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Artigo 2 A NATUREZA DA APRENDIZAGEM

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1
A NATUREZA DA APRENDIZAGEM
Paulo Antônio Viegas Ribas
Fundação Conesul de Desenvolvimento
Rua Fernando Osório, 75, Teresópolis, 91720-330, Porto Alegre - RS
Fone: (051) 318-5694, paulo.ribas@ig.com.br
RESUMO
Este texto condensa os pontos centrais de cinco outros nossos artigos, apresentando nossa
visão sobre quais contribuições a psicanálise e a psicopedagogia podem trazer ao ensino de
engenharia.
Começa com um estudo comparativo entre a descoberta do reflexo condicionado por Pavlov e
a invenção da psicanálise por Freud e suas influências nas aprendizagens escolares no século XX.
Depois, exemplifica o uso do método psicanalítico, com textos produzidos a partir de sonhos. Outro
texto mostra que a imitação é um dos processos psíquicos fundamentais da aprendizagem humana.
Segue com um texto que pergunta por que tanta gente repete nas faculdades de engenharia e um
último que enfoca a aprendizagem e a repetência à luz da psicanálise.
Buscamos evidenciar, a partir de fragmentos extraídos desses textos anteriores, a importância
de nos perguntarmos sobre a natureza da aprendizagem para a visualização de novas propostas
didáticas para o ensino de engenharia. E, para este Encontro de Educação em Engenharia (VI EEE),
acrescentamos a tais fragmentos novas considerações, extraídas de exemplos da Física, familiares
para nós engenheiros, a fim de ilustrar a importância das pesquisas sobre a natureza da
aprendizagem, tal como sucede com os fenômenos físicos.
INTRODUÇÃO
Um dos maiores desafios da engenharia do século XXI será, sem dúvida, responder a seguinte
pergunta: Como aprender num contexto onde a tecnologia e o conhecimento cambiam numa
velocidade exponencialmente acelerada? E para enfrentar esse desafio, a atividade de pesquisa,
sobre como se dá a aprendizagem, passa a ser uma das atividades estratégicas das mais relevantes.
E, para tanto, estou convicto, baseado em estudos e pesquisas nesse sentido, que um olhar
retrospectivo dos caminhos trilhados no passado, é uma opção de extremado e raro valor, muito
além do que normalmente conseguimos perceber. Uma maneira de se ver isso é voltarmos nossa
atenção ao que sucedeu no início do século XX, identificando os caminhos alternativos existentes
naquela época; e a partir disso, observar os efeitos, nesse final de século, das escolhas ocorridas
naquele início de século. Esse foi o nosso propósito ao escrever o texto «De Pavlov a Freud, do
condicionamento ao desejo: as pequenas-grandes diferenças no aprender».
A teoria freudiana dos sonhos é uma das mais importantes teorias para se aprender sobre os
processos psíquicos inconscientes e de inigualável valor para o entendimento do processo de
aprendizagem. Um exemplo prático disso é o que tentamos mostrar ao escrever - inspirados num
curioso sonho com um elefante - o texto «Aprendizagem, um fenômeno cerebral ou psíquico?».
Trata-se de um estudo comparativo das descobertas de Pavlov e de Freud, no início do século XX,
e, em especial, suas repercussões no ensino ao longo deste século. Nesse texto narramos em
detalhes esse sonho e o modo como, a partir do próprio sonho, escrevemos esses dois textos,
aprofundando no segundo as questões trabalhadas no primeiro. Creio que o caminho dos sonhos,
além de nos ajudar a compreender melhor a natureza da aprendizagem e seus processos, também
pode nos auxiliar a visualizar novas propostas didáticas para os desafios vividos pelos professores e
alunos de engenharia em sala de aula.
Um ensaio de Freud sobre os processos de pensamentos dos povos antigos nos ajuda a
entender certos processos existentes no ensino e na aprendizagem e explica muitos dos fenômenos
do cotidiano de sala de aula, inexplicáveis por outras vias, tal como a repetência. Considero que um
conhecimento, por mínimo que seja, da hipótese fundamental inventada por Freud, a hipótese do
inconsciente, é uma das condições iniciais das mais importantes e essenciais para se aceitar a
2
contribuição da psicanálise nas aprendizagens nos cursos de engenharia. Considero ser esse um dos
caminhos que muito pode nos ajudar a responder a pergunta central proposta neste artigo, ou seja:
Qual é a natureza da aprendizagem?
Na continuação apresentamos uma condensação dos textos antes mencionados.
1 - De Pavlov a Freud, do condicionamento ao desejo: as pequenas-grandes diferenças no
aprender.
Nesse texto, foi situado, como tema central, o deslocamento do foco do ensino para
aprendizagem, como uma das questões que esteve no cerne da problemática educacional ao longo
do século XX, questão essa que nomeio aqui de «a encruzilhada». Utilizo essa palavra, por acreditar
que a descoberta do reflexo condicionado por Pavlov e a invenção da psicanálise por Freud
inauguraram dois novos grandes campos de pesquisa. E isso coloucou os pesquisadores das áreas
vinculadas a essas descobertas, inclusive e em especial aqueles que pesquisam sobre a
aprendizagem humana, em um impasse dificilmente superável, o qual tem persistido desde o limiar
até o final deste século.
De uma maneira bastante simplificada, podemos dizer que a diferença essencial entre essas
duas escolas da psicologia (a reflexologista, originada da descoberta de Pavlov e a psicologia
profunda ou psicologia da alma, como também é conhecida a psicanálise) é que a primeira escola
explica a aprendizagem como um processo cerebral e a segunda como um processo psíquico.
Também podemos reconhecer uma outra diferença radical que a encruzilhada destes dois
caminhos nos impõe, do ponto de vista da aprendizagem, na seguinte pergunta: qual caminho
seguir, o caminho do condicionamento ou a via do desejo? Embora não haja uma resposta fácil e
simples para essa pergunta, certamente ela é uma questão das mais essenciais ao nos depararmos
diante do impasse que tal encruzilhada nos impõe. Além do mais, se seguirmos o modelo da
reflexologia, estaríamos aceitando a natureza da aprendizagem como cerebral, enquanto que
seguindo o modelo psicanalítico, estaríamos aceitando-a como de natureza psíquica e inconsciente.
E isso nos leva a outra pergunta: que diferenças poderão ocorrer nas aprendizagens dos alunos
de engenharia do século XXI, se tomarmos como ponto de partida e bússola didática uma ou outra
dessas contribuições científicas? Tomando uma ou outra dessas duas perspectivas certamente que os
resultados nas aprendizagens humanas serão bastante diferentes. Só que, na prática educativa e na
história da evolução do pensamento científico, a respeito das aprendizagens humanas, não é nada
fácil se perceber o grau de influência destas duas grandes escolas nascidas no início deste século,
Um excelente trabalho sobre isso se encontra na obra História da psicanálise na França: a batalha
dos cem anos, de Elisabeth Roudinesco [7.2], onde essa autora mostra a luta política e científica
entre o pavlovismo e o freudismo ao longo do século XX, bem como suas influências nas diversas
esferas da atividade humana. Penso que esse é um dos principais textos para se compreender as
razões pelas quais um caminho teve mais influência do que o outro na área do ensino, notadamente
numa área tecnológica como a engenharia.
2 – Aprendizagem, um fenômeno cerebral ou psíquico?
O texto anterior teve sua inspiração em um sonho, não obstante sua apresentação não indique
nenhum vestígio e é pouco provável que o leitor desconfiasse de tal origem se não fosse informado
desse fato. O mais provável é que ele pensaria que o artigo fora escrito a partir de estudos e
pesquisas em referenciais bibliográficos, como é de praxe nos textos acadêmicos. Entretanto, caso
lesse o segundo texto, o leitor teria uma opinião totalmente diferente a respeito das origens de
ambos. Com isso, nossa intenção foi mostrar como é possível se produzir textos e conhecimentos a
partir de sonhos, caminho esse chamado por Freud de via régia.
Já que esses dois artigos tiveram origem em um curioso sonho, resolvemos relatá-lo no
segundo artigopara introduzir o leitor na temática central dos mesmos. E é a partir da descrição
desse sonho e de fatos a ele associados, como os simples fatos do cotidiano de nossas vidas, que
pretendemos responder à pergunta contida no título desse segundo texto. É possível com esse
simples exemplo evidenciar a natureza inconsciente da aprendizagem. E, ao aceitarmos a hipótese
3
da aprendizagem como um processo inconsciente, tal como os sonhos, pode-se explicar muitos dos
problemas de aprendizagem e da repetência nos cursos de engenharia à luz da psicanálise.
3 - A repetência escolar: um ato de imitação
Esse texto procura buscar um entendimento da repetição escolar com base nas seguintes
referências:
História de um desengano: trata-se de um conto sobre o primeiro ano escolar de um menino
que desejava pensar com sua própria cabeça e fazer os desenhos que mais lhe agradavam. Porém,
sua primeira professora queria que ele pensasse de acordo com a cabeça dela. Esse menino, devido
um mau começo na história de suas aprendizagens, teve sérios problemas de aprendizagem quando
foi transferido para outra escola onde a professora desejava que ele aprendesse a partir de seu desejo
e com sua própria cabeça.
Aprendendo com os erros: alguns exemplos da importância de se aprender com os erros,
baseado nas «Histórias extraordinárias» do escritor Edgar Allan Poe.
Estudos antropológicos feitos por Freud sobre o sistema de pensamento de povos primitivos,
visando relacionar isso com o processo de imitação na aprendizagem e na repetência escolar.
4 - Por que tanta gente repete nas faculdades de engenharia?
O que propomos com essa pergunta, mais que respondê-la, é apontar para a necessidade de
pesquisas científicas sobre o fenômeno da repetência nos cursos de engenharia. E para isso,
enfocamos aqui, com mais ênfase, a questão da natureza da aprendizagem, tomando-a a partir da
natureza do psíquico de um dos textos freudianos. Usamos nesse texto os sonhos, os contos de
histórias infantis, as histórias extraordinárias do escritor Edgar Allan Poe, um experimento de
Piaget, trechos sobre pesquisa do livro de Física de Maiztegui & Sabato e um modelo de pesquisa
proposto por Freud, tentando ver o que há de comum entre esses distintos enfoques e a natureza da
aprendizagem e da repetência.
5 - A aprendizagem e a repetência à luz da psicanálise
A histórica persistência dos elevados índices de repetência nas faculdades de engenharia
brasileiras justifica que nós, como professores, além de duvidarmos das costumeiras justificativas e
ações para reduzi-los, busquemos conhecer outras hipóteses e novos caminhos para a superação do
fracasso do ensino e da aprendizagem evidenciado por essas repetências. Fracasso esse que é de
quem ensina, de quem aprende e da instituição na qual o aluno busca construir seu saber. Esse
artigo apresenta, como cenário de fundo, exemplos da história das aprendizagens de Albert Einstein,
os quais mostram que o drama da repetência escolar está mais além das questões curriculares e
pedagógicas e que não é um fenômeno sazonal desse final de século. Um breve comentário feito por
Sigmund Freud da sua época de estudante, por outro lado, põe em evidencia o papel de destaque
que o vínculo professor-aluno tem nesse drama das aprendizagens e das repetências; drama esse
onde os professores e os alunos são os protagonistas e a instituição escolar seu patrocinador,
cúmplice e testemunha silenciosa.
6 - Algumas proposições sobre a natureza da aprendizagem
Não há dúvidas que uma compreensão mais aprofundada sobre a natureza da aprendizagem
humana poderia trazer benefícios significativos ao ensino de engenharia. Assim, apresento na
continuação, não uma conclusão, mas sim algumas proposições, extraídas de alguns fragmentos dos
textos anteriores, que me pareceram mais significativos para refletirmos sobre o tema central deste
artigo, ou seja: a importância de pesquisarmos sobre a natureza da aprendizagem tendo em vista os
desafios do ensino de engenharia do século XXI.
6.l - Ao aceitarmos a hipótese freudiana do inconsciente, implica que a concepção de aprendizagem
como algo controlável pelo professor necessita ser revista. E isso requer, na nossa percepção, um
importante reestudo e reencaminhamento das questões em torno dos conceitos de ensino e
aprendizagem, tanto no que diz respeito à teoria, método e técnica, bem como sua articulação com a
4
prática de sala de aula. Em especial destacamos, como contrapartida do condicionamento, o papel
do desejo como mola mestra do aprender, sustentado por uma relação vincular entre ensinante e
aprendente.
6.2 - Além disso, nos orientamos também nesse caminho por um certo tipo de identificação com a
pessoa de Freud que, além de um grande teórico e pesquisador, foi um homem prático, tal como se
supõe ser um engenheiro. Assim o reconhece James Strachey, na nota introdutória de Lo
inconciente (Freud, 1915): “El concepto de que existen procesos anímicos inconscientes es, desde
luego, fundamental en la teoria psicoanalítica (...) Debe aclararse en seguida, sin embargo, que el
intrerés de Freud por este supuesto nunca fue de naturaleza filosófica - aunque, sin duda, los
problemas filosóficos aguardaban inevitablemente a la vuelta de la esquina. Su interés era
práctico. Encontró que sin este supuesto le resultaba imposible explicar o aun describir una grand
variedad de fenómenos que le salían al paso. Formulándolo, por el contrario, se le abría el camino
a una región, inmensamente fértil, de nuevos conocimientos” (p. 156).
6.3 - Finalizando, reafirmo nossa crença na experiência, ao citar Einstein, outro grande pensador do
século XX - provavelmente mais conhecido do que Freud pelos colegas engenheiros. É ele que nos
ensina: “Encontrei a solução quando percebi que os conceitos e as leis que atribuímos ao espaço e
ao tempo só são válidos quando estão claramente relacionados a nossa experiência; e a
experiência pode perfeitamente alterá-los. Revendo o conceito de simultaneidade de uma forma
mais maleável, cheguei, assim, à teoria especial da relatividade” (p. 68).
6.4 - Elisabeth Roudinesco, dedica boa parte de seu livro sobre a história da psicanálise na França
para analisar o movimento do pavlovismo e do freudismo, começando com a história do movimento
psicanalítico soviético. A partir daí, podemos entender algumas das raízes de grande parte dos
problemas de aprendizagem e da repetência no mundo acadêmico de hoje e o porquê de sua
persistência por décadas e até por séculos. Como se trata de um complexo, profundo e extenso
trabalho, transcrevemos somente alguns fragmentos dessa importante obra, tentando responder, pelo
menos em parte, o porquê do predomínio das ciências do cérebro sobre a psicanálise, ao longo do
século XX. Para isso, escolhemos três recortes dessa vasta obra, relacionados com o predomínio e
influência do modelo de Pavlov nas concepções de ensino e de aprendizagem no início do século e
cujos reflexos repercutem até seu final.
6.5 - Se adotamos a segunda posição, percebemos quanto podem ensinar-nos os acontecimentos do
cotidiano e quanto poderemos aprender de nosso saber inconsciente, seja via sonhos, seja por outras
vias pelas quais tal saber se manifesta. Com respeito a isso, é oportuno por em evidência duas
características dos sonhos, segundo Freud: a) o sonho é uma realização de desejo; b) uma das
funções do trabalho do sonho é trabalhar os pensamentos oníricos não resolvidos no estado de
vigília. E a partir dessa posição, pode-se concluir três coisas importantes para o entendimento da
aprendizagem humana, como um processo psíquico. A primeira, é que a aprendizagem é um
processo essencialmente inconsciente; a segunda, derivada da primeira, é que o inconsciente é
ensinante e aprendente; e a terceira, é que o desejo é o motor da aprendizagem.
6.6 - Bem, a propósito, hoje me custa imaginar a aprendizagem dissociada do processo chamado
«mecanismo psíquico da repetição»e outros processos psíquicos a ele associados. Pelo contrário,
penso que a repetição e a aprendizagem estão sempre associados, não existindo um sem o outro,
assim como o repetir e o cambiar fazem parte do ato de aprender.
6.7 - O leitor poderia se perguntar: Que valor tem esses fatos, ocorridos cem anos atrás, para o
ensino de engenharia? Se já tenho tantos problemas para me preocupar, como professor, por que
perderia tempo com essas bobagens? Essa foi a posição adotada pelos colegas de Freud no início do
século.
6.8 - Se as duas professoras disseram a mesma frase, qual é a grande diferença de posição delas
diante do aprender e do ensinar? O desejo da primeira era somente, e essencialmente, ensinar,
submetendo os alunos ao seu desejo. Para desenhar a flor, seguindo o desejo da professora, o
menino teria que sufocar seu próprio desejo e sua capacidade de pensar (Não sei!). Tinha que
subjugar seu desejo ao desejo dela. O desejo da segunda professora, pelo contrário, era que,
5
essencialmente, os alunos aprendessem. Para que as crianças desenhassem a flor, teriam que colocar
em jogo sua inteligência a serviço de seu desejo, e não simplesmente copiar o desenho da
professora.
6.9 - Então com a ajuda desse simples exemplo, podemos distinguir duas posições com relação ao
aprender. A primeira vê o aprender como um ato de reprodução, onde o aluno se restringe a
reproduzir os conteúdos transmitidos pelo professores. Com isso, também aprende a sufocar seu
próprio desejo e negar seu direito de pensar com sua própria cabeça. Aqui está um primeiro ponto
que pode esclarecer um pouco a origem da repetência nos cursos de engenharia. A segunda posição
vê o aprender como um ato de construção, onde o sujeito constrói seu saber a partir de seu desejo,
suportado pelo desejo do professor, cujo principal desejo é que o aluno aprenda.
6.10 - Nossa tendência é adotar uma visão episódica da repetência nos cursos de engenharia, ao vê-
la como um fenômeno esporádico da atualidade. Atribuímos a ele os motivos típicos de nossa
época, julgando que antes não era assim.
6.11 - Impressionou-me nessa leitura duas características fortes na pessoa de Freud como
investigador: seu estilo prático e a persistência em manter o interesse em um foco muito pontual em
suas pesquisas. Mais relevante, ainda, foi sua audácia em contrariar radicalmente o modelo de
pesquisa vigente em sua época. Esta sua audácia de seguir um caminho independente, opondo-se a
seus contemporâneos, foi um do ponto-chave para que ele tivesse chegado ao magistral feito. Ele
criou um novo modelo de pesquisa, revolucionando a maneira de se pesquisar os mistérios dos
diversos campos da atividade humana, não investigáveis por outras vias.
6.12 - Assim, pode-se dizer que, do ponto de vista dos conteúdos, o ensino de engenharia segue a
visão científica; e que, do ponto de vista do processo da aprendizagem, em si, segue a visão
animista. É claro que isso é somente uma conjectura que estou fazendo agora, enquanto escrevo este
texto, porém, pode ser uma hipótese que valha a pena seguir para ver até onde ela pode levar-nos.
6.13 - A título de exemplo, deixo uma pergunta que cada um pode fazer a si mesmo: Como seria a
aprendizagem em sala de aula, se nós professores fôssemos capazes de suportar que os alunos
pensassem com suas próprias cabeças, tal como desejava o menino dos desenhos?
6.14 - Cremos que podemos extrair algumas conclusões proveitosas referentes à pergunta do título.
A principal é que, tal como a aprendizagem, a repetição é um processo psíquico e de natureza
essencialmente inconsciente. Disso se deriva que a repetição é constituinte da psique humana. Se o
mecanismo psíquico da repetição está na raiz das repetências escolares, não podemos adotar o
pensamento simplista de vê-las como um problema a ser resolvido somente na perspectiva da
engenharia. Pois, sendo a repetição constituinte da psique humana, a repetição, em si, já é uma
solução. Destacamos que existem outros processos psíquicos envolvidos na aprendizagem, mais
além da pura e simples repetição. Entretanto, não podemos simplesmente descartar a repetição
como um fato depreciável. Pelo contrário, a repetição, sendo um processo psíquico e de natureza
inconsciente, é indispensável em todo e qualquer processo de aprendizagem humana.
6.15 - Voltemos à pergunta do título. Nosso propósito foi mostrar que a dificuldade para respondê-
la radica na natureza inconsciente da repetição. E, considerando que o modelo psicanalítico é o
modelo com o qual se pesquisam os processos psíquicos inconscientes e se aceitarmos que a
aprendizagem e a repetição são processos de natureza inconsciente, podemos compreender como a
psicanálise pode trazer inestimáveis contribuições para as aprendizagens nos cursos de engenharia.
6.16 - Em termos mais práticos, podemos dizer que a utilização do método psicanalítico oferece
uma maneira criativa e eficaz de produção de conhecimentos, tanto no campo das aprendizagens
nos cursos de engenharia, como na produção de conhecimentos específicos das diferentes áreas da
engenharia. E, para tanto, o método e a teoria freudiana dos sonhos é um excelente via para tais
produções, fato que comprova, na prática, o indiscutível valor do método psicanalítico para a
produção de conhecimentos, nas mais variadas áreas do conhecimento, além das áreas ditas
humanas, científicas e não científicas.
6
6.17 - É raro o colega engenheiro que não lembre de alguma experiência desagradável de fracasso -
ou a eminência de um fracasso - da sua época de estudante de engenharia. É raro também aquele
que nunca se sentiu na eminência de ser reprovado em alguma disciplina, fato diante do qual se
pode imaginar uma infinidade de motivos possíveis devido à singularidade de cada aluno. Talvez
também não sejam poucos - quem sabe até a maioria - os que tiveram a experiência de pelo menos
uma reprovação e, apesar da minoria não ter passado por isso, é certo que muitos viveram a
experiência de muitas reprovações. Essas experiências desagradáveis de fracasso - desde o medo
diante da eminência de rodar numa disciplina sem saber como evitar isso ou dificuldades de
aprendizagem de disciplinas que nos pareciam complexas e difíceis, até as repetidas experiências de
reprovações -, de uma maneira ou de outra, fazem parte da história daqueles que cursaram a
faculdade de engenharia.
6.18 - Dois aspectos essenciais cabem ser destacados no histórico enigma da repetência escolar: não
é um fenômeno sazonal restrito à nossa época e não se restringe aos alunos ‘pouco inteligentes’, ao
contrário do que se pode inferir a priori. Se fizermos uma retrospectiva histórica, veremos que o
enigma da repetência é tão antigo quanto à escola de engenharia e que o furor das reprovações não
tem poupado nem sequer os alunos gênios. Para exemplificar isso, vejamos a importante
testemunha de Einstein que foi reprovado na Escola Politécnica de Zurique e até chegou a ser
considerado inapto por alguns de seus professores, exemplo que ilustra que os equívocos na
avaliação da aprendizagem dos alunos são um fato histórico não restrito à atualidade. Apresento, na
continuação, alguns comentários do biógrafo Brian (1998) sobre as experiências de aprendizagens
escolares de Einstein, suas reprovações e sua relação com seus mestres.
6.19 - Einstein, último lugar entre os homens de sua turma. Como seriam as notas de Einstein caso
cursasse engenharia hoje e fosse aluno de um professor burocrata que exigisse dele a reprodução de
conteúdos e cumprimento de procedimentos burocráticos? Penso que não seria muito diferente do
que nos narra Brian no seguinte episódio: “A três dias do grande exame, o professor Weber pôs em
perigo as chances de Einstein. Obrigou-o a reescrever um artigo inteiro porque o primeiro não
fora feito em papel oficial. Isso lhe tomaria um tempo precioso de estudos para o exame. A
exigência mesquinha de uma regra sem importância demonstrara quanto Einstein tinha se
indispostocom Weber. Cinco alunos fizeram o exame - quatro homens, entre eles o salvador de
Albert, Marcel Grossmann, e Mileva. Louis Kollrs obteve a média mais alta do grupo 60. Marcel
Grossmann foi o segundo, com 57,5, seguido de perto por Jakob Ehrat, com 56,5. Einstein foi o
quarto e o último dos homens, com 54” (p. 26).
6.20 - Segundo Alicia Fernandez (1990), os problemas de aprendizagem são basicamente de dois
tipos: reativo e sintoma. Os problemas de aprendizagem do tipo sintoma são a minoria e são os que
merecem um tratamento clínico. Diz Fernandez: “O problema de aprendizagem que constitui um
«sintoma» ou uma «inibição» toma forma em um indivíduo, afetando a dinâmica de articulação
entre os níveis de inteligência, o desejo, o organismo e o corpo, redundando em um aprisionamento
da inteligência e da corporeidade por parte da estrutura simbólica do inconsciente (...). Para
procurar a remissão dessa problemática, deveremos apelar a um tratamento psicopedagógico
clínico que busque libertar a inteligência e mobilizar a circulação patológica do conhecimento em
seu grupo familiar” (p. 82). Podemos afirmar que não é esse tipo de problema o predominante no
ensino de engenharia.
6.21 - O problema de aprendizagem reativo como origem da repetência. O problema de
aprendizagem reativo é o mais evidenciado no ensino em geral, sendo ele o responsável pela
maioria das repetências. Assim o descreve Alicia Fernandez: “O problema de aprendizagem
reativo, ao contrário, afeta o aprender do sujeito em suas manifestações, sem chegar a «atrapar» a
inteligência: geralmente surge a partir do choque entre o «aprendente» e a instituição educativa
que funciona expulsivamente. Para entendê-lo e abordá-lo, devemos apelar à situação promotora
do bloqueio. O não-aprendiz não requer tratamento psicopedagógico, na maioria dos casos. A
intervenção do psicopedagogo dirigir-se-á fundamentalmente a sanear a instituição educativa
(metodologia-ideologia-linguagem-vínculo)” (p. 82). Esses problemas se originam da reatividade
dos alunos a certas modalidades de ensino. Embora a dificuldade de aprendizagem se manifeste no
aluno, reconhece-se o problema de aprendizagem reativo, geralmente, quando a maioria dos alunos
7
não consegue aprender em sala de aula, num determinado tipo de vínculo ensinante-aprendente. Os
exemplos das dificuldades de aprendizagem na história escolar de Einstein ilustram bem o que é um
problema de aprendizagem reativo, ou seja, reatividade à proposta de ensino de seus mestres.
6.22 - O aluno repetente exitoso, o aluno repetente fracassante e o aluno aprendente. Observemos o
que Alicia Fernandez diz a respeito da incidência dos casos de problema de aprendizagem reativo
que recorrem à clínica: “Ainda que não contemos com estudos estatísticos que permitam
determinar a incidência desta patologia em relação à percentagem total da demanda nas
instituições, por minha experiência direta e no nível de supervisão há mais de 15 anos, posso
pensar que uns 50% da consultas podem ser atribuídas a uma causa que não é sintomática de uma
família e de um sujeito, mas de uma instituição sócio-educativa, que expulsa o aprendente e
promove o repetente em suas duas vertentes (exitoso e fracassante)” (p. 88). É esclarecedora essa
classificação que nos mostra Alicia Fernandez ao se referir aos dois tipos de repetentes produzidos
no seio da instituição educativa: o repetente que, para não repetir o ano, repete os conteúdos
transmitidos pelo professor; e o repetente que, por se negar a repetir os conteúdos transmitidos pelo
professor, repete o ano. Referindo-se ao primeiro caso, diz Fernandez: “Há um repetente exitoso
(que nem se preocupa se o chamam de repetente): é o que se acomoda ao sistema, imita, não repete
o ano, mas repete textos de outros, repete consignas, submete-se, não pensa, mas triunfa porque
repete o que os outros querem. A este repetente ninguém encaminha à psicopedagogia, ainda que
devesse estar em nossos principais objetivos de trabalho preventivo” (p. 88). E referindo-se ao
repetente fracassante, Alicia diz: “Há outro, que se chama repetente por repetir o ano. O fracasso
na escolarização da maioria deles é um problema reativo a um sistema que não os aceita, que não
reconhece seu saber e os obriga a acumular conhecimentos” (p. 88).
6.23 - Penso que a possibilidade de se aprender como aprender, com esses dois grandes exemplos
de pensadores e pesquisadores, que foram Freud e Einstein, muito poderá abreviar nosso trabalho e
nos orientar por caminhos já bem fundamentados cientificamente, evitando assim tentativas
demasiadamente erráticas. Vejamos, então, como palavras finais do presente artigo, o que nos diz
Freud sobre a idéia central do tema aqui enfocado, ou seja, de que os problemas de aprendizagem
escolar estão mais além dos conteúdos e das questões metodológicas da pedagogia. Em seu artigo
«Sobre la psicología del colegial», Freud (1914), relembrando sua época de estudante, escreve: “El
sacudimiento que me causó el encuentro con mi antiguo profesor de la escuela secundaria me
advierte que debo hacer una primera confesión: No sé qué nos reclamaba con más intensidad ni
qué era más sustantivo para nosotros: ocuparnos de las ciencias que nos exponían o de la
personalidad de nuestros maestros. Lo cierto es que esto último constituyó en todos nosotros una
corriente subterránea nunca extinguida, y en muchos el camino hacia las ciencias pasaba
exclusivamente por las personas de los maestros; era grande el número de los que se atascaban en
ese camino, y algunos - ¿por qué no confesarlo? - lo extraviaron así para siempre” (p. 248).
As proposições apresentadas até aqui foram extraídas dos textos listados nas referências.
Acrescentaremos a seguir novos fragmentos, extraídos de exemplos da Física (Maiztegui & Sabato,
1966), familiar para nós engenheiros, a fim de ilustrar a importância histórica que tiveram os
estudos e pesquisas sobre a natureza dos fenômenos físicos, semelhantemente à importância que
atribuímos aos estudos e pesquisas relativos à natureza da aprendizagem.
6.24 - Seguindo a linha de pensamento acima proposta, reproduziremos, do livro de Física antes
referido, um fragmento do diálogo entre dois sábios sobre a natureza ondulatória da luz.
“Época: fines del siglo XVIII. Personajes: N, adepto de la teoría corpuscular de la luz, de Newton,
y H, adepto de la teoría ondulatoria, de Huygens.
N. – En verdad, no sé por qué se obstinan tanto en formular otra hipótesis acerca de la naturaleza de
la luz. La de Newton es clara Y terminante: la luz consiste en pequeñísimos corpúsculos que salen
del cuerpo luminoso y cruzan el espacio con una velocidad fantástica.
H. – No es obstinación. Newton afirma que la luz es de carácter corpuscular; Huygens, que es de
carácter ondulatorio. Ambas teorías están bien fundamentadas, y no se trata de decirse por la más
“simpática”, sino por la que explique mejor todos los fenómenos luminosos” (p. 142).
8
Retomo aqui a idéia que chamei de «a encruzilhada», associando-a com a frase anterior.
Sublinho essa frase, colocando-a em destaque, porque entendo ser ela um argumento muito bem
formulado pelo sábio do diálogo acima e que ajuda a pensar o impasse que nos impõe os dois
caminhos apontados pelas descobertas de Pavlov e de Freud. E, na hora de nos decidimos a
pesquisar sobre a natureza da aprendizagem humana, não é de se desconsiderar a força de tal
argumento. Plagiando a frase do sábio, podemos dizer: Ambas teorias, a de Pavlov e a de Freud,
estão bem fundamentadas, e não se trata de se decidir pela mais simpática, senão por aquela que
explique melhor o fenômeno da aprendizagem humana. Solicito a concessão do leitor para que, ao
considerar tal proposição, reporte-a ao início do século, momento que se criou a encruzilhada antes
mencionada. Hoje, certamente, a situação tem muitas outras nuanças, não consideradas aqui,
devidas ao surgimento de várias teorias sobre a aprendizagem ao longo do século XX,que não
existiam, portanto, na época que nascia tal encruzilhada.
6.25 - Semelhantemente ao exemplo anterior, reproduziremos a seguir um breve comentário
constante no capítulo 13 (Fenómenos eléctricos sencillos), do mesmo livro de Física, a pouco
mencionado, referente às origens da descoberta da natureza dos fenômenos elétricos.
“El descubrimiento de Tales. Unos seis siglos antes del advenimiento de Cristo vivía en Mileto,
ciudad del Asia Menor, un hombre famoso, llamado Tales. Además de comerciante era matemático,
astrónomo, estadista y filósofo. Parece que fue este hombre múltiple y curioso quien descubrió que
al frotar una barra de ámbar con un paño o un trozo de piel, la barra adquiría la notable
propiedad de atraer pequeños objetos, muy livianos, como barbas de pluma o cabellos. Así se inició
la que llegaría a ser una de las ramas más complejas e importante de la ciencia y la técnica
modernas. No pudo imaginar Tales que de fenómeno tan sencillo, si bien tan curioso, se derivaría,
con el transcurrir de los siglos y con la labor de muchos hombres, la luz eléctrica, la
radiotelefonía, la televisión, etc.” (p. 188).
Vê-se nesse pequeno trecho o valor histórico que teve uma descoberta tão singela como a de
Tales. Sabemos, por outro lado, que somente depois de continuado esforço de muitos pesquisadores
para descobrir a natureza desse curioso fenômeno para aquela época (hoje reconhecido pelo nome
de eletricidade), é que foi possível a humanidade se beneficiar de suas propriedades, abrindo um
verdadeiro e inesgotável campo tecnológico. O leitor poderia se perguntar: O que tem que ver esse
fato com o tema central do presente texto? Bem que poderíamos, seguindo o espírito curioso de
Tales, perguntar-nos: O que é esse curioso fenômeno, que chamamos de aprendizagem, e qual a
importância de nos perguntarmos e pesquisarmos a respeito de sua natureza? Possivelmente isso
traria muita luz sobre os temas da aprendizagem e repetência nas faculdades de engenharia,
semelhantemente ao que decorreu dos esforços daqueles que se dedicaram à pesquisa sobre a
natureza da curiosa propriedade do âmbar.
7 - Referências
As referências podem ser consultadas diretamente nos textos abaixo indicados, dos quais o presente
texto é uma condensação.
7.1 - De Pavlov a Freud, do condicionamento ao desejo: as pequenas-grandes diferenças no
aprender (COBENGE-1999).
7.2 - Aprendizagem, um fenômeno cerebral ou psíquico? (ICEE-2000).
7.3 - A repetência escolar: um ato de 1imitação. (ICECE-2000).
7.4 - Por que tanta gente repete nas faculdades de engenharia? (A ser publicado).
7.5 - A aprendizagem e a repetência à luz da psicanálise (COBENGE-2000).

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