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EM PROL DE UMA SOCIEDADE INCLUSIVA: O TRABALHO DO PSICÓLOGO EDUCACIONAL NO ÂMBITO DA INCLUSÃO ESCOLAR Laura Cláes Maranhão1 Luciana Machado Schmidt2 Resumo Este artigo tem como finalidade abordar o tema Inclusão Escolar, refletindo sobre as práticas do psicólogo educacional e sobre o papel da escola na construção de um legítimo processo de inclusão. A matriz epistemológica da Psicologia Histórico- Cultural de Vygotsky é a base deste trabalho, em particular com relação aos conceitos de Mediação e de Zona de Desenvolvimento Proximal. A partir da literatura científica sobre a Inclusão e do referencial teórico-metodológico da Psicologia Educacional, procuramos mostrar que a maneira com que lidamos e tratamos as pessoas com deficiência, nada mais é do que o resultado de uma construção histórica, sendo assim possível e necessário construir um novo olhar para elas: um olhar mais humano, menos preconceituoso e incapacitante. Palavras-chave: Inclusão Escolar. Psicologia Histórico-Cultural. Psicologia Educacional. 1 INTRODUÇÃO Neste artigo, trazemos à discussão o tema da Inclusão escolar e a prática do psicólogo educacional em prol de uma sociedade inclusiva. Para isso, primeiramente introduzimos o papel do psicólogo no contexto escolar, para posteriormente tratarmos das transformações históricas que proporcionaram as atuais mudanças de concepção a respeito da deficiência; seguimos para as diferenças entre Integração e Inclusão, de modo a esclarecer as práticas de Inclusão escolar e, por fim, procuramos demonstrar a relação entre a Psicologia Educacional ou Escolar e a Psicologia associada à perspectiva inclusiva. O tema surgiu a partir da experiência da estagiária em seu Estágio Específico em Psicologia Socioinstitucional no curso de Psicologia do Complexo de 1 Aluna formanda do Curso de Psicologia. Artigo apresentado para a disciplina de Estágio Específico II na Ênfase Socioinstitucional, Faculdade de Ciências Sociais de Florianópolis, Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina – CESUSC. Endereço eletrônico para contato: lauracmaranhao@uol.com.br 2 Professora Supervisora da disciplina de Estágio Específico II na Ênfase Socioinstitucional, Faculdade de Ciências Sociais de Florianópolis, Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina – CESUSC. Doutora em Psicologia. Endereço eletrônico para contato: schmidt.luciana@gmail.com 2 Ensino Superior de Santa Catarina (CESUSC), durante o último ano de graduação em Psicologia, ao longo do ano letivo de 2012, sob a supervisão da professora Doutora Luciana M. Schmidt. Neste estágio, houve o acompanhamento do processo de Inclusão escolar de uma aluna com Paralisia Cerebral em um colégio particular da cidade de Florianópolis, experiência3 que proporcionou à estagiária diversos questionamentos sobre sua atuação presente, como estagiária em Psicologia Educacional e, futura, enquanto psicóloga. Em decorrência do caminho enfrentado no processo de Inclusão escolar desta criança, este artigo foi elaborado com a intenção de alertar e questionar os cidadãos em geral, os educadores e os profissionais da Psicologia sobre sua relação com e seu trabalho em prol das pessoas com deficiência. A partir dessa intenção inicial desejamos esclarecer ainda o papel que a escola e a sociedade como um todo devem ter para que haja um legítimo processo de Inclusão escolar e social, na escola e fora dela. Iniciaremos tratando da atuação do psicólogo educacional ou escolar, para posteriormente, tecer considerações sobre a Psicologia Educacional e a Inclusão escolar. 2 PSICOLOGIA EDUCACIONAL OU ESCOLAR A Psicologia Educacional ou Escolar é definida como uma área de produção de conhecimentos e de pesquisas, e campo de intervenção em instituições educacionais, a qual assume um compromisso teórico e prático com as questões relativas aos processos de ensino e aprendizagens, sua dinâmica, resultado e atores. As relações interpessoais que acontecem na escola também são objeto de atenção e intervenção do psicólogo educacional. Oliveira e Marinho-Araújo (2009, p. 651), conceituam a Psicologia Escolar da seguinte forma: A Psicologia Escolar é entendida como um campo de atuação do profissional do psicólogo e, também, de produção científica, caracterizado pela inserção da Psicologia no contexto escolar, sendo que o objetivo principal deste campo é mediar os processos de desenvolvimento humano e de aprendizagem, contribuindo para sua promoção. 3 Esta experiência não será apresentada neste artigo, pois foge ao tema escolhido para o Trabalho de Conclusão de Curso. 3 A Psicologia Escolar hoje também é chamada de Educacional e é considerada uma área de conhecimento e um campo de atuação em que o psicólogo pode trabalhar com várias propostas de intervenção buscando a melhoria das condições de aprendizagem e relacionamentos humanos nas instituições educacionais. A contribuição para o processo de Inclusão de pessoas com deficiência na escola regular é apenas uma das inúmeras possibilidades de intervenção nesse campo. É importante destacar que o trabalho do psicólogo educacional é interdisciplinar e deve ter ênfase nos processos de ensino e aprendizagem e nas relações interpessoais e profissionais que ocorrem no ambiente escolar. A atuação do profissional deve estar sempre contextualizada com o meio cultural em que os indivíduos estão e proporcionar as condições materiais e afetivas para que a aprendizagem das crianças e jovens ocorra da melhor forma possível. A primeira função desempenhada pelos psicólogos educacionais foi a mensuração das habilidades e classificações das crianças quanto à capacidade de aprender e de progredir nos estudos e, também, a orientação basicamente clínica no sentido de diagnóstico e tratamento de distúrbios ou transtornos mentais ou comportamentais (PATTO, 1984). Nos primeiros anos da atuação do psicólogo educacional, nos primórdios do século XX, suas atividades estiveram pautadas no conhecimento de aspectos individuais dos alunos, a partir da demanda do professor da falta de condições de trabalho com essa determinada criança e/ou da queixa de deficiências e dificuldades de aprendizagem de certas crianças. Dessa forma, as relações sociais existentes na escola não eram consideradas como constituintes dos processos de desenvolvimento e aprendizagem e o trabalho da Psicologia Educacional não se dava na escola como um todo, mas era realizado numa perspectiva clínica de alunos encaminhados por serem considerados “problemas” (VOKOY e PEDROZA, 2005). Até hoje as escolas têm essa demanda, entre outros motivos, pelo desconhecimento de que o psicólogo educacional tem uma forma de trabalhar específica no contexto escolar e não deve ser meramente um psicólogo clínico na escola. A respeito da atuação do psicólogo educacional, Vokoy e Pedroza (2005) mostram que é necessário haver uma mudança em seu foco, já que a atuação não deve ser restrita à orientação psicológica sobre as crianças, mas também envolver aspectos da relação entre a equipe e os educadores, compreendendo os conflitos, 4 as insatisfações e contradições inerentes às praticas sociais existentes no cotidiano escolar. Nas últimas décadas, a Psicologia Educacional tem se transformado ao deixar de lado a ênfase apenas no indivíduo como queixa e dar ênfase aos contextos e relações nos quais este sujeito concreto está inserido; dessa forma, é preciso trabalhar para além das queixas escolares. Trabalha-se ainda com a equipe pedagógica e administrativa e com todos e quaisquer profissionais da escola, para que assim consiga-se dar conta da complexidade dos processos que caracterizamo espaço escolar, não visando apenas o trabalho com os alunos isoladamente. Neste sentido, o trabalho do psicólogo educacional deve estar associado ao cotidiano escolar, auxiliando os professores a pensarem e desenvolverem estratégias pedagógicas que favoreçam o desenvolvimento e a aprendizagem de todos os alunos, bem como um melhor relacionamento interpessoal entre todos os envolvidos (MARTÍNEZ, 2007). Martínez (2007) afirma que o processo de Inclusão escolar apresenta múltiplos desafios ao psicólogo que trabalha no contexto educacional, sendo um destes a necessidade de haver mudanças de mentalidade, representações e concepções escolares a respeito do trabalho com pessoas com deficiência. Além da promoção destas mudanças, deve haver uma valorização da singularidade de cada pessoa no contexto escolar; uma concepção da deficiência como uma construção social e não como algo intrínseco ao sujeito; e ainda uma visão do contexto escolar como um sistema complexo de aprendizagem e desenvolvimento dos sujeitos que dele participam. Em prol da promoção de tais mudanças no contexto escolar, a seguir, apresentaremos a trajetória histórica das concepções de deficiência. 3 CONCEPÇÕES HISTÓRICAS DA DEFICIÊNCIA Ao longo da história da humanidade, as pessoas hoje chamadas de pessoas com deficiência(s) foram conceituadas de diferentes maneiras e vistas sobre vários enfoques. Quando não eram vistos de forma negativa ou pejorativa a partir do uso de termos como “retardado”, “aleijado”, “mongolóide”, podiam ser até mesmo divinizados, mas mesmo assim, tendiam a ser sacrificados e rejeitados socialmente (COUTO, SALUM E FERREIRA, 2005 e MENEZES, 2005). 5 Conforme aponta Menezes (2005), o modo pelo qual as sociedades lidaram com as pessoas com deficiência reflete a estrutura social e política e seu sistema de valores. As diversas culturas e sociedades humanas, desde a Antiguidade até a era contemporânea, estabeleceram uma relação distante com as pessoas com deficiência(s), já que eles tendiam a ser afastados do convívio social e segregados, ora pelo medo das diferenças, ora devido a crenças negativas sobre essas pessoas. Os conhecimentos existentes a respeito das deficiências inicialmente estavam ligados ao misticismo e ao ocultismo, não havendo bases para a compreensão científica sobre as várias formas de deficiência (MENEZES, 2005). As deficiências físicas e sensoriais foram as primeiras a serem tratadas, mas apenas a partir do século XVIII. Isto significa que dos primórdios da humanidade até o século XVIII, as pessoas com deficiência foram negligenciadas, segregadas, excluídas e até mesmo assassinadas. Segundo Bianchetti e Freire (2001), este longo período foi chamado de “fase da negligência”, primeira fase em quatro, com relação ao atendimento e educação destinadas às pessoas com deficiência. Segundo Bianchetti e Freire (2001), a segunda fase, chamada de “fase da institucionalização” surge no final do século XVIII, pois os questionamentos trazidos pela Revolução Francesa geraram uma nova perspectiva e posicionamento em relação às pessoas com deficiência que passam a ser institucionalizadas e a serem vistos como seres humanos com direito à saúde, educação e à própria vida. (MENEZES, 2005) No entanto, vale destacar que esses direitos até hoje não se encontram totalmente garantidos e o caminho para uma sociedade verdadeiramente inclusiva precisa passar por formas mais concretas de garantia dos direitos das pessoas com deficiência, direitos esses que beneficiam a todos os cidadãos. No Brasil, o atendimento às pessoas com deficiência teve início na época do Império, com a criação da instituição Imperial Instituto dos Meninos Cegos, em 1854, atual Instituto Benjamin Constant – IBC, e o Instituto dos Surdos Mudos, em 1857, hoje denominado Instituto Nacional da Educação dos Surdos – INES, ambos no Rio de Janeiro (BRASIL, 2007). Logo, o Brasil entra na segunda fase, chamada de Institucionalização, a partir do século XIX; e no século XX, é iniciada a terceira fase, denominada de Integração, cujo auge se deu na década de 70 (BIANCHETTI e FREIRE, 2001). No início do século XX é fundado o Instituto Pestalozzi (1926), instituição especializada no atendimento às pessoas com deficiência mental. Em 1954, é fundada a primeira 6 Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE; e, em 1945, é criado o primeiro atendimento educacional especializado às pessoas com superdotação na Sociedade Pestalozzi, por Helena Antipoff (BRASIL, 2007). Para Marchesi (2004, p. 20 apud, Toledo e Martins 2009), o conceito de “necessidades educativas especiais” começou a ser usado na década de 60. Para ele, essa expressão reflete o fato de que os “alunos com deficiência ou dificuldades significativas de aprendizagem” podem apresentá-las de forma variável, tanto no tempo quanto na gravidade. Hoje o uso deste termo é polêmico, com profissionais a favor da terminologia e outros que preferem falar de pessoas com deficiência e não de necessidades educativas especiais, uma vez que o termo pessoas com deficiência é o mais atualizado e está de acordo com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2011). A disposição da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN, Lei nº 4.024/61, ocorrida em 1961, que aponta o direito dos “excepcionais” à educação, preferencialmente dentro do sistema geral de ensino, fundamenta as disposições do atendimento educacional às pessoas com deficiência na época, que eram chamados de “excepcionais”. Já a Lei nº 5.692/71, que altera a LDBEN de 1961, ao definir “tratamento especial” para os alunos com “deficiências físicas, mentais, ou que se encontram em atraso considerável quanto à idade regular de matrícula e os superdotados”, não promove a organização de um sistema de ensino capaz de atender às necessidades educacionais especiais dos mesmos e acaba reforçando o encaminhamento dos alunos para as classes e escolas especiais4 (BRASIL, 2007). Em 1973, foi pelo MEC o Centro Nacional de Educação Especial – CENESP, sendo responsável pela gerência da Educação Especial no Brasil, que, sob a égide integracionista, impulsionou ações educacionais voltadas às pessoas com deficiência e às pessoas com superdotação, mas ainda configuradas por campanhas assistenciais e iniciativas isoladas do Estado. (BRASIL, 2007). As perspectivas acadêmicas críticas propostas na década de 80 começaram a questionar a Educação Especial e a perspectiva da Integração, mas foi apenas na década de 90, 4 Vale ressaltar que as crianças e jovens com deficiência eram encaminhados para a Educação Especial e não para as escolas regulares, porque nesta época, a concepção ou paradigma vigente era o de Integração (décadas de 60 a 80) e não o de Inclusão (em processo, a partir das décadas de 90 até hoje). 7 com a Declaração de Salamanca, que a perspectiva inclusiva começou a ganhar força no cenário internacional e nacional, inaugurando a quarta fase, segundo os autores, Bianchetti e Freire, a qual ainda está em processo e é chamada de “Inclusão”. A Declaração de Salamanca, de 1994, transformou-se na base legal para a execução de projetos de Educação Inclusiva no mundo inteiro. Esta parte do pressuposto de que a forma com que o sistema educacional atua tem levado grande parcela dos alunos à exclusão, sejam elas sociais, sexuais, de grupos étnicos ou de pessoas com deficiência. Assim, a Declaração de Salamanca propõe que as escolas regulares com orientação para a Educação Inclusiva sejam o meio mais eficaz para o combate às atitudes discriminatórias, criando-se comunidades acolhedoras, construindo uma sociedade inclusiva e alcançando uma educação para todos (MARQUES, 2005). Outros documentoscomo a Declaração Mundial de Educação para Todos (1990) e o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, Lei nº 8.069/90, no artigo 55, reforçam os dispositivos legais presentes também na Declaração de Salamanca, ao determinar que “os pais ou responsáveis têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino”, influenciando, a partir da década de 90, a formulação das políticas públicas da Educação Inclusiva (BRASIL, 2007). Para proporcionar melhores condições de desenvolvimento e de aprendizagem para crianças e jovens com deficiência, a Política Nacional de Educação Especial, em 1994, definiu a Educação Especial como um processo que visa proporcionar condições de desenvolvimento das potencialidades das pessoas com deficiência, condutas típicas ou de altas habilidades, e que deve abranger os diferentes níveis e graus do sistema de ensino (SMITH, 2008). Atualmente, as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, Resolução CNE/CEB nº 2/2001, no artigo 2º, determinam que: “os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo às escolas organizarem-se para o atendimento aos educandos com necessidades educacionais especiais, assegurando as condições necessárias para uma educação de qualidade para todos” (BRASIL, 2007). Isto significa que a Educação Especial proposta pela perspectiva da Integração ainda é oferecida, mas entendida a partir de uma variedade de serviços que ofereçam o suporte necessário para que crianças e jovens com deficiência 8 desenvolvam seu potencial, além da escola regular. O suporte irá variar de acordo com os tipos, intensidades, localizações, profissionais, necessidades e duração da Educação Especial. Os serviços são oferecidos às crianças, jovens e famílias por um grupo de profissionais que trabalham com diferentes disciplinas e o psicólogo deve fazer parte dessa equipe multi ou interdisciplinar (SMITH, 2008). 3.1 Diferenças entre as perspectivas da Integração e da Inclusão Internacionalmente, a proposta de Integração escolar foi oficialmente elaborada em 1972, na Educação Especial, por um grupo de profissionais da Escandinávia, na forma do chamado ‘princípio de normalização’. Este princípio estabelece que todas as pessoas com deficiência5 têm o direito de usufruir condições de vida o mais comum ou “normal” possível, na sociedade em que vivem. Dessa forma, normalizar não quer dizer tornar normal, mas significa dar à pessoa oportunidades de viver sua vida como qualquer outro cidadão, garantindo seu direito de ser diferente e de ter suas necessidades reconhecidas e atendidas pela sociedade (CARDOSO, 1992; CARVALHO, 1994; GLAT, 1998, apud ENUMO, 2005). O ‘princípio de normalização’ possui como base a perspectiva da Integração, visando ir muito além de colocar ou manter pessoas com deficiência6 em classes especiais, sendo assim, parte fundamental do processo educacional dessas pessoas, no sentido de não mais excluí-las e sim “integrá-las à sociedade”. Foi no final dos anos 60 e início dos anos 70 que as noções de normalização e integração se fortaleceram, em conjunto com os movimentos de direitos civis de minorias e grupos marginalizados. Estas se difundiram pelos Estados Unidos da América, Canadá e diversos países da Europa, influenciando os teóricos e profissionais no Brasil (GLAT, 1998; NUNES et al., 1998; SAINT-LAURENT, 1997, apud ENUMO, 2005). O sistema educacional brasileiro herdou a política de Integração das pessoas com deficiência nas escolas especiais, almejando alcançar os resultados advindos da prática da Integração nos países desenvolvidos nas décadas de 60 e 70. Entretanto, esse modelo anterior de Educação Especial, que adotava as ‘classes 5 Este texto usa a expressão “portadores de deficiência” que está em desuso atualmente. 6 Este texto usa o termo “excepcional” que é considerado ultrapassado nos dias de hoje. 9 especiais’ para alunos com necessidades educacionais especiais, com a intenção de propor um atendimento mais específico a eles, acabou por segregar os mesmos. Os profissionais que trabalhavam com a Integração tendiam a achar que era suficiente que a criança ou jovem com deficiência saísse de casa e estivesse “socializando” com demais jovens com deficiência. Alguns nem mesmo acreditavam em suas capacidades e potencialidades de aprendizagem e desenvolvimento e, por isso, com o tempo, a perspectiva integracionista começou a ser criticada e perdeu poder político. Dessa forma, a Inclusão escolar ganhou força, refletindo os esforços das sociedades atuais pela adoção dessa política em todas as salas regulares de ensino. Uma das intenções é a de que todas as crianças e jovens aprendam a aceitar e respeitar as diferenças entre os seres humanos, a partir da presença de colegas com deficiências, pois estes têm os mesmos direitos que seus colegas sem deficiência (ENUMO, 2005). Nesse momento, o sistema educacional brasileiro tem vivenciado um momento de transição no atendimento do aluno com deficiência, pois não mais estamos trabalhando numa perspectiva Integracionista e sim Inclusiva. (ENUMO, 2005) A partir do final dos anos 80, o termo e a perspectiva da Integração perderam força, sendo substituídos pela ideia de Inclusão, uma vez que o objetivo é incluir, educacional e socialmente, sem distinção, todas as crianças, independentemente de seu desempenho e suas habilidades (ENUMO, 2005). Conforme aponta Menezes (2005, p.5) “incluir não significa apenas inserir crianças na sala de aula, e sim, adaptar objetivos, atividades ou, se preciso, dar mais tempo para que a criança consiga aprender”. Na mesma perspectiva, Couto, Salum e Ferreira (2005) demonstram que a Integração pode ser vista como um processo anterior à Inclusão, pois a Inclusão seria uma prática de inserção mais radical, completa e sistemática. A respeito da Inclusão, o autor expõe: “Inclusão vai além da simples integração da pessoa ao ambiente escolar normal; implica não deixar ninguém de fora desde o início” (COUTO, SALUM, FERREIRA, 2005, p. 34). Segundo Salgado (2000, apud ALVES e LOPES, 2005, p. 323), a Inclusão pode ser entendida como um processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir em seus sistemas sociais gerais, pessoas com necessidades especiais ou com deficiências. Simultaneamente, estas se preparam para assumir seus papéis sociais como cidadãos, tendo seus direitos à educação, trabalho, lazer, ir e vir, etc. garantidos pela sociedade como um todo. 10 O movimento pela Educação Inclusiva é uma ação mundial, política, cultural, social e pedagógica, desencadeada em defesa do direito de todos os alunos de estarem juntos, aprendendo e participando, sem nenhum tipo de discriminação. A Educação Inclusiva constitui um paradigma educacional fundamentado na concepção de direitos humanos, que conjuga igualdade e diferença como valores indissociáveis, e que avança em relação à ideia de eqüidade formal ao contextualizar as circunstâncias históricas da produção da exclusão dentro e fora da escola (BRASIL, 2007). Conforme consta na Declaração de Salamanca (1994, inciso 7), Princípio fundamental da escola inclusiva é o de que todas as crianças devem aprender juntas, sempre que possível, independentemente de quaisquer dificuldades ou diferenças que elas possam ter. Escolas inclusivas devem reconhecer e responder às necessidades diversas de seus alunos, acomodando ambos os estilos e ritmos de aprendizagem e assegurando uma educação de qualidade a todos através de um currículo apropriado, arranjos organizacionais, estratégias de ensino, uso de recurso e parceria com as comunidades. Na verdade, deveria existir uma continuidade de serviços e apoio proporcional ao contínuo de necessidades especiaisencontradas dentro da escola. Menezes (2005) explica que a Inclusão escolar vai além da inserção do aluno na sala de aula ou de adaptações arquitetônicas. Estas são necessárias, mas para que a Inclusão Escolar se efetive devem ser verificadas as condições na qual ocorrerá, ou seja, deve ser verificado o que pode ser oferecido pela escola para diminuir as limitações trazidas pela deficiência. Isto significa que é a escola que deve se adaptar às necessidades das pessoas com deficiência e não o contrário. No ambiente escolar barreiras atitudinais, arquitetônicas, etc. devem ser evitadas de forma a melhor atender as necessidades das pessoas com deficiência, sejam elas educacionais, principalmente, ou extrapedagógicas. Assim, a escola como um todo deve se preparar para responder às necessidades dos alunos com deficiência e intervir pedagogicamente de forma apropriada às suas necessidades, construindo um Programa Educativo Individual ou Plano de Educação Individualizado - PEI. (SMITH, 2008). Conforme aponta Alves e Lopes (2005), a Inclusão não focaliza o indivíduo, como aquele que deve mudar, mas a sociedade. Dessa forma, para a sociedade se tornar inclusiva devem ocorrer alterações políticas realizadas por todos os grupos, trabalhando juntos. A sociedade inclusiva possui como característica não ser apenas 11 aberta, mas encorajadora do processo de participação de cada um. “A Inclusão social, portanto, é um processo que contribui para a construção de um novo tipo de sociedade, através de transformações, pequenas e grandes, nos ambientes físicos e na mentalidade de todas as pessoas, inclusive do portador de necessidades especiais7” (ALVES, LOPES, 2005, p. 38). O movimento mundial pela Inclusão almeja que as pessoas pobres, ricas, brancas, negras, com deficiência ou não, tenham o direito de frequentar o ensino regular, tendo como foco central acabar com a segregação (PEREIRA, SALES, 2005). Para Alves e Lopes (2005, p. 96) a Inclusão é definida pela “(...) necessidade de um processo educativo de qualidade para todos, independentemente da condição socioeconômica, gênero, raça, religião e das características distintas dos indivíduos”. Mena (2000) afirma que atualmente, a condição existente nas escolas particulares ou públicas brasileiras, ainda é a da Integração, já que crianças com deficiência(s) são constantemente colocadas em classes regulares, sem que tenha sido estabelecida nenhuma condição pedagógica, educacional e terapêutica para que ela consiga aprender, ou mesmo para que se integre socialmente com os colegas. A perspectiva da Integração revela apenas que a pessoa com deficiência compartilha do mesmo espaço físico que os demais, mas não permite ou garante que a criança desenvolva suas capacidades e seja incluída social, cognitiva e emocionalmente. Uma vez que o panorama da Integração está disseminado em nossa sociedade, a Inclusão escolar encontra barreiras para sua real efetivação, pois em geral, há ausência de infraestrutura nas escolas para receberem de modo apropriado o aluno com deficiência; ou ainda, o desconhecimento a respeito das necessidades educacionais do aluno com deficiência por parte dos educadores, que continuam dando aula para todos os alunos da mesma forma, como se não houvesse um aluno com deficiência em sala de aula. As dificuldades encontradas atualmente nos sistemas de ensino denotam a necessidade de confrontar as práticas discriminatórias e criar alternativas para superá-las. Assim, a Educação Inclusiva assume espaço central no debate acerca do papel da escola e da sociedade na superação da lógica da exclusão (BRASIL, 2007). 7 Apesar de constar de algumas Leis e literatura científica prévias a 2008, o termo “portador de necessidades especiais” hoje deve ser substituído pela expressão “pessoas com deficiência”. 12 A Inclusão exige a transformação na esfera escolar, já que defende a inserção no ensino regular de alunos com quaisquer déficits e necessidades, cabendo às escolas se adaptarem às necessidades deles, ou seja, a Inclusão acaba por exigir uma ruptura com o modelo tradicional de ensino (MARCHESI; ECHEITA; MARTÍN, 1995; SASSAKI, 1997, apud ENUMO, 2005). Frente ao estigma da diferença e à massificação social tão disseminada atualmente, deve-se compreender que a deficiência é apenas uma diferença e que nenhum ser humano é igual ao outro, mas que se constituiu a partir das diferenças encontradas nos outros em seus processos de constituição do sujeito, segundo a Psicologia Histórico- Cultural. Dessa forma, a sociedade é constituída por sujeitos diferentes entre si e essas diferenças devem ser respeitadas, pois sua compreensão significa riqueza psicológica e ampliação de horizontes cognitivos, afetivos e sociais. O paradigma da Inclusão vem buscando ao longo dos anos, a não exclusão escolar e propondo ações que garantam o acesso, a permanência e a aprendizagem dos alunos com deficiência(s) no ensino regular. No entanto, o paradigma da segregação é forte e enraizado na sociedade e também nas escolas, as quais com todas as dificuldades e desafios a enfrentar, acabam por reforçar o desejo e a noção de que pessoas com deficiência devem ser mantidas em espaços especializados (PEREIRA, 2008). A força da perspectiva inclusiva dependerá da mudança de valores da sociedade e da vivência concreta de um novo paradigma que não se faz com simples recomendações técnicas, como se fossem “receitas de bolo”. Para haver Inclusão na escola é necessária a criação de um espaço para reflexões dos professores, direções, pais, alunos e comunidade sobre as práticas pedagógicas destinadas às crianças e jovens com deficiência, ou de qualquer aluno que esteja sendo discriminado ou excluído nas escolas. Para isso, devemos levar em conta as diferenças, conhecer suas especificidades, refletir seriamente sobre elas e propor possíveis soluções para as demandas presentes no cotidiano escolar (PEREIRA, 2008). Para que a Inclusão possa de fato ocorrer, todos os envolvidos no ambiente escolar e fora deste precisam olhar a escola como um ambiente de construção de conhecimentos, destinada a todos, deixando de existir qualquer forma de discriminação em termos de idade, desempenho, capacidade, entre outras. Para a existência de uma práxis inclusiva, barreiras políticas e atitudinais, entre outras, bem 13 como práticas pedagógicas excludentes e ultrapassadas devem ser removidas ou evitadas e os processos de avaliação devem ser reavaliados. Novas tecnologias devem ser utilizadas e deve-se investir em capacitação e atualização, não apenas dos professores, mas de disseminação de conhecimentos sobre as deficiências e sobre o que significa a Inclusão, envolvendo toda a comunidade escolar (PEREIRA, 2008). A formação profissional do professor deve ser revista, de modo que sejam aprofundadas discussões teórico-práticas específicas, para que surjam melhorias no processo de ensino e aprendizagem, não só para as pessoas com deficiência, mas para todas as crianças e jovens. Além disso, o professor deve ser assessorado por uma equipe de profissionais para a constante resolução de dificuldades cotidianas que podem surgir na sala de aula, criando alternativas que possam beneficiar todos os alunos. O processo avaliativo deve ser contínuo e permanente, com foco na qualidade do conhecimento e não na quantidade deste, criando-se espaços para que a criatividade, a cooperação e a participação surjam nos processos de ensino e aprendizagem (PEREIRA, 2008). A respeito da visão que a sociedade tem frente às pessoas com deficiência, Goffredo (1997 apud MARTÍNEZ, 2007, p. 40) afirma que: “o problema fundamental recai sobre a visão que a sociedade ainda tem a respeito dos portadores de deficiência8– a valorização de sua não eficiência”. Segundo Pereira e Sales (2005) a real Inclusão dos alunos com deficiência(s) ocorrerá quando estes passarem a ser vistos como pessoas que têm diferenças assim como as demais, e que eles também podem contribuir para a sociedade, podendo aprender e ensinar, produzir, trabalhar, viver plenamente. Além disso, é necessária uma revisão da proposta escolar, uma melhor formação e aperfeiçoamento dos professores, uma melhoria das condições físicas, ideológicas e metodológicas da escola e uma integração entre comunidade, escola, pais e o aluno com deficiência. Para que tenhamos uma sociedade que permita a inclusão dos deficientes9, é necessário que os pais não esperem seus filhos como modelos de perfeição, mas que os indivíduos tenham a subjetividade construída a partir das diferenças, aceitando-se os deficientes como pessoas que podem ser felizes e produzir dentro da sociedade. È necessário que os deficientes tenham oportunidades de crescer sem 8 Leia-se pessoas com deficiência. 9 O termo deficiente está em desuso e foi substituído pela expressão “pessoas com deficiência”. 14 os signos da limitação, da incapacidade e da diferença. (PEREIRA e SALES, 2005, p. 51) Dessa forma, é necessário conhecer o desenvolvimento humano e suas relações com o processo de ensino e aprendizagem, levando em conta como se dá este processo para cada aluno. É preciso ainda utilizar currículos e metodologias flexíveis, levando em conta a singularidade de cada aluno, respeitando seus interesses, suas idéias e desafios para novas situações (PEREIRA, 2008). A respeito do currículo, a Declaração de Salamanca (1994, incisos 26 e 27), propõe que: Este deve ser adaptado às necessidades das crianças, e não vice- versa. As escolas deveriam, portanto, prover oportunidades curriculares que sejam apropriadas à criança com habilidades e interesses diferentes; crianças com necessidades especiais deveriam receber apoio instrucional adicional no contexto do currículo regular, e não de um currículo diferente. O princípio regulador deveria ser o de providenciar a mesma educação a todas as crianças, e também prover assistência adicional e apoio às crianças que assim o requeiram. Portanto, na perspectiva inclusiva para a educação escolar regular, as crianças e jovens com deficiência devem aprender a mesma grade curricular e conteúdos das demais crianças de sua turma; o que vai variar é a forma de acesso a esses conhecimentos, de acordo com as suas necessidades específicas. Para isso, os professores devem conhecer o que a criança com deficiência necessita para aprender e também demanda para ser avaliada, isto é, para demonstrar os conhecimentos aprendidos, de forma a realizar uma melhor mediação individual a este aluno. Trataremos, a seguir, deste tema. 4 OS CONCEITOS DE MEDIAÇÃO E ZONA DE DESENVOLVIMENTO PROXIMAL NA PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL A abordagem Histórico-Cultural do psiquismo elaborado pelo psicólogo bielo- russo Lev S. Vygotsky (1896- 1934) tem por objetivo central: [...] caracterizar os aspectos tipicamente humanos do comportamento e elaborar hipóteses de como essas características se formaram ao longo da história humana e de como se desenvolvem durante a vida de um indivíduo. (VYGOTSKY, 1984, apud REGO, 2002, p. 38) 15 A abordagem psicológica de Vygotsky propunha dar respostas a questões que estavam sendo tratadas de forma inadequada pelos estudiosos interessados na psicologia humana e animal. Estas questões envolviam a compreensão entre como se desenvolviam historicamente os seres humanos em seu ambiente físico, social e cultural; identificar as formas novas de atividades que levaram o trabalho como o meio fundamental de relacionamento entre homem e a natureza; e a análise da natureza das relações entre o uso de instrumentos e o desenvolvimento da linguagem (REGO, 2002). Para Vygotsky, a criança aprende em qualquer situação, já que o seu desenvolvimento ocorre de forma integral, e não apenas intelectual, e não está separado das situações de aprendizagem. O foco da promoção do desenvolvimento infanto-juvenil está em gerar para a criança ou jovem as condições necessárias para sua aprendizagem (Nassar, 2009). Como essas condições são geradas pelo meio ambiente social e cultural em que a criança com ou sem deficiência nasce e se desenvolve, este meio sócio-cultural é muito importante, pois às vezes não permite a observação, manipulação e vivência direta da criança, que é a forma como qualquer criança vai construindo seus conceitos cotidianos, inclusive a criança com deficiência. Dessa forma, segundo a Psicologia Histórico-Cultural, a criança aprende socialmente, no convívio com o(s) outro(s) e desenvolve as funções psicológicas superiores10 com e a partir do outro em uma dimensão inicialmente interpessoal, para depois apropriar-se dos conhecimentos obtidos através desta relação como seus. Portanto, a presença do outro é muito importante para o desenvolvimento da criança com deficiência, assim como para a criança sem deficiência. O outro pode ser também uma criança sem ou com deficiência mais competente em uma determinada habilidade ou conhecimento, que poderá facilitar a aprendizagem da criança com deficiência (NASSAR, 2009). Ao investigar a relação entre aprendizagem e desenvolvimento, Vygotsky afirma que a aprendizagem antecede o desenvolvimento, mas dialeticamente ambos os processos são inseparáveis. Partindo desta perspectiva, crianças com deficiência intelectual terão melhor desenvolvimento se o professor partir daquilo que ela já 10 Segundo Vygotsky, as funções psicológicas superiores ou processos psicológicos superiores distinguem os seres humanos dos animais, sendo estes o pensamento abstrato, o raciocínio dedutivo, a capacidade de planejamento, a imaginação criadora, a linguagem, entre outras. 16 sabe fazer, ou seja, trabalhar com ela via Zona de Desenvolvimento Proximal ou ZDP. Isto significa que o educador deve partir daquilo que ela saber fazer sozinha (Zona de Desenvolvimento Real) e oferecer todo o apoio necessário para que ela adquira o que lhe está faltando, de modo que aprenda e, consequentemente, se desenvolva (NASSAR, 2009). Em seu livro A formação social da mente, Vygotski (1978) explora a relação entre educação e desenvolvimento, através do conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal. Este conceito é comumente associado à distância existente entre o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial ou possível, de aprendizagem dos sujeitos (FRADE e MEIRA, 2012). O nível de desenvolvimento no qual o indivíduo é capaz de resolver problemas sozinho seria o nível de desenvolvimento real (FRADE e MEIRA, 2012). Este nível mostra algumas conquistas que já estão consolidadas na criança, compreendendo funções ou capacidades que ela já aprendeu e consegue dominar, já que faz uso sem auxílio de outra pessoa mais experiente. O nível ou zona de desenvolvimento real mostra os processos psíquicos da criança que já se estabeleceram e alguns ciclos de desenvolvimento que já se completaram (REGO, 2002). Já o nível em que o sujeito precisa da mediação de outro ou da colaboração de outras pessoas mais competentes para avançar na aprendizagem ou ampliar seus conhecimentos, seria o nível ou Zona de Desenvolvimento Proximal (FRADE e MEIRA, 2012). Este nível se refere àquilo que a criança é capaz de fazer, mas mediante a ajuda ou mediação de outra pessoa. Assim ela realiza suas tarefas por meio do diálogo, da colaboração, da imitação, das experiências compartilhadas e das pistas que lhe são fornecidas (REGO, 2002). Com a mediação dooutro, seu desenvolvimento real se amplia e se aproxima do desenvolvimento potencial. A partir da definição da Zona de Desenvolvimento Proximal, o desenvolvimento da criança é visto de forma prospectiva, já que o conceito define as funções que ainda não amadureceram ou que estão em vias para amadurecer, na Zona de Desenvolvimento Potencial. Por outro lado, revela que as funções ainda não desenvolvidas poderão ser, dadas as condições de mediação adequadas para isso. Assim, para compreender o desenvolvimento individual de uma criança, com ou sem deficiência, devemos levar em consideração tanto seu nível de 17 desenvolvimento real, quando o potencial, e, principalmente a ligação desses dois níveis via Zona de Desenvolvimento Proximal, isto é, mediação do outro mais experiente e/ou de um educador (REGO, 2002). Tal mediação, por sua vez, cria a Zona de Desenvolvimento Proximal, na medida em que as interações com outras pessoas fazem com que a criança seja capaz de colocar em movimento vários processos de desenvolvimento que sem a ajuda de outros sujeitos seria impossível. Assim, a criança se apropria dos processos culturais, os quais passam a fazer parte das aquisições do seu desenvolvimento individual em nível real (REGO, 2002). Conforme já relatado, uma vez que consideramos a ZDP no desenvolvimento da criança, conseguimos compreender a dinâmica interna do desenvolvimento individual; verificar os ciclos já completos, os ciclos que estão em vias de formação e os que ainda estão fora de alcance da Zona de Desenvolvimento Proximal da criança, no nível ou Zona Potencial. Esta compreensão permite que seja realizado um delineamento mais completo das atuais competências diversas da criança e de suas futuras conquistas, assim como a elaboração de estratégias pedagógicas que a auxiliem nesse processo (REGO, 2002). Com relação à escola e à ZDP, esta por sua vez, desempenhará bem seu papel, na medida em que partir do conhecimento do que a criança já sabe, ou seja, o conhecimento que ela traz e produz em seu cotidiano, suas ideias e representações a respeito dos objetos, dos fatos, dos fenômenos e suas “teorias” acerca do que observa no mundo. Dessa forma, a escola será capaz de incidir na Zona de Desenvolvimento Proximal dos educandos, ampliando seu desenvolvimento real (REGO, 2002). Segundo Frade e Meira (2012), no contexto escolar, a sala de aula deve ser um ambiente apropriado para a produção da ZDP, isto é, para a produção de movimentos de aproximação do nível de desenvolvimento potencial de competências, conhecimentos e habilidades, para o nível de desenvolvimento real das crianças e jovens. O ambiente da sala de aula seria propício à ZDP, pois, supostamente, é configurado tendo-se em mente um espaço onde haverá uma interrelação entre ensino e aprendizagem. Assim, o ensino é supostamente atribuído aos professores, já que possuem mais experiências nos conhecimentos do que os alunos que vão aprendê-los (FRADE e MEIRA, 2012). 18 Vale ressaltar que a sala de aula não é o único lugar apropriado para o surgimento da ZDP; ou de que mesmo que haja o potencial desta ocorrer neste ambiente, não há uma garantia a priori de que de fato, tal possibilidade irá se cumprir. Os professores são os agentes mais capacitados, no que diz respeito às disciplinas que ministram, devendo desempenhar o papel de mediadores das interações entre alunos e alunos, alunos e professores e entre alunos e os objetos de conhecimento. Além dos professores e alunos constituírem-se como agentes de produção da ZDP, os estagiários e monitores também podem exercer esse papel (FRADE e MEIRA, 2012). Através da compreensão do papel mediador que os professores possuem na relação com seus alunos, há a possibilidade de ressignificação do papel das interações sociais entre alunos e professor e alunos entre si. Uma melhor compreensão desses aspectos pode ocorrer por meio de uma investigação sobre os sentidos dados pelos educadores ao seu trabalho; tal pesquisa poderia gerar dados sobre as práticas e interações institucionais cotidianas e promover uma reflexão sobre o papel do professor, entre outros aspectos (ANDRADA, 2002). Quando o professor é visto como o elemento fundamental mediador das interações ou relações entre os alunos com os objetos de conhecimento, ele adquire um papel central no contexto escolar (REGO, 2002). A consciência do papel de mediador que o adulto possui, possibilita a ele reconhecer a Zona de Desenvolvimento Real das crianças e criar com elas, Zonas de Desenvolvimento Proximal que permitam saltos qualitativos em seu desenvolvimento. Além disso, o educador precisa reconhecer que sua mediação, por meio de perguntas e participação junto às crianças na execução de tarefas, por exemplo, é o suporte necessário para que, num segundo momento, a criança execute a mesma tarefa com autonomia (ANDRADA, 2002). Segundo Frade e Meira (2012), a ZDP ocorre quando o professor ou até mesmo os demais alunos conseguem produzir um entendimento comum e interagir nas respostas dos próprios estudantes, de modo que eles avancem ou progridam em suas ideias iniciais. Se o avanço ou progressão alcançada levou os alunos a produzirem novos entendimentos ou conhecimentos, o nível potencial alcançado torna-se real, sendo possível afirmar que uma aprendizagem ocorreu e que os alunos mostraram progresso em alguma área. 19 Por ser comum a prática de avaliação das crianças na escola e na vida cotidiana somente no nível de desenvolvimento real, supondo que somente aquilo que a criança é capaz de fazer sem o auxílio de outros, é representativo de seu desenvolvimento, estimamos que as contribuições trazidas por Vygotsky via ZDP se contrapõem a este fato, mostrando que tanto o desenvolvimento real quanto o potencial devem ser analisados para a compreensão do desenvolvimento individual, o qual se dá social e coletivamente, via interação com o(s) outro(s). Este processo é particularmente importante para as crianças e jovens com deficiência, pois quando a aprendizagem via ZDP é compreendida, é possível ao educador realizar um delineamento das atuais competências diversas da criança e de suas futuras conquistas e assim, elaborar estratégias pedagógicas que auxiliem neste processo (REGO, 2002). Tendo em vista o cenário acima exposto, podemos reconhecer que a importância do psicólogo educacional no contexto escolar está fundamentalmente relacionada ao trabalho junto aos professores como um agente mediador de conhecimentos psicológicos, servindo à escola como uma totalidade. Com esta compreensão, a atuação do psicólogo educacional não se relaciona ou restringe mais à relação bipessoal com as crianças consideradas “problemas”. Este profissional trabalha no sentido de ressignificar as relações interpessoais e promotoras de aprendizagem e conhecimentos em sala de aula e na escola como um todo. Tal perspectiva também permite ao professor ver sua turma como um grupo, e a sua prática pedagógica como a criação de um espaço grupal de mediação e criação das mudanças educativas que se fazem necessárias, possibilitando novas trocas mais saudáveis e o desenvolvimento integral de todas as crianças e jovens estudantes, em acordo com a proposta inclusiva (ANDRADA, 2002). 5 PSICOLOGIA EDUCACIONAL E INCLUSÃO Antes da regulamentação dos princípios inclusivos e assim ao longo de várias décadas, a atuação do psicólogo educacional esteve limitada à avaliação e ao diagnóstico de crianças que supostamente apresentariam algum tipo de atraso cognitivo, frequentemente confundido como deficiência intelectual. Através do uso 20 de instrumentos de avaliação, como testes de inteligência, o psicólogo era responsável por elaborar laudos psicológicos, estando apto a fazer o encaminhamentodestas crianças para classes especiais, quando necessário (SANT’ ANA, 2011). A prática acima exposta foi criticada, principalmente a partir dos anos 1980, devido a falhas no processo de avaliação e por ter se constituído ao longo da história da Psicologia Educacional como uma forma de intervenção descontextualizada, a qual, por várias décadas, favoreceu mecanismos de exclusão na escola (PATTO, 1990; MACHADO, 1994; MACHADO, PROENÇA E SAYÃO, 1997; LIMA, 2005; MALUF E CRUCES, 2008, apud SANT’ ANA, 2011). O psicólogo que contribui para o processo coletivo de Inclusão escolar deve colaborar não só para o processo de integração e desenvolvimento psicossocial do aluno, mas para a melhoria das práticas educativas, de forma a garantir a aprendizagem dos alunos com deficiência. Tais ações podem ocorrer via construção coletiva dos vários integrantes e agentes do contexto educacional. Para que atuações inclusivas ocorram é importante que o psicólogo e sua equipe compreendam o contexto educativo em sua dimensão política, social, educacional e subjetiva (SANT’ ANA, 2011). Para isso, o profissional deve ter uma formação adequada e um constante exercício de reflexão de sua ação, tendo como parâmetros norteadores pressupostos teórico-metodológicos que permitam analisar criticamente os fenômenos educacionais (PATTO, 1990; TANAMACHI et al., 2000 apud SANT’ ANA, 2011). Conforme esclarece Sant’ Ana (2011), as atividades propostas ao psicólogo educacional seriam: oferecer suporte aos professores de educação regular e especial por meio da coleta e da busca de dados relacionados às crianças e suas dificuldades; investigar as possíveis variáveis que interferem na manutenção dos problemas; analisar condições ambientais e interpessoais; propor e desenvolver estratégias e planos de intervenção, como também avaliar os resultados obtidos. O trabalho do psicólogo educacional em conjunto aos professores deve ocorrer através de um encorajamento do papel ativo que eles possuem no processo educacional. Dessa forma, deve ser estimulado o pensamento crítico, com a finalidade de uma melhor compreensão da sua atuação profissional (VOKOY, PEDROZA, 2005). 21 Em consonância com a mudança de foco na atuação profissional discorrida acima, os autores Machado e Souza (1997, apud VOKOY e PEDROZA, 2005), entendem que o psicólogo educacional, ao invés de realizar anamnese familiar, ou utilizar predominantemente testes, deveria conhecer como o professor entende os problemas do aluno, bem como colher informações sobre a sala de aula e a história escolar de cada criança. Estes mesmos autores sugerem que o psicólogo educacional tenha uma convivência com as crianças e com a escola, através de observação participante em salas de aula e demais espaços escolares, entrevistas abertas, visitas domiciliares e participação em atividades lúdicas. Estas diferentes possibilidades de conhecimento têm como objetivo uma melhor visualização das crianças e profissionais em vários contextos; estabelecer um vínculo de confiança com profissionais da educação e alunos; criar possibilidades de escuta no espaço escolar; e oportunidades de dar voz aos estudantes e aos educadores. Martínez (2007) expõe que uma das principais barreiras ao processo de Inclusão se concentra no fato de se conceber o processo educativo como um processo estandardizado, dirigido a um grupo específico de alunos, tendo uma representação do mesmo a priori, e com o qual se acredita que se deveriam atingir objetivos predeterminados. Assim, os sujeitos que não se comportam de acordo com o grupo se tornam exceções e, dessa forma, passam a ser vistos como “problemas” (MARTÍNEZ, 2007). SANT’ ANA (2011), afirma que o desafio inicial da proposta de Inclusão é a realização de um trabalho que favoreça a conscientização de educadores, da equipe técnica e administrativa, das famílias e da comunidade a respeito das novas demandas produzidas por essa proposta política. Algumas atitudes apresentadas pelos professores frente aos alunos com deficiência e necessidades educacionais especiais, como medo e insegurança, por exemplo, podem demonstrar que existe falta de preparo para lidar com estes alunos. Tendo em vista este cenário relacionado à postura pessoal do educador, suas crenças, valores e preconceitos devem ser revistos, para que tenha novas e melhores atitudes com relação a pessoas com deficiência. Se necessário, o educador deve buscar capacitação profissional para atuar como agente de Inclusão escolar dos alunos com deficiência (GOMES e BARBOSA, 2006). 22 Em contraposição, Gomes e Barbosa (2006) mostram que a capacitação profissional só apresenta resultados positivos quando forem revistos e compreendidos os posicionamentos e as atitudes dos professores frente à própria atuação profissional. Dessa forma, os autores consideram inválido capacitar os docentes com conhecimentos teóricos e práticos sobre Inclusão, se os educadores não julgam ser de sua responsabilidade educar toda e qualquer pessoa. Já Nassar (2009), expõe que a formação dos educadores deve ser contínua, tendo como base a superação dos preconceitos e o trabalho com as potencialidades das crianças com ou sem deficiência e não com suas dificuldades. Para isso, o ponto central estaria no fato de caracterizar o espaço escolar pela diferença e o processo educativo como diferenciado, já que se relaciona com as diferenças dos sujeitos que nele participam. Esta mudança conceitual implica que a representação da escola sofra mudanças e o processo de ensino e aprendizagem também (MARTÍNEZ, 2007). Assim, a escola deve ser vista como um dos espaços sociais privilegiados de constituição do sujeito e de suas potencialidades. Uma vez que consigamos pensar desta forma, há um favorecimento dos processos de aprendizagem para todos os sujeitos. (MARTÍNEZ, 2007) Na verdade, toda prática pedagógica deveria ser inerentemente inclusiva; nesse sentido, a expressão Educação Inclusiva é redundante. Entretanto, torna-se necessária, uma vez que nossos espaços educacionais e sociais têm produzido práticas pedagógicas e extrapedagógicas excludentes. Com relação à proposta pedagógica das escolas, (Leme, 2008, p.11), expõe que: É preciso que a escola tenha claro uma concepção de sujeito, de mundo, de deficiência, de desenvolvimento, de aprendizagem, para que possa conhecer e compreender melhor as características dos sujeitos com dificuldades para aprender, exercendo seu papel mediador para a apropriação dos conteúdos. De modo mais específico, a escola deve ser vista como um sistema social complexo, onde indivíduos diferentes se relacionam de forma e níveis diversos para atingir objetivos educativos similares. (MARTÍNEZ, 2007). A respeito da atuação do psicólogo educacional e da importância de sua atuação no âmbito da Inclusão, destacamos que: 23 O psicólogo pode desenvolver práticas que introduzam concepções inclusivas, ter uma atuação que não seja complementar às práticas de exclusão, que possam romper com as ações que muito serviram para validar concepções ideológicas, baseadas, sobretudo na psicometria e na aferição do QI dos alunos (NEVES, MACHADO, 2007, p. 136). Nesse sentido, o processo de avaliação pedagógica e psicológica dos estudantes com deficiência deve ser diferenciada das antigas práticas e embasada em uma perspectiva mais ampla do seu desenvolvimento, consoante à Psicologia Histórico-Cultural de Vygotsky, principalmente com relação à noção de Zona de Desenvolvimento Proximal, a qual significa olhar principalmente para aquilo que as crianças e adolescentes já são capazes de fazer, ou conseguem realizar com a mediação de outros e não apenas para suas limitações e dificuldades. Com relação à atuação do psicólogo educacional no processo de Inclusão escolar, doisinstrumentos de auxílio a sua prática são de grande valia, sendo estes, a avaliação assistida e a comunicação alternativa e ampliada. A avaliação assistida tem se mostrado útil no processo de Inclusão dos alunos com deficiência ou necessidades educacionais especiais, pois esta se mostra como uma modalidade de avaliação psicológica que contribui para o diagnóstico das dificuldades de aprendizagem desses alunos (STERNBERG; GRIGORENKO, 2002, apud ENUMO, 2005). A avaliação assistida tem origem na década de 70, com os trabalhos de Reuven Feuerstein e seus colegas, em Israel. Eles estavam insatisfeitos com os métodos de avaliação tradicionais que forneciam informações sobre a habilidade para aprender dos estudantes. Assim, desenvolveram uma modalidade de avaliação voltada ao fornecimento de informações que possam ser diretamente aplicadas na prática por educadores e psicólogos clínicos e escolares (CAMPIONE, 1989; HAYWOOD; TZURIEL, 1992, 2002; LIDZ, 1989, 1991; LINHARES, 1995; TZURIEL, 2001; STERNBERG; GRIGORENKO, 2002 apud ENUMO, 2005). A avaliação assistida é definida como um procedimento de avaliação do pensamento, percepção, aprendizagem e resolução de problemas, mediante um processo de ensino que visa modificar o funcionamento cognitivo, sendo uma abordagem ativa à deficiência e às dificuldades de aprendizagem (TZURIEL, 2001 apud PAULA; ENUMO, 2007). 24 A avaliação assistida tem como fundamentação teórica o conceito amplamente discutido na atualidade de Zona de Desenvolvimento Proximal - ZDP, de Vygotsky (1991), e o conceito de Experiência de Aprendizagem Mediada - EAM, de Feuerstein, ambos trazendo destaque para o papel das variáveis sócio-culturais no desenvolvimento cognitivo (FEUERSTEIN et al., 1987; TZURIEL, 2001 apud PAULA;ENUMO, 2007). Para as pessoas que não se comunicam através da linguagem verbal, seja porque o repertório verbal é inadequado, ou quando a fala não se manifesta, ou ainda, é inteligível e limitada, são necessários dispositivos - sistemas de Comunicação Alternativa e Ampliada (CAA) - que permitem uma comunicação significativa e mais funcional no contexto socioafetivo (PAULA; ENUMO, 2007). A CAA é caracterizada por ser uma área da prática clínica que busca compensar, temporária ou permanentemente, desordens na comunicação expressiva, dados existentes prejuízos na linguagem oral e escrita. Assim, são utilizados diferentes meios de comunicação de forma substitutiva ou suplementar de apoio à fala, ajudando a desenvolver, quando possível, a linguagem oral. Alguns dos meios seriam a linguagem de sinais e expressões faciais, símbolos, gestos e outros. (NUNES, 2003 apud PAULA; ENUMO, 2007). No Brasil, o emprego da CAA foi iniciado em instituições de reabilitação para pessoas com deficiência, especialmente a Paralisia Cerebral (PAULA; ENUMO, 2007). Tanto a CAA quanto a avaliação assistida visam otimizar o desempenho, habilidades e competências do examinando e não apenas obter uma amostra deste ou avaliar meramente sua inteligência. Assim, pretende-se compreender como a criança aprende, facilitando de modo direto sua competência cognitiva pela criação de uma situação em que a criança se envolve diretamente em seu próprio processo de aprendizagem (LIDZ, 1996 apud ENUMO, 2005). Ambas as modalidades são temas de investigação recente no país, surgindo a partir da década de 70 pelas pesquisas desenvolvidas em centros universitários. Estas duas áreas trabalham para que haja um melhor desenvolvimento das pessoas com deficiência e para que seu processo de avaliação seja mais justo, considerando o que são capazes de fazer e não apenas o que ainda não são capazes (PAULA; ENUMO, 2007). Quando os profissionais da Psicologia são capacitados na avaliação assistida, os alunos com deficiência ou necessidades educativas especiais têm suas 25 características melhor avaliadas, já que esta permite a identificação de necessidades instrucionais mais adequadas e, com isso, é possível oferecer informações específicas sobre suas possibilidades de mudança, auxiliando o processo de intervenção e contribuindo para o processo de Inclusão escolar dos mesmos (ENUMO, 2005). 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS No presente artigo, buscamos refletir sobre o processo de Inclusão escolar em consonância com a proposta de uma sociedade inclusiva. Assim, procuramos articular que o processo de Inclusão escolar está diretamente relacionado à maneira como as sociedades e culturas têm lidado com as pessoas com deficiência e que estas concepções não só podem mudar como atualmente estão em transformação. Como ponto de partida, verificamos as práticas sociais realizadas e a presença ou ausência de políticas públicas em prol das pessoas com deficiência, promovidas historicamente, ao longo de quatro fases na trajetória da humanidade. Discorremos ainda que o processo de Inclusão deve partir de reflexões envolvendo toda a sociedade, levando em consideração as diferenças existentes entre cada um de nós. Por fim, mostramos o papel do psicólogo educacional e sua contribuição para o processo de Inclusão de pessoas com deficiência no contexto escolar. Apesar deste artigo trazer um breve histórico da deficiência e das legislações em prol da Inclusão social e tratar resumidamente da importância do psicólogo educacional para o processo de Inclusão escolar, gostaríamos que este texto pudesse servir de suporte teórico aos profissionais que desejem aprender mais sobre a Inclusão escolar de pessoas com deficiência e sobre o papel do psicólogo educacional nas escolas. Tivemos a intenção de esclarecer que o processo de Inclusão das pessoas com deficiência deve ocorrer por meio da participação de todas as partes envolvidas. Família, escola, e sociedade devem se adaptar para incluir as pessoas com deficiência(s) e para que elas se preparem para assumir os papéis sociais a que têm direito. 26 Com relação aos dois instrumentos destacados na atuação profissional – a avaliação assistida e a comunicação alternativa e ampliada - estes possibilitam uma contraposição às práticas inicialmente realizadas pelos profissionais em prol da Integração, já que estas se relacionavam apenas à avaliação e ao diagnóstico de crianças para serem encaminhadas para as classes especiais. Numa perspectiva inclusiva, dentre os diversos benefícios com relação à implementação de tais instrumentos, está a diminuição das barreiras da exclusão social, por meio da promoção de alternativas que melhorem a qualidade de vida da pessoa com deficiência e, assim seu processo de desenvolvimento cultural. A atuação do psicólogo educacional frente à construção do processo de Inclusão escolar não abrange apenas a relação entre professor e aluno com deficiência na sala de aula, mas a escola como um todo. Dentre as diversas contribuições que procuramos expor com relação à adaptação do ambiente escolar e sobre a atuação dos professores, destacamos a importância da escola efetivamente se preparar e planejar para responder às necessidades concretas dos alunos com deficiência e intervir pedagogicamente de forma adequada. Para isso, os professores devem trabalhar juntos e modificar as formas de mediação de conhecimentos e de avaliações em prol de um melhor aprendizado das crianças com deficiência. Enfatizamos ainda a necessidade de uma maior conscientização de todos os educadores envolvidos, da equipe técnica e administrativa, das famílias e da comunidade a respeito das novas demandas produzidas pela perspectiva política inclusiva. Acreditamos que os educadores precisam compreender melhor o papel de mediador de conhecimentos que possuem na relação com todos os seus alunos; necessitam ainda de uma melhor compreensão da dimensão subjetiva e afetiva da sua atuação profissional, e um espaço para reflexão e pensamentocrítico sobre seu cotidiano e sobre as relações nele estabelecidas, e como elas poderiam melhorar ou serem aprimoradas. Procuramos demonstrar que a presença do psicólogo educacional na escola pode ser muito útil como mediador para todas essas questões em prol de uma sociedade e escola inclusivas. Entretanto, o psicólogo não consegue promover mudanças se trabalhar isoladamente. Por isso, ressaltamos a importância da participação de todos os profissionais na construção de novas práticas, 27 conhecimentos e reflexões sobre sua atuação frente ao processo de Inclusão escolar. O conceito de sociedade inclusiva propõe que alterações políticas devam acontecer em todos os grupos, de modo que haja um trabalho em conjunto e que todos os cidadãos tenham uma efetiva participação no mesmo. Além disso, entende a deficiência apenas como uma diferença, e que a sociedade é construída por sujeitos intrinsecamente diferentes entre si. Pessoas com deficiência têm sofrido discriminação e preconceitos historicamente devido às diferenças em sua condição. Embora apresentem limitações, que podem ser superadas, as pessoas com deficiência não devem ser confundidas como incapazes e sim vistas como pessoas capazes de aprender, trabalhar, desenvolver-se, amar e viver a vida da forma mais plena possível, quando são geradas coletivamente as condições para isso. A partir da literatura científica sobre a Inclusão e do referencial teórico- metodológico da Psicologia Educacional, procuramos mostrar que a maneira com que lidamos e tratamos as pessoas com deficiência é uma construção histórica e, como tal, é possível e necessário construir um novo olhar para as pessoas com deficiência, um olhar mais humano, menos preconceituoso e incapacitante. Compreendemos que é através do questionamento de nossas próprias práticas profissionais e da renovação do nosso compromisso ético, político e social para com a perspectiva inclusiva, que poderemos atuar educacionalmente da melhor forma possível. 28 IN FAVOR OF AN INCLUSIVE SOCIETY: THE WORK OF THE EDUCATIONAL PSYCHOLOGIST IN THE CONTEXT OF SCHOOL INCLUSION Laura Cláes Maranhão Luciana Machado Schmidt, Dra. Abstract This article approaches the school inclusion theme, considering the actions of the educational psychologist conjunctly with the role of the school in order to construct a legitimate inclusion process. This work took base on the Vygostsky’s Cultural- historical Psychology epistemology, specially on the Mediation and Zone of Proximal Development concepts. From the scientific literature about inclusion and the Educational Psychology theoretical and methodological references, we sought to demonstrate that the way people with disabilities are dealt with is nothing more than a result of historical construction. And as such, it could and should be a more human process, as well as less prejudicial and incapacitating one. Keywords: School Inclusion, Cultural-historical Psychology, Educational Psychology. 29 7 REFERÊNCIAS ALVES, Danielle; LOPES, Roberta R. Inclusão: uma nova visão. Oficina, Belo Horizonte, Faculdade de Ciências Humanas; Ano XII, n° 22/23, p. 37- 41, 2005. 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