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1 O CONCEITO DE RAÇA NA PSICOLOGIA BRASILEIRA Valter da Mata1 “A escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil. Ela espalhou por nossas vastas solidões uma grande suavidade; seu contato foi a primeira forma que recebeu a natureza virgem do país, e foi a que ele guardou [...]” Joaquim Nabuco O conceito de raça constitui-se em um dos conceitos mais controvertidos da ciência moderna. Discutido e estudado por quase toda a totalidade das ciências biológicas e humanas, o conceito de raça está longe de ser uma unanimidade. O apogeu dos estudos sobre raça se deu no século XIX e início de século XX. As idéias sobre raça serviram de explicação e legitimação para a exploração e subjugação das ditas “raças inferiores”, assim como a idealização da criação da “raça humana perfeita”. Após a 2ª grande guerra mundial as idéias sobre a raça perderam força porque serviram de combustível ideológico para o regime nazista, que protagonizou um dos maiores genocídios da humanidade. Visando reduzir os impactos das teorias racistas, intelectuais das mais diversas nacionalidades reúnem-se em Paris em 1950 para elaborar a I Declaração Sobre a Raça, sob a égide da UNESCO. Nesse documento, as intelectuais refutam a idéia da existência de “raças humanas” e afirmam que todos os homens pertencem a uma mesma espécie: o homo sapiens. Apesar dos esforços dos intelectuais e estudiosos para erradicar a idéia de que existem raças humanas, de tempos em tempos surgem cientistas e estudiosos contrários a essa teoria, persistindo na idéia de que existem diferentes raças humanas, assim como uma hierarquia entre elas. É nesse cenário contraditório e complexo que se desenvolveu a ciência psicológica no mundo e em terras brasileiras. Por um longo tempo os temas 1 Mestrando do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal da Bahia e aluno especial do Pós-afro do Centro de Estudos Afro-orientais da Universidade Federal da Bahia. Salvador, janeiro de 2008. 2 relacionados à raça não despertou o interesse dos psicólogos brasileiros. Entretanto no início do século XXI, pode-se notar o crescimento do interesse pelo tema. O presente artigo pretende demonstrar como se desenvolveu o conceito de raça na psicologia brasileira, quais as idéias que influenciaram que naturalizaram a inferioridade dos não brancos e quais são as idéias que pretendem alterar esse quadro, buscando a igualdade de direitos e oportunidades através das políticas de ações afirmativas. Origem do Conceito O conceito raça vem do italiano “razza”, que por sua vez descende do latim “ratia”, que significa sorte, categoria, espécie (Munanga, 2003). Ele foi utilizado inicialmente pela Zoologia e pela Botânica para classificar espécies animais e vegetais. Não demorou muito para o conceito de raça fosse utilizado para explicar a diversidade humana. A primeira idéia sobre raças humanas é que essas serviam para designar as linhagens, as descendências, o grupo ancestral comum de pertença, do qual as pessoas herdariam características físicas. Schwarcz (1993) afirma que o termo raça foi utilizado na literatura mais especializada no início do século XIX por Georges Cuvier e sua idéia sobre raça não diferia muito daquela que a raça designava características físicas herdadas pela ancestralidade. Cuvier (citado por Herman, 1999), propôs a divisão da humanidade em três raças: oriental ou mongol, negróide ou etíope e branca ou caucasiana. A variedade das características físicas humanas é um fato incontestável e como todos os fatos que assim se apresentam, são passíveis de explicações científicas. Os conceitos e classificações servem de ferramentas indispensáveis na operacionalização do pensamento. Essa forma de estruturação se por um lado facilitou a compreensão possibilitou a classificação da diversidade humana, por outro lado lançou as bases do racialismo, uma vez que terminou por utilizar o conceito de raça para explicar diferenças culturais e traços mentais, além de estabelecer uma hierarquização entre os povos (Herman, 1999). Essa hierarquização tinha por finalidade legitimar a exploração, escravização e domínio dos povos ditos inferiores. Caberia pois, a raça branca, como o mais 3 perfeito estágio da evolução, a responsabilidade de levar a civilização aos povos bárbaros e selvagens. Carus (citado por Herman, 1999) dizia que pelo fato de que os europeus estarem mais próximos ao ideal clássico de beleza física, já se supunha uma predestinação de superioridade aos outros povos feios. Essas teorias sobre raças serviam para emprestar um verniz científico aos pensamentos hegemônicos. As idéias sobre raças surgiram muito antes da existência do conceito de raça, já que segundo Moore (no prelo), o racismo surge na antiguidade como uma realidade social e cultural fundamentada no fenótipo, muito antes de ser pautado na biologia. Essas idéias também eram defendidas pelo clero, como revela a bula papal Romanus Pontifex, de 8 de janeiro de 1454, do papa Nicolau V: Não sem grande alegria chegou ao nosso conhecimento que nosso dileto filho infante d. Henrique, incendido no ardor da fé e zelo da salvação das almas, se esforça por fazer conhecer e venerar em todo o orbe o nome gloriosíssimo de Deus, reduzindo à sua fé não só os sarracenos, inimigos dela, como também quaisquer outros infiéis. Guinéus e negros tomados pela força, outros legitimamente adquiridos foram trazidos ao reino, o que esperamos progrida até a conversão do povo ou ao menos de muitos mais. Por isso nós, tudo pensando com a devida ponderação, concedemos ao dito rei Afonso a plena e livre faculdade, entre outras, de invadir, conquistar, subjugar a quaisquer sarracenos e pagãos, inimigos de Cristo, sua terra e bens, a todos reduzir à servidão e tudo praticar em utilidade própria e dos seus descendentes. Tudo declaramos pertencer de direito in perpetuum aos mesmos d. Afonso e seus sucessores, e ao infante. Se alguém, indivíduo ou coletividade, infringir essas determinações, seja excomungado [...].(Ribeiro, 1995, pp. 39-40) Os estudos sobre raça iriam sofrer uma grande revolução com a publicação de A Origem das Espécies, de Charles Darwin, em 1859. Darvin propõe uma teoria totalmente nova, na qual a evolução das espécies era resultante da evolução natural, que em outras palavras correspondia “à persistência dos mais capazes à preservação das diferenças e das variações individuais favoráveis e a eliminação das variações nocivas” (Darwin, 1968, p. 84). Em relação aos homens, a teoria da evolução de Darwin preconizava que devido ao fato do alto grau do desenvolvimento da sua inteligência, a humanidade deixou de ser submissa às leis da evolução biológica e da seleção natural, em detrimento ao desenvolvimento tecnológico e moral. 4 Em sua teoria evolucionista sobre povos e culturas, Darwin não se preocupou com os aspectos históricos e o processo civilizador a que foram submetidos os povos indígenas e africanos (Chaves, 2003). A teoria da evolução das espécies é levada às últimas conseqüências por Spencer (citado por Barreto Júnior, 2005, pp. 54-55), para ele a criação de leis de proteção aos menos aptos, contrariavam a natureza, forçando a sobrevivência das raças inferiores. Ele defendia a supressão de todas as leis de favorecimento institucional em favor dos mais fracos, como único recurso à preservação da raça e de uma elite social. A utilização da teoria de Darwin nas mais diversas disciplinas como a antropologia, sociologia, históriae a economia, levou a um enviezamento da mesma, que acarretou no surgimento do darwinismo social, que acreditava que a teoria da evolução só era possível para as raças puras. O pressuposto fundamental do darwinismo social é o de que os seres humanos são diferentes na sua essência, devido as diferentes aptidões inatas que por sua vez determinavam hierarquia entre os mesmos (Chaves, 2003). Para esses teóricos qualquer cruzamento de raças humanas era necessariamente um erro. A miscigenação era nada mais que um processo de degeneração racial e social (Barreto Júnior, 2005). Degeneração e Eugenia Para os darwinistas sociais a miscigenação constituía-se num grande erro para humanidade. Esse erro seria denominado como o processo de degeneração. Joseph-Arthur Gobineau (citado por Herman, 1999) era um dos principais teóricos que combatiam a miscigenação. Para Gobineau a raça branca possuía na sua essência a energia física, inteligência superior e escrúpulos morais. Entre todas as raças é a mais vital e é esta vitalidade que é transmitida para seus descendentes. Aos legítimos portadores dessa vitalidade essencial orgânica, Gobineau denominou de “arianos”. Gobineau defendia a teoria de que os guerreiros arianos são responsáveis pelo surgimento das civilizações das índias, egípcios, assírios, persas, gregos, romanos e germânicos. Incluiu também a civilização chinesa e algumas civilizações da América 5 pré-colombiana. Para ele a história nascia apenas com o contato com o homem branco, toda cultura era desencadeada pela presença dos brancos. Na obra O Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas, publicada em quatro volumes, entre os anos de 1853 e 1855, Gobineau reafirma suas convicções e sinaliza para o grande problema para a raça ariana: a miscigenação (Herman, 1999). Nas constantes conquistas dos povos inferiores, os arianos terminaram por envolver- se com os mesmos, uma vez que na tentativa de prolongar sua existência, as terras conquistadas precisavam transformar-se em parte dos impérios, fundindo diferentes culturas e esse comportamento levaria por fim a degeneração da raça ariana. Gobineau é nomeado diplomata e em 1869 desembarca no Brasil. Segundo Masiero (2002), ele encontra em terras brasileiras as “provas” que comprovariam suas teorias. Durante o tempo que passou no Brasil, vaticinou que a miscigenação condenaria a civilização brasileira à degeneração, com conseqüências físicas e psíquicas. Para Gobineau, em pouco tempo o Brasil seria habitado por um povo fraco e doente, devido à promiscuidade racial. A solução para o problema brasileiro para ele seria uma política de embranquecimento, fazendo um controle dos cruzamentos raciais e impedimento de imigrantes africanos. Numa de suas correspondências, ele descreve o povo brasileiro a um amigo: “Uma população toda mulata, com sangue viciado, espírito viciado e feia de meter medo…” (Skidmore, 1976, p. 46). A degeneração podia então ser entendida então como “um desvio da normalidade de fundo hereditário e sem cura. Suas manifestações iam desde estigmas físicos como o estrabismo, orelhas imperfeitas, crescimento atrofiado até doenças mentais como histeria, egoísmo exagerado, pessimismo, apatia, impulsividade, emocionalismo, misticismo e completa falta de senso sobre o certo e o errado” (Miskolci, 2005, p.14). O darwinismo social a essa altura já gozava de grande prestígio nos círculos intelectuais e em 1869, Francis Galton lança uma obra chamada Hereditary Genius, que discute o melhoramento racial humano; e em 1883 lança o livro Inquires into human faculty and its development, onde cria o termo para designar essa nova ciência: eugenia (bem nascer). Essa ciência tinha como objetivo desenvolver práticas 6 voltadas para o controle de hereditariedade humana visando a preservação da pureza das “raças superiores” e o controle e contenção da reprodução dos grupos inferiores e desviantes em geral (Miskolci, 2005). Segundo Galton (citado por Masiero, 2005), a eugenia serviria para manipular os genes de forma a melhorar o máximo as qualidades inatas e essenciais das “raças humanas”, especialmente as faculdades mentais. Ele propunha que esses grupos melhorados recebessem mais incentivos materiais, de forma que eles pudessem atuar nas mais diversas esferas de atividades (artes, ciências, economia), além de receber incentivos para se reproduzirem. Na contramão, os indivíduos portadores de qualquer sinal de distúrbio mental ou físico, deveriam ser impedidos de se reproduzir, de forma a não repassar essas características aos seus descendentes. As teorias raciais tiveram um contato estreito com os saberes psicológicos2 no Brasil. Foram desenvolvidos diversos estudos para comprovar as relações entre raça e loucura; raça e inteligência; raça e personalidade, dentre outros (Masiero, 2005). Um dos teóricos mais influentes no desenvolvimento das ciências médicas e saberes psicológicos foi Raymundo Nina Rodrigues. Influenciado pela Escola de Criminologia Italiana representada por César Lombroso e a Psicologia das Massas de Gustave Le Bon, ele produziu diversos estudos relacionando idéias do racismo científico, procurando descrever o perfil da população brasileira, em especial os negros e mestiços. Segundo Chaves (2003), Nina Rodrigues associou o declínio econômico e sanitário de Salvador no final do século XIX, à presença da maioria de população de origem negra ou mestiça. Ele desconsiderou completamente fatores históricos relevantes como a proibição do tráfico de negros escravizados africanos, o que levou a uma emigração externa e conseqüente enfraquecimento da economia local, além do declínio da importância dos seus produtos no mercado internacional. 2 No início do século XX a psicologia ainda estava se estruturando enquanto ciência, não existia até então, a figura do psicólogo. A psicologia, como uma ciência emergente, era exercida por médicos em sua grande maioria, mas também por outros profissionais como os educadores. O termo saberes psicológicos visa identificar o período no qual a psicologia era exercida por profissionais por outros campos do saber, anterior ao ser reconhecimento. 7 Dentre os costumes culturais manifestados pelos negros, o que Nina Rodrigues mais associava ao primitivismo era a religiosidade. Ele acreditava que a religiosidade animista do negro africano e seus descendentes contaminavam a população branca (Masiero, 2002; Chaves, 2003). Mais uma vez fica flagrante a hierarquização cultural, o monoteísmo e valores cristãos eram tidos como instâncias superiores. Nina Rodrigues realizou diversos estudos sobre a população negra e mestiça do Brasil. Ele acreditava na grande incapacidade mental dessas populações, ao ponto de achar que a responsabilidade penal deveria relativizada uma vez que a criminalidade de um povo está associada ao seu grau de desenvolvimento intelectual (Rodrigues, 1957). Para ele a catequese promovida pela igreja católica para converter os negros africanos era uma perda de tempo, pois a liturgia e dogmas cristãos se sustentavam em idéias por demais abstratas para a compreensão dos mesmos (Chaves, 2003). Em outras palavras, ele via nessas populações um obstáculo para o processo civilizador e projeto desenvolvimentista brasileiro. No clássico Os Africanos no Brasil (1988/1933, p.7) ele deixou claro sua opinião: A raça negra no Brasil, por maiores que tenham sido os seus incontestáveis serviços à nossa civilização, por maios justificadas que sejam as simpatias de quea cercou o revoltante abuso da escravidão, por maiores que se revelem os generososexageros dos seus turefários, há de constituir sempre um dos fatores da nossa inferioidade como povo. Suas idéias influenciaram diversos intelectuais e serviram de combustível para o surgimento da Sociedade Eugênica de São Paulo (1918 – 1920), para a realização do Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia em 1929 no Rio de Janeiro e a criação do Instituto Brasileiro de Eugenia em 1929, nessa mesma cidade (Masiero, 2005). Essas instituições e eventos por eles realizados procuravam tratar dos problemas da psicologia do brasileiro, dando enfoque deiferenciado aos estudos sobre o comportamento, a inteligência, a personalidade, procurando estabelecer relações entre essas dimensões psíquicas e a raça. 8 Os estudiosos da eugenia defendiam que as características psicológicas eram passadas de forma hereditária e por isso eram necessárias intervenções do estado afim de controlar o avanço da degeneração. Para o eugenista brasileiro, a disciplina dos instintos humanos seria uma das primeiras condições para se alcançar,no futuro, uma raça nobre e equilibrada moral e fisicamente. Na sua perspectiva, seria necessário criarem-s emecanismos educativos dos impulsos naturais humanos, principalmente reprodutivos, afim de mantê-los longe dos vieses degenerativos. Os instintos humanos, se atuassem desordenadamente, poderiam levar ao contato som doenças venéreas e alcoolismo, chamados também de venenos raciais. (Masiero, 2005, p. 201). As teorias eugenistas ganharam força no primeiro terço do século XX e seus defensores propuseram um conjunto de projetos de intervenção social, fundamentando-se no discurso médico-higienista para diagnosticar a população. Existia entre esses intelectuais a crença na possibilidade de se regenerar física e moralmente a população brasileira e para isso era necessário implementar políticas de eugenia negativa, que é aquela que segue na direção de eliminar as futuras gerações de pessoas geneticamente incapazes, por meio de proibição marital, esterilização compulsória, eutanásia passiva e em último grau o extermínio (Silveira, 2005). Ideologia do Branqueamento Uma das teorias defendidas por parte dos intelectuais eugenistas era o branqueamento. Essa teoria fundamentava-se também na hierarquia das raças, sendo a branca superior a todas as outras e em outras duas suposições: a primeira era que a população negra tenderia a desaparacer progressivamente devido a uma suposta taxa de natalidade mais baixa, associada a uma taxa de mortalidade mais alta devido as condições sociais. A segunda suposição era que a miscigenação produziria uma população naturalmente mais clara, porque o gene branco era mais forte e também porque as pessoas procurariam parceiros mais claros para reproduzir (Skidmore, 1989). 9 Após a abolição da escravatura em 1888, a elite brasileira desejava apresentar o Brasil enquanto um país branco e nesse sentido as teorias eugênicas estavam em sintonia. A elite preocupava-se com a influência negativa proveniente da herança inferior dos negros, que representavam 55% da população no censo de 1872 (Munanga, 1999; Bento, 2005). Uma das saídas encontradas para embranquecer o país foi o incentivo da imigração européia. Na verdade o projeto de imigração européia começa na década de 1840, no momento em que devido a pressões estrangeiras contra o tráfico de escravos africanos, levou a contratação de imigrantes europeus em São Paulo (Azevedo, 2004). A imigração oriunda de países europeus tinha o objetivo de substituir os negros em todos os setores. Segundo Bastos (citado por Azevedo, 2004), o sonho do período era “deslocar os escravos como um todo e subistítuí-los por agente da civilização”. Para alguns intelectuais da época como Pereira Barreto e Sylvio Romero, o Brasil era vítima de uma colonização errada. A escravidão deveria ser condenada muito mais pelos males sociais resultantes pela presença da raça inferior no país, do que pelos danos infrigidos à população negra (Azevedo, 2004). Mediante essas justificativas, estava disseminada a necessidade de se implementar urgentemente os projetos imigrantistas e para isso o país deveria oferecer ao imigrante “laborioso, inteligente e progressivo” condições de trabalho e bem-estar, superiores aos encontrados na Europa. Apontado como ícone maior da causa do subdesenvolvimento brasileiro, o negro foi associado a toda sorte de mazelas: o vício, a lascívia, a criminalidade, assim como a predisposição para poenças psicopatológicas. A religiosidade de infliuência africana foi um dos alvos principais dos intelectuais que dominavam os saberes psicológicos. Era tida como uma manifestação religiosa inferior, uma seita que colocava em risco a mortal cristã. Para os psiquiatras e psicólogos da época, o candomblé se constituía como um problema sanitário relevante (Masiero, 2002). Em contrapartida toda a herança cultural do branco europeu foi associada a valores positivos. Religião, música, culinária, traços fenotípicos, caráter, entre outras 10 características foram consideradas o mais alto grau de evolução da produção humana. Como corolário dessa ideologia, ser bom era ser branco, o europeu era o modelo a ser desejado e imitado a qualquer custo. Existia um padrão a ser seguido, o normativo, o desejado. E tudo aquilo que era diferente desse padrão era tido como desviante. O Declínio da Raça As teorias racialistas atingiram seu apogeu na primeira metade do século XX. As teorias de Gobineau chegaram a Alemanha e lá sofreria uma metamorfose importante: Ludwing Schemann (citado por Herman, 1999) passa a enxergar em termos culturais e nacionais o que Gobineau enxergava enquanto racial. Schemann e seu sucessor Houston Chamberlain acreditavam que a Alemanha era o último reduto dos primitivos povos arianos, sendo portanto o povo alemão seu legítimo herdeiro. Chamberlain viria a defender posteriormente que os judeus eram oriundos de uma raça híbrida e que a existência dos mesmos era “um atentado as leis sagradas da vida”. As idéias de Schemann e Chamberlain viriam a influenciar um personagem bastante conhecido da história da humanidade, Adolf Hitler, que foi o responsável por um dos maiores genocídios de todos os tempos: o holocausto dos judeus. O regime nazista não somente exterminou judeus e outros grupos étnico- raciais em massa. Em julho de 1933, foi decretada uma lei que tornava compulsória a esterilização do que os nazistas consideravam “pessoas defeituosas”. Alemães considerados mentalmente incapazes também foram executados nas câmaras de gás. Segundo Guerra (2006), diversos experimentos foram realizados com seres humanos, Joseph Mengele – o Anjo da Morte, famoso médico do III Reich, investiu em pesquisas relacionadas a contribuição genética ao desenvolvimento de características normais e patológicas em gêmeos, vitimando a grande maioria das cobaias humanas. A derrota dos alemães e seus aliados na II Grande Guerra Mundial, fez com que os horrores do holocausto fossem revelados. Esse fato desacreditou a eugenia científica e eticamente e rapidamente seus defensores desapareceram. As teorias 11 racistas que sustentavam a ideologia nazista tinham que ser rapidamente contestadas. Visando a neutralização dessas teorias, a UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, convoca em 1950 na cidade de Paris, intelectuais de diversas nacionalidades para elaboração da I Declaração Sobre a Raça. Essa declaração de opunha radicalmente com o pensamento hegemônico da primeira metade do século XX. Com forte teor nas ciências biológicas, a declaração sobre a raça lança uma novaluz a essa discussão. Primeiro reafirma que todos os homens pertencem a uma mesma espécie, o homo sapiens e as diferenças existentes entre os grupos humanos se devem a fatores evolutivos de evolução; depois teoriza que não se pode garantir de forma inequívoca presença de formas inatas de características psicológicas como o temperamento e a personalidade; a raça deve ser entendida como um mito social, mito este que estavam provocando sofrimentos incalculáveis. Após a declaração de Paris em 1950, seguiram-se as declarações de Paris em junho de 1950, Moscou em agosto de 1964 e Paris em setembro de 1967. Se nas três primeiras declarações o aspecto biológico é o mais destacado, na última pode-se verificar um forte teor sócio-político, além de falar da raça é enfocada a problemática do preconceito racial. A psicologia brasileira praticamente colocou em suspensão o assunto raça. Durante a segunda metade do século XX pouco se pesquisou e foi escrito sobre o tema. Ferreira (2000) relata a dificuldade em encontrar publicações sobre a questão racial em psicologia. Não foi encontrado nenhum livro no período entre 1987 e 1997, e analisando 3.862 artigos em 30 títulos de periódicos, 656 dissertações e 393 teses de psicologia, num total de 4.911 trabalhos analisados, ele encontrou doze que enfatizavam a temática. A psicologia sempre foi alvo de muitas críticas, geralmente elas denunciam seu caráter ideológico e principalmente a descontextualização do indivíduo e as suas relações sociais. A psicologia surge num momento de intensas transformações 12 científicas, tecnológica, econômicas e políticas e por conseguinte tornou-se importante em diversos setores da vida humana. Uma das críticas mais comuns direcionadas à psicologia é que esta é uma ciência burguesa. A ciência psicológica surge no quadro histórico do capitalismo como a ciência burguesa, que justificará e escamoteará a contradição entre o indivíduo e a sociedade. Estudando o indivíduo desligado de seu contexto histórico e social, a Psicologia acabou por legitimar, através das diferenças individuais que classificam os indivíduos como mais aptos ou menos aptos, a divisão em classes sociais antagônicas na sociedade capitalista. A Psicologia dita científica está, portanto, a serviço da alienação e serve como instrumento de poder, na medida em que, incorporando o modelo das ciências naturais, considera como princípio natural a adaptação natural e o ajustamento do indivíduo ao meio, colaborando, dessa forma, com a consolidação da ideologia dominante. As marcas históricas da Psicologia como ciência determinada ideologicamente acabam por gerar uma Psicologia aplicada, supostamente neutra e homogênea. Construída, portanto, sobre o paradigma positivista, a Psicologia cumpre a função social de agente de adaptação dos indivíduos à sociedade. (Urt, 2000, p.16) Essa crítica pode explicar em parte a postura dos profissionais de psicologia, pois estando a psicologia a serviço da alienação da população, pouco interesse teria em contestar o mito da democracia racial existente no Brasil. O Mito da Democracia Racial O Brasil foi o último país a abolir a escravidão no mundo, entretanto foi o primeiro a se autoproclamar “democrata racial” (Santos, 1994). Frequentemente as relações raciais no Brasil são comparadas às existentes, ou que existiram em países como a África do Sul e os Estados Unidos, países que até a segunda metade do século XX impedia a pleno direito à cidadania da população negra através de leis. A forma aparentemente branda como se deu a escravidão levou a alguns estudiosos como Gilberto Freyre a caracterizou a escravidão no Brasil como uma composição de senhores benevolentes e escravos submissos (Freyre, 1933). Freire considera que a miscigenação era mecanismo de um processo que em fim último buscava a democracia racial. É bom salientar que a miscigenação de raças no Brasil 13 não se iniciou como um processo espontâneo entre os povos. As mulheres não brancas eram submetidas a toda sorte de humilhação moral e violência sexual. As crianças concebidas através desses enlaces eram concebidas sem pai, sendo relegadas a condição de escravas ou bastardas. Através do mito da democracia racial, o Brasil passou a gozar de prestígo internacional como uma nação livre do racismo e do preconceito racial. Vieram vários pesquisadores estrangeiros comprovar essa realidade. Entre eles, Donald Pierson, cientista social norte-americano, que realizou estudos sobre as relações sociais no Brasil. Ele constata a disparidade existente entre negros e brancos no que diz respeito à estratificação social, todavia continua ratificando o mito da democracia racial. Para ele as condições nas quais encontravam-se os negros eram decorrentes da sua história de pobreza dos seus ancestrais e não porque sofressem discriminação racial (Pierson, 1942). A democracia racial foi um importante instrumento de manutenção do staus quo das elites dominantes. A construção desse conceito contou com o apoio do mundo acadêmico. Antropólogos, historiadores, sociólogos, psicólogos, economistas, médicos, entre outros, atuaram como sustentáculos e defensores das teorias que serviram de alicerce o racismo ieologicamente. O ápice da importância do conceito de democracia racial deu-se no período da ditadura militar. “Nos anos duros do regime militar, especialmente entre 1967 e 1974, a ideologia da democracia racial havia se formado e era compreendida. A mera menção de raça ou racismo resultava em sanções sociais, e, frequentemente, qualquer um que a mencionasse era rotulado de racista” (Telles, 2003, p.57). Com o passar dos anos, o mito da democracia racial é contestado por diversos intelectuais, refutando as idéias de Freyre. DaMatta (1991), afirma que ela é o “mito fundador das relações raciais brasileiras” e denuncia a fábula das três raças, o que ele denomina de racismo à brasileira. “...a fábula das três raças, tornou-se uma ideologia dominante, abrangente, capaz de permear a visão do povo, dos intelectuais, dos políticos e dos acadêmicos de esquerda e de direita, uns e outros gritando pela mestiçagem e se utilizando do branco, do negro e do índio como as unidades básicas 14 através das quais se realiza a esploração ou a redenção das massas” (DaMatta, 1991, p.63). Não se deve esquecer que na luta para denunciar e desconstruir o mito da democracia racial, o Movimento Negro desempenhou um papel de extrema importância, embora o discurso da negritude e consciência negra não encontrou grande ressonância na população (Santos, 1994; Telles, 2003).O racismo à brasileira é o desenho mais bem acabado de todos os racismos. Uma vez que o mesmo não é percebido como tal, já que não pode haver racismo num país de mestiços. Convenientemente se esquece que existe no país um degradê cromático-epidermico que varia do branco ao negro, e que os indivíduos mais próximos ao gradiente branco, gozam de privilégios em detrimento aos demais. A associação do mito da democracia racial e da ideologia do branqueamento provocaram sérios problemas psicológicos no que diz respeito a identidade e auto- estima da poplação negra e mestiça. No censo de 1980 foram registradas 136 cores de pele nas auto-declarações de cor para os não-brancos (Cruz, 1989). Isso mostra os impactos dessas ideologias na identidade étnica da população brasileira. Na falta de referências positivas em qualquer esfera, é o ideal de ego branco que a população negra reinvidicará para si e para isso utilizará de todos os recursos possíveis para embranquecer. Por conveniência ou por acreditar realmente no mito dademocracia racial, os psicólogos se afastaram dessa problemática. A questão racial era, e de certa forma ainda é, considerada um problema do negro. Na verdade inexistente, pois a discriminação no Brasil é social para grande maioria dos brasileiros. “No Brasil o branqueamento é frequentemente associado com um problema do negro que, descontente e desconfortável com sua condiçao de negro, procura identificar-se comom branco, miscigenar-se com ele para diluir suas características raciais” (Bento, 2002, p.25). 15 A Raça e a Psicologia na Contemporaneidade Graças aos progressos da Genética Humana, descobriu-se que existiam no sangue critérios químicos denominados pelos geneticistas de marcadores genéticos que permitiam a divisão da humanidade em raças estanques. As pesquisas de cunho comparativo terminaram por mostrar que os patrimônios genéticos de dois indivíduos pertencentes à uma mesma raça podem ser mais distantes que os pertencentes à raças diferentes; um marcador genético característico de uma raça, pode, embora com menos incidência ser encontrado em outra raça. Assim, um nigeriano pode, geneticamente, ser mais próximo de um alemão e mais distante de um etíope, da mesma forma que casos de anemia falciforme (doença associada aos negros) podem ser encontrados na Europa, etc. Todos os resultados desencontrados somados aos avanços realizados na própria ciência biológica (genética humana, biologia molecular, bioquímica), levaram os estudiosos a concluir de que a raça não é uma realidade biológica, mas sim apenas um conceito cientificamente inoperante para explicar a diversidade humana e para dividi-la em raças estanques. Em outras palavras, biológica e cientificamente, as raças não existem (Barbujani, 2007). Embora a raça possa não existir para um geneticista ou para um biólogo molecular, no imaginário popular e mesmo para muitos intelectuais, a raça persiste fundamentadas na percepção de diferenças fenotípicas e outros critérios morfológicos, socialmente compartilhados e por vezes idiossincráticos. São baseados nessas construções de raça, que são criados, reproduzidos e reinventados os racismos (Munanga, 2003). O racismo no Brasil se expressa através da percepção do fenótipo, ele é um elemento objetivo, real, que não se presta à negação; está nele, não os genes, os fantasmas que nutrem o imaginário social. É o fenótipo que serve de divisor de águas, demarcando grupos raciais e consequentemente torna-se o ponto de referência em torno do qual se organizam as discriminações “raciais” (Moore, 2007). A conceito raça hoje pode ser comprendida como algo carregado de ideologia, escamoteando a relação de poder e de dominação. Para (Munanga 2003), é uma categoria etno-semântica, influenciada pela estrutura da sociedade e correlações de forças a que estão submetidas. Por exemplo, o conceito de branco e negro podem 16 variar de país para país, ou mesmo dentro de uma mesma nação. Isso porque o conteúdo dessas palavras é etno-semântico, político-ideológico e não biológico. No Brasil o fim da democracia racial é decretado simbolicamente quando o governo promulga o decreto nº. 4.886 de 20 de novembro de 2003. O decreto visa a promoção da igualdade racial mo país (BRASIL, 2003). Esse decreto tem provocado muita polêmica e discussão, afinal vai na rota de colisão à ideologia na qual se formou a sociedade brasileira, ou seja, uma sociedade igualitária e homogênea. As reações partiram principalmente dos setores que se sentiram prejudicados pelas políticas de cotas para negros e indígenas, entretanto é bom salientar que as políticas de cotas são praticadas do Brasil há muito tempo, mas não especificamente para os grupos historicamente marginalizados (Leitão, 2006). O problema do racismo no Brasil é sempre considerado um problema do outro. A pesquisa Discriminação Racial e o Preconceito de Cor no Brasil realizada em 2003 pela Fundação Perseu Abramo (FPA), revelou que 82 % dos entrevistados reconheciam a existência do racismo em terras brasileiras, mas somente 4% desses entrevistados reconheciam-se enquanto racistas. Esses resultados fomentaram a interessante campanha “Onde você esconde seu racismo?”. Barbujani, (2007) e Guerra (2006) ressaltam que apesar da falta de credibilidade do conceito raça, muitas práticas racistas estão camufladas sob o rótulo “genética humana”. Foram desenvolvidas técnicas de diagnóstico detectar bebês com problemas genéticos, sendo em muitos casos, aconselhado o abortamento dos mesmos. O mapeamento genético deverá permitir a manipulação de genes que controlam características caracteres fenotípicas como cor dos olhos, tipo de cabelo e cor de pele. Masiero (2005) por sua vez, denuncia que existem afinidades com teorias eugênicas em certos instrumentos utilizados por psicólogos nos dias de hoje para mensuração de medidas psicológicas de inteligência, os psicodiagnósticos e as técnicas de avaliação de personalidade. Ainda hoje são desenvolvidas pesquisas tentando demonstrar que existem diferenças significativas entre as “raças humanas”. Richard Lynn, psicólogo as Ulster University, na Irlanda do Norte é um deles; o livro The Bell Curve: Intelligence and Class Structure in American Life, dos pesquisadores Richard J. Herrnstein e Charles 17 Murray, publicado em 1996, procurava demonstrar através de testes de QI, diferenças nos níveis de inteligência entre negros e brancos. A teoria de Herrnstein e Murray encontra fervorosos defensores, como foi o caso do vencedor do prêmio Nobel de Medicina em 1962, James Watson. Ele afirmou em entrevista concedida ao The Sunday Times em outubro de 2007, que era pessimista quanto ao futuro do continente africano, porque as políticas ocidentais para o desenvolvimento daquele continente fundamentavam-se na crença de que os negros são tão inteligentes quanto os brancos quando, na verdade, os testes dizem ao contrário (Garcia, 2007). Posteriormente ele veio a se desculpar, afirmando que tinha sido mal compreendido (Folha on line, 2007). Mas aí o estrago já estava feito. A questão sobre raça nas ciências no Brasil está longe de se chagar a um consenso. A medicina, por exemplo, encontra-se num grande dilema teórico e político. Na esteira da queda do mito da democracia racial, diversos pesquisadores passaram a reivindicar a implementação de políticas públicas específicas para a população negra, como o programa realizado na cidade de Salvador, uma vez que as políticas universais de saúde não contemplam as especificidades dessa população (Lopes, 2004; Werneck, Mendonça & White, 1994). Do outro lado da discussão, diversos autores discordam abertamente dessa posição porque acreditam que utilizar o critério de raça não é defensável no nível biológico, uma vez que o mesmo não existe; nem como um conceito social, uma vez que contamina negativamente a sociedade na sua totalidade e tem sido utilizado para fomentar discriminações (Pena, 2005; Maio & Monteiro, 2005; Fry, 2005). Nesse cenário de transformações intensas nos trabalhos referentes às relações raciais no Brasil, os psicólogos romperam seu relativo silêncio e começam a mostrar um interesse significativo a partir do final da década de 1990. Psicólogos defensores da cognição social, representações sociais e também os da perspectiva sócio-histórica tem-se revezado nas produções acadêmicas sobre os estudos da raça. Esses estudos corroboram a transformação do paradigma para compreender a humanidade. Evitando assim, a normalização de um padrão a ser seguido, um modelo hegemônico a ser perseguido. O que antes era considerado desvio, nas análises dos intelectuais, passaa ser compreendido como diferença, evitando assim a hierarquia valorativa que é o sustentáculo do racismo. 18 Publicações como Afro-descendente: Identidade em Construção de Ricardo Franklin Ferreira (2000); Psicologia Social do Racismo, organizado por Iray Carone e Maria Aparecida Bento (2002); Psicologia Social dos Estereótipos de Marcos Emanoel Pereira (2002); A Invenção do Ser Negro de Gislane Aparecida dos Santos (2002); Psicologia Social nos Estudos Culturais de Neuza Guareschi e Michel Euclides Bruschi (2003), aliadas a uma grande produção de estudos e artigos científicos em diversos estados do território brasileiro, mostram que definitivamente os psicólogos, independentemente do referencial teórico por eles adotado, estão empenhados em compreender um dos fenômenos mais complexos e nefastos existentes no Brasil. Assim como o mito da democracia racial, o mito da neutralidade científica possui um grande contingente de defensores. Mas há que se pensar que tanto no passado, como nos dias de hoje, a ciência serviu de sustentáculo para legitimar os interesses de classes ou mesmo para subjugar minorias, sobretudo no Brasil, onde as teorias racistas foram por muito tempo, fomentadas por intelectuais motivados mais ideologicamente, em detrimento da ciência. Referências Azevedo, C.M.M. (2004). Onda negra, medo branco: o negro no imaginário das elites século XIX. 2ª ed., São Paulo:Annablume. Barbujani, G. (2007). A invenção das raças. (R. Ilari, Trad.). São Paulo:Contexto. Barreto Júnior, J.A.S. (2005). Raça e degeneração: análise do processo de construção da imagem dos negros e mestiços, a partir de artigos publicados na Gazeta Médica Baiana (1880-1930). Salvador:Editora da UNEB. Bento, M.A.S. (2002). Branqueamento e branquitude no Brasil. In Carone, I. & Bento, M.A.S. 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