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81 R ev is ta d o A d vo g ad o Flávio Cheim Jorge Doutor e mestre em Direito Processual Civil pela PUC-SP. Professor nos cursos de graduação e mestrado da Ufes. Advogado. Ex-juiz do TRE-ES – Classe dos Juristas – Biênios 2004/2008. Thiago Ferreira Siqueira Doutorando em Direito Processual Civil pela USP. Mestre em Direito Processual Civil pela Ufes. Um novo paradigma para o juízo de admissibilidade dos recursos cíveis. Primeiras impressões sobre o art. 932, parágrafo único, do Novo Código de Processo Civil. Sumário 1. O art. 932, parágrafo único, do NCPC 2. O juízo de admissibilidade dos recursos 3. O estado da questão na vigência do CPC/1973: a impossibilidade de correção de defeitos formais dos recursos como regra geral 4. A alteração de paradigma no sistema do NCPC 1 O art. 932, parágrafo único, do NCPC Inserido no capítulo referente à “ordem dos processos nos tribunais”, mais especificamente em dispositivo destinado a tratar dos poderes do relator, determina o parágrafo único do art. 932 do Novo Código de Processo Civil (NCPC) que, “antes de considerar inadmissível o recurso, o rela- tor concederá o prazo de cinco dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível”. A regra, que não encontra equivalente no Código hoje vigente (CPC/1973), imprimirá relevantíssima alteração no sistema processual, representando, a nosso ver, verdadeira mudança de paradigma em relação à admissibilidade dos recursos cíveis. U m n o vo p ar ad ig m a p ar a o j u íz o d e ad m is si b il id ad e d o s re cu rs o s cí ve is . 82 R ev is ta d o A d vo g ad o Os requisitos de admissibilidade dos recursos são questões de ordem pública. 2 O juízo de admissibilidade dos recursos Como todo ato postulatório, os recursos estão sujeitos a um duplo exame: o primeiro destina- -se a aferir se estão presentes as condições que a lei processual coloca para que se possa realizar a postulação, para admiti-la ou não; já no segundo, analisa-se o próprio conteúdo da postulação, para rejeitá-la ou acolhê-la. Fala-se, assim, em juízo de admissibilidade e juízo de mérito dos recursos. Naquele, o ór- gão competente verifica se o recurso preenche todos os chamados requisitos de admissibilidade e, portanto, merece ser conhecido; ou, ao con- trário, se deve ser inadmitido pela ausência de alguma daquelas condições. Ultrapassada esta etapa, é analisado se a pretensão recursal – refor- ma, anulação, integração ou esclarecimento da decisão – merece ser provida ou improvida, pela presença de algum error in judicando ou error in procedendo. A análise da admissibilidade dos recursos se coloca, como parece óbvio, como questão prévia a seu juízo de mérito, vez que, do ponto de vista lógico, deve lhe ser antecedente. Dentre as ques- tões prévias, pode-se dizer, ainda, que os requisi- tos de admissibilidade enquadram-se na categoria das questões preliminares, vez que sua presença ou ausência torna possível ou não a realização do juízo de mérito, sem interferir no conteúdo deste. Contrapõem-se, destarte, às chamadas questões prejudiciais, que, sem condicionar a possibilidade de realização do juízo de mérito, interferem no que nele será decidido. Costuma-se falar, ademais, que os requisitos de admissibilidade dos recursos são questões de ordem pública, vez que a análise de sua presença interessa não apenas às partes, mas sobretudo ao próprio órgão julgador. Afinal, a este último cabe o papel de controlar a legitimidade da prestação jurisdicional, o que, no caso, se faz mediante a análise das condições que se encontram previstas na própria lei para que o recurso seja considerado regular. Consequência desta característica é o fato de que sua apreciação pode ser feita de ofício, não estando sujeita à preclusão. Sete são os requisitos de admissibilidade dos recursos – divididos em duas categorias distintas: os requisitos i) intrínsecos – concernentes à exis- tência do poder de recorrer – são i.1) o cabimento, i.2) a legitimidade para recorrer, i.3) o interesse em recorrer e i.4) a inexistência de fatos impedi- tivos ou extintivos do poder de recorrer; já os ii) extrínsecos – relacionados ao modo de exercer o poder de recorrer – são ii.1) a tempestividade, ii.2) a regularidade formal e ii.3) o preparo. 3 O estado da questão na vigência do CPC/1973: a impossibilidade de correção de defeitos formais dos recursos como regra geral No sistema do Código hoje em vigor, a regra, como se sabe, é a de que todos estes requisitos de- vam estar presentes já no ato de interposição do recurso. Isto é: não se permite, geralmente, que, após ter apresentado seu recurso em juízo, venha a parte a corrigir algum defeito que comprometa a admissibilidade daquele. Neste sentido, por exemplo, conhecida é a po- sição do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que não permite que o pagamento do preparo (art. 511) seja comprovado após a interposição do recurso, ainda que não tenha se escoado o prazo recursal (STJ, 2ª T., AgRg no REsp nº 1488508-RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 2/12/2014, U m n o vo p ar ad ig m a p ar a o j u íz o d e ad m is si b il id ad e d o s re cu rs o s cí ve is . 83 R ev is ta d o A d vo g ad o DJe de 10/12/2014). Nesta mesma linha, ainda, é o entendimento segundo o qual a falta das peças obrigatórias do agravo de instrumento (art. 525, inciso I) deve levar, de plano, à inadmissão do re- curso, sendo vedada a sua juntada posterior (STJ, 3ª T., AgRg no AREsp nº 99.576-DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 16/9/2014, DJe de 25/9/2014). Apesar de não ser posição unânime no âmbito doutrinário, sempre entendemos que, não exis- tindo no CPC hoje vigente qualquer norma que contemple tal possibilidade em caráter geral, não se deve oportunizar a correção dos vícios formais contidos no recurso após a sua interposição, exce- to quando a própria lei o determinar. É de se notar, neste ponto, que o sistema re- cursal é fortemente marcado pelo fenômeno das preclusões. Incide, por exemplo, a preclusão temporal, a inviabilizar o exercício do direito de recorrer após o escoamento do prazo que a lei co- loca para tanto. Ou, ainda, a preclusão lógica, que impede o conhecimento do recurso de um sujeito que tenha, anteriormente, praticado ato incompa- tível com a vontade de recorrer, como é o caso da renúncia ao direito de recorrer ou ao direito sobre o qual se funda a ação, da desistência do recurso ou da demanda, da aquiescência, do reconheci- mento jurídico do pedido, etc. Nessa mesma linha, entendemos que também deve ter plena aplicação ao procedimento recursal a preclusão consumativa: uma vez exercido o direi- to de recorrer, não pode a parte recorrente praticar novamente tal ato em relação à mesma decisão ju- dicial, ou, ainda, complementar ou aperfeiçoar o recurso anteriormente interposto. Não vemos razão, neste ponto, para deixar de dar plena aplicação a esta específica modalidade de preclusão, que, longe de constituir mero formalismo estéril, tem papel da mais alta relevância no sistema processual, impe- dindo avanços e retrocessos no procedimento. Na verdade, é importante perceber que, em determinadas situações, é o próprio CPC/1973 quem determina que deva ser oportunizada à par- te a correção de defeitosno recurso apresentado, ou quem permite que seja relevado o descumpri- mento de algum requisito. É o que se passa, por exemplo, com os casos em que o preparo é recolhido em valor insuficiente: nestas situações, o § 2º do art. 511 do CPC/1973 outorga à parte a possibilidade de complementar o pagamento, tornando, destarte, admissível o seu recurso. Importante notar que tal hipótese não se confunde com aquela na qual, descumprindo o caput do mesmo art. 511, o recorrente deixa de comprovar, no ato de interposição do recurso, o pagamento das custas, caso em que, em nome da preclusão consumativa, não se permite a compro- vação posterior. Ainda sobre o preparo, há que se mencionar o art. 519 do CPC/1973, que permite que seja re- levada a pena de deserção e fixado o prazo para o recolhimento das custas após a interposição do recurso caso o recorrente prove a ocorrência de justo impedimento. Outra hipótese em que o sistema hoje vigente permite desconsiderar a ausência de requisito de admissibilidade é aquela prevista no art. 183, que torna admissível o recurso interposto intempesti- vamente se provada a existência de justa causa. Afasta-se, com isso, a preclusão temporal que inci- diria pelo escoamento do prazo recursal. Vale lembrar, outrossim, da regra disposta no art. 13 do CPC/1973, que permite que seja sanado o vício da irregularidade na representação mesmo após a interposição do recurso, corrigindo, destar- te, a ausência de regularidade formal. Por fim, não se pode deixar de ressaltar a fun- gibilidade recursal, que, malgrado não esteja ex- pressa no CPC/1973, tem aceitação pacífica na doutrina e na jurisprudência. Trata-se, como se sabe, de princípio que permite abrandar o requisi- to do cabimento, tornando admissível um recurso que tenha sido interposto no lugar de outro, que seria o correto. Para tanto, é necessário que haja U m n o vo p ar ad ig m a p ar a o j u íz o d e ad m is si b il id ad e d o s re cu rs o s cí ve is . 84 R ev is ta d o A d vo g ad o Em outras palavras, trata-se de verdadeira alteração de paradigma no juízo de admissibilidade dos recursos. alguma dúvida objetiva a respeito do recurso adequado. Todos estes exemplos estão a demonstrar, a nosso ver, que é o próprio sistema processual hoje vigen- te quem, em certas situações e diante de circuns- tâncias que considera relevantes, por vezes afasta a preclusão consumativa ou mesmo a necessidade do preenchimento de determinados requisitos de ad- missibilidade. Fora disso, deve ser privilegiada a op- ção do legislador, sendo vedada a complementação ou a correção do recurso já interposto. 4 A alteração de paradigma no sistema do NCPC Estas conclusões nos parecem as mais corretas, ressalte-se, para o sistema hoje vigente, em que, ao lado de estatuir requisitos para a admissibilidade dos recursos, o legislador, em situações excepcio- nais, por vezes optou por abrandar o rigor de um ou outro pressuposto, ou por permitir a correção de algum defeito no recurso já interposto. É outra, todavia, a premissa da qual se deve partir na análise do NCPC: havendo, no texto, norma geral como a do art. 932, parágrafo único, a regra é a de que a parte tem direito à correção de um determinado vício contido em seu recurso, sem qualquer ônus, além de fazê-lo no prazo de cinco dias. Tal regra apenas pode ser afastada nos casos em que exista norma específica excepcio- nando sua incidência. Há, com isso, clara inversão em relação ao sistema hoje vigente: se, atualmente, a regra é a de que a preclusão consumativa impede a corre- ção de defeitos no recurso já interposto, no novo Código a ideia será a de que a preclusão nestas situações deve ser afastada, em prol da possibili- dade de correção do defeito que até então tornava inadmissível o recurso. Em outras palavras, trata-se de verdadeira al- teração de paradigma no juízo de admissibilidade dos recursos. A norma – é importante deixar claro – aplica-se a todo e qualquer recurso, não se devendo fazer restrição a esta ou aquela espécie recursal. Afinal, como dito, trata-se de regra prevista em capítulo do NCPC destinado a regular, indistintamente, a “ordem dos processos nos tribunais”, mais especi- ficamente em dispositivo (art. 932) que cuida dos poderes do relator. A dificuldade maior, todavia, é precisar em quais situações concretas o dispositivo terá incidência. A este respeito, vale dizer que, como parece claro, apenas diante de vícios que sejam sanáveis há espaço para a aplicação do dispositivo. Isto é: constatando o relator a existência de defeitos que comprometam irremediavelmente a admissão do recurso, não podendo ser corrigidos, não se justifica a abertura de prazo para o recorrente. Vejamos, então, algumas hipóteses em que a aplicação da regra pode-se mostrar útil. Sabe-se que, pelo requisito da regularidade for- mal, é necessário que o recurso respeite uma série de preceitos de forma previstos na lei processual. Em primeiro lugar, é necessário que qualquer recurso seja interposto por i) petição escrita, ii) as- sinada por advogado com iii) poderes para repre- sentar a parte recorrente. Quanto a estes dois últimos requisitos, parece- -nos que o art. 932, parágrafo único, do NCPC pode exercer relevante função: é que, como se sabe, a jurisprudência dos tribunais superiores tem entendido que, enquanto nas instâncias ordi- nárias, verificada a falta de assinatura ou a irregu- laridade de representação, deve a parte ser intima- U m n o vo p ar ad ig m a p ar a o j u íz o d e ad m is si b il id ad e d o s re cu rs o s cí ve is . 85 R ev is ta d o A d vo g ad o da nos termos do art. 13 do CPC/1973 para suprir o vício, em se tratando de recursos excepcionais é inviável adotar tal diligência (STJ, 2ª T., AgRg no REsp nº 1422681-PE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 20/2/2014, DJe de 28/2/2014). A partir da vigência do novel dispositivo, toda- via, tal distinção, hoje já extremamente criticável, não mais se sustentará: em se tratando de defeito formal, passível de correção, em qualquer dessas situações há de ser a parte intimada para suprir a falha. Prosseguindo, é necessário que todo e qual- quer recurso contenha iv) pedido de reforma, anulação, integração ou esclarecimento da deci- são, e v) adequada fundamentação a respeito da existência de errores in procedendo e/ou errores in judicando, ou seja, os motivos que poderiam levar ao acolhimento da pretensão recursal. Sobre este último ponto, aliás, é hoje assente a necessidade de que seja observado o chamado princípio da dialeticidade, que diz respeito justa- mente à existência de razões que sejam coeren- tes com o conteúdo da decisão recorrida, sem as quais o recurso deve ser inadmitido. Aqui, mais uma vez, entendemos que o art. 932, parágrafo único, do NCPC pode exercer interes- sante papel. É que, em relação ao sistema hoje vigente, a preclusão consumativa impede que as razões re- cursais sejam juntadas ou mesmo complementa- das após a interposição do recurso. No novo sis- tema, todavia, em que a regra será a possibilidade de correção dos vícios sanáveis, deve o relator, se entender que o recurso não está adequadamente fundamentado, ou mesmo quando inexistente pe- dido de reforma ou anulação, intimar o recorrente para suprir a falha. Há que se mencionar, ainda, alguns requisitos de forma que dizem respeito especificamente a certas modalidades recursais. Assim, por exemplo, em relação ao agravo de instrumento, há necessidade de que o recurso seja instruído com as chamadas peças obrigatórias(NCPC, art. 1.017, inciso I). Atualmente, como já foi dito, o entendimento jurisprudencial, na linha do que defendemos, é o de que, ausente algum destes documentos, não há oportunidade para a parte corrigir o defeito após a interposição do recurso. Com o art. 932, parágrafo único, do NCPC, porém, deve o relator oportunizar ao agravante a juntada posterior da peça faltante, como, aliás, faz questão de frisar o art. 1.017, § 3º, do NCPC. Podemos citar, ainda, o caso do recurso es- pecial fundado em dissídio jurisprudencial, que, nos termos do art. 1.029, § 1º, do NCPC, deve ser provado “com a certidão, cópia ou citação do repositó- rio de jurisprudência, oficial ou credenciado, in- clusive em mídia eletrônica, em que houver sido publicado o acórdão divergente, ou ainda com a reprodução de julgado disponível na rede mun- dial de computadores, com indicação da respec- tiva fonte”. Ou, mesmo, do recurso extraordinário, em que deve o recorrente, em suas razões, “demons- trar a existência da repercussão geral” (NCPC, art. 1.035, § 2º). Ainda que não exista no Código projetado norma semelhante à do atual art. 543-A, § 2º – que exige que o recurso contenha prelimi- nar específica para tanto –, é certo que a funda- mentação a respeito se trata de requisito formal do recurso extraordinário. Vale mencionar, por fim, a necessidade de que os embargos de divergência sejam instruídos “com certidão, cópia ou citação de repositório oficial ou credenciado de jurisprudência, inclusive em mídia eletrônica, onde foi publicado o acórdão divergente, ou com a reprodução de julgado dispo- nível na rede mundial de computadores, indicando a respectiva fonte” (NCPC, art. 1.043, § 4º). Em todos estes e outros casos, em que a lei processual faz alguma exigência formal para o co- nhecimento do recurso, pensamos que possa ser U m n o vo p ar ad ig m a p ar a o j u íz o d e ad m is si b il id ad e d o s re cu rs o s cí ve is . 86 R ev is ta d o A d vo g ad o aplicada a diretriz contida no art. 932, parágrafo único, do NCPC: verificada a falha na peça uti- lizada, e sendo tal defeito sanável, deve o relator, antes de inadmitir o recurso, oportunizar ao re- corrente a chance de corrigir o vício no prazo de cinco dias. O dispositivo, todavia, como dito, apenas tem utilidade na correção de irregularidades que sejam sanáveis. Dificilmente, assim, terá incidência em relação ao descumprimento de algum dos requisi- tos intrínsecos de admissibilidade (cabimento, legi- timidade, interesse e inexistência de fatos extintivos ou impeditivos do poder de recorrer), vez que sua ausência equivale à inexistência do poder de recor- rer naquela específica situação. O mesmo se diga, ainda, no que concerne à tempestividade: uma vez descumprido o prazo recursal, opera-se a preclusão temporal e, assim, deixa de existir o direito de re- correr (NCPC, art. 223). Já em relação ao preparo, há regra que determina que, não comprovado o seu pagamento, deve o recorrente ser intimado para recolhê-lo em dobro (NCPC, art. 1007, § 4º), norma que, por seu caráter especial, afasta a aplicação do art. 932, parágrafo único.
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