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O Conceito de Raça na psicologia do Brasil[1]

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1 
 
O CONCEITO DE RAÇA NA PSICOLOGIA BRASILEIRA 
 
 
Valter da Mata1 
 
 
“A escravidão permanecerá por muito tempo como 
a característica nacional do Brasil. Ela espalhou 
por nossas vastas solidões uma grande suavidade; 
seu contato foi a primeira forma que recebeu a 
natureza virgem do país, e foi a que ele guardou 
[...]” 
 
Joaquim Nabuco 
 
 
O conceito de raça constitui-se em um dos conceitos mais controvertidos da 
ciência moderna. Discutido e estudado por quase toda a totalidade das ciências 
biológicas e humanas, o conceito de raça está longe de ser uma unanimidade. 
O apogeu dos estudos sobre raça se deu no século XIX e início de século XX. 
As idéias sobre raça serviram de explicação e legitimação para a exploração e 
subjugação das ditas “raças inferiores”, assim como a idealização da criação da “raça 
humana perfeita”. Após a 2ª grande guerra mundial as idéias sobre a raça perderam 
força porque serviram de combustível ideológico para o regime nazista, que 
protagonizou um dos maiores genocídios da humanidade. 
Visando reduzir os impactos das teorias racistas, intelectuais das mais 
diversas nacionalidades reúnem-se em Paris em 1950 para elaborar a I Declaração 
Sobre a Raça, sob a égide da UNESCO. Nesse documento, as intelectuais refutam a 
idéia da existência de “raças humanas” e afirmam que todos os homens pertencem a 
uma mesma espécie: o homo sapiens. 
Apesar dos esforços dos intelectuais e estudiosos para erradicar a idéia de que 
existem raças humanas, de tempos em tempos surgem cientistas e estudiosos 
contrários a essa teoria, persistindo na idéia de que existem diferentes raças humanas, 
assim como uma hierarquia entre elas. 
É nesse cenário contraditório e complexo que se desenvolveu a ciência 
psicológica no mundo e em terras brasileiras. Por um longo tempo os temas 
 
1 Mestrando do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal da Bahia e aluno 
especial do Pós-afro do Centro de Estudos Afro-orientais da Universidade Federal da Bahia. Salvador, 
janeiro de 2008. 
 2 
relacionados à raça não despertou o interesse dos psicólogos brasileiros. Entretanto 
no início do século XXI, pode-se notar o crescimento do interesse pelo tema. 
O presente artigo pretende demonstrar como se desenvolveu o conceito de 
raça na psicologia brasileira, quais as idéias que influenciaram que naturalizaram a 
inferioridade dos não brancos e quais são as idéias que pretendem alterar esse 
quadro, buscando a igualdade de direitos e oportunidades através das políticas de 
ações afirmativas. 
 
 
Origem do Conceito 
 
O conceito raça vem do italiano “razza”, que por sua vez descende do latim 
“ratia”, que significa sorte, categoria, espécie (Munanga, 2003). Ele foi utilizado 
inicialmente pela Zoologia e pela Botânica para classificar espécies animais e 
vegetais. Não demorou muito para o conceito de raça fosse utilizado para explicar a 
diversidade humana. A primeira idéia sobre raças humanas é que essas serviam para 
designar as linhagens, as descendências, o grupo ancestral comum de pertença, do 
qual as pessoas herdariam características físicas. 
Schwarcz (1993) afirma que o termo raça foi utilizado na literatura mais 
especializada no início do século XIX por Georges Cuvier e sua idéia sobre raça não 
diferia muito daquela que a raça designava características físicas herdadas pela 
ancestralidade. Cuvier (citado por Herman, 1999), propôs a divisão da humanidade 
em três raças: oriental ou mongol, negróide ou etíope e branca ou caucasiana. 
A variedade das características físicas humanas é um fato incontestável e 
como todos os fatos que assim se apresentam, são passíveis de explicações 
científicas. Os conceitos e classificações servem de ferramentas indispensáveis na 
operacionalização do pensamento. Essa forma de estruturação se por um lado 
facilitou a compreensão possibilitou a classificação da diversidade humana, por outro 
lado lançou as bases do racialismo, uma vez que terminou por utilizar o conceito de 
raça para explicar diferenças culturais e traços mentais, além de estabelecer uma 
hierarquização entre os povos (Herman, 1999). 
Essa hierarquização tinha por finalidade legitimar a exploração, escravização 
e domínio dos povos ditos inferiores. Caberia pois, a raça branca, como o mais 
 3 
perfeito estágio da evolução, a responsabilidade de levar a civilização aos povos 
bárbaros e selvagens. Carus (citado por Herman, 1999) dizia que pelo fato de que os 
europeus estarem mais próximos ao ideal clássico de beleza física, já se supunha uma 
predestinação de superioridade aos outros povos feios. 
Essas teorias sobre raças serviam para emprestar um verniz científico aos 
pensamentos hegemônicos. As idéias sobre raças surgiram muito antes da existência 
do conceito de raça, já que segundo Moore (no prelo), o racismo surge na 
antiguidade como uma realidade social e cultural fundamentada no fenótipo, muito 
antes de ser pautado na biologia. Essas idéias também eram defendidas pelo clero, 
como revela a bula papal Romanus Pontifex, de 8 de janeiro de 1454, do papa 
Nicolau V: 
 
Não sem grande alegria chegou ao nosso conhecimento que nosso dileto 
filho infante d. Henrique, incendido no ardor da fé e zelo da salvação das 
almas, se esforça por fazer conhecer e venerar em todo o orbe o nome 
gloriosíssimo de Deus, reduzindo à sua fé não só os sarracenos, inimigos 
dela, como também quaisquer outros infiéis. Guinéus e negros tomados 
pela força, outros legitimamente adquiridos foram trazidos ao reino, o 
que esperamos progrida até a conversão do povo ou ao menos de muitos 
mais. Por isso nós, tudo pensando com a devida ponderação, 
concedemos ao dito rei Afonso a plena e livre faculdade, entre outras, de 
invadir, conquistar, subjugar a quaisquer sarracenos e pagãos, inimigos 
de Cristo, sua terra e bens, a todos reduzir à servidão e tudo praticar em 
utilidade própria e dos seus descendentes. Tudo declaramos pertencer de 
direito in perpetuum aos mesmos d. Afonso e seus sucessores, e ao 
infante. Se alguém, indivíduo ou coletividade, infringir essas 
determinações, seja excomungado [...].(Ribeiro, 1995, pp. 39-40) 
 
 
 Os estudos sobre raça iriam sofrer uma grande revolução com a publicação de 
A Origem das Espécies, de Charles Darwin, em 1859. Darvin propõe uma teoria 
totalmente nova, na qual a evolução das espécies era resultante da evolução natural, 
que em outras palavras correspondia “à persistência dos mais capazes à preservação 
das diferenças e das variações individuais favoráveis e a eliminação das variações 
nocivas” (Darwin, 1968, p. 84). 
 Em relação aos homens, a teoria da evolução de Darwin preconizava que 
devido ao fato do alto grau do desenvolvimento da sua inteligência, a humanidade 
deixou de ser submissa às leis da evolução biológica e da seleção natural, em 
detrimento ao desenvolvimento tecnológico e moral. 
 4 
Em sua teoria evolucionista sobre povos e culturas, Darwin não se preocupou 
com os aspectos históricos e o processo civilizador a que foram submetidos os povos 
indígenas e africanos (Chaves, 2003). 
 A teoria da evolução das espécies é levada às últimas conseqüências por 
Spencer (citado por Barreto Júnior, 2005, pp. 54-55), para ele a criação de leis de 
proteção aos menos aptos, contrariavam a natureza, forçando a sobrevivência das 
raças inferiores. Ele defendia a supressão de todas as leis de favorecimento 
institucional em favor dos mais fracos, como único recurso à preservação da raça e 
de uma elite social. 
 A utilização da teoria de Darwin nas mais diversas disciplinas como a 
antropologia, sociologia, históriae a economia, levou a um enviezamento da mesma, 
que acarretou no surgimento do darwinismo social, que acreditava que a teoria da 
evolução só era possível para as raças puras. O pressuposto fundamental do 
darwinismo social é o de que os seres humanos são diferentes na sua essência, devido 
as diferentes aptidões inatas que por sua vez determinavam hierarquia entre os 
mesmos (Chaves, 2003). Para esses teóricos qualquer cruzamento de raças humanas 
era necessariamente um erro. A miscigenação era nada mais que um processo de 
degeneração racial e social (Barreto Júnior, 2005). 
 
 
Degeneração e Eugenia 
 
 Para os darwinistas sociais a miscigenação constituía-se num grande erro 
para humanidade. Esse erro seria denominado como o processo de degeneração. 
Joseph-Arthur Gobineau (citado por Herman, 1999) era um dos principais teóricos 
que combatiam a miscigenação. Para Gobineau a raça branca possuía na sua essência 
a energia física, inteligência superior e escrúpulos morais. Entre todas as raças é a 
mais vital e é esta vitalidade que é transmitida para seus descendentes. Aos legítimos 
portadores dessa vitalidade essencial orgânica, Gobineau denominou de “arianos”. 
 Gobineau defendia a teoria de que os guerreiros arianos são responsáveis pelo 
surgimento das civilizações das índias, egípcios, assírios, persas, gregos, romanos e 
germânicos. Incluiu também a civilização chinesa e algumas civilizações da América 
 5 
pré-colombiana. Para ele a história nascia apenas com o contato com o homem 
branco, toda cultura era desencadeada pela presença dos brancos. 
 Na obra O Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas, publicada em 
quatro volumes, entre os anos de 1853 e 1855, Gobineau reafirma suas convicções e 
sinaliza para o grande problema para a raça ariana: a miscigenação (Herman, 1999). 
Nas constantes conquistas dos povos inferiores, os arianos terminaram por envolver-
se com os mesmos, uma vez que na tentativa de prolongar sua existência, as terras 
conquistadas precisavam transformar-se em parte dos impérios, fundindo diferentes 
culturas e esse comportamento levaria por fim a degeneração da raça ariana. 
 Gobineau é nomeado diplomata e em 1869 desembarca no Brasil. Segundo 
Masiero (2002), ele encontra em terras brasileiras as “provas” que comprovariam 
suas teorias. Durante o tempo que passou no Brasil, vaticinou que a miscigenação 
condenaria a civilização brasileira à degeneração, com conseqüências físicas e 
psíquicas. Para Gobineau, em pouco tempo o Brasil seria habitado por um povo fraco 
e doente, devido à promiscuidade racial. A solução para o problema brasileiro para 
ele seria uma política de embranquecimento, fazendo um controle dos cruzamentos 
raciais e impedimento de imigrantes africanos. 
 Numa de suas correspondências, ele descreve o povo brasileiro a um amigo: 
“Uma população toda mulata, com sangue viciado, espírito viciado e feia de meter 
medo…” (Skidmore, 1976, p. 46). 
 A degeneração podia então ser entendida então como “um desvio da 
normalidade de fundo hereditário e sem cura. Suas manifestações iam desde estigmas 
físicos como o estrabismo, orelhas imperfeitas, crescimento atrofiado até doenças 
mentais como histeria, egoísmo exagerado, pessimismo, apatia, impulsividade, 
emocionalismo, misticismo e completa falta de senso sobre o certo e o errado” 
(Miskolci, 2005, p.14). 
 O darwinismo social a essa altura já gozava de grande prestígio nos círculos 
intelectuais e em 1869, Francis Galton lança uma obra chamada Hereditary Genius, 
que discute o melhoramento racial humano; e em 1883 lança o livro Inquires into 
human faculty and its development, onde cria o termo para designar essa nova 
ciência: eugenia (bem nascer). Essa ciência tinha como objetivo desenvolver práticas 
 6 
voltadas para o controle de hereditariedade humana visando a preservação da pureza 
das “raças superiores” e o controle e contenção da reprodução dos grupos inferiores e 
desviantes em geral (Miskolci, 2005). 
Segundo Galton (citado por Masiero, 2005), a eugenia serviria para manipular 
os genes de forma a melhorar o máximo as qualidades inatas e essenciais das “raças 
humanas”, especialmente as faculdades mentais. Ele propunha que esses grupos 
melhorados recebessem mais incentivos materiais, de forma que eles pudessem atuar 
nas mais diversas esferas de atividades (artes, ciências, economia), além de receber 
incentivos para se reproduzirem. Na contramão, os indivíduos portadores de qualquer 
sinal de distúrbio mental ou físico, deveriam ser impedidos de se reproduzir, de 
forma a não repassar essas características aos seus descendentes. 
As teorias raciais tiveram um contato estreito com os saberes psicológicos2 no 
Brasil. Foram desenvolvidos diversos estudos para comprovar as relações entre raça 
e loucura; raça e inteligência; raça e personalidade, dentre outros (Masiero, 2005). 
Um dos teóricos mais influentes no desenvolvimento das ciências médicas e 
saberes psicológicos foi Raymundo Nina Rodrigues. Influenciado pela Escola de 
Criminologia Italiana representada por César Lombroso e a Psicologia das Massas de 
Gustave Le Bon, ele produziu diversos estudos relacionando idéias do racismo 
científico, procurando descrever o perfil da população brasileira, em especial os 
negros e mestiços. 
Segundo Chaves (2003), Nina Rodrigues associou o declínio econômico e 
sanitário de Salvador no final do século XIX, à presença da maioria de população de 
origem negra ou mestiça. Ele desconsiderou completamente fatores históricos 
relevantes como a proibição do tráfico de negros escravizados africanos, o que levou 
a uma emigração externa e conseqüente enfraquecimento da economia local, além do 
declínio da importância dos seus produtos no mercado internacional. 
 
2 No início do século XX a psicologia ainda estava se estruturando enquanto ciência, não existia até 
então, a figura do psicólogo. A psicologia, como uma ciência emergente, era exercida por médicos em 
sua grande maioria, mas também por outros profissionais como os educadores. O termo saberes 
psicológicos visa identificar o período no qual a psicologia era exercida por profissionais por outros 
campos do saber, anterior ao ser reconhecimento. 
 7 
Dentre os costumes culturais manifestados pelos negros, o que Nina 
Rodrigues mais associava ao primitivismo era a religiosidade. Ele acreditava que a 
religiosidade animista do negro africano e seus descendentes contaminavam a 
população branca (Masiero, 2002; Chaves, 2003). Mais uma vez fica flagrante a 
hierarquização cultural, o monoteísmo e valores cristãos eram tidos como instâncias 
superiores. 
Nina Rodrigues realizou diversos estudos sobre a população negra e mestiça 
do Brasil. Ele acreditava na grande incapacidade mental dessas populações, ao ponto 
de achar que a responsabilidade penal deveria relativizada uma vez que a 
criminalidade de um povo está associada ao seu grau de desenvolvimento intelectual 
(Rodrigues, 1957). Para ele a catequese promovida pela igreja católica para converter 
os negros africanos era uma perda de tempo, pois a liturgia e dogmas cristãos se 
sustentavam em idéias por demais abstratas para a compreensão dos mesmos 
(Chaves, 2003). Em outras palavras, ele via nessas populações um obstáculo para o 
processo civilizador e projeto desenvolvimentista brasileiro. No clássico Os 
Africanos no Brasil (1988/1933, p.7) ele deixou claro sua opinião: 
A raça negra no Brasil, por maiores que tenham sido os seus 
incontestáveis serviços à nossa civilização, por maios justificadas que 
sejam as simpatias de quea cercou o revoltante abuso da escravidão, por 
maiores que se revelem os generososexageros dos seus turefários, há de 
constituir sempre um dos fatores da nossa inferioidade como povo. 
 Suas idéias influenciaram diversos intelectuais e serviram de combustível 
para o surgimento da Sociedade Eugênica de São Paulo (1918 – 1920), para a 
realização do Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia em 1929 no Rio de Janeiro e 
a criação do Instituto Brasileiro de Eugenia em 1929, nessa mesma cidade (Masiero, 
2005). 
 Essas instituições e eventos por eles realizados procuravam tratar dos 
problemas da psicologia do brasileiro, dando enfoque deiferenciado aos estudos 
sobre o comportamento, a inteligência, a personalidade, procurando estabelecer 
relações entre essas dimensões psíquicas e a raça. 
 8 
 Os estudiosos da eugenia defendiam que as características psicológicas eram 
passadas de forma hereditária e por isso eram necessárias intervenções do estado 
afim de controlar o avanço da degeneração. 
Para o eugenista brasileiro, a disciplina dos instintos humanos seria uma 
das primeiras condições para se alcançar,no futuro, uma raça nobre e 
equilibrada moral e fisicamente. Na sua perspectiva, seria necessário 
criarem-s emecanismos educativos dos impulsos naturais humanos, 
principalmente reprodutivos, afim de mantê-los longe dos vieses 
degenerativos. Os instintos humanos, se atuassem desordenadamente, 
poderiam levar ao contato som doenças venéreas e alcoolismo, 
chamados também de venenos raciais. (Masiero, 2005, p. 201). 
 As teorias eugenistas ganharam força no primeiro terço do século XX e seus 
defensores propuseram um conjunto de projetos de intervenção social, 
fundamentando-se no discurso médico-higienista para diagnosticar a população. 
Existia entre esses intelectuais a crença na possibilidade de se regenerar física e 
moralmente a população brasileira e para isso era necessário implementar políticas 
de eugenia negativa, que é aquela que segue na direção de eliminar as futuras 
gerações de pessoas geneticamente incapazes, por meio de proibição marital, 
esterilização compulsória, eutanásia passiva e em último grau o extermínio (Silveira, 
2005). 
 
Ideologia do Branqueamento 
 Uma das teorias defendidas por parte dos intelectuais eugenistas era o 
branqueamento. Essa teoria fundamentava-se também na hierarquia das raças, sendo 
a branca superior a todas as outras e em outras duas suposições: a primeira era que a 
população negra tenderia a desaparacer progressivamente devido a uma suposta taxa 
de natalidade mais baixa, associada a uma taxa de mortalidade mais alta devido as 
condições sociais. A segunda suposição era que a miscigenação produziria uma 
população naturalmente mais clara, porque o gene branco era mais forte e também 
porque as pessoas procurariam parceiros mais claros para reproduzir (Skidmore, 
1989). 
 9 
 Após a abolição da escravatura em 1888, a elite brasileira desejava apresentar 
o Brasil enquanto um país branco e nesse sentido as teorias eugênicas estavam em 
sintonia. A elite preocupava-se com a influência negativa proveniente da herança 
inferior dos negros, que representavam 55% da população no censo de 1872 
(Munanga, 1999; Bento, 2005). Uma das saídas encontradas para embranquecer o 
país foi o incentivo da imigração européia. 
 Na verdade o projeto de imigração européia começa na década de 1840, no 
momento em que devido a pressões estrangeiras contra o tráfico de escravos 
africanos, levou a contratação de imigrantes europeus em São Paulo (Azevedo, 
2004). A imigração oriunda de países europeus tinha o objetivo de substituir os 
negros em todos os setores. Segundo Bastos (citado por Azevedo, 2004), o sonho do 
período era “deslocar os escravos como um todo e subistítuí-los por agente da 
civilização”. 
 Para alguns intelectuais da época como Pereira Barreto e Sylvio Romero, o 
Brasil era vítima de uma colonização errada. A escravidão deveria ser condenada 
muito mais pelos males sociais resultantes pela presença da raça inferior no país, do 
que pelos danos infrigidos à população negra (Azevedo, 2004). Mediante essas 
justificativas, estava disseminada a necessidade de se implementar urgentemente os 
projetos imigrantistas e para isso o país deveria oferecer ao imigrante “laborioso, 
inteligente e progressivo” condições de trabalho e bem-estar, superiores aos 
encontrados na Europa. 
 Apontado como ícone maior da causa do subdesenvolvimento brasileiro, o 
negro foi associado a toda sorte de mazelas: o vício, a lascívia, a criminalidade, 
assim como a predisposição para poenças psicopatológicas. A religiosidade de 
infliuência africana foi um dos alvos principais dos intelectuais que dominavam os 
saberes psicológicos. Era tida como uma manifestação religiosa inferior, uma seita 
que colocava em risco a mortal cristã. Para os psiquiatras e psicólogos da época, o 
candomblé se constituía como um problema sanitário relevante (Masiero, 2002). 
 Em contrapartida toda a herança cultural do branco europeu foi associada a 
valores positivos. Religião, música, culinária, traços fenotípicos, caráter, entre outras 
 10 
características foram consideradas o mais alto grau de evolução da produção 
humana. Como corolário dessa ideologia, ser bom era ser branco, o europeu era o 
modelo a ser desejado e imitado a qualquer custo. Existia um padrão a ser seguido, o 
normativo, o desejado. E tudo aquilo que era diferente desse padrão era tido como 
desviante. 
 
 O Declínio da Raça 
 As teorias racialistas atingiram seu apogeu na primeira metade do século XX. 
As teorias de Gobineau chegaram a Alemanha e lá sofreria uma metamorfose 
importante: Ludwing Schemann (citado por Herman, 1999) passa a enxergar em 
termos culturais e nacionais o que Gobineau enxergava enquanto racial. Schemann e 
seu sucessor Houston Chamberlain acreditavam que a Alemanha era o último reduto 
dos primitivos povos arianos, sendo portanto o povo alemão seu legítimo herdeiro. 
 Chamberlain viria a defender posteriormente que os judeus eram oriundos de 
uma raça híbrida e que a existência dos mesmos era “um atentado as leis sagradas da 
vida”. As idéias de Schemann e Chamberlain viriam a influenciar um personagem 
bastante conhecido da história da humanidade, Adolf Hitler, que foi o responsável 
por um dos maiores genocídios de todos os tempos: o holocausto dos judeus. 
 O regime nazista não somente exterminou judeus e outros grupos étnico-
raciais em massa. Em julho de 1933, foi decretada uma lei que tornava compulsória a 
esterilização do que os nazistas consideravam “pessoas defeituosas”. Alemães 
considerados mentalmente incapazes também foram executados nas câmaras de gás. 
Segundo Guerra (2006), diversos experimentos foram realizados com seres humanos, 
Joseph Mengele – o Anjo da Morte, famoso médico do III Reich, investiu em 
pesquisas relacionadas a contribuição genética ao desenvolvimento de características 
normais e patológicas em gêmeos, vitimando a grande maioria das cobaias humanas. 
 A derrota dos alemães e seus aliados na II Grande Guerra Mundial, fez com 
que os horrores do holocausto fossem revelados. Esse fato desacreditou a eugenia 
científica e eticamente e rapidamente seus defensores desapareceram. As teorias 
 11 
racistas que sustentavam a ideologia nazista tinham que ser rapidamente contestadas. 
Visando a neutralização dessas teorias, a UNESCO – Organização das Nações 
Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, convoca em 1950 na cidade de Paris, 
intelectuais de diversas nacionalidades para elaboração da I Declaração Sobre a 
Raça. 
 Essa declaração de opunha radicalmente com o pensamento hegemônico da 
primeira metade do século XX. Com forte teor nas ciências biológicas, a declaração 
sobre a raça lança uma novaluz a essa discussão. Primeiro reafirma que todos os 
homens pertencem a uma mesma espécie, o homo sapiens e as diferenças existentes 
entre os grupos humanos se devem a fatores evolutivos de evolução; depois teoriza 
que não se pode garantir de forma inequívoca presença de formas inatas de 
características psicológicas como o temperamento e a personalidade; a raça deve ser 
entendida como um mito social, mito este que estavam provocando sofrimentos 
incalculáveis. 
 Após a declaração de Paris em 1950, seguiram-se as declarações de Paris em 
junho de 1950, Moscou em agosto de 1964 e Paris em setembro de 1967. Se nas três 
primeiras declarações o aspecto biológico é o mais destacado, na última pode-se 
verificar um forte teor sócio-político, além de falar da raça é enfocada a problemática 
do preconceito racial. 
 A psicologia brasileira praticamente colocou em suspensão o assunto raça. 
Durante a segunda metade do século XX pouco se pesquisou e foi escrito sobre o 
tema. Ferreira (2000) relata a dificuldade em encontrar publicações sobre a questão 
racial em psicologia. Não foi encontrado nenhum livro no período entre 1987 e 
1997, e analisando 3.862 artigos em 30 títulos de periódicos, 656 dissertações e 393 
teses de psicologia, num total de 4.911 trabalhos analisados, ele encontrou doze que 
enfatizavam a temática. 
 A psicologia sempre foi alvo de muitas críticas, geralmente elas denunciam 
seu caráter ideológico e principalmente a descontextualização do indivíduo e as suas 
relações sociais. A psicologia surge num momento de intensas transformações 
 12 
científicas, tecnológica, econômicas e políticas e por conseguinte tornou-se 
importante em diversos setores da vida humana. 
 Uma das críticas mais comuns direcionadas à psicologia é que esta é uma 
ciência burguesa. 
A ciência psicológica surge no quadro histórico do capitalismo como a 
ciência burguesa, que justificará e escamoteará a contradição entre o 
indivíduo e a sociedade. Estudando o indivíduo desligado de seu 
contexto histórico e social, a Psicologia acabou por legitimar, através das 
diferenças individuais que classificam os indivíduos como mais aptos ou 
menos aptos, a divisão em classes sociais antagônicas na sociedade 
capitalista. 
A Psicologia dita científica está, portanto, a serviço da alienação e serve 
como instrumento de poder, na medida em que, incorporando o modelo 
das ciências naturais, considera como princípio natural a adaptação 
natural e o ajustamento do indivíduo ao meio, colaborando, dessa forma, 
com a consolidação da ideologia dominante. As marcas históricas da 
Psicologia como ciência determinada ideologicamente acabam por gerar 
uma Psicologia aplicada, supostamente neutra e homogênea. Construída, 
portanto, sobre o paradigma positivista, a Psicologia cumpre a função 
social de agente de adaptação dos indivíduos à sociedade. (Urt, 2000, 
p.16) 
 Essa crítica pode explicar em parte a postura dos profissionais de psicologia, 
pois estando a psicologia a serviço da alienação da população, pouco interesse teria 
em contestar o mito da democracia racial existente no Brasil. 
 
O Mito da Democracia Racial 
O Brasil foi o último país a abolir a escravidão no mundo, entretanto foi o 
primeiro a se autoproclamar “democrata racial” (Santos, 1994). Frequentemente as 
relações raciais no Brasil são comparadas às existentes, ou que existiram em países 
como a África do Sul e os Estados Unidos, países que até a segunda metade do 
século XX impedia a pleno direito à cidadania da população negra através de leis. 
A forma aparentemente branda como se deu a escravidão levou a alguns 
estudiosos como Gilberto Freyre a caracterizou a escravidão no Brasil como uma 
composição de senhores benevolentes e escravos submissos (Freyre, 1933). Freire 
considera que a miscigenação era mecanismo de um processo que em fim último 
buscava a democracia racial. É bom salientar que a miscigenação de raças no Brasil 
 13 
não se iniciou como um processo espontâneo entre os povos. As mulheres não 
brancas eram submetidas a toda sorte de humilhação moral e violência sexual. As 
crianças concebidas através desses enlaces eram concebidas sem pai, sendo relegadas 
a condição de escravas ou bastardas. 
Através do mito da democracia racial, o Brasil passou a gozar de prestígo 
internacional como uma nação livre do racismo e do preconceito racial. Vieram 
vários pesquisadores estrangeiros comprovar essa realidade. Entre eles, Donald 
Pierson, cientista social norte-americano, que realizou estudos sobre as relações 
sociais no Brasil. Ele constata a disparidade existente entre negros e brancos no que 
diz respeito à estratificação social, todavia continua ratificando o mito da democracia 
racial. Para ele as condições nas quais encontravam-se os negros eram decorrentes da 
sua história de pobreza dos seus ancestrais e não porque sofressem discriminação 
racial (Pierson, 1942). 
A democracia racial foi um importante instrumento de manutenção do staus 
quo das elites dominantes. A construção desse conceito contou com o apoio do 
mundo acadêmico. Antropólogos, historiadores, sociólogos, psicólogos, economistas, 
médicos, entre outros, atuaram como sustentáculos e defensores das teorias que 
serviram de alicerce o racismo ieologicamente. O ápice da importância do conceito 
de democracia racial deu-se no período da ditadura militar. “Nos anos duros do 
regime militar, especialmente entre 1967 e 1974, a ideologia da democracia racial 
havia se formado e era compreendida. A mera menção de raça ou racismo resultava 
em sanções sociais, e, frequentemente, qualquer um que a mencionasse era rotulado 
de racista” (Telles, 2003, p.57). 
Com o passar dos anos, o mito da democracia racial é contestado por diversos 
intelectuais, refutando as idéias de Freyre. DaMatta (1991), afirma que ela é o “mito 
fundador das relações raciais brasileiras” e denuncia a fábula das três raças, o que ele 
denomina de racismo à brasileira. “...a fábula das três raças, tornou-se uma ideologia 
dominante, abrangente, capaz de permear a visão do povo, dos intelectuais, dos 
políticos e dos acadêmicos de esquerda e de direita, uns e outros gritando pela 
mestiçagem e se utilizando do branco, do negro e do índio como as unidades básicas 
 14 
através das quais se realiza a esploração ou a redenção das massas” (DaMatta, 1991, 
p.63). 
Não se deve esquecer que na luta para denunciar e desconstruir o mito da 
democracia racial, o Movimento Negro desempenhou um papel de extrema 
importância, embora o discurso da negritude e consciência negra não encontrou 
grande ressonância na população (Santos, 1994; Telles, 2003).O racismo à brasileira 
é o desenho mais bem acabado de todos os racismos. Uma vez que o mesmo não é 
percebido como tal, já que não pode haver racismo num país de mestiços. 
Convenientemente se esquece que existe no país um degradê cromático-epidermico 
que varia do branco ao negro, e que os indivíduos mais próximos ao gradiente 
branco, gozam de privilégios em detrimento aos demais. 
A associação do mito da democracia racial e da ideologia do branqueamento 
provocaram sérios problemas psicológicos no que diz respeito a identidade e auto-
estima da poplação negra e mestiça. No censo de 1980 foram registradas 136 cores 
de pele nas auto-declarações de cor para os não-brancos (Cruz, 1989). Isso mostra os 
impactos dessas ideologias na identidade étnica da população brasileira. Na falta de 
referências positivas em qualquer esfera, é o ideal de ego branco que a população 
negra reinvidicará para si e para isso utilizará de todos os recursos possíveis para 
embranquecer. 
Por conveniência ou por acreditar realmente no mito dademocracia racial, os 
psicólogos se afastaram dessa problemática. A questão racial era, e de certa forma 
ainda é, considerada um problema do negro. Na verdade inexistente, pois a 
discriminação no Brasil é social para grande maioria dos brasileiros. “No Brasil o 
branqueamento é frequentemente associado com um problema do negro que, 
descontente e desconfortável com sua condiçao de negro, procura identificar-se 
comom branco, miscigenar-se com ele para diluir suas características raciais” 
(Bento, 2002, p.25). 
 
 
 15 
A Raça e a Psicologia na Contemporaneidade 
 Graças aos progressos da Genética Humana, descobriu-se que existiam no 
sangue critérios químicos denominados pelos geneticistas de marcadores genéticos 
que permitiam a divisão da humanidade em raças estanques. As pesquisas de cunho 
comparativo terminaram por mostrar que os patrimônios genéticos de dois indivíduos 
pertencentes à uma mesma raça podem ser mais distantes que os pertencentes à raças 
diferentes; um marcador genético característico de uma raça, pode, embora com 
menos incidência ser encontrado em outra raça. Assim, um nigeriano pode, 
geneticamente, ser mais próximo de um alemão e mais distante de um etíope, da 
mesma forma que casos de anemia falciforme (doença associada aos negros) podem 
ser encontrados na Europa, etc. 
Todos os resultados desencontrados somados aos avanços realizados na 
própria ciência biológica (genética humana, biologia molecular, bioquímica), 
levaram os estudiosos a concluir de que a raça não é uma realidade biológica, mas 
sim apenas um conceito cientificamente inoperante para explicar a diversidade 
humana e para dividi-la em raças estanques. Em outras palavras, biológica e 
cientificamente, as raças não existem (Barbujani, 2007). 
Embora a raça possa não existir para um geneticista ou para um biólogo 
molecular, no imaginário popular e mesmo para muitos intelectuais, a raça persiste 
fundamentadas na percepção de diferenças fenotípicas e outros critérios 
morfológicos, socialmente compartilhados e por vezes idiossincráticos. São baseados 
nessas construções de raça, que são criados, reproduzidos e reinventados os racismos 
(Munanga, 2003). 
O racismo no Brasil se expressa através da percepção do fenótipo, ele é um 
elemento objetivo, real, que não se presta à negação; está nele, não os genes, os 
fantasmas que nutrem o imaginário social. É o fenótipo que serve de divisor de 
águas, demarcando grupos raciais e consequentemente torna-se o ponto de referência 
em torno do qual se organizam as discriminações “raciais” (Moore, 2007). 
 A conceito raça hoje pode ser comprendida como algo carregado de 
ideologia, escamoteando a relação de poder e de dominação. Para (Munanga 2003), é 
uma categoria etno-semântica, influenciada pela estrutura da sociedade e correlações 
de forças a que estão submetidas. Por exemplo, o conceito de branco e negro podem 
 16 
variar de país para país, ou mesmo dentro de uma mesma nação. Isso porque o 
conteúdo dessas palavras é etno-semântico, político-ideológico e não biológico. 
No Brasil o fim da democracia racial é decretado simbolicamente quando o 
governo promulga o decreto nº. 4.886 de 20 de novembro de 2003. O decreto visa a 
promoção da igualdade racial mo país (BRASIL, 2003). 
 Esse decreto tem provocado muita polêmica e discussão, afinal vai na rota 
de colisão à ideologia na qual se formou a sociedade brasileira, ou seja, uma 
sociedade igualitária e homogênea. As reações partiram principalmente dos setores 
que se sentiram prejudicados pelas políticas de cotas para negros e indígenas, 
entretanto é bom salientar que as políticas de cotas são praticadas do Brasil há muito 
tempo, mas não especificamente para os grupos historicamente marginalizados 
(Leitão, 2006). 
O problema do racismo no Brasil é sempre considerado um problema do 
outro. A pesquisa Discriminação Racial e o Preconceito de Cor no Brasil realizada 
em 2003 pela Fundação Perseu Abramo (FPA), revelou que 82 % dos entrevistados 
reconheciam a existência do racismo em terras brasileiras, mas somente 4% desses 
entrevistados reconheciam-se enquanto racistas. Esses resultados fomentaram a 
interessante campanha “Onde você esconde seu racismo?”. 
Barbujani, (2007) e Guerra (2006) ressaltam que apesar da falta de 
credibilidade do conceito raça, muitas práticas racistas estão camufladas sob o rótulo 
“genética humana”. Foram desenvolvidas técnicas de diagnóstico detectar bebês com 
problemas genéticos, sendo em muitos casos, aconselhado o abortamento dos 
mesmos. O mapeamento genético deverá permitir a manipulação de genes que 
controlam características caracteres fenotípicas como cor dos olhos, tipo de cabelo e 
cor de pele. 
Masiero (2005) por sua vez, denuncia que existem afinidades com teorias 
eugênicas em certos instrumentos utilizados por psicólogos nos dias de hoje para 
mensuração de medidas psicológicas de inteligência, os psicodiagnósticos e as 
técnicas de avaliação de personalidade. 
Ainda hoje são desenvolvidas pesquisas tentando demonstrar que existem 
diferenças significativas entre as “raças humanas”. Richard Lynn, psicólogo as Ulster 
University, na Irlanda do Norte é um deles; o livro The Bell Curve: Intelligence and 
Class Structure in American Life, dos pesquisadores Richard J. Herrnstein e Charles 
 17 
Murray, publicado em 1996, procurava demonstrar através de testes de QI, 
diferenças nos níveis de inteligência entre negros e brancos. 
A teoria de Herrnstein e Murray encontra fervorosos defensores, como foi o 
caso do vencedor do prêmio Nobel de Medicina em 1962, James Watson. Ele 
afirmou em entrevista concedida ao The Sunday Times em outubro de 2007, que era 
pessimista quanto ao futuro do continente africano, porque as políticas ocidentais 
para o desenvolvimento daquele continente fundamentavam-se na crença de que os 
negros são tão inteligentes quanto os brancos quando, na verdade, os testes dizem ao 
contrário (Garcia, 2007). Posteriormente ele veio a se desculpar, afirmando que tinha 
sido mal compreendido (Folha on line, 2007). Mas aí o estrago já estava feito. 
A questão sobre raça nas ciências no Brasil está longe de se chagar a um 
consenso. A medicina, por exemplo, encontra-se num grande dilema teórico e 
político. Na esteira da queda do mito da democracia racial, diversos pesquisadores 
passaram a reivindicar a implementação de políticas públicas específicas para a 
população negra, como o programa realizado na cidade de Salvador, uma vez que as 
políticas universais de saúde não contemplam as especificidades dessa população 
(Lopes, 2004; Werneck, Mendonça & White, 1994). 
Do outro lado da discussão, diversos autores discordam abertamente dessa 
posição porque acreditam que utilizar o critério de raça não é defensável no nível 
biológico, uma vez que o mesmo não existe; nem como um conceito social, uma vez 
que contamina negativamente a sociedade na sua totalidade e tem sido utilizado para 
fomentar discriminações (Pena, 2005; Maio & Monteiro, 2005; Fry, 2005). 
Nesse cenário de transformações intensas nos trabalhos referentes às relações 
raciais no Brasil, os psicólogos romperam seu relativo silêncio e começam a mostrar 
um interesse significativo a partir do final da década de 1990. Psicólogos defensores 
da cognição social, representações sociais e também os da perspectiva sócio-histórica 
tem-se revezado nas produções acadêmicas sobre os estudos da raça. 
Esses estudos corroboram a transformação do paradigma para compreender a 
humanidade. Evitando assim, a normalização de um padrão a ser seguido, um 
modelo hegemônico a ser perseguido. O que antes era considerado desvio, nas 
análises dos intelectuais, passaa ser compreendido como diferença, evitando assim a 
hierarquia valorativa que é o sustentáculo do racismo. 
 18 
Publicações como Afro-descendente: Identidade em Construção de Ricardo 
Franklin Ferreira (2000); Psicologia Social do Racismo, organizado por Iray Carone 
e Maria Aparecida Bento (2002); Psicologia Social dos Estereótipos de Marcos 
Emanoel Pereira (2002); A Invenção do Ser Negro de Gislane Aparecida dos Santos 
(2002); Psicologia Social nos Estudos Culturais de Neuza Guareschi e Michel 
Euclides Bruschi (2003), aliadas a uma grande produção de estudos e artigos 
científicos em diversos estados do território brasileiro, mostram que definitivamente 
os psicólogos, independentemente do referencial teórico por eles adotado, estão 
empenhados em compreender um dos fenômenos mais complexos e nefastos 
existentes no Brasil. 
Assim como o mito da democracia racial, o mito da neutralidade científica 
possui um grande contingente de defensores. Mas há que se pensar que tanto no 
passado, como nos dias de hoje, a ciência serviu de sustentáculo para legitimar os 
interesses de classes ou mesmo para subjugar minorias, sobretudo no Brasil, onde as 
teorias racistas foram por muito tempo, fomentadas por intelectuais motivados mais 
ideologicamente, em detrimento da ciência. 
 
 
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