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Considerações sobre O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E DIREITOS FUNDAMENTAIS

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Prévia do material em texto

1
 1. O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E DIREITOS 
FUNDAMENTAIS 
 1.1. Estado Democrático de Direito 
 O termo “Estado Democrático de Direito”, conquanto venha sendo 
largamente utilizado em nossos dias, é pouco compreendido e de difícil 
conceituação em face das múltiplas facetas que ele encerra. No Estado 
contemporâneo, em virtude da maximização do papel do poder público, que se 
encontra presente em praticamente todas áreas das relações humanas, a 
expressão “Estado Democrático de Direito” ganha uma extensão quase que 
ilimitada, mas, conseqüente e paradoxalmente, perde muito em compreensão. O 
fato de esse termo ter sido incluído em nosso atual texto constitucional, no seu 
primeiro artigo, adjetivando a República Federativa do Brasil, torna obrigatória a 
sua interpretação, com todas as conseqüências que dela podem e devem advir. 
 O Estado Democrático de Direito, que significa a exigência de reger-se pelo 
Direito e por normas democráticas, com eleições livres, periódicas e pelo povo 
bem como o respeito das autoridades públicas aos direitos e garantias 
fundamentais, proclamado no caput do artigo 1º da Constituição Federal de 1988, 
adotou, igualmente em seu parágrafo único, o denominado princípio democrático, 
ao afirmar que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de 
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.1 
 O termo "Estado democrático de direito" conjuga dois conceitos distintos 
que, juntos, definem a forma de mecanismos tipicamente assumidoS pelo Estado 
de inspiração ocidental. Cada um destes termos possui sua própria definição 
técnica, mas, neste contexto, referem-se especificamente a parâmetros de 
funcionamento do Estado Ocidental moderno. 
 Em sua origem grega, "democracia" quer dizer "governo do povo". No 
sistema moderno, no entanto, não é possível que o povo governe propriamente (o 
que significaria uma democracia direta). Assim, os atos de governo são exercidos 
por membros do povo ditos "politicamente constituídos", por meio de eleição. No 
 
1
 Alexandre de Moraes. Direito Constitucional. 21ª Ed. São Paulo: Jurídico Atlas, 2007. p 125. 
 2
Estado Democrático Brasileiro, as funções típicas e indelegáveis do Estado são 
exercidas por indivíduos eleitos pelo povo para tanto, de acordo com regras pré-
estabelecidas que regerão o pleito eleitoral. 
 O aspecto do termo "de Direito" refere-se a que tipo de direito exercerá o 
papel de limitar o exercício do poder estatal. No Estado democrático de direito, 
apenas o direito positivo (isto é, aquele que foi codificado e aprovado pelos órgãos 
estatais competentes, como o Poder Legislativo) poderá limitar a ação estatal, e 
somente ele poderá ser invocado nos tribunais para garantir o chamado "império 
da lei". Todas as outras fontes de direito, como o Direito Canônico ou o Direito 
natural, ficam excluídas, a não ser que o direito positivo lhes atribua esta eficácia, 
e apenas nos limites estabelecidos pelo último. 
 Nesse contexto, destaca-se o papel exercido pela Constituição. Nela 
delineiam-se os limites e as regras para o exercício do poder estatal (onde se 
inscrevem os chamados "Direitos e Garantias fundamentais"), e, a partir dela, e 
sempre a tendo como baliza, redige-se o restante do chamado "ordenamento 
jurídico", isto é, o conjunto das leis que regem uma sociedade. O Estado 
democrático de direito não pode prescindir da existência de uma Constituição. 
 No entanto, toda a conceitualização não deverá restringir o elemento 
democrático à limitação do poder estatal e a democracia ao instituto da 
representação política. Esta, em virtude de seus inúmeros defeitos, não pode 
fundamentar o Estado Democrático de Direito, pelo menos não como ele deveria 
ser, já que o princípio democrático não se reduz a um método de escolha dos 
governantes pelos governados. 
 O Estado Democrático envolve necessariamente, a soberania popular. 
Conforme expõe José Afonso da Silva, 
o Estado Democrático se funda no princípio da soberania popular 
que ‘impõe a participação efetiva e operante do povo na coisa 
pública, participação que não se exaure, como veremos, na 
simples formação das instituições representativas, que constituem 
 3
um estágio da evolução do Estado Democrático, mas não o seu 
completo desenvolvimento. 2 
 Assim, a substância da soberania popular deve ser representada pela 
autêntica, efetiva e legítima participação democrática do povo nos mecanismos de 
produção e controle das decisões políticas, em todos os aspectos, funções e 
variantes do poder estatal. 
 Friedrich Müller apregoa que, 
a idéia fundamental da democracia é a determinação normativa 
de um tipo de convívio de um povo pelo mesmo povo. Já que não 
se pode ter o auto-governo na prática quase inexeqüível, 
pretende-se ter ao menos a auto-codificação das prescrições 
vigentes com base na livre competição entre opiniões e 
interesses, com alternativas manuseáveis e possibilidades 
eficazes de sancionamento político.3 
 Para José Joaquim Gomes Canotilho, 
o esquema racional da estadualidade encontra expressão 
jurídico–política adequada num sistema político normativamente 
conformado por uma constituição e democraticamente legitimado. 
Por outras palavras: o Estado concebe-se hoje como Estado 
Constitucional Democrático, porque ele é conformado por uma Lei 
fundamental escrita (= constituição juridicamente constituída das 
estruturas básicas da justiça) e pressupõe um modelo de 
legitimação tendencialmente reconduzível à legitimação 
democrática.4 
 Entendemos que o Estado Democrático deve ser transformador da 
realidade, ultrapassando o aspecto material de concretização de uma vida digna 
para o homem. Este Estado age como fomentador da participação pública em 
vários seguimentos. O Estado deve sempre ter presente a idéia de que a 
democracia implica necessariamente a questão da solução do problema das 
condições materiais de existência. Portanto, foi criado para ultrapassar a idéia 
utópica de transformação social, assumindo o objetivo da igualdade, a lei aparece 
como instrumento de reestruturação social, não devendo atrelar-se a outros fins 
como à sanção ou à promoção. 
 
2
 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28ª Ed. Brasil: Malheiros, 2007, p .66. 
3
 MULLER, Friedrich. Quem é o povo? A questão Fundamental da democracia. Tradução: Peter Naumam, 
revisão: Paulo Bonavides, São Paulo:Max Limonad, 1998. p. 57. 
4
 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional, 6ª Ed. Coimbra: Almedina, 1995, p. 43. 
 4
 A democracia como realização de valores de convivência humana de 
igualdade, liberdade e dignidade da pessoa é conceito mais abrangente do que 
“Estado Democrático de Direito” que surgiu como expressão jurídica da 
democracia liberal. 
 Além disso, é certo que o Estado Democrático deve aparecer com a função 
de reduzir antíteses econômicas e sociais e isto se torna possível com a devida 
aplicação da Constituição Federal (colocada no ápice de uma pirâmide jurídica 
escalonada), que representa o interesse da maioria. 
 Em suma, após essa reflexão inicial podemos elencar os elementos que 
julgamos essenciais no Estado Democrático de Direito, sendo o seu fundamento e 
principal aspecto a soberania popular: 1 - A necessidade de providenciar 
mecanismos de apuração e de efetivação da vontade do povo; 2 – Ser um Estado 
Constitucional, ou seja, dotado de uma constituição material legítima, rígida, 
emanada da vontade do povo; 3 - A existência de um órgão guardião da 
Constituição e dos valores fundamentais da sociedade, que tenha atuação livre e 
desimpedida, constitucionalmente garantida; 4 - A existência de um sistema de 
garantia dos direitos humanos, em todas as suas expressões; 5 - Realização da 
democraciacom a conseqüente promoção da justiça social; 6 - Observância do 
princípio da igualdade; 7 - existência de órgãos judiciais, livres e independentes, 
para a solução dos conflitos entre a sociedade, entre os indivíduos e destes com o 
Estado.5 
1.1.1 Origem Histórica 
 A idéia de Estado Democrático tem raízes no séc. XVIII, e está ligado a 
idéia de certos valores da dignidade humana, organização e funcionamento do 
Estado e a participação popular. No entanto, na antigüidade, o indivíduo tinha 
valor relativo; só alguns participavam das decisões, ou seja, apenas os cidadãos, 
aqueles que eram homens e tinham bens; ou segundo Aristóteles (384 – 322 a. 
C), no seu livro III, de “A Política”, cidadão era aquele que tivesse autoridade 
deliberativa ou judiciária, jamais um artesão ou mercenário, isso porque a virtude 
 
5
 http://www.senado.gov.br/web/cegraf/ril/Pdf/pdf_167/R167-13.pdf (artigo escrito por Enio Moraes da Silva - 
Brasília a. 42 n. 167 jul./set. 2005. 
 5
política, que é a sabedoria para mandar e obedecer, só pertence àquele que não 
tem necessidade de trabalhar para viver. 
 Percebe-se que a idéia de povo é restrita a cidadão, não sendo compatível 
com a idéia de povo do século XVIII, época em que “...a burguesia, 
economicamente poderosa, estava às vésperas de suplantar a monarquia e a 
nobreza no domínio do poder político.”6 
 Na sua origem, o conceito de democracia encontra definição razoavelmente 
pacífica na especificação do regime do demos, nome pelo qual eram designadas 
as divisões territoriais administrativas na Grécia antiga, de forma que, por 
extensão, tal palavra, originada de demokratia, (ou, no grego, δηµοχρατία) passou 
a significar poder popular, governo do povo. Como a tal conclusão, podemos 
facilmente notar que os conceitos de "poder popular" e de "governo do povo" não 
eram exatamente os que se fazem presentes na contemporaneidade, de forma 
que pela dificuldade de se conceituar o que seria poder popular - e, por 
conseqüência, de se delimitar o governo do povo - o conceito de democracia tem 
sofrido os mais diversos significados durante a história.7 Vale destacar a Carta 
de João Sem Terra de 1215: um documento medieval bilateral em que o rei se 
obriga a respeitar a lei. O objetivo foi reparar os abusos do rei, pois o mesmo não 
abria mão de sua soberania, porém, deveria respeitar o Parlamento, eis a origem 
fiscalizadora do Parlamento, no controle dos gastos público. 
 Imperioso trazer à lume a lição de Carl Schmitt, acerca da Magna Charta de 
1215, in verbis: 
La Magna Carta inglesa de 15 de Julho de 1215, suele designar-
se como modelo y origen de las modernas Constituciones 
liberales. El desarrollo del Derecho político de Inglaterra tomó um 
curso peculiar, porque los senõres feudales y estamentos de la 
Edad Media (alta nobleza, caballeros y burguesia inglesa) y su 
representación (la Cámara de los lordes y la Cámara de los 
Comunes) pasaron en un proceso lento e insensible a las 
condiciones propias del Estado moderno...8 
 
6
 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 20a ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 
124. 
7
 Ibid., 146. 
8
 SCHMITT, Carl. Teoria de la Constitución. Madri: Alianza Universidad Textos, 1996, p. 164. 
 6
 
 Dalmo de Abreu Dallari destaca ainda que à base do conceito de Estado 
Democrático, está na noção de governo do povo, e que tal locução deriva 
etimologicamente do termo democracia. Ainda, faz menção aos três grandes 
movimentos político-sociais responsáveis pela condução ao Estado Democrático, 
quais seriam: a Revolução Inglesa, com a influência de John Locke e expressão 
mais significativa no Bill of Rights de 1689; a Revolução Americana com seus 
princípios expressos na Declaração de Independência das treze colônias 
americanas em 1776, e a Revolução Francesa, com influência de Rousseau, 
dando universalidade aos seus princípios, devidamente expressos na Declaração 
dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. 
 Com relação à Revolução Inglesa, aludido autor ressalta dois pontos 
básicos tinham por objetivo assegurar a proteção dos direitos naturais dos 
indivíduos; a intenção de estabelecer limites ao poder absoluto do monarca e a 
influência do protestantismo. Quanto à Declaração da Independência, o autor 
destaca a garantia de supremacia da vontade do povo, a liberdade de associação 
e a possibilidade de manter um permanente controle sobre o governo. 
 No tocante à Revolução Francesa, afirma ser um movimento consagrador 
das aspirações democráticas. Este movimento evidencia a sociedade política que 
tem por fim a preservação da liberdade do homem e a inexistência da imposição 
de limites que não seja decorrentes de lei (expressão da vontade geral), bem 
como o direito dos cidadãos de concorrer, pessoalmente ou através de seus 
representantes, para a formação da vontade geral. 
 Para Jorge Miranda, o aparecimento histórico do Estado reveste caráter 
interdisciplinar, e as conclusões resultantes de uma série de indagações parecem 
ser necessidade, em toda sociedade humana, de um mínimo de organização 
política; necessidade de situar no tempo e espaço a estrutura do estado; 
constantes transformações das organizações políticas; diferenças e 
 7
complexidades entres as sociedades e organizações políticas; tradução no âmbito 
de idéias de Direito e das regras jurídicas na formação de cada Estado.9 
 1.1.2. O Surgimento do Estado 
 De acordo com Dalmo de Abreu Dallari, a origem do Estado Moderno 
remonta ao Absolutismo e a idéia de Estado Democrático aparece no século XVIII, 
através dos valores fundamentais da pessoa humana, a exigência de organização 
e funcionamento do Estado enquanto órgão protetivo daqueles valores. 10 
 A doutrina diverge sobre as origens e surgimento do Estado. Dalmo de 
Abreu Dallari registra que existem três teorias básicas a respeito da época do 
aparecimento do Estado. Pela primeira, o Estado, assim como a sociedade, 
sempre teria existido, considerando que o Estado seria uma organização social, 
dotada de poder e com autoridade para determinar o comportamento de todo o 
grupo. Pela segunda, a sociedade humana teria inicialmente existido sem o 
Estado, tendo este sido constituído gradual e localmente para atender as 
necessidades ou as conveniências dos grupos sociais. E, finalmente, pela terceira 
teoria, somente se pode falar em Estado como uma sociedade política dotada de 
certas características bem definidas, como conceito histórico concreto, com a idéia 
e a prática da soberania, o que somente ocorreu no século XVII, existindo autores 
que apontam o ano de 1648, como a data oficial em que o mundo ocidental se 
apresenta organizado em Estados.11 
 Assim se descrevem os princípios que passaram a nortear os Estados, 
como exigência e cumprimento da democracia: 1) a supremacia da vontade 
popular (a participação popular no governo); 2) a preservação da liberdade (o 
poder de fazer tudo o que não incomodasse o próximo e como o poder de dispor 
de sua pessoa e de seus bens, sem interferência do Estado; 3) a igualdade de 
 
9
 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional – Tomo I – Preliminares – O Estado de os 
Sistemas Constitucionais, 6ª Ed. São Paulo:Coimbra, 1997, p. 44. 
10
 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 20a ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 
150. 
11
 Ibid, p. 51. 
 8
direitos (a proibição de distinções no gozo de direitos, sobretudo por motivos 
econômicos ou de discriminação entre classes sociais). 12 
 Hodiernamente, podemos compreender o Estado como sendo um 
agrupamento social politicamente organizado, gerido por objetivos em comum, 
obviamente segundo determinadas normas jurídicas em um territóriocerto e 
definido, sob a total tutela de um poder soberano, representado por um governo 
independente. Assim sendo, a consolidação do Estado surge à medida em que 
coexistem interesses similares de uma coletividade e o devido ânimo de colocá-los 
em prática. 
 Consoante o pensamento de Jean Dabin, que expressa a essência 
primordial do Estado: 
chegou um momento em que os homens sentiram o desejo, vago e 
indeterminado, de um bem que ultrapassa o seu bem particular e 
imediato e que ao mesmo tempo fosse capaz de garanti-lo e 
promovê-lo. Esse bem é o bem comum ou bem público e consiste 
num regime de ordem, de coordenação de esforços e 
intercooperação organizada. Por isso o homem se deu conta de que 
o meio de realizar tal regime era a reunião de todos em um grupo 
específico, tendo por finalidade o bem público. Assim, a causa 
primária da sociedade política reside na natureza humana, racional 
e perfectível. No entanto, a tendência deve tornar-se um ato; é a 
natureza que impele o homem a instituir a sociedade política, mas 
foi a vontade do homem que instituiu as diversas sociedades 
políticas de outrora e de hoje. O instinto natural não era suficiente, 
foi preciso a arte humana.13 
 Destarte, conclui-se que os objetivos do Estado são a ordem e a defesa 
social, em suma, o bem estar social, o bem público; sendo os seus três elementos 
precípuos o povo, o território e o poder político. No dizere de Darcy Azambuja, 
"Estado é a organização político-jurídica de uma sociedade para realizar o bem 
público, com governo próprio e território determinado”. Dalmo de Abreu Dallari 
entende o Estado como sendo "organização jurídica soberana que tem por fim o 
bem comum de um povo situado em determinado território". Importante ressaltar 
que na correta acepção do termo Estado, mister se faz ressaltar que "o fenômeno 
estatal revela-se no elemento pessoal (Estado–Comunidade) como no elemento 
poder (Estado-aparelho ou Estado-poder)" nos dizeres de Kildare Carvalho. 
 
12
 Ibid, p. 128 
13
 DABIN, Jean. Doctrine Génerale de l’État, Ed. Sirey, Paris 1939, p.42. 
 9
 O conceito de Estado moderno, portanto, assenta-se sobre quatro 
elementos básicos: a soberania, o território, o povo e a finalidade. Ele é definido 
como a ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo 
situado em determinado território.14 
 Para os fins de nosso estudo, interessa em especial a questão da soberania 
estatal, uma vez que ela é indispensável para a análise do Estado Democrático de 
Direito. E essa característica somente se apresenta com relação ao conceito de 
Estado moderno. Sérgio Resende de Barros leciona que não houve na prática 
antiga a idéia de um poder supremo, soberano, embasado em si e por si mesmo, 
sem lei que o vinculasse à base social; ou seja, um poder solutus a legibus. A 
idéia de soberania, como marca de uma sociedade política por ela diferenciada, é 
moderna. Recuando ao máximo, chega ao fim do medievo. 15 
 A concepção do Estado moderno vem atrelada ao entendimento de que o 
Estado é o único criador do Direito e ele mesmo solucionará os conflitos sociais 
por intermédio do Estado-juiz que aplicará as normas positivadas pelo próprio 
Estado-legislador. É a monopolização da produção jurídica e sua aplicação por 
parte do Estado. É paradoxal que tal sistema jurídico tenha sido preconizado e 
efetivamente implementado pelo Estado Liberal, influenciado pelo Iluminismo, uma 
vez que o seu pressuposto filosófico é a doutrina dos direitos do homem elaborada 
pela escola do direito natural. No entanto, no momento em que se exigiu do 
Estado o respeito a tais direitos, deu-se máxima ênfase ao aspecto da legalidade, 
concedendo o poder absoluto de produção jurídica ao legislador estatal.16 
 José Joaquim Gomes Canotilho entende que: 
o Estado deve entender-se como conceito historicamente concreto 
e como modelo de domínio político típico da modernidade. Se 
pretendêssemos caracterizar esta categoria política da 
modernidade, dir-se-ia que Estado é um sistema processual e 
dinâmico e não uma essência imutável ou um tipo de domínio 
político fenomenologicamente originário e metaconstitucional.”17 
 
14Ibid., p. 118. 
15
 BARROS, Sérgio Resende de. Direitos humanos: paradoxo da civilização. Belo Horizonte: DelRey, 
2003, p. 121. 
16
 Ibid., p. 18. 
17
 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional, 6ª Ed. Coimbra: Almedina, 1995, p. 43. 
 10
 1.1.3. Estado de Direito e seus Fundamentos 
 Para alcançar uma compreensão do Estado de Direito, não se pode 
prescindir uma análise da distinção entre direito natural e direito positivo, 
considerando que essa é uma dicotomia estabelecida pelo pensamento jurídico 
ocidental, e que influenciou e ainda influencia fortemente as relações sociedade–
Estado e Estado–indivíduo, sendo que não se pode falar da instituição Estado sem 
falar no Direito. Dessa divisão teórica resultam vários questionamentos quando se 
perquire da relação do Estado com o Direito. 
 Norberto Bobbio esclarece que a distinção entre direito natural e direito 
positivo já havia sido identificada até mesmo na antiguidade, com Platão e 
Aristóteles. Este último utilizou-se de dois critérios para chegar a tal diferenciação: 
1 - o direito natural é aquele que tem em toda parte a mesma eficácia, enquanto o 
direito positivo tem eficácia apenas nas comunidades políticas singulares em que 
é posto; 2 - o direito natural prescreve ações cujo valor não depende do juízo que 
sobre elas tenha o sujeito, mas existe independentemente do fato de parecerem 
boas ou más a outros. Prescreve ações cuja bondade é objetiva. O direito positivo, 
ao contrário, é aquele que estabelece ações que, antes de serem reguladas, 
podem ser cumpridas indiferentemente de um modo ou de outro, mas uma vez 
reguladas pela lei, importa (isto é: é correto e necessário) que sejam 
desempenhadas do modo prescrito pela lei. 18 
 Os filósofos da Idade Média também discorreram sobre o assunto, deixando 
assente que existe uma clara distinção entre direito natural e direito positivo, tendo 
este a característica de ser posto pelos homens, em contraste com o primeiro que 
não é posto por esses, mas por algo (ou alguém) que está além desses, como a 
natureza (ou o próprio Deus). 
 Essa distinção, que perdura até hoje, ganha importância no tocante à 
questão do exame do Estado de Direito e, em última análise, do Estado 
Democrático de Direito, quando se sabe que o positivismo jurídico reduziu todo o 
Direito a direito positivo, afastando o direito natural da categoria do Direito, pois 
 
18
 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico. Tradução e notas de Márcio Pugliesi, Edson Bini, Carlos E. 
Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995, p. 17. 
 11
essa corrente doutrinária não considera Direito outro que não seja aquele posto 
pelo Estado, sendo este o único detentor do poder de estabelecer as normas 
jurídicas que irão reger a sociedade. 
 Por outro lado, quando se fala de Estado de direito no âmbito da doutrina 
liberal do Estado, deve-se acrescentar à definição tradicional uma determinação 
ulterior: a constitucionalização dos direitos naturais, ou seja, a transformação 
desses direitos em direitos juridicamente protegidos, isto é, em verdadeiros 
direitos positivos. 
 Vale acrescentar que Hans Kelsen, o precursor máximo do positivismo 
jurídico, defende que o Direito é um sistema de normas jurídicas, postas pelo 
Estado, num escalonamento de autoridade legal hierárquica, em que a 
Constituição de um Estado se encontra na camada jurídico-positiva mais alta. 19 
 Portanto, concluímos que o Estado de direito é aquele em que vigora o 
chamado "império da lei", porém este termo engloba alguns aspectos significados:primeiro aspecto é o de que, neste tipo de Estado, as leis são criadas pelo próprio 
Estado, através de seus representantes politicamente constituídos; o segundo 
aspecto é que, uma vez criadas pelo Estado, as leis passam a serem eficazes, isto 
é, aplicáveis, o próprio Estado fica adstrito ao cumprimento das regras e dos 
limites por ele mesmo impostos; o terceiro aspecto, que se liga diretamente ao 
segundo, é a característica de que, no Estado de direito, o poder estatal é limitado 
pela lei, não sendo absoluto, e o controle desta limitação se dá através do acesso 
de todos ao Poder Judiciário, que deve possuir autoridade e autonomia para 
garantir que as leis existentes cumpram o seu papel de impor regras e limites ao 
exercício do poder estatal. 
 Na origem, o Estado de Direito tinha um conceito tipicamente liberal, daí 
falar-se Estado Liberal de Direito, cujas características básicas foram: a) a 
submissão ao império da lei, lei esta emanada do Poder Legislativo, composto por 
representantes do povo; b) a divisão de poderes, que separe de forma 
 
19
 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, introdução à problemática científica do direito. Tradução de J. 
Cretella Júnior e Agnes Cretella. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 103 
 12
independente e harmônica os poderes legislativo, judiciário e executivo; c) um 
enunciado de direitos fundamentais.20 
 Daí a importância do chamado Estado de Direito, pois após os movimentos 
liberalistas, o Estado revestiu-se de outras características marcadas 
principalmente pela divisão dos poderes, como técnica que assegure a produção 
das leis ao Legislativo e a independência e a imparcialidade do Judiciário em face 
aos demais poderes e dos interesses particulares de toda sociedade. 
 Manoel Gonçalves Ferreira Filho, em seu magistério, esclarece que: 
 a locução Estado de Direito foi cunhada na Alemanha: é o 
Rechtsstaat. Aparece num livro de Welcker, publicado em 1813, no 
qual se distinguem três tipos de governo: despotismo, teocracia e 
Rechtsstaat. Igualmente foi na Alemanha que se desenvolveu, no 
plano filosófico e teórico, a doutrina do Estado de Direito. Nas 
pegadas de Kant, Von Mohl e mais tarde Stahl lhe deram a feição 
definitiva.21 
 Segundo ensinamentos de José Afonso da Silva: 
a superação do liberalismo colocou em debate a questão da 
sintonia entre o Estado de Direito e a sociedade Democrática. A 
evolução desvendou sua insuficiência e produziu o conceito de 
Estado Social de Direito, nem sempre de conteúdo democrático. 
Chega agora o ‘Estado Democrático de Direito’ que a constituição 
acolhe no art. 1º como um conceito-chave do regime adotado, tanto 
quanto o são o conceito de ‘Estado Democrático de Direito’ da 
Constituição da República Portuguesa (art. 2º) e do ‘Estado Social e 
Democrático de Direito da Constituição Espanhola’ (art. 10º).22 
 O conceito de “Estado de Direito” foi ganhando “sinônimos” com o tempo e 
muitos desses foram concepções deformadoras. Com a superação do liberalismo, 
a expressão Estado de Direito, que inicialmente convertia os súditos em cidadão 
livres, tornou-se insuficiente, pois, segundo Carl Schmitt: “Estado de Direito pode 
ter tantos significados distintos como a própria palavra ‘Direito’ e designar tantas 
organizações quanto as que se aplica a palavra ‘Estado’”. Assim, acrescenta ele, 
 
20
 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28ª Ed. Brasil: Malheiros, 2007, p. 
112 
21
 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Estado de direito e constituição. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, 
p. 05. 
22
 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28ª Ed. Brasil: Malheiros, 2007 p. 
113. 
 13
há um Estado de Direito feudal, outro burguês, outro nacional, além de outros 
conformes com o Direito natural, com o Direito racional e com o Direito histórico. 23 
 Entendemos, portanto, que o Estado de Direito é sinônimo de Estado de 
Justiça, que por sua vez, nada tem a ver com o estado submetido ao poder 
judiciário, sendo este apenas um elemento que compõe o Estado de Direito. 
Estado submetido ao juiz é Estado cujos atos legislativos, administrativos e 
também judiciais ficam sujeitos ao controle jurisdicional no que tange à 
legitimidade constitucional e legal 
 Na concepção jurídica de Hans Kelsen, o conceito de Estado de Direito 
também é “deformado”. Para ele, Estado e Direito são conceitos idênticos. Na 
medida em que ele confunde Estado e ordem jurídica, todo Estado, para ele, há de 
ser Estado de Direito. Como, na sua concepção, só é Direito o Direito positivo, 
como norma pura, desvinculada de qualquer conteúdo, tem-se uma idéia 
formalista do Estado de Direito ou Estado Formal de Direito que serve também a 
interesses ditatoriais, pois, se o Direito acaba se confundindo com o mero 
enunciado formal da lei, destituído de qualquer conteúdo, sem compromisso com a 
realidade política, social, econômica e ideológica, todo Estado acaba sendo 
Estado de Direito.24 
 Segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho: 
os três grandes princípios encontráveis num Estado submetido ao 
Direito são: o princípio da legalidade, o princípio da igualdade e o 
princípio da justicialidade. O princípio da legalidade, que contém a 
afirmação da liberdade do indivíduo como regra geral, seria a fonte 
única de todas as obrigações dentro de um Estado de Direito. A lei 
vincula o Poder Executivo, que não pode exigir condutas que não 
estejam previstas em lei, submete a função do Judiciário, que não 
pode impor sanção sem que esta esteja definida em lei, e embasa a 
atuação do Legislativo, que nada pode prescrever senão por meio 
de uma lei. A igualdade é princípio informador do conceito de lei no 
Estado de Direito, posto que suas formulações legais devem ser 
iguais para todos, proibindo o arbítrio, tratando os iguais de forma 
igual e os desiguais de forma desigual, na medida em que se 
desigualam. A justicialidade, vista como princípio também, é o 
controle dos atos do Estado de Direito, que deve conter um 
procedimento contencioso para decidir os litígios, sejam estes entre 
 
23
 Ibid.,. p.113. 
24
 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Introdução à problemática científica do direito. Tradução de J. 
Cretella Júnior e Agnes Cretella. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 103, p. 117. 
 14
as autoridades superiores do Estado, ou entre autoridades e 
particulares, ou, num Estado federal, entre a Federação e um 
Estado-membro, ou entre Estados-membros etc. 25 
 Portanto, o reconhecimento e a institucionalização do Estado de Direito 
tende a produzir, de forma geral, a eliminação do arbítrio no exercício dos poderes 
públicos, a submissão do poder ao império do direito e o reconhecimento de 
direitos e garantias fundamentais, que são, em última análise, a materialização de 
uma idéia de justiça presente na constituição de um Estado. Por isso, podemos 
afirmar que o Estado de direito possui várias dimensões essenciais. A primeira 
dimensão essencial é que o Estado de Direito é um Estado subordinado ao direito. 
Isso significa, mais concretamente, três coisas: a) o Estado está sujeito ao direito, 
em especial a uma Constituição (por isso, que constituição é, segundo José 
Joaquim Gomes Canotilho, o estatuto jurídico do político); b) o Estado atua através 
do direito; c) o Estado está sujeito a uma idéia de justiça. 
 As demais dimensões essenciais são, resumidamente, que o Estado de 
Direito é um Estado de direitos fundamentais, ou seja, com um conjunto de 
normas constitucionais superiores, que obrigam o legislador a respeitá-las, 
observando o seu núcleo fundamental, sob pena de nulidade das próprias leis e da 
declaração de sua inconstitucionalidade;além disso, deve observar o princípio da 
razoabilidade, ou seja, é um Estado de justa medida porque se estrutura em torno 
do princípio material normalmente chamado de princípio da proibição de excesso. 
Além disso, destacamos que o Estado de Direito é um Estado que estabelece o 
princípio da legalidade da administração pública, isto é, um Estado que estabelece 
a idéia de subordinação à lei dos titulares dos órgãos, funcionários e agentes do 
Estado que responde pelos seus atos, ou seja, é um Estado que civilmente é 
responsável por danos incidentes na esfera jurídica dos particulares. O Estado de 
Direito é um Estado que garante a via judiciária, ou seja, o acesso ao poder 
judiciário no caso de ameaça ou de lesão de direito. Esse princípio é 
complementado, entre outros pressupostos, pela garantia de um juízo regular e 
independente, pela observância do princípio do contraditório e da ampla defesa, 
pela institucionalização do direito de escolher um defensor e pelo reconhecimento 
 
25
 FILHO, Manoel Gonçalves. Estado de direito e constituição. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 23. 
 15
do cidadão ter a assistência obrigatória de um advogado quando processado pelo 
Estado. 
 Outro ponto fundamental e essencial do Estado de Direito é um Estado 
estruturado a partir da divisão de poderes, isto é, do fracionamento do Poder do 
Estado e da independência de seus três poderes: Legislativo, Executivo e 
Judiciário. Nesse sentido, o Estado de Direito é também, como regra, um Estado 
descentralizado, mesmo quando se configura como um Estado unitário. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 16
1.2 Direitos Fundamentais 
 
 Direitos fundamentais são os considerados indispensáveis à pessoa 
humana, necessários para assegurar a todos uma existência digna, livre e igual; a 
definição desses direitos denominados “fundamentais” envolve diferentes 
aspectos. Numa acepção material, podemos afirmar que eles dizem respeito aos 
direitos básicos que o indivíduo, natural e universalmente, possui em face do 
Estado; em acepção formal, os direitos são considerados fundamentais quando o 
direito vigente em um país assim os qualifica, normalmente estabelecendo certas 
garantias para que estes direitos sejam respeitados por todos.26 
 José Joaquim Gomes Canotilho afirma que: 
 “tal como são um elemento constitutivo do Estado de Direito, os 
direitos fundamentais são um elemento básico para a realização do 
princípio democrático. Mais concretamente: os direitos 
fundamentais têm uma função democrática dado que o exercício 
democrático do poder: 1 - significa a contribuição de todos os 
cidadãos para o seu exercício (princípio direito de igualdade e da 
participação política); 2 – implica participação livre assente em 
importantes garantias para a liberdade desse exercício (o direito de 
associação, de formação de partidos, de liberdade de expressão, 
são, por ex., direitos constitutivos da próprio princípio democrático; 
3 – envolve a abertura do processo político no sentido da criação de 
direitos sociais, econômicos e culturais, constitutivo de uma 
democracia econômica, social e cultural. Realce-se esta dinâmica 
dialética entre os direitos fundamentais e o princípio democrático. 
Ao pressupor a participação igual dos cidadãos, o princípio 
democrático entrelaça-se com os direitos subjetivos de participação 
e associação, que se tornam, assim, fundamentos funcionais da 
democracia.27 
 Aludido autor entende ainda que os direitos fundamentais, como direitos 
subjetivos de liberdade, criam um espaço pessoal contra o exercício de poder 
antidemocrático, e como direitos legitimadores de um domínio democrático 
asseguram o exercício da democracia mediante a exigência de garantias de 
organização e de processos com transparência democrática (princípio maioritário, 
publicidade crítica, direito eleitoral). Por fim, como direitos subjetivos a prestação 
sociais, econômicas e culturais, os direitos fundamentais constituem dimensões 
 
26
 PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais. 2a edição, 
Saraiva, São Paulo, 2005, p. 60. 
27
 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional, 6ª Ed. Coimbra: Almedina, 1995, p. 430. 
 17
impositivas para o preenchimento intrínseco, através do legislador democrático, 
desses direitos.28 
 
1.2.1. Evolução Histórica e Aspectos Conceituais 
 
 A história dos direitos fundamentais está diretamente ligada ao 
aparecimento do constitucionalismo, no final do século XVIII, que, entretanto, 
herdou da idade média as idéias de contenção do poder do Estado em favor do 
cidadão, sendo exemplo mais relevante neste sentido a célebre Magna Carta, 
escrita na Inglaterra, em 1215, pela qual o Rei João Sem Terra reconhecia alguns 
direitos dos nobres, limitando o poder do monarca. 
 Numa breve abordagem histórica da evolução dos direitos fundamentais 
encontraremos traços gerais das primeiras declarações de direitos e nas cartas de 
franquia da Idade Média, que continham enumerações de direitos. 
 Desde a Revolução de 1789, as declarações de direitos são um dos traços 
do Constitucionalismo, como observa Manoel Gonçalves Ferreira Filho: 
a opressão absolutista foi a causa próxima do surgimento das 
Declarações. Destas a primeira foi a do Estado da Virgínia, votada 
em junho de 1776, que procurava estabelecer os direitos 
fundamentais do povo norte-americano, tais como a liberdade, a 
igualdade, eleição de representantes etc., servindo de modelo para 
as demais na América do Norte embora a mais conhecida e 
influente seja a dos "Direitos do Homem e do Cidadão", editada em 
1789 pela Revolução Francesa. 29 
 Com a Revolução Francesa, em 1789, se acentuaram os movimentos e 
documentos escritos que buscavam garantir aos cidadãos os seus direitos 
elementares em face da atuação do poder público. Como dito, um dos 
documentos mais conhecidos neste sentido foi a denominada Declaração dos 
Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, produto daquela revolução ocorrida 
em território francês. Assim, mister se faz ressaltar que no século XVIII foram 
feitas conquistas substanciais e definitivas, contudo o surgimento das liberdades 
 
28Ibid., p. 431. 
29
 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalvez. Estado de direito e constituição. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, 
p. 281. 
 18
públicas tem como ponto de referência duas fontes primordiais: o pensamento 
iluminista da França e a Independência Americana. 
 Em 1948, logo após a 2ª Guerra Mundial, a Organização das Nações 
Unidas fazia editar a Declaração Universal dos Direitos do Homem, estendendo 
para praticamente todo o mundo o respeito e a proteção aos direitos fundamentais 
do ser humano. 
 A Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, preocupou-se, 
fundamentalmente, com quatro ordens de direitos individuais, conforme assevera 
Celso Ribeiro Bastos: "Logo no início, são proclamados os direitos pessoais do 
indivíduo: direito à vida, à liberdade e à segurança. Num segundo grupo 
encontram-se expostos os direitos do indivíduo em face das coletividades: direito à 
nacionalidade, direito de asilo para todo aquele perseguido (salvo os casos de 
crime de direito comum), direito de livre circulação e de residência, tanto no interior 
como no exterior e, finalmente, direito de propriedade. Num outro grupo são 
tratadas as liberdades públicas e os direitos públicos: liberdade de pensamento, 
de consciência e religião, de opinião e de expressão, de reunião e de associação, 
princípio na direção dos negócios públicos. Num quarto grupo figuram os direitos 
econômicos e sociais: direito ao trabalho, à sindicalização, ao repouso e à 
educação".30 
 ParaJosé Joaquim Gomes Canotilho, as expressões ‘direitos do homem’ e 
‘direitos fundamentais’ são freqüentemente utilizadas como sinônimas. Segundo a 
sua origem e significado poderíamos distingui-las da seguinte maneira: direitos do 
homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão 
jusnaturalista-universalista); direitos fundamentais são os direitos do homem, 
jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espaço-temporalmente. 
 Sem dúvida que a causa principal do reconhecimento de direitos naturais e 
intangíveis em favor do indivíduo é de ordem filosófico-religiosa. Uma grande 
contribuição é tributada ao Cristianismo, com a idéia de que cada pessoa é criada 
à imagem e semelhança de Deus; portanto, a igualdade fundamental natural entre 
todos os homens. 
 
30
 BASTOS, Celso Ribeiro. A Era dos Direitos. 10 ed., Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 34. 
 19
 Norberto Bobbio afirma que: 
a Declaração Universal representa a consciência histórica que a 
humanidade tem dos próprios valores fundamentais na segunda 
metade do século XX. É uma síntese do passado e uma 
inspiração para o futuro: mas suas tábuas não foram gravadas de 
uma vez para sempre.31 
 Paulo Bonavides, discorrendo sobre a importância das declarações dos 
direitos do homem e enaltecendo aquela nascida na França, alega que: 
Constatou-se então com irrecusável veracidade que as declarações 
antecedentes de ingleses e americanos podiam talvez ganhar em 
concretude, mas perdiam em espaço de abrangência, porquanto se 
dirigiam a uma camada social privilegiada (os barões feudais), 
quando muito a um povo ou a uma sociedade que se libertava 
politicamente, conforme era o caso das antigas colônias 
americanas, ao passo que a Declaração francesa de 1789 tinha por 
destinatário o gênero humano. Por isso mesmo, e pelas condições 
da época, foi a mais abstrata de todas as formulações solenes já 
feitas acerca da liberdade. O teor de universalidade da Declaração 
recebeu, aliás, essa justificativa lapidar de Boutmy: Foi para ensinar 
o mundo que os franceses escreveram; foi para o proveito e 
comodidade de seus concidadãos que os americanos redigiram 
suas Declarações. 32 
 Assim, podemos afirmar que os direitos fundamentais são o resultado de 
um longo processo histórico, de uma lenta evolução. Eles não nasceram em uma 
data específica e nem foram engendrados em um único país, embora alguns 
momentos da história e certos Estados possam ser mencionados como relevantes 
para seu surgimento e fortalecimento. 
 Em verdade, porém, como já mencionado, esses direitos do ser humano 
deitam suas raízes mais longínquas no cristianismo, que contribuiu enormemente 
para que o homem fosse visto e tratado de forma isonômica, uma vez que a 
doutrina cristã prega que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, 
valorizando assim a criação divina e permitindo-lhe que adquirisse respeito e fosse 
tratado de forma digna. 
 Nessa evolução histórica, surgiram várias declarações de direitos do 
homem, como as já mencionadas Magna Charta Libertatum (1215), a Declaração 
 
31 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 10 ed., Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 34 
32
 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 18ª Ed. Brasil: Malheiros, 2006, p.571. 
 20
americana (1776), a francesa (1789), e a Declaração da ONU (1948), que, 
certamente, influenciaram o surgimento das proteções jurídicas dos direitos 
fundamentais em outros países. 
 Para José Afonso da Silva, Direitos Fundamentais são "situações jurídicas, 
objetivas e subjetivas, definidas no direito positivo, em prol da dignidade, 
igualdade e liberdade da pessoa humana". Melhor dizendo: "São direitos 
constitucionais na medida em que se inserem no texto de uma constituição ou 
mesmo constem de simples declaração solenemente estabelecida pelo poder 
constituinte”. São direitos que nascem e se fundamentam, portanto, da soberania 
popular. Eis algumas características dos Direitos Fundamentais: 33 
(1) Historicidade. São históricos como qualquer direito. Nascem, 
modificam-se e desaparecem. (...); (2) Inalienabilidade. São 
direitos intransferíveis, inegociáveis, porque não são de conteúdo 
econômico patrimonial. Se a ordem constitucional os confere a 
todos, deles não se pode desfazer, porque são indisponíveis; (3) 
Imprescritibilidade. (...) Vale dizer, nunca deixam de ser exigíveis. 
Pois prescrição é um instituto jurídico que somente atinge os 
direitos de caráter patrimonial, não a exigibilidade dos direitos 
personalíssimos, ainda que não individualistas, como é o caso; (4) 
Irrenunciabilidade. Não se renunciam direitos fundamentais. 
Alguns deles podem até não ser exercidos, pode-se deixar de 
exercê-los, mas não se admite que sejam renunciados.34 
 No Brasil, face a nova concepção acerca dos direitos fundamentais, 
anteriormente mencionada, foi também incorporada às Constituições Brasileiras, 
de modo que, dentro do direito constitucional positivo, a Constituição elenca os 
princípios fundamentais da República Federativa do Brasil. A primeira 
Constituição, diz Manoel Gonçalves Ferreira Filho, a adotar, em seu texto, essa 
inspiração foi da de 1934, no que foi seguida pelas posteriores. As anteriores – 
1824 e 1891 – como era de se esperar, manifestavam em seu texto o apego à 
concepção individualista dos direitos fundamentais.35 
 
33
 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27ª. Ed., ver. e atual.- São Paulo: 
Malheiros, 2006, p. 183. 
34
 Ibid., p. 185. 
35
 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 25 ed., São Paulo: Saraiva, 
2000, p. 285. 
 21
 Vale mencionar que a Constituição de 1988 classifica dos Direitos 
Fundamentais em cinco grupos: Direitos Individuais; Coletivos; Sociais; à 
Nacionalidade e Políticos. 
 Os direitos fundamentais são as bússolas das Constituições; não há 
constitucionalismo sem direitos fundamentais. Afirma Paulo Bonavides explicando 
que: 
a pior das inconstitucionalidades não deriva, porém da 
inconstitucionalidade formal, mas da inconstitucionalidade 
material, deveras contumaz nos países em desenvolvimento ou 
subdesenvolvidos onde as estruturas constitucionais, 
habitualmente instáveis e movediças, são vulneráveis aos reflexos 
que os fatores econômicos, políticos e financeiros que sobre ela 
se projetam. 36 
 Não resta dúvida de que à margem da teorização, no âmbito exclusivo da 
realidade de nosso tempo, os obstáculos para a concretização dos direitos 
fundamentais e as ameaças de que poderão tornar letais à liberdade enquanto 
direito fundamental, vem ganhando espaço e força gradativamente. 
 Em rigor, diante dos novos perfis empresariais do sistema capitalista, das 
ofensas ao meio ambiente, da expansão incontrolada de meios informáticos e, 
principalmente, da mídia posta a serviço do Estado e das cúpulas hegemônicas da 
economia, tais ameaças tendem a se tornar cada vez mais sérias e delicadas, 
obstaculizando a sobredita concretização dos direitos fundamentais. 
 Portanto, podemos concluir que os Direitos Fundamentais estão inseridos 
dentro daquilo que o Constitucionalismo denomina de princípios constitucionais 
fundamentais, que são os princípios que guardam os valores fundamentais da 
Ordem Jurídica. Sem eles, a Constituição nada mais seria do que um aglomerado 
de normas que somente teriam em comum o fato de estarem inseridas num 
mesmo texto jurídico; de modo que, onde não existir Constituição não haverá 
também direitos fundamentais. 
 
 
36
 BONAVIDES, Paulo Bonvides. Curso de Direito Constitucional. 18ª Ed. Brasil: Malheiros, 2006, p. 600. 
 22
1.2.2 Classificação dos DireitosFundamentais 
 Direitos fundamentais, como já dissemos, em sua acepção formal, são 
aqueles direitos básicos do indivíduo e do cidadão, reconhecidos pelo direito 
positivo do Estado, que exige deste uma abstenção ou uma atuação no sentido de 
garanti-los. No Brasil, essa expressão engloba vários direitos, tais como: os 
individuais, os coletivos, os difusos, os sociais, os nacionais e os políticos. 
 No entanto, os direitos fundamentais podem ser estudados e concebidos 
das mais diferentes maneiras. Dentre essas formas, podemos analisar os referidos 
direitos dividindo-os em dimensões sob a forma de gerações, como o faz Paulo 
Bonavides, Norberto Bobbio e outros doutrinadores. 
 A primeira geração de direitos dominou o século XIX, e é composta dos 
direitos de liberdade, que correspondem aos direitos civis e políticos. Tendo como 
titular o indivíduo, os direitos de primeira geração são oponíveis ao Estado, sendo 
traduzidos como faculdades ou atributos da pessoa humana, ostentando uma 
subjetividade que é seu traço marcante. 37 
 A segunda geração de direitos, da mesma forma que a primeira, foi 
inicialmente objeto de formulação especulativa nos campos político e filosófico, e 
possuíam grande cunho ideológico.Assim como os de primeira geração 
dominaram o século XIX, pois tiveram seu nascedouro nas reflexões ideológicas e 
no pensamento antiliberal desse século.38 
 Cingidos ao princípio da igualdade – sendo esse a razão de ser daqueles – 
os direitos de segunda geração são considerados como sendo os direitos sociais, 
culturais, coletivos e econômicos, tendo sido inseridos nas constituições das 
diversas formas de Estados sociais, portanto dispersos nos textos legais. 
 Quanto a esses direitos de segunda geração, salienta Paulo Bonavides, in 
verbis: 
atravessaram, a seguir uma crise de observância e execução, cujo 
fim parece estar perto, desde que recentes constituições, inclusive a 
 
37
 Ibid, p. 517. 
38
 Ibid, p. 518. 
 23
do Brasil, formularam o preceito da aplicabilidade imediata dos 
direitos fundamentais. De tal sorte, os direitos da segunda geração 
tendem a tornar-se tão justificáveis quanto os da primeira; pelo 
menos esta é a regra que já não poderá ser descumprida ou ter sua 
eficácia recusada com aquela facilidade de argumentação arrimada 
no caráter programático da norma. 
 Os direitos de terceira geração (fraternidade ou solidariedade) são 
identificados como sendo o direito ao desenvolvimento, o direito à paz, o direito ao 
meio ambiente, o direito de propriedade sobre o patrimônio comum da 
humanidade e o direito de comunicação. 39 
 Tecendo comentários sobre a terceira geração de direitos, Norberto Bobbio, 
comenta que para Celso Lafer, os direitos de terceira geração são direitos cujos 
sujeitos não são os indivíduos, mas sim, os grupos de indivíduos, grupos humanos 
como a família, o povo, a nação e a própria humanidade.40 
 Lançadas as bases por Paulo Bonavides, tem-se que a "globalização 
política na esfera da normatividade jurídica introduz os direitos de quarta geração, 
que, aliás, correspondem à derradeira fase de institucionalização do Estado 
social".41 
 Segundo ele, os direitos da quarta geração consistem no direito à 
democracia, direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a 
materialização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima 
universalidade, para a qual parece o mundo quedar-se no plano de todas as 
afinidades e relações de coexistência. 
 Enquanto direito de quarta geração, a democracia positivada há de ser, 
necessariamente, uma democracia direta, que se torna a cada dia mais possível, 
graças aos avanços tecnológicos dos meios de comunicação, e sustentada 
legitimamente pela informação correta e aberturas pluralistas do sistema. É de se 
lembrar, também, que deve ser uma democracia isenta, livre das contaminações, 
vícios e perversões da mórbida mídia manipuladora. 
 
39
 Ibid, nota 10, p. 518. 
40BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 10 ed., Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 13, nota 11. 
41
 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 18ª Ed. Brasil: Malheiros, 2006, p. 524-256. 
 24
 Assim, podemos dizer que os direitos da segunda, terceira e quarta 
geração, além de dispersos em todo texto legal jurídico, não se interpretam, mas 
sim, concretizam-se. E é no seio dessa materialização, dessa solidificação, que se 
encontra o futuro da globalização política, o início de sua legitimidade e a força 
que funde os seus valores de libertação. Enfim, conforme enfatiza Paulo 
Bonavides, "os direitos da quarta geração compendiam o futuro da cidadania e o 
porvir da liberdade de todos os povos. Tão-somente com eles será legítima e 
possível a globalização política".42 
 Essas gerações, numa primeira análise, representariam a conquista pela 
humanidade de três espécies de direitos fundamentais, amparada nos ideais 
divulgados especialmente na Revolução Francesa, os quais se resumiam no lema 
“liberdade, igualdade e fraternidade”. Coincidentemente, cada uma dessas 
expressões representaria uma geração de direitos a ser conquistada. 
 Portanto, podemos concluir em breve resumo que os direitos fundamentais 
de primeira geração corresponde àqueles direitos básicos dos indivíduos 
relacionados a sua liberdade, considerada em seus vários aspectos, buscando 
também controlar e limitar os desmandos do governante, de modo que este 
respeite as liberdades individuais da pessoa humana. A segunda geração, por sua 
vez, fundada na idéia da igualdade, significa uma exigência ao poder público no 
sentido de que este atue em favor do cidadão, cobrando uma prestação positiva 
do Estado aos chamados direitos sociais, direitos não mais considerados 
individualmente, mas sim de caráter econômico e social. 
 E, ainda, a terceira geração, que corresponde a fraternidade, que 
representa a evolução dos direitos fundamentais para alcançar e proteger aqueles 
direitos decorrentes de uma sociedade já modernamente organizada, que se 
encontra envolvida em relações de diversas naturezas, especialmente aquelas 
relativas à industrialização e densa urbanização; assim, podemos mencionar: o 
direito ao desenvolvimento, o direito à paz, o direito ao meio ambiente 
ecologicamente equilibrado, o direito à comunicação, os direitos dos consumidores 
e vários outros direitos especialmente aqueles relacionados a grupos de pessoas 
 
42Ibid. p. 526. 
 25
mais vulneráveis (a criança, o idoso, o deficiente físico, etc). Por derradeiro, uma 
quarta geração de direitos fundamentais, identificada por vários autores, que 
decorreria da atual globalização desses direitos, tais como a democracia, o direito 
à informação e ao pluralismo. 
 Paulo Bonavides esclarece que: 
via de regra, todo direito fundamental concreto demanda, para sua 
interpretação, o exame dos seguintes aspectos: o aspecto objetivo-
institucional, por exemplo, no caso da Família; o da prestação 
estatal, haja vista o direito de acesso à cultura: o direito 
fundamental à prestação jurisdicional, e, finalmente o aspecto da 
vertente subjetiva que opera no caso de liberdade religiosa, unida, 
porém, ao status corporativus, como exemplificado pela igreja e 
comunidades religiosas.43 
 Com igual energia e clareza elucidativa, da gênese hermenêutica, dos 
direitos fundamentais na sede de sua teorização, arremata ele: 
É um processo ordinário no Estado constitucional o nascimento e a 
morte das teorias dos direitos fundamentais. O que deve 
permanecer é a idéia da proteção pessoal. E todas as teorias dos 
direitos fundamentais devem colocar-se a serviço da mesma. 
 Com efeito, tem razão o constitucionalista: as teorias dos direitos 
fundamentais nascem e morremcom os regimes políticos, com as ideologias, com 
os teoristas dos Estado, com os filósofos do poder e com os pensadores políticos. 
 Paulo Bonavides conclui afirmando que, 
as teorias modernas e contemporâneas, não importam a sua 
diversidade, só terão acolhida no constitucionalismo do Estado 
democrático se tiverem por elemento primário e base de legitimação 
a liberdade nas quatro dimensões que a dogmática evolutiva 
daqueles direitos ostenta, e que já foram referidas também sob a 
designação de direitos de quatro gerações, isto é, direitos 
individuais, sociais, do desenvolvimento, da paz e do meio ambiente 
e, de último, despontando no horizonte social e político, os direitos 
da quarta geração, a saber, a democracia, o pluralismo e a 
informação. 44 
 
 
 
43
 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 18ª Ed. Brasil: Malheiros, 2006, p.598. 
44
 Ibid, p.599. 
 26
 2. O DEVIDO PROCESSO LEGAL E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS 
DO PROCESSO CIVIL 
 A norma contida no enunciado do art. 5º, LIV, da Constituição Federal é um 
princípio porque não descreve um comportamento, mas sim a realização de um 
fim. Isso não significa que a norma não prescreva comportamentos, mas apenas 
que tais comportamentos (obrigatórios justamente por serem necessários à 
realização do fim) não estão descritos no enunciado, como ocorre com as regras. 
 O princípio do devido processo legal está relacionado à idéia de controle do 
poder estatal. O Estado pode, através de seus órgãos, a fim de realizar os fins 
públicos, impor restrições aos bens individuais mais relevantes. No entanto, não 
pode fazê-lo arbitrariamente. O escopo do princípio estudado é reduzir o risco de 
ingerências indevidas nos bens tutelados, através da adoção de procedimentos 
adequados. Ou ainda, garantir que a prolação de determinada decisão judicial ou 
administrativa seja precedida de ritos procedimentais assecuratórios de direitos 
das partes litigantes. 45 
 Ao devido processo legal é atualmente atribuída grande responsabilidade 
por ser um princípio fundamental, ou seja, sobre ele repousam todos os demais 
princípios constitucionais, ou seja, é um super princípio. 
 Nelson Nery Júnior, Paulo Roberto Dantas de Souza Leão, José Rogério 
Cruz e Tucci, Cândido Rangel Dinamarco e Paulo Rangel, afirmam que no devido 
processo legal estariam contidos todos os outros princípios processuais, como o 
da isonomia, do juiz natural, da inafastabilidade da jurisdição, da proibição da 
prova ilícita, da publicidade dos atos processuais, do duplo grau de jurisdição e da 
motivação das decisões judiciais. Com muita precisão, Cristina Reindolff da Motta 
afirma que "a todo momento que se fizer análise ou reflexão acerca de algum 
princípio processual constitucional, com certeza poder-se-á identificar nuances do 
Princípio do Devido Processo Legal, e vice-versa". 46 
 
45
 ÁVILA, Humberto. Fundamentos do Estado de Direito. São Paulo: Ed. Malheiros, 2005, p. 63/64. 
46
 JÚNIOR, Humberto Theodoro. A garantia fundamental do devido processo legal e o exercício do poder 
de cautela no Direito Processual Civil. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1991. p. 11. 
 27
 Nota-se uma critica subliminar da doutrina à expressa inserção desse 
princípio no texto constitucional. Tal crítica não é no sentido de que não fosse ela 
necessária ou o princípio não a merecesse, mas da redundância que decorreria da 
referência expressa ao devido processo legal após elencado todos os princípios e 
direitos processuais constitucionais. Entretanto, países que já tiveram o dissabor 
de passar por ditaduras e golpes militares, como o nosso, sabem da importância 
da Constituição conter explicitamente as garantias fundamentais derivadas do 
processo legal. Trazido praticamente ao final do rol, o devido processo legal tem 
por objetivo enfeixar as demais garantias, não como uma redundância, mas como 
um inabalável sustentáculo. 
 O devido processo legal não tem uma definição estanque, fixa ou muito 
menos, perene. Isso permite a sua mutabilidade, adaptação gradual, e, 
principalmente, evolução, de acordo com a demanda da sociedade. 
 Luiz Rodrigues Wambier menciona que: 
Arturo Hoyos entende que o princípio do devido processo legal está 
inserido no contexto, mais amplo, das garantias constitucionais do 
processo, e que somente mediante a existência de normas 
processuais, justas, que proporcionem a justeza do próprio 
processo, é que se conseguirá a manutenção de uma sociedade 
sob o império do Direito. 47 
 O devido processo legal, foi concebido e conceituado durante muito tempo 
como amparador ao direito processual, buscando uma adequação do processo à 
ritualística prevista, praticamente confundindo-se ao princípio da legalidade. 
2.1. Antecedentes Históricos 
 A garantia constitucional do devido processo legal prescinde da história do 
homem pela busca de sua liberdade, ou seja, libertar-se da servidão que lhe foi 
imposta pelo próprio semelhante; revela, sobretudo, a luta pela contenção do 
poder. 48 
 
47
 BOLQUE, Fernando César. A efetividade dos direitos fundamentais (art. 5º da Constituição Federal) e 
o princípio da razoabilidade das leis: a atuação do Ministério Público. Disponível na Internet: Acesso em 
22 ago 2002. 
48
 SILVEIRA, Paulo Fernando. Devido processo legal – Due process of Law, Belo Horizonte: Del Rey, 
1996. p. 15. 
 28
 Qualquer abordagem que se pretenda fazer no tocante à garantia do devido 
processo legal deve iniciar-se pela análise do panorama político e social da 
Inglaterra medial, culminando com a outorga da Magna Carta do Rei João Sem 
Terra em 1215. 
 Porém, nos primórdios, vivia o homem em regime tribal, com total liberdade 
e comunhão de patrimônio, restringidos apenas pelo interesse de sobrevivência do 
grupo. Após a criação do Estado, os séculos vieram demonstrar que o homem 
havia perdido sua liberdade, quase que total, porque o detentor do poder passou a 
utilizá-lo, de modo geral, em proveito próprio, ignorando o interesse do povo, 
chegando Luís XIV a dizer: "L’État c’ est moi" (O Estado sou eu). 49 
 Todavia, a saga pela liberdade nunca foi abandonada, pois, para o homem 
constitui o seu mais precioso bem, sendo o modo natural de manifestação da vida, 
da inteligência, da criatividade, das quais decorrem, inelutavelmente, a indústria e 
o progresso, enfim, a civilização. O homem nasceu para ser livre, sujeitando-se ao 
mínimo de restrições necessárias à realização do bem comum. 50 
 Com exatidão Paulo Fernando Silveira nos mostra que: 
a lição que se extrai é que as ditaduras e impérios que se 
apoiaram em ordem absoluta, individual do tirano ou do grupo 
dominante, contrariando a natureza das coisas, por mais 
poderosos que tenham sido, entraram em colapso, como registra 
a história. Apenas o governo democrático, que tem o povo como 
base, com suas múltiplas diversidades individuais e diferentes 
anseios, pode desenvolver-se serenamente, administrando a 
conjuntura variável, pois, ainda que cometa erros, serão, por 
certo, reparáveis.51 
 No Direito Inglês a garantia do devido processo legal surgiu no reinado de 
John, chamado de Sem-Terra, cujo reinado usurpou de seu irmão Ricardo 
Coração de Leão que morreu em virtude de um ferimento de flecha recebido em 
uma batalha, como dito. 
 Paulo Fernando Silveira nos ensina que: 
 
49
 Ibid, p.15. 
50
 Ibid, p.16. 
51
 Ibid, p.16. 
 29
João Sem-Terra ao assumir a coroa passou a exigir elevados 
tributos e fez outras imposições decorrentes de sua tirania, o que 
levou os barões a se insurgirem: ‘Os desastres, cincas e 
arbitrariedades do novo governo foram tão assoberbantes, quea 
nação, sentindo-lhe os efeitos envilecedores, se indispôs, e por 
seus representantes tradicionais reagiu. Foram inúteis as 
obsecrações. A reação era instintiva, generalizada; e isso, por 
motivo de si mesmo explícito: tão anárquico fora o reinado de 
João, que se lhe atribuía outrora, como ainda nos nossos dias se 
repete, a decadência; postergou regras jurídicas sãs de governo; 
descurou dos interesses do reino; e, a atuar sobre tudo, 
desservindo a nobres e a humildes, ameaçava a desnervar a 
energia nacional, que se revoltou. 52 
 Assim, em 15/06/1215 John foi obrigado a concordar apondo seu selo real, 
com os termos da declaração de direitos, que lhe foi apresentada pelos barões, a 
qual ficou conhecida como Magna Carta, ou Great Charter, da qual ainda existem 
preservados quatro exemplares originais. Por esse documento, o Rei John jurou 
respeitar os direitos, franquias e imunidades que ali foram outorgados, como 
salvaguarda a liberdade dos insurretos, entre eles a cláusula do devido processo 
legal (due process of law). Destaca-se que a Magna Carta (1215) evidenciou pela 
primeira vez, de modo inequívoco, que nenhuma pessoa, por mais poderosa que 
fosse, estaria acima da lei, ao assegurar, em seu § 39, com as alterações da Carta 
de 1225, com regra absoluta a ser observada, o devido processo legal: 51 
Nenhum homem livre será detido ou sujeito a prisão, ou privado 
dos seus direitos ou seus bens, ou declarado fora da lei, ou 
exilado, ou reduzido em seu status de qualquer outra forma, nem 
procederemos nem mandaremos proceder contra ele senão 
mediante um julgamento legal pelos seus pares ou pelo costume 
da terra. 
 Cremos que a função primeira deste documento foi sem dúvida limitar o 
poder real, inibindo as tiranias e manobras de João Sem Terra, e, por 
conseqüência, garantia aos senhores feudais certos direitos e prerrogativas antes 
nunca concedidas. 
 Portanto, pela primeira vez na história, de forma muito singela, instituiu-se o 
devido processo legal que constitui a essência da liberdade individual em face da 
lei, ao afirmar que ninguém perderá a vida ou a liberdade, ou será despojado de 
 
52
 SILVEIRA, Paulo Fernando. Op. p. 21 apud Pontes de Miranda. História e prática do habeas corpus. 7. 
Ed., Rio de Janeiro: Borsoi, 1972, p. 11. 
 30
seus direitos ou bens, salvo pelo julgamento de seu pares, de acordo com a lei da 
terra. 53 
 O autor Paulo Fernando Silveira, aduz ainda que: 
qualquer pretensão de conceituar o devido processo legal deverá 
levar em consideração sua origem, que remonta, aos reinados de 
Henry I (1100/11350 e Henry II (1154/1189), culminando com a 
assinatura da Magna Carta pelo Rei João Sem Terra – (Jonh 
Lackland (1199/1216), que sucedeu ao seu irmão Ricardo 
Coração de Leão-Richard the Lion Heart (1189/1199)".54 
 Assim, o primeiro ordenamento que teria tratado desse princípio foi a 
Magna Carta do rei John Lackland (João "Sem-Terra"), de 15 de junho de 1215, 
quando o seu art. 39 se referiu a legem terrae, termo posteriormente traduzido 
para a língua inglesa como law of the land, sem, contudo, mencionar a expressão 
que hoje conhecemos, due process of law. 55 
 No Direito Americano a origem o devido processo legal surgiu por meio de 
dissidentes protestantes ingleses, que, em fuga, aportaram nas praias americanas 
da Virgínia em 1607, trazendo consigo os fundamentos da common law, entre os 
quais o princípio do devido processo legal. 
 Em 1354, ainda na Inglaterra do rei Eduardo III, no conhecido Statute of 
Westminster of the Liberties of London, por um legislador desconhecido, foi 
utilizada a expressão definitiva e, de forma mais importante, incorporado aquele 
texto aos dispositivos da Common Law. Há de se admitir, no entanto, que durante 
toda essa época, o instituto era meramente formal, se utilização e sem expressão. 
56
 
 
53
 SILVEIRA, Paulo Fernando. Devido processo legal – Due process of Law, Belo Horizonte: Del Rey, 
1996p. 22. 
54SILVEIRA, Paulo Fernando. Op. p. 21 apud Pontes de Miranda, História e prática do habeas corpus. 7. 
Ed., Rio de Janeiro: Borsoi, 1972, p. 79. 
55
 AGRA, Walber de Moura. Manual de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 
2002, p. 79. 
56
 "None shall be condemned without trial. Also, that no man, of what estate or condition that he be, shall be 
put out of land or tenement, nor taken or imprisoned, nor disinherited, nor put to death, without being brought 
to answer by due process of law". JÚNIOR, Nelson Nery. Princípios do processo civil na Constituição 
Federal. 7. ed. rev e atual com as Leis 1-0.352/2001 e 10.358/2001 – São Paulo: Editora Revista dos 
Tribunais, 2002. pg. 33. nota 6. 
 31
 Daí em diante, as garantias outorgadas a contragosto por João Sem Terra – 
morto aos 10 de outubro de 1216, firmaram-se como um símbolo da liberdade e do 
desenvolvimento do povo inglês, influenciando o resto do mundo, principalmente 
as colônias da América do Norte. A própria “magna charta”, como aponta Jorge 
Miranda, foi confirmada seis vezes por Henrique III, três vezes por Eduardo I, 
catorze vezes por Eduardo III, seis vezes por Ricardo II, seis vezes por Henrique 
IV, uma vez por Henrique V e uma vez por Henrique VI. 
 A Constituição dos Estados Unidos da América, onde muito se desenvolveu 
o devido processo legal, não trata originalmente do instituto, sendo abordado 
explicitamente nas suas emendas, na 5ª e na 14ª Emenda. Na primeira emenda 
referida, a cláusula due process of law apareceu pela primeira vez ao lado do 
trinômio "vida, liberdade e propriedade" e, na segunda, sofreu grande 
transformação-evolução, passou a significar também a "igualdade na lei", e não só 
"perante a lei", além de marcar a sua utilização efetiva. Tais inserções deram-se 
pela tendência de acompanhar a evolução das Constituições de alguns Estados, 
como Maryland, Pensilvânia e Massachusetts, que já contavam com o a garantia 
em testilha, pois, por sua vez, acompanhavam as Declarações de Direitos das 
Colônias de Virgínia, Delaware, Carolina do Norte, Vermont e de New Hampshire, 
posteriormente transformados em Estados federados. 
 Na América Latina, a Argentina e o México, desde o nascedouro de suas 
Constituições, em 1853 e 1857, respectivamente, já contavam com o instituto. Na 
Europa continental, a Itália e a Alemanha, países onde há enorme 
aprofundamento científico no direito processual serviram de exemplo para os 
demais, como Espanha e Portugal. 57 
 A Declaração Universal dos Direitos do Homem (Paris, 1948), a 6ª 
Convenção Européia Para Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades 
Fundamentais (Roma, 1950) e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos 
 
57
 Ibid, "All persons born or naturalized in the United States, and subject to the jurisdiction thereof, are 
citizens of the United States and of the State wherein they reside. No State shall make or enforce any law 
which shall abridge the privileges or immunities of citizens of the United States; nor shall any State deprive 
any person of life, liberty, or property, without due process of law; nor deny to any person within its 
jurisdiction the equal protection of the laws". 
 32
das Nações Unidas (1966) consagram proteções e garantias individuais que 
denotam o encampar daquele princípio. 
 No Brasil, é pacífico entre os doutrinadores que o princípio do devido 
processo legal foi abraçado por todas as Constituições pátrias, desde 1924, em 
especial a de 1967 e Emenda Constitucional nº 01, de 1969, pois, quando 
consignaram os princípios da ampla defesa, do contraditório e da igualdade, 
teriam, tacitamente, aceitado a existência daquele. Porém, a inclusão definitiva e 
expressa da garantia do due processof law veio somente com a Constituição 
Federal de 1988, mais precisamente em seu artigo 5º, LIV: "ninguém será privado 
da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal", sendo 
complementada pelo inciso LV do mesmo artigo: “aos litigantes em geral são 
assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela 
inerentes.” 
 Sabemos que a Magna Carta não teve, na sua gênese, a intenção mais 
pura de servir à cidadania, à democracia ou ao povo em geral, posto criada como 
uma espécie de garantia para os nobres, do baronato, contra os abusos da coroa 
inglesa. Entretanto, ela continha institutos originais e eficazes do ponto de vista 
jurídico para a repressão dos abusos do Estado, que até hoje se fazem reluzentes 
em praticamente todas as constituições liberais do mundo. 
2.2 Características do Devido Processo Legal 
 
 Em seu nascedouro, o devido processo legal foi concebido como uma 
garantia de feições apenas processuais, como princípio que viria a assegurar que 
a privação da liberdade e da propriedade somente seriam possíveis através de um 
processo regular. Mas, como aponta Nelson Nery Júnior, o devido processo legal 
é caracterizado pelo trinômio vida-liberdade-propriedade, ou seja, “tem-se o direito 
de tutela àqueles bens da vida em seu sentido mais amplo e genérico. Tudo o que 
disser respeito à tutela da vida, liberdade ou propriedade está sob a proteção da 
due process clause”. 
 O devido processo legal, como mencionado, foi concebido e conceituado 
durante muito tempo como amparador ao direito processual, buscando uma 
 33
adequação do processo à ritualística prevista, praticamente confundindo-se ao 
princípio da legalidade. Ele ganhou força expressiva no direito processual penal, 
mas já se expandiu para processual civil e até para o processo administrativo. 
 Conceituar o devido processo legal é tarefa ingrata. Há duas facetas sobre 
as quais incide tal princípio: o procedural due process (sentido processual) e o 
substantive due process (sentido material). 
 Oportuno transcrever as palavras de Cintra, Grinover e Dinamarco, acerca 
do princípio sub analisis: 
o devido processo legal, como princípio constitucional, significa o 
conjunto de garantias de ordem constitucional, que de um lado 
asseguram às partes o exercício de suas faculdades e poderes de 
natureza processual e, de outro, legitimam a própria função 
jurisdicional. 58 
 A necessidade de intervenção judicial nas atividades estatais – 
principalmente legislativas – fez nascer uma bipartição ideológica a pairar sobre o 
devido processo legal, principalmente no direito norte-americano através dos 
julgados da Suprema Corte. Entendeu-se que não somente em sentido processual 
deveria o princípio garantir o trinômio vida-liberdade-propriedade, porque de tão 
amplo deveria cuidar de corrigir eventuais abusos do poder soberano ao legislar. 
 Em outras palavras, criou-se a idéia de que o devido processo legal – 
concebido como cláusula anti-arbítrio – seria também responsável por vincular a 
produção legislativa à idéia de razoabilidade ou proporcionalidade. Baseada no 
espírito que norteou a Magna Carta de 1215, diz a doutrina: uma lei não pode ser 
considerada uma law of the land, nos termos desejados pelo due process of law, 
se incorrer na falta de razoabilidade, ou seja, quando for arbitrária. 59 
 A idéia de “governo dos juízes”, com os tribunais assumindo a função de 
censores da vida social, política e econômica da nação norte-americana, fez com 
que a visão unicamente processualista do devido processo legal retratasse a 
entrada em cena do judiciário como árbitro autorizado e final das relações do 
 
58
 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 7ª. ed. rev. ampl. atual. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2003, p. 
04. 
59
 CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira. O devido processo legal e a razoabilidade das leis na nova 
constituição do Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 1989, p.57. 
 34
governo com a sociedade civil, revelando o seu papel de protagonista e 
igualmente ‘substantivo’ no seio das instituições governativas.60 
 Esse conjunto de garantias de ordem constitucional - processual, 
encontrado apenas na nossa mais recente doutrina, não é novidade para os 
americanos, que há muito se debruçam sobre o devido processo legal. Vejamos o 
trecho do voto proferido no voto no caso Anti-Facist Committe vs. McGrafth (1951), 
pelo Juiz da Suprema Corte Americana, Felix Frankfurter: 
Due process não pode ser aprisionado dentro dos traiçoeiros 
lindes de uma fórmula... ‘due process’ é produto da história, da 
razão, do fluxo das decisões passadas e da inabalável confiança 
na força da fé democrática que professamos. ‘Due process’ não é 
um instrumento mecânico. Não é um padrão. É um processo. É 
um delicado processo de adaptação que inevitavelmente envolve 
o exercício do julgamento por aqueles a quem a Constituição 
confiou o desdobramento desse processo.61 
 O procedural due process, também chamado de devido processo adjetivo 
ou procedimental, é considerado mais restrito que o devido processo material e 
caracteriza-se pela simples norma de respeito ao procedimento previamente 
regulado. Inobstante o alcance diminuto, esta faceta do devido processo legal é 
mais empregada pela doutrina e pelos usuários do Direito, talvez exatamente por 
conta do vocábulo "processo" do princípio estudado, foi ele apenas sub-utilizado 
nesta acepção. 
 A doutrina, mesmo ciente da vigência da cláusula due process of law nas 
constituições anteriores e do seu alcance a todos os tipos de procedimentos, 
debruçou-se especialmente na sua aplicação ao direito processual penal, em 
seguida, à jurisdição civil e, recentemente, aos procedimentos administrativos. 
 Convém enfatizar sua aplicação ao direito processual civil, sendo 
indiscutível que nesse campo, entre outros, garante o direito à citação, do 
conhecimento do teor da acusação, de julgamento rápido e público, à igualdade de 
partes, à proibição da prova ilícita, à gratuidade da justiça ou ao desembaraçado 
 
60
 Ibid., p. 57. 
61
 Apud Carlos Roberto de Siqueira Castro. O devido Processo Legal e a razoabilidade das leis na nova 
Constituição e Brasil, Rio de Janeiro: Forense, 1989, p. 56. 
 35
acesso a essa, ao contraditório, ao juiz natural e imparcial, ao duplo grau de 
jurisdição, à ampla defesa. 
 "Resumindo o que foi dito sobre este importante princípio, verifica-se que a 
cláusula do procedural due process of law nada mais é do que a possibilidade 
efetiva de a parte ter acesso à justiça, deduzindo pretensão e defendendo-se do 
modo mais amplo possível, isto é, de ter his day in Court, na denominação 
genérica da Suprema Corte dos Estados Unidos".62 
 O devido processo legal substantivo ou material é a manifestação do devido 
processo legal na esfera material. Considera-se o seu alcance mais amplo que o 
seu lado procedimental, pois se manifesta em todos os campos do Direito 
(administrativo, civil, comercial, tributário, penal, entre outros). 
 O conteúdo substancial de cláusula do devido processo legal apresenta-se, 
indubitavelmente, "amorfo e enigmático, que mais se colhe pelos sentimentos e 
intuição do que pelos métodos puramente racionais da inteligência." 63 
 O substantive due process tutela o direito material do cidadão, inibindo que 
lei em sentido genérico ou ato administrativo ofendam os direitos do cidadão, 
como a vida, a liberdade e a propriedade, outros destes derivados ou inseridos na 
Constituição. 
A Suprema Corte Americana entende que tem direito a examinar qualquer lei e 
determinar se ela constitui um legítimo, não-abusivo, exercício do poder estatal. O 
ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Velloso, prolatou acórdão que em 
poucas palavras traz

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