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ISSN 1982 - 0283 EDIÇÃO ESPECIAL NOVAS DIRETRIZES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO Ano XXIII - SETEMBRO 2013 EDIÇÃO ESPECIAL NOVAS DIRETRIZES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO SUMÁRIO Novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio .............................................. 3 Marise Ramos 3 EDIÇÃO ESPECIAL NOVAS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA O ENSINO MÉDIO1 1 Este texto foi originalmente elaborado para o Programa Salto para o Futuro que aborda as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, exibido em 27/09/2013. Seu conteúdo tem por base outros textos da própria autora (RAMOS, 2005, 2011) que também compõem, em co-autoria, o material didático para formação de professores do Ensino Médio do Programa Ensino Médio Inovador da Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação (2012, no prelo). 2 Doutora em Ciências Humanas (Educação) pela UFF. Especialista em Ciência, Tecnologia, Produção e Inovação em Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Laboratório de Trabalho e Educação Profissional em Saúde da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio – LATEPS/EPSJV-Fiocruz). Professora Adjunta da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana – PPFH/UERJ). Este texto propõe uma conversa com educa- dores. Vamos falar um pouco sobre as no- vas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio - DCNEM (BRASIL. CNE/CEB, 2011; 2012). Desde a década de 1990, educa- dores brasileiros veem sua prática político- -pedagógica sendo confrontada com novas diretrizes e parâmetros, infinitas e comple- xas orientações que, por vezes, parecem nos dizer: comecem tudo de novo. Não é isto que propomos aqui. Ao contrário, queremos que as presentes reflexões se encontrem com seus saberes, suas práticas e experiên- cias e dialoguemos uns com os outros sobre o quanto nossa prática político-pedagógica é, de fato e potencialmente, rica de conquis- tas, ao mesmo tempo em que enfrentamos problemas, dúvidas, dilemas e dificuldades de toda ordem. Mas pensar e fazer, como processos huma- nos, não têm um começo definido nem um fim predeterminado, ainda que vislumbre- mos, sempre e necessariamente, onde que- remos chegar. Assim, neste texto, vamos pensar sobre o que são as novas DCNEM e que princípios destacamos para (re)elaborar nossa prática visando à formação plena dos estudantes nos dias de hoje, com especial ênfase no significado da relação entre traba- lho, ciência, tecnologia e cultura que deve orientar o currículo do ensino médio. Refle- tiremos, ainda, sobre algumas experiências que podem ser ricas para fazer convergir interesses da escola e dos estudantes nes- sa perspectiva, um desafio permanente de qualquer processo educativo formal. Espera- mos que seja uma leitura proveitosa e que os debates que ela suscitar sejam fecundos Marise Ramos2 4 para a nossa (re)construção permanente e coletiva como educadores neste país. 1. O QUE SÃO AS NOVAS DIRETRI- ZES CURRICULARES NACIONAIS DO ENSINO MÉDIO. Diretrizes são orientações para o pensamento e a ação. As DCNEM, então, trazem orientações explícitas de como deve ser pensada e conduzida a ação educacional no ensino médio, iniciando pela definição de suas finalidades, com as quais se espera que a seleção e a organização de conteúdos de ensino sejam coerentes. Igualmente, faz considerações sobre abordagens metodológicas e sobre a definição e o uso dos tempos e espaços curriculares. Definidas as finalidades do ensino médio no artigo 35 da LDB, as DCNEM as reiteram, mas o fazem de forma diferenciada das DCNEM anteriores, pois partem de outra base filosófica. Nas primeiras, a educação contribuiria para que as pessoas se adaptassem ao mundo contemporâneo caracterizado pela instabilidade econômica, pela flexibilidade de objetivos pessoais e normas sociais e pela individualização dos projetos de vida. As diretrizes atuais, apesar de reconhecerem que a realidade hoje tem essas características, não as tomam como naturais e entendem que a educação deve contribuir para que as pessoas sejam capazes de compreender tal realidade criticamente e buscar meios para enfrentá-la, visando dar a ela outra direção e sentido. Assim, vemos que, ao sintetizar sua concepção no slogan “ensino médio agora é para a vida”, as diretrizes anteriores elegiam o trabalho e a cidadania como contextos do currículo. Assim definido, o contexto do trabalho era o próprio mercado de trabalho; e a cidadania, o exercício de direitos formais. A referência principal do currículo, que orientaria a seleção e a organização de conteúdos, eram as competências – práticas e condutas esperadas dos estudantes – e não mais as ciências e os processos históricos- culturais da sociedade. Para ser coerente com outra filosofia educacional, à qual nos referimos, o ensino médio procuraria agora formar o sujeito em múltiplas dimensões, proporcionando o desenvolvimento de todas as suas potencialidades – físicas, intelectuais, sensíveis, dentre outras – a partir das quais ele teria condições de elaborar projetos e buscar realizá-los no encontro entre vida pessoal e vida social. Para isto, é preciso compreender a si próprio como um ser histórico, social e cultural, e a sociedade como produto de nossas ações e de nossas lutas que, por sua vez, se fazem no confronto entre interesses e necessidades distintas de grupos sociais. Trata-se, portanto, de uma formação de caráter omnilateral – que ocorre em todas as direções – e que visa se contrapor às dualidades entre preparar para o trabalho 5 ou preparar para o prosseguimento de estudos; preparar para o trabalho manual ou intelectual; preparar para ser dirigente ou para ser subordinado. Entende, então, o projeto do ensino médio na perspectiva da escola unitária. O currículo pensado nessas bases é uma relação entre partes – conjunto de atividades escolares como disciplinas, conteúdos e métodos de ensino; atividades e abordagens científicas, tecnológicas, corpóreas, culturais etc; interações entre educadores, entre estudantes e entre eles – e a totalidade da vida social que, por sua vez, se estrutura pela relação entre trabalho, ciência, tecnologia e cultura. Nesses termos, o currículo organiza os conteúdos de ensino e desenvolve o processo de ensino-aprendizagem de forma que os conhecimentos sejam apreendidos como sistema de relações históricas e dialéticas dessa mesma totalidade (KOSIK, 1978) Esta concepção compreende que as disciplinas escolares são responsáveis por permitir apreender os conhecimentos já construídos em sua especificidade conceitual e histórica; ou seja, como as determinações mais particulares dos fenômenos que, relacionadas entre si, permitem compreendê-los. A interdisciplinaridade, como método, é uma tentativa de reconstruir, ordenada e sistematicamente, essa totalidade, pela explicitação dos conhecimentos que nos permitem apreendê- la, estabelecendo-se as devidas relações entre os conceitos originados a partir de distintos recortes da realidade – os diversos campos da ciência representados em disciplinas – e entre esses e a prática social. Além da forma interdisciplinar, a abordagem dos conteúdos de forma historicizada permite aos estudantes compreenderem as razões sociais que levaram ao desenvolvimento de determinados conhecimentos, técnicas, tecnologias, normas, valores e expressões artísticas que dão vidae identidade aos grupos sociais e à sociedade como um todo, num determinado tempo e espaço. Portanto, não se trata simplesmente de se contextualizarem conhecimentos científicos no trabalho e na cidadania, relações antes designadas como contextos. Nas novas diretrizes, nem o trabalho é delimitado como contexto, nem este forma uma dualidade com a cidadania. Trabalho, ciência, tecnologia e cultura são dimensões da vida humana que devem ser integradas ao currículo, tendo o trabalho como princípio educativo. 2. A RELAÇÃO ENTRE OS MUNDOS DO TRABALHO, DA CIÊNCIA, DA TECNOLOGIA E DA CULTURA E A ESCOLA As novas DCNEM nos apontam as dimensões do trabalho, da ciência, da tecnologia e 6 da cultura como eixo integrador entre os conhecimentos de distintas naturezas, contextualizando-os em sua dimensão histórica e em relação ao contexto social contemporâneo. Nessa perspectiva, tenta- se superar o histórico conflito existente em torno do papel da escola, de formar para a cidadania ou para o trabalho produtivo com o consequente dilema de um currículo voltado para as humanidades ou para a ciência e tecnologia. Na verdade, o processo educativo visaria “produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens” (SAVIANI, 2005, p. 13), além de proporcionar aos estudantes o desenvolvimento técnico-intelectual para produzirem a existência por meio de seu trabalho sob determinadas circunstâncias históricas. A produção da existência humana se faz mediada, em primeira ordem, pelo trabalho (MARX, 2001; MÉSZÁROS, 1981). Primeiramente, como característica inerente ao ser humano, de agir sobre a natureza, apropriando-se de seus potenciais e transformando-os em benefício das necessidades humanas. Por isso, o trabalho é uma categoria ontológica: é inerente à espécie humana e primeira mediação na produção de bens, conhecimentos e cultura (LUKÁCS, 1978). Numa segunda dimensão está o trabalho nas suas formas históricas, que na sociedade capitalista caracteriza-se como trabalho assalariado. Assim, a história da humanidade é a história da produção da existência humana e a história do conhecimento é a história do processo de apropriação social dos potenciais da natureza para o próprio homem, mediada pelo trabalho. A essa concepção de trabalho associa- se a concepção de ciência. A humanidade, na busca da apreensão e transformação dos fenômenos naturais e sociais, gerando assim capacidade produtiva para satisfazer necessidades sociais, produziu também conhecimentos, tanto cotidianos quanto científicos. Os primeiros normalmente têm seus limites postos pelos contextos em que são produzidos e nos quais se tornam eficazes. Por exemplo, as mulheres do campo produzem sabão usando a gordura animal, cinzas e aquecimento, sem necessariamente saber que estão lidando com conceitos científicos como o de reação química, reagentes, catalisadores, produtos, rendimento etc. É a ciência que tem por princípio ir além do saber circunstancial e contextualizado, buscando um sentido mais generalizável do conhecimento. Assim, a ciência conforma conceitos e métodos, cuja objetividade permite a transmissão para diferentes gerações, ao mesmo tempo em que podem ser questionados e superados historicamente, no movimento permanente de construção de novos conhecimentos. 7 A cultura é o conjunto dos resultados dessa ação sobre o mundo. Ela se torna o próprio ambiente do ser humano no qual ele é formado, apropriando-se de valores, crenças, objetos, conhecimentos etc. Reconhecer a ciência e tecnologia como produções humanas obtidas pelo trabalho, e, portanto, como resultados de uma ação transformadora consciente, é caracterizá- las como parte da cultura e, como tal, bens que são constantemente produzidos e reproduzidos. Em nossa prática pedagógica, normalmente consideramos como conhecimentos de cultura geral os das linguagens, da história, da filosofia, da sociologia, da geografia e das artes. A matemática, a física, a química e a biologia, como conhecimentos científicos, os quais, por sua vez, têm aplicação prática em tecnologias de base mecânica, elétrica, eletrônica, microeletrônica, bioquímica etc. e, por isto, se desdobram em tecnologia. Mas isto não faz sentido social, pois o desenvolvimento da ciência é, ao mesmo tempo, um desenvolvimento tecnológico e cultural. É interessante notar que, por exemplo, um grande acontecimento que possibilitou o desenvolvimento das ciências físicas foi a invenção da máquina a vapor, o que demonstra que, por vezes, é o processo tecnológico que possibilita o salto científico. Ao mesmo tempo, essa invenção possibilitou o desenvolvimento da indústria que mudou completamente os hábitos de vida e a cultura social. O exposto nos permite concluir que trazer os mundos do trabalho, da ciência, da tecnologia e da cultura para o currículo do ensino médio significa abordar os conteúdos de ensino dando-lhes vida produtiva, social, cultural e histórica. Os conteúdos se manifestam aos estudantes, então, como conhecimentos entranhados nos processos produtivos materiais e não materiais, assim como nas transformações científico-tecnológicas e nas relações políticas, culturais e sociais concretas. Tais processos podem se constituir como mediações da prática pedagógica, vindo a ser estudados como momentos históricos da produção social da existência humana. 3. INTERESSES DOS ESTUDANTES E DA ESCOLA: A DIFÍCIL, MAS POSSÍVEL, CONVERGÊNCIA. Qual é o interesse da escola? Que os estudantes aprendam o que se ensina, não é verdade? Então os interesses dos estudantes seria realmente aprender o que a escola ensina. Se assim fosse, certamente teríamos menos problemas a enfrentar. Porém, esta convergência não é tão frequente porque a escola é, para o estudante, um espaço de muitas experiências e relações que transcendem a dimensão acadêmica. Por exemplo, é frequente encontrarmos 8 estudantes que dizem gostar muito da escola, mas pouco da sala de aula. É possível enfrentar este desafio? Devemos tentar e as novas DCNEM sugerem isto. Pensando a partir da escola, de fato podemos afirmar que a formação que ela realiza é, necessariamente, mediada pelo conhecimento sistematizado produzido socialmente até então, de acordo com o desenvolvimento intelectual dos estudantes em cada momento do percurso escolar. Mesmo que este percurso não seja linear, como é o caso de jovens e adultos que o interrompem e a ele retornam na modalidade da EJA, a ciência e a cultura, na relação com a produção da existência humana, são o objeto precípuo da escola. Porém, como já indicamos, o acesso ao conhecimento sistematizado pode não ser o interesse dos estudantes. O que fazer, então? Temos que entender que também é função da escola educar os próprios interesses dos estudantes. Um exemplo trazido por Moretti (2007) a partir da obra de Leontiev é elucidativo. Este sugere-nos que imaginemos um estudante, ao se preparar para uma prova, lendo um livro de História. O que aconteceria se o estudante ficasse sabendo que o conteúdo dessa leitura não cairia na prova? Se ele abandonar a leitura ficaria claro que o motivo que o levou a ler o livro não era o conteúdo por si mesmo, mas apenas a necessidade de ser aprovado. A motivação da leitura não coincidia como objetivo da aprendizagem, mas sim com um dispositivo de coerção externo ao interesse do estudante. Contudo, o trabalho escolar comprometido com o conhecimento sistematizado não só educaria o interesse do estudante pela História e, assim, pela leitura interessada do livro, como também o levaria ao movimento de questionar, pesquisar, relacionar, enfim, a um processo de aprendizagem que é significativo, não porque o conteúdo se vincula formal e/ou artificialmente com situações cotidianas ou a obrigações escolares, mas porque tal conteúdo possibilitou compreender o mundo em que ele vive e que ele reconhece tal compreensão como uma conquista. A convergência entre os interesses de ensinar e de aprender, necessária à aprendizagem, é tanto uma questão de método como de conteúdo. As metodologias proporcionam as mediações necessárias a esse processo, enquanto a efetiva correspondência entre a teoria e sua capacidade explicativa do real dá sentido aos conteúdos curriculares. Nossa sugestão, então, para se chegar a essa convergência, é que os professores problematizem historicamente os fatos, fenômenos, problemas e processos produtivos (de coisas materiais e não materiais) que caracterizam 9 e habitam a vida social hoje, em suas múltiplas vertentes: econômica, estética, ética, ambiental, política, social, cultural, técnica, dentre outras. Esses fatos, fenômenos e processos podem ser tomados como um ponto de partida histórico e dialético para o processo pedagógico. Histórico porque o trabalho pedagógico fecundo ocupa-se em evidenciar, juntamente com os conceitos, as razões, os problemas, as necessidades e as dúvidas que constituem o contexto de produção de um conhecimento. Dialético porque a razão de se estudar um fenômeno não está na sua estrutura formal e procedimental aparente, mas na tentativa de captar os conceitos que os fundamentam e as relações que os constituem. Esses podem estar em conflito ou ser questionados por outros conceitos. Obviamente, a organização formal do currículo exigirá a organização desses conhecimentos, seja em forma de disciplinas ou como projetos ou outros tipos de atividades. Uma experiência curricular que conhecemos3, por exemplo, criou um componente curricular integrador chamado de “Iniciação à Educação Politécnica” (IEP), que se organiza com base nos eixos Trabalho, Ciência e Saúde4. Este componente conta, tanto com aulas formais quanto pela realização, pelos estudantes, sob orientação de professores, de um “Trabalho Integrador” (TI). Por meio deste, um ou vários temas – que se constituem em fatos, fenômenos e processos a que nos referimos, anteriormente tomados como objeto de estudo/investigação – são problematizados teórica e empiricamente, promovendo a aprendizagem e a sistematização de conhecimentos que levem, inclusive, à produção material de algum instrumento que possibilite a difusão dessa experiência e dos conhecimentos adquiridos e sistematizados. Sugerimos que vocês assistam, por exemplo, ao vídeo chamado “Alienado”, produto final do Trabalho de Integração (TI) do referido componente curricular. O vídeo mostra Abel Venâncio, um técnico de laboratório, contando sua história e sua rotina de trabalho. Enquanto apresenta sua vida, são apresentadas também as condições precárias de trabalho de Abel e como sua rotina familiar e pessoal são afetadas por aquilo sem que ele perceba. 3 Referimo-nos ao currículo dos cursos técnicos integrados ao ensino médio da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fundação Oswaldo Cruz (www.epsjv.fiocruz.br). 4 A introdução explícita do eixo Cultura está sendo discutida, porém esta está plenamente presente inclusive na metodologia na qual a produção de vídeos pelos alunos é frequente. 10 Abel se torna cada vez mais, então, um técnico alienado por seu trabalho5. Este vídeo – certamente mediante a experiência de sua produção pelos estudantes, mas também pela sua exibição a outros estudantes – permite-nos discutir o mundo do trabalho, da ciência, da tecnologia e da cultura, não só em termos históricos, filosóficos, sociológicos e estéticos, mas, também em articulação com conhecimentos de outras ciências, como a Física, a Química, a Biologia, a Matemática e as Linguagens. Afinal, diversos conhecimentos dessas áreas estão presentes, tanto no trabalho concreto em laboratório, retratado pelo vídeo – a produção de exames laboratoriais, neste caso – quanto nas relações sociais que fizeram com que este tipo de trabalho e de produção fossem necessários e passassem a existir, com todas as suas contradições; isto é, o que de positivo e de negativo se gerou com ele, como, por exemplo, poder diagnosticar doenças e gerar emprego e, ao mesmo tempo, transformar a saúde em mercadoria e explorar o trabalho humano. Além da riqueza de aprendizagem que uma atividade pedagógica como esta pode proporcionar, o fato de os estudantes serem os próprios produtores do vídeo – com todos os elementos que este trabalho técnico e estético exige – e seus próprios atores, tanto na ficção quanto na vida real, pois são ou serão também trabalhadores, permite que eles se vejam como sujeitos produtivos concretos e se reconheçam na sua obra (expressão da dimensão ontológica do trabalho). Além disso, neste caso específico, usam uma linguagem que atravessa largamente a vida juvenil e a do adulto nos dias de hoje, a linguagem midiática. A escola, então, torna-se um lugar em que o mundo real não está fora dos seus muros, mas, ao contrário, se condensa no interior da própria escola. Temos aqui somente um exemplo. A imaginação, as vontades, as experiências e os problemas de cada escola e de seus sujeitos, no meio em que se inserem, podem nos levar a criar muitas possibilidades. Mas é preciso ir construindo um referencial filosófico e ético-político sólido para ir dirigindo o ensino nesse sentido. Aqui cabe destacar outra questão importante, a saber: o cuidado para que atividades como essas não se convertam em simples experimentações ou em exercícios artificiais de conexão entre conteúdos; ou, ainda, que levem a um currículo repleto de atividades ou de exemplos, de forma descomprometida com a formação científica, tecnológica e cultural dos estudantes. A contextualização é, sem dúvida, um princípio pertinente e útil à formação dos estudantes no sentido aqui discutido. Mas ela deve ir além de situar o conhecimento científico em práticas sociais vividas. A contextualização se torna, na verdade, uma estratégia de análise da realidade social, por parte dos estudantes, com base no 5 Disponível em http://www.youtube.com/user/culturapolitecnica, publicado em 15/11/2012. 11 conhecimento sistematizado. Trata-se de um processo, então, que provoca a investigação coletiva, um interrogar permanente sobre a cotidianidade contraditória e, muitas vezes perversa, frente ao próprio papel que deve cumprir a escola. Nossa maior preocupação com esse aspecto é o risco de simplificação dos processos de aprendizagem, tornando-a uma pseudo-aprendizagem e contribuindo, cada vez mais, para o isolamento entre as instâncias produtoras de conhecimento e a escola, condenando esta última à simples instância de reprodução ou transmissão de saberes prontos e acabados. O contexto pode ser o ponto “concreto” de partida que, mediante a elaboração do pensamentoe a capacidade de abstração, torna-se “concreto pensado” e, portanto, com suas dimensões essenciais, complexas e contraditórias. Quando se parte do contexto de vivência do educando, por exemplo, deve- se saber da necessidade de se enfrentarem as concepções prévias que eles trazem que, mesmo consideradas como conhecimento tácito, podem estar (e a tendência é que estejam), no plano do senso comum, constituídos de representações errôneas ou equivocadas, ou, ainda, apresentando limites como modelo de compreensão e de explicação da realidade, restritos a determinados contextos. Se não enfrentada essa questão, corre-se o risco de considerar que a simples sistematização desse conhecimento seja suficiente para que o aluno estabeleça relações entre ideias, fatos e fenômenos e enfrente situações concretas que demandam problematizações, elaborações conceituais e soluções. Esse é um falso conhecimento. Outro risco que, em parte, pode ser consequência do primeiro, é considerar a existência de uma continuidade e de uma equivalência entre o conhecimento cotidiano e o conhecimento científico, e de que é possível passar de um para outro sem rupturas. Por um lado, o processo de ensino- aprendizagem contextualizado é um importante meio de estimular a curiosidade e fortalecer a confiança do educando. Por outro lado, sua importância só pode se fazer valer se for capaz de fazer com que este tenha consciência sobre seus modelos de explicação e compreensão da realidade, reconheçam-nos como equivocados ou limitados a determinados contextos, enfrente o questionamento, coloque-os em cheque num processo de desconstrução de conceitos e de reconstrução/apropriação de outros. Suscitados pela reflexão que acabamos de fazer, podemos falar da proposta de pesquisa como princípio pedagógico. Esta se relaciona intimamente ao trabalho como princípio educativo, pois contribui para a construção da autonomia intelectual do estudante e para uma formação orientada pela busca de compreensão e de 12 soluções para as questões teóricas e práticas da vida cotidiana dos sujeitos. Afinal, formar integralmente os estudantes implica não só que esses aprendam o significado e o sentido das ciências, das tecnologias, das práticas culturais etc; mas também que é preciso fundamentalmente formar as pessoas para produzirem novos conhecimentos, compreenderem e transformarem o mundo em que se vive. A pesquisa, então, instiga o estudante no sentido da curiosidade em direção ao mundo que o cerca, gera inquietude para que não sejam incorporados “pacotes fechados” de visão de mundo, de informações e de saberes, sejam do senso comum, escolares ou científicos. Mas o princípio pedagógico da pesquisa está em compreender a ciência não somente na dimensão metodológica, mas, também, e fundamentalmente, na perspectiva filosófica. Isto porque é preciso apreender e discutir as diversas concepções de ciência para que o estudante possa se situar nesse mundo e compreender o sentido que historicamente vem tomando a produção científica em nosso país. CONSIDERAÇÕES FINAIS Nada do que falamos até aqui é propriamente novo. Trata-se de questões há muito tempo debatidas, de elaborações já expostas em outros textos e que focalizam problemas e desafios históricos da educação brasileira em geral e do ensino médio em particular. Novo, talvez, seja enfrentar tais problemas e desafios num tempo em que a instabilidade do mundo e a insegurança da vida individual e social aumentaram significativamente. Não esqueçamos que, principalmente para a classe trabalhadora, a escola e, especialmente a pública, é a principal, senão única, fonte do conhecimento sistematizado. Não é pequeno, então, nosso compromisso ético-político e profissional. Como professores, dispomos do conhecimento da ciência que ensinamos, aprendemos metodologias de ensino e somos capazes de aplicá-las. Mas, principalmente, somos capazes de questionar nossos próprios conhecimentos e de criar. Isoladamente talvez consigamos muito pouco. Coletivamente, temos um mundo a construir. Certamente não temos as melhores condições de trabalho, mas o comprometimento ético- político de nosso trabalho com a formação humana é condição para lutarmos por sua conquista. Nunca teremos uma proposta curricular nem uma prática pedagógica pronta, acabada e supostamente ideal. Trata- se de um processo permanente que parte do que se pode fazer, mas que visa poder fazer o que ainda não se fez. Boa leitura, bom programa e bom trabalho! 13 REFERÊNCIAS BRASIL. CNE/CEB. Parecer 5/2011. Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Diário Oficial da União. 24 jan 2012, Seção 1, Pág. 10. Brasília, 2011. BRASIL. CNE/CEB. Resolução CNE/CEB 2/2012. Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Diário Oficial da União. 31 jan 2012, Seção 1, p. 20.. Brasília, 2012. BRASIL. Lei n. 9394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, 1996. KOSIK, Karel. Dialética do concreto. Petrópolis: Vozes, 1978. LUKÁCS, George. Per una ontologia dell’essere sociale. Tradução de Ivo Tonet. Roma: Editori Riuniti, 1981. MARX, Karl. Manuscritos Econômicos-Filosóficos de 1844. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 2001. MÉSZÁROS, István. O conceito de alienação em Marx. São Paulo: Boitempo, 2006. MORETTI, Vanessa. Professores de matemática em atividade de ensino: uma perspectiva histórico-cultural para a formação docente. 2007. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade de São Paulo. São Paulo. RAMOS, Marise N. Possibilidades e Desafios na Organização do Currículo Integrado. In: RAMOS, Marise N.; FRIGOTTO, Gaudêncio; CIAVATTA, Maria. Ensino Médio Integrado: Concepção e Contradições. São Paulo: Cortez, 2005, p. 106-127. ______________. O currículo para o ensino médio em suas diferentes modalidades: concepções, propostas e problemas. Educação & Sociedade, Campinas, v. 32, n. 116, p. 771-788, jul.-set. 2011. Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histórico-crítica. Campinas: Autores Associados, 2005. 14 Presidência da República Ministério da Educação Secretaria de Educação Básica TV ESCOLA/ SALTO PARA O FUTURO Supervisão Pedagógica Rosa Helena Mendonça Acompanhamento pedagógico Grazielle Bragança Coordenação de Utilização e Avaliação Mônica Mufarrej Fernanda Braga Copidesque e Revisão Milena Campos Eich Diagramação e Editoração Bruno Nin Valeska Mendes Consultora especialmente convidada Marise Ramos E-mail: salto@mec.gov.br Home page: www.tvbrasil.org.br/salto Rua da Relação, 18, 4o andar – Centro. CEP: 20231-110 – Rio de Janeiro (RJ) Setembro 2013
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