comunicacional. - Há um terceiro que atua na ampliação do conhecimento das partes, dos horizontes de pensamento e como catalisador do consenso. - As partes são protagonistas e os resultados estão sob seu poder. - Processo voluntário: as partes participam por vontade própria e cooperam na realização do processo. - Caráter prospectivo: não fica apegado ao passado, mas desenvolve habilidade para trabalhar com os conflitos, inclusive, visando a definição das relações no futuro. - Horizontalidade: todos tem igualdade de voz, mesmo peso da participação e contribuição da definição da solução. Papel do mediador é garantir a inclusão. - Conflito em sentido positivo: oportunidade de mudança e de atendimento de necessidades ignoradas. 3. Diferenças entre mediação e justiça restaurativa Partes e responsabilidade: A mediação trabalha com as partes envolvidas nos conflitos, enquanto a justiçarestaurativa também poderá contar com a participação daqueles que podem sofrer uma consequência, mesmo indireta, por exemplo, a comunidade, por isso, justifica-se que na mediação trabalha-se a responsabilidade individual, enquanto a justiça restaurativa considera a responsabilização no âmbito comunitário e coletivo. Interesses: a mediação está focalizada na manutenção das relações sociais e interpessoais e no atendimento das necessidades das partes envolvidas no conflito, ou seja, em seus interesses ainda que dissociada dos elementos pecuniários. A justiça restaurativa está relacionada de modo mais forte a reparação dos danos e atendimento dos interesses coletivos, logo, estabelece-se um meio de intervenção aos interesses da comunidade. 4. Justiça Restaurativa x Justiça Comum Gomes Pinto (2005, p. 24-27), em sua obra, estabelece um interessante comparativo entre a Justiça Restaurativa e a Justiça Convencional (de ordem retributiva, dissuasório e com deficiência na ressocialização). Valores JUSTIÇA RETRIBUTIVA Justiça Restaurativa Conceito jurídico-normativo de Crime - ato contra a sociedade representada pelo Estado – Unidisciplinariedade Conceito realístico de Crime – Ato que traumatiza a vítima, causando-lhe danos. - Multidisciplinariedade Primado do Interesse Público (Sociedade, representada pelo Estado, o Centro) – Monopólio estatal da Justiça Criminal Primado do Interesse das Pessoas Envolvidas e Comunidade – Justiça Criminal participativa Culpabilidade Individual voltada para o passado - Estigmatização Responsabilidade, pela restauração, numa dimensão social, compartilhada coletivamente e voltada para o futuro Uso Dogmático do Direito Penal Positivo Uso Crítico e Alternativo do Direito Indiferença do Estado quanto às necessidades do infrator, vítima e comunidade afetados – desconexão Comprometimento com a inclusão e Justiça Social gerando conexões Mono-cultural e excludente Culturalmente flexível (respeito à diferença, tolerância) Dissuasão Persuasão Procedimentos JUSTIÇA RETRIBUTIVA Justiça Restaurativa Ritual Solene e Público Comunitário, com as pessoas envolvidas Indisponibilidade da Ação Penal Princípio da Oportunidade Contencioso e contraditório Voluntário e colaborativo Linguagem, normas e procedimentos formais e complexos - garantias. Procedimento informal com confidencialidade Atores principais – autoridades (representando o Estado) e profissionais do Direito Atores principais – autoridades (representando o Estado) e profissionais do Direito Processo Decisório a cargo de autoridades (Policial,Delegado, Promotor, Juiz e profissionais do Direito) – Unidimensionalidade Processo Decisório compartilhado com as pessoas envolvidas (vítima, infrator e comunidade) - Multidimensionalidade Resultados JUSTIÇA RETRIBUTIVA Justiça Restaurativa Prevenção Geral e Especial -Foco no infrator para intimidar e punir Abordagem do Crime e suas Conseqüências - Foco nas relações entre as partes, para restaurar Penalização - Penas privativas de liberdade, restritivas de direitos, multa - Estigmatização e Discriminação Pedido de Desculpas, Reparação, restituição, prestação de serviços comunitários. Reparação do trauma moral e dos Prejuízos emocionais - Restauração e Inclusão Tutela Penal de Bens e Interesses, com a Punição do Infrator e Proteção da Sociedade Resulta responsabilização espontânea por parte do infrator Penas desarrazoadas e desproporcionais em regime carcerário desumano, cruel, degradante e criminógeno - ou - penas alternativas ineficazes (cestas básicas) Proporcionalidade e Razoabilidade das Obrigações assumidas no Acordo Restaurativo Vítima e Infrator isolados, desamparados e desintegrados. Ressocialização Secundária Reintegração do Infrator e da Vítima Prioritárias Paz Social com Tensão Paz Social com Dignidade Efeitos para a vítima JUSTIÇA RETRIBUTIVA Justiça Restaurativa Pouquíssima ou nenhuma consideração, ocupando lugar periférico e alienado no processo. Não tem participação, nem proteção, mal sabe o que se passa Ocupa o centro do processo, com um papel e com voz ativa. Participa e tem controle sobre o que se passa. Praticamente nenhuma assistência psicológica, social, econômica ou jurídica do Estado Recebe assistência, afeto, restituição de perdas materiais e reparação Frustração e Ressentimento com o sistema Tem ganhos positivos. Supre-se as necessidades individuais e coletivas da vítima e comunidade Efeitos para a infrator JUSTIÇA RETRIBUTIVA Justiça Restaurativa Infrator considerado em suas faltas e sua má formação Infrator visto no seu potencial de responsabilizar-se pelos danos e consequências do delito Raramente tem participação Participa ativa e diretamente Comunica-se com o sistema pelo advogado Interage coma vítima e com a comunidade É desestimulado e mesmo inibido a dialogar com a vítima Tem oportunidade de desculpar-se ao sensibilizar-se com o trauma da vítima É desinformado e alienado sobre os fatos processuais É informado sobre os fatos do processo restaurativo e contribui para a decisão Não é efetivamente responsabilizado, mas punido pelo fato É inteirado das conseqüências do fato para a vítima e comunidade Fica intocável Fica acessível e se vê envolvido no processo Não tem suas necessidades consideradas Supre-se suas necessidades Fonte: Tabelas do texto “Justiça Restaurativa é Possível no Brasil?” de Renato Sócrates Gomes Pinto. Referências: BRASIL. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Azevedo, André Gomma de (Org.). Manual de Mediação Judicial, 6ª Edição (Brasília/DF:CNJ), 2016. PINTO, Renato Sócrates Gomes. Justiça Restaurativa é Possível no Brasil? In: Slakmon, C., R. De Vitto, e R. Gomes Pinto (org.) Justiça Restaurativa Brasília – DF: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, 2005. VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Mediação de conflitos e práticas restaurativas. São Paulo: Método, 2008.
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