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PSICOLOGIA DAS ORGANIZAÇÕES 3º Ano | 1º Semestre | Módulo 1: Aula 3: 2709-2017 | Carla Carvalho 1 HISTÓRIA DA PSICOLOGIA DAS ORGANIZAÇÕES (PO): EMERGÊNCIA& DESENVOLVIMENTO Para melhor compreendermos a Psicologia das Organizações (PO) na atualidade, importa analisar o “longo caminho” percorrido, desde a sua emergência até aos dias de hoje, olhando para o que foi sendo o seu objeto de estudo e intervenção. 1. EMERGÊNCIA E DESENVOLVIMENTO DA PSICOLOGIA DAS ORGANIZAÇÕES Os primeiros estudos de Psicologia dedicados ao trabalho aparecem sob a rubrica de PSICOLOGIA APLICADA e da PSICOTÉCNICA A disciplina emerge, assim, como PSICOLOGIA APLICADA e PSICOTÉCNICA INDUSTRIAL. Esta começou por ser definida com base nos objetivos das suas aplicações, isto é, partindo das necessidades da indústria, as quais visavam rentabilizar a mão-de- obra, explorando as causas e os efeitos da fadiga, bem como a aplicação de “testes” para efeitos de Seleção de Pessoal, por exemplo, sendo estes alguns dos temas centrais nos “primórdios” da Psicologia Organizacional (Leplat & Cuny, 1977). PRIMEIROS LIVROS NESTE DOMÍNIO: The Theory of Advertizing (Scott, 1903); The Psychology of Advertising (Scott, 1908); Psychology of Industrial Efficiency (Munsterberg, 1913); Industrielle Psychotechnik (Moede, 1924). A EMERGÊNCIA DA PO NÃO PODE DISSOCIAR-SE DO DESENVOLVIMENTO DA CHAMADA PSICOLOGIA INDUSTRIAL AMERICANA E INGLESA AMÉRICA: (nomeadamente até aos anos 20 do Século passado). Por um lado, a PSICOLOGIA INDUSTRIAL AMERICANA desenvolveu-se numa perspetiva diferencial: sobretudo com a aplicação de testes por autores conhecidos, como: Galton e Cattell. Aqui os psicólogos intervinham no meio industrial como consultores, utilizando as suas técnicas – como os testes e as entrevistas – de forma a responderem aos pedidos dos clientes: empresas industriais, exército (e essencialmente para efeitos de selecção de pessoal). A sua intervenção orientava-se por uma lógica de mercado, dado que os psicólogos industriais faziam aquilo que as empresas-clientes solicitavam: aplicação de conhecimentos psicológicos à indústria para escolher os melhores trabalhadores ou os que mais se adequavam ao perfil do trabalho a realizar (Munsterberg, 1913). Acresce referir que no CONTEXTO AMERICANO, nesta época, as questões mais ligadas à organização do trabalho eram um domínio dos engenheiros, e não dos Psicólogos. INGLATERRA: (nomeadamente até aos anos 20 do Século passado). Por outro lado, no CONTEXTO INGLÊS, verificamos que a Psicologia Industrial inglesa, fortemente marcada pelo desenvolvimento de Instituições ligadas à Universidade, tinha preocupações mais ao nível da investigação fundamental e da resolução de problemas (Psicologia ligada à Fisiologia, por exemplo), assim como problemas sociais existentes no contexto da 1ª Guerra Mundial – como é o caso da necessidade de aumentar a produtividade/desempenho durante este período conturbado. PSICOLOGIA DAS ORGANIZAÇÕES 3º Ano | 1º Semestre | Módulo 1: Aula 3: 2709-2017 | Carla Carvalho 2 OBRAS MARCANTES E FOCO: - Health of Munitions Workers Committee (1915-17), Industrial Fatigue Research Board (1918), Industrial Health Research Board (1929). - Investigações sobre fadiga e monotonia. O factor humano no trabalho industrial (Myers, 1926; Viteles, 1947). - National Institute of Industrial Psychology (1929). Actividades principais: seleção e formação. Trabalhos de consultoria. Analisando a emergência e o desenvolvimento dos conhecimentos científicos nesta área ao longo do tempo, Shimmin e van Strien (1998) e Roe (1995), entre outros, consideram existirem DIFERENTES FASES OU PERÍODOS QUE MARCARAM A HISTÓRIA DA PSICOLOGIA ORGANIZACIONAL. Assim: O DESENVOLVIMENTO DA PO PODE SER DESCRITO EM TRÊS FASES (Roe, 1994): 1. PSICOLOGIA APLICADA (1890-1940): O primeiro período começou por volta do início do século com os estudos ocupacionais e a investigação em aptidões vocacionais, sobre métodos de trabalho e fadiga. A PO é vista como um campo de aplicação da Psicologia, ou como uma aplicação dos conhecimentos gerados pela Psicologia (básica ou fundamental) aos problemas específicos da situação de trabalho. O trabalho dos psicólogos neste período tinha um caráter de aplicação: métodos psicológicos de avaliação e análise foram aplicados a problemas práticos da indústria e dos transportes. Não existia ou era pouco distinta a teoria nestes assuntos/temas. Com efeito, os instrumentos e os métodos da psicologia eram simplesmente usados para resolver problemas práticos de recrutamento, produtividade e segurança no trabalho, colocados pelas empresas. A noção de "PSICOLOGIA APLICADA" aparece especialmente nos EUA, desde o nascimento do "Journal of Applied Psychology", em 1917. Neste período, e na Europa a noção predominante foi/era a de "PSICOTÉCNICO INDUSTRIAL" (Industrielle Psychotechnik) significando praticamente o mesmo. TRECHERA (2000) DISTINGUE, AINDA, NESTE 1º PERÍODO DOIS MOMENTOS: 1. Até 1920, marcado pela focalização na estrutura formal, na planificação do trabalho e nas condições de trabalho numa lógica produtiva e individual – Este período é coincidente com a chamada Época da ABORDAGEM CLÁSSICA ÀS ORGANIZAÇÕES com Taylor, Fayol e também a abordagem da Burocracia; 2. Até 1940, marcado pela famosa investigação de Hawthorne, por Elton Mayo e seguidores, muito pelo seu impacto que os resultados tiveram a vários níveis – ESCOLA DAS RELAÇÕES HUMANAS, com a emergência da importância atribuída aos grupos e aos seus efeitos sobre a produção – pela 1ª vez, os FATORES SOCIAIS emergem no campo de estudo da PO – de que são exemplos os estudos sobre o clima social nas organizações, a comunicação, a liderança, moral, os grupos informais…). PSICOLOGIA DAS ORGANIZAÇÕES 3º Ano | 1º Semestre | Módulo 1: Aula 3: 2709-2017 | Carla Carvalho 3 2. PSICOLOGIA INDUSTRIAL (1940-1960) O início deste segundo período pode localizar-se no início da II Guerra Mundial – que foi um período marcado por um desenvolvimento relativamente autónomo da investigação aplicada aos problemas da indústria, no âmbito do qual os psicólogos lidavam com vários novos métodos especializados e também com dados empíricos e teorias. Aqui a PSICOLOGIA INDUSTRIAL tornou-se um campo distinto da psicologia aplicada, focalizando-se em alguns temas, tais como: a seleção, o "job evaluation", os fatores humanos no trabalho, a segurança, etc.. A PSICOLOGIA INDUSTRIAL focava- se: a) numa abordagem grupal – a liderança em especial, e b) sobre como satisfazer as necessidades dos indivíduos, nomeadamente procurando articular objetivos individuais com os objetivos organizacionais, e como desenvolver todo o potencial do indivíduo no trabalho. O seu gradual desenvolvimento é bem ilustrado pelas sucessivas edições do Handbook of Industrial Psychology de Tiffin e McCormick (1ª ed. de 1942). É importante notar que não obstante algumas noções da Psicologia Geral terem sido adotadas, a maior parte dos desenvolvimentos foram iniciados e dirigidos por solicitações da indústria, por um lado, e pela aplicação de noções de outros ramos da ciência aplicada (incluindo engenharia, ciência educacional, psicologia clínica etc.), por outro. 3. PSICOLOGIA DAS ORGANIZAÇÕES E DO TRABALHO (1960...) Os anos 60 marcam o início de um novo período caracterizado pela expansão da investigação e pelo esforço de desenvolver teorias e modelos. Comparado com o passado, existem algumas mudanças significativas: Primeiro os psicólogos com um interesse no trabalho e na organização, relativamente aos problemas na indústria, rapidamente passaram a preferir procurar saber de onde provinham e o que lhes estava subjacente (já não apenas a sua resolução prática). Segundorapidamente aceitaram os frutos teóricos da psicologia geral e a metodologia acumulada da psicologia industrial enquanto (e apenas) uma base para o seu trabalho, mas começaram a construir o seu corpo teórico de base. Ao fazer isso, recusaram “cortar a sua realidade em peças” mas preferiram estudar os fenómenos relacionados com o trabalho na sua total complexidade/globalidade aplicação das abordagens sistémica, contingencial e sociotécnica ao mundo das organizações, do trabalho e do comportamento humano no contexto de trabalho. Se o focus inicial era nos problemas da indústria e os elementos da psicologia geral eram usados para os resolver, os problemas são agora colocados em questão e considerados como sintomas do fenómeno organizacional. A sua atenção centra-se sobre a complexidade dos fenómenos do trabalho, não se deixando reduzir a uma aplicação de modelos e métodos, com origem na Psicologia Geral, antes criando quadros de referência próprios. Exemplos desta tendência são algumas das publicações de Drenth et al. (1984) e de Dunette e Hough (1993). PSICOLOGIA DAS ORGANIZAÇÕES 3º Ano | 1º Semestre | Módulo 1: Aula 3: 2709-2017 | Carla Carvalho 4 A Psicologia das Organizações amadureceu e tornou-se um ramo da Psicologia que procurava estudar as organizações e o fenómeno organizacional no seu todo, ou seja como um sistema (estudar o sistema, os seus subsistemas, e as relações entre eles, podendo olhar para os problemas a partir de diversos níveis de análise: individual, grupal e/ou organizacional/global). Neste cenário, novas conceptualizações e novas questões de investigação emergiram no seu seio, apresentando, hoje, contribuições relevantes em vários domínios, nomeadamente, no domínio da Gestão de Recursos Humanos e da Organização do Trabalho. Neste contexto, assistiu-se nesta época à emergência de Modelos Globais assentes nas TEORIAS SISTÉMICAS, com as ABORDAGENS CONTINGENCIAL (Lawrence & Lorsch, 1967) e SOCIOTÉCNICA (com origem no Tavistock Institute, de Londres, 1946) 1 a assumirem relevo e gerando contribuições (e teorias) especificamente relacionadas com o comportamento no trabalho. São disso exemplo a Teoria das Expectativas ou da Expectância, a Teoria Sociotécnica, várias Teorias da Liderança, etc. (Drenth, 1998). Para ilustrar essa conceção de organização como um sistema em que no seu todo e nos seus diferentes níveis a Psicologia das Organizações investiga/intervém, vejamos a figura 1 que nos apresenta O MODELO GENÉRICO DE SISTEMA ABERTO E A ORGANIZAÇÃO COMO SISTEMA ABERTO. Ao longo do tempo, o profissional da seleção de Pessoal - o PSICOTÉCNICO -, passou a ser designado por PSICÓLOGO INDUSTRIAL, PSICÓLOGO DO TRABALHO, PSICÓLOGO DAS ORGANIZAÇÕES OU ORGANIZACIONAL. Esta sucessão de denominações é indicativa de um trajeto cada vez mais abrangente e, ao mesmo tempo, sugere uma MUDANÇA DE NÍVEL DE INTERVENÇÃO. 1 O Instituto Tavistock de Relações Humanas ou TIHR é uma organização britânica sem fins lucrativos preocupada com o estudo do comportamento grupal e do comportamento organizacional em geral. Foi iniciado em 1946, quando se separou da Clínica Tavistock e formalmente estabelecido em setembro de 1947. A revista Human Relations é publicada em nome do Instituto Tavistock pela Sage Publications. O Instituto está localizado na Tabernacl Street, em Islington, em Londres. PSICOLOGIA DAS ORGANIZAÇÕES 3º Ano | 1º Semestre | Módulo 1: Aula 3: 2709-2017 | Carla Carvalho 5 EM PORTUGAL, a formação em Psicologia surgiu relativamente tarde, comparativamente ao contexto europeu e americano. Com efeito, só após a Revolução de Abril de 1974 (período durante o qual existiram movimentos, investimentos, vontades individuais e coletivas no sentido de afirmar a Psicologia), é que se fundaram, em 1977, pelo Decreto-Lei nº 12/77 de 20 de Janeiro, os “Cursos Superiores de Psicologia”, no Porto, em Coimbra e em Lisboa, onde se enunciam três áreas de especialidade com o objetivo de formar psicólogos especialistas: Psicologia Clínica, Psicologia da Educação e Psicologia das Organizações e do Trabalho – que basicamente, após várias décadas, são as mesmas três áreas que a OPP reconhece hoje (cf. DR, 2, Nº 20, de 29 de Janeiro de 2016, artigo 5º, ponto 1, alíneas a) Psicologia clínica e da saúde; b) Psicologia da educação; e c) Psicologia do trabalho, social e das organizações). AS QUESTÕES DA IDENTIDADE E A RELEVÂNCIA DA MULTIDISCIPLINARIDADE Na América: o termo "Psicologia Organizacional" emergiu nos anos 60 como expressão de um desejo de mudança face à visão microscópica do comportamento individual, na situação de trabalho. Schein (1965), Bass (1965), Katz e Hahn (1966) e Pugh (1966) contam- se entre os mais influentes promotores dessa mudança. A afirmação da designação "Psicologia Industrial e Organizacional", usada nos USA, ocorre, no entanto, somente em 1973, no âmbito da "American Psychological Association" e da sua Divisão 14 [uma Divisão existente desde 1945 – data de fundação da APA – e que assumia a designação de Industrial and Business Psychology (até 62) e de Industrial Psychology (entre 62 e 73)] que hoje é representada pela Society of Industrial and Organizational Psychology (SIOP) que, também representa a área da POTRH na “American Psychological Society” (esta de cariz mais científico). Na Europa, no contexto INGLÊS, a designação "Psicologia Ocupacional" ainda subsiste, e em FRANÇA a "Psicologia do Trabalho", a "Psicologia das Organizações" e a "Psicossociologia" também, existindo, contudo, outras diferenças em diferentes países. Por exemplo, em PORTUGAL, durante muito tempo a expressão mais utilizadas eram a Psicologia do Trabalho ou a Psicossociologia das Organizações (designações francófonas), e depois a PSICOLOGIA DAS ORGANIZAÇÕES (designação com origem mais anglo- saxónica). NA DÉCADA DE 80: uma rede de profissionais ligados a esta área e envolvendo diversas Universidades Europeias, a ENOP: European Network of Occupational Psychologists esteve na origem da criação da ASSOCIAÇÃO EUROPEIA DE PSICOLOGIA DO TRABALHO E DAS ORGANIZAÇÕES (EAWOP: European Association of Work and Organizational Psychology), procurando ser um ponto de encontro e de diálogo entre todos, adoptou a expressão "PSICOLOGIA DO TRABALHO E DAS ORGANIZAÇÕES" (WOP), verificando-se atualmente uma tendência cada vez mais acentuada para a designação POTRH: PSICOLOGIA DO TRABALHO, DAS ORGANIZAÇÕES E DOS RECURSOS HUMANOS (WOP-P). A utilização de diferentes denominações que remetem para o mesmo objeto de estudo: as organizações e o comportamento nas/das Organizações além de se associar ao contexto linguístico (anglo-saxónico e francês) e continental (europeu e americano) revela, também, um dos problemas que mais parece afetar a Psicologia Organizacional (e que é detectável quando se comparam títulos e conteúdos) que se relaciona com a sua IDENTIDADE e as suas relações com áreas afins. PSICOLOGIA DAS ORGANIZAÇÕES 3º Ano | 1º Semestre | Módulo 1: Aula 3: 2709-2017 | Carla Carvalho 6 O problema ou “crise” de IDENTIDADE e a sua gestão estão expressos nos diferentes títulos utilizados em manuais e revisões da literatura publicados neste domínio. Várias designações, que traduzem diferentes "estratégias de apresentação", podem ser encontradas para a mesma área de conhecimento e de intervenção. Exemplo disso são os termos que seguidamente apresentamos: Organizational Psycholgy (Schein, 1965; Bass, 1965; Kolb, Rubin & McIntyre, 1971; Gardner, 1976; Nicholson & Wall, 1982); Industrial and Organizational Psycholgy (Dunette, 1976; Cooper & Robertson, 1986); Industrial Social Psycholgy (Vroom, 1969); Social Psycholgy of Organizations (Katz & Kahn, 1966); Social Psycholgyof Organizing (Weick, 1978); Social Psycholgy of Work Organization (Tannembaum, 1966); Organizational Behavior (Luthans, 1973, 1989; Mitchell, 1979; Cummings, 1980); Work Organization (Dubin, 1976); Psychologie Industrielle (Jardillier, 1965); Psychologie des Organisations (Lévy- Leboyer, 1974); Psychosociologie des Organisations (Petit, 1979, 1986); Psychologie du Travail (Leplat & Cuny, 1977; Lévy-Leboyer & Sperandio, 1987). As acima mencionadas diferentes denominações utilizadas (e que não são indiferentes nem equivalentes) para referir esta área, assim como as diferentes orientações teóricas e metodológicas que no seu interior coexistem, têm muito que ver com as seguintes (possíveis) razões: a) o facto de na referida área serem adotados diferentes níveis de análise; b) de os conhecimentos nela (área) produzidos terem como objeto diferentes contextos organizacionais; c) mas sobretudo assentam muito no facto de o conhecimento e da intervenção receber contribuições de diferentes disciplinas; d) e estar na origem de diferentes identidades e carreiras profissionais. Como sustenta Pfeffer (1985), o domínio organizacional corresponde ao estudo interdisciplinar dos diferentes aspectos ou dimensões do comportamento nas e das organizações, incorpora conhecimentos provenientes da psicologia, da sociologia, da antropologia, da economia e da ciência política e trata como unidade de análise, quer a ação individual, no contexto organizacional, quer os grupos, os departamentos, as divisões ou a organização globalmente considerada, quer conjuntos ou populações de organizações, quer ainda as relações destas entre si, bem como relações que estabelecem com o estado ou a sociedade (diversos stakeholders). O estudo das organizações ocorre em escolas de psicologia, sociologia, antropologia, economia ou ciência política, assim como em escolas de gestão (business schools), que podem ter por finalidade a gestão empresarial, hospitalar, escolar, da administração pública, etc. Não entra apenas no curriculum dos psicólogos; cada vez mais vai fazendo parte integrante da formação de outros profissionais, designadamente dos gestores, engenheiros, assistentes sociais, etc. Tal explica as suas questões de identidade, tanto mais que os vários saberes disciplinares entre si mantêm relações nem sempre pacíficas, sendo as relações de vizinhança mais marcadas pela competição do que pela cooperação (Nicholson & Wall, 1982; Shimmin, 1982; Drenth et al., 1998). PSICOLOGIA DAS ORGANIZAÇÕES 3º Ano | 1º Semestre | Módulo 1: Aula 3: 2709-2017 | Carla Carvalho 7 Mas deste facto resulta igualmente a importância da POTRH e seus profissionais necessitarem de compreender a relevância dos contributos de outras áreas. Neste contexto, as "ciências da organização" (Davous & Mélèse, 1986), onde a POTRH se insere, devem ser entendidas como um empreendimento multidisciplinar ou uma tarefa transdisciplinar, sendo, por isso, desejável que, na reconstituição do pensamento científico sobre as organizações, sejam salientadas as principais contribuições das diferentes disciplinas, bem como os modelos mais marcantes do pensamento organizacional (Reed, 1993). Mais do que a atribuição de níveis de análise e de intervenção a disciplinas e mais do que a especificação do objeto de que se ocupam, da designação que adoptam ou do que a delimitação do território que ocupam, do nosso ponto de vista, o que importa reafirmar e assumir por inteiro é que as organizações constituem um domínio multidisciplinar ou transdisciplinar e que nele a Psicologia do Trabalho e das Organizações (para adoptar a terminologia europeia da especialidade) ocupa um lugar de relevo. POTRH: PSICOLOGIA APLICADA OU ÁREA DISCIPLINAR AUTÓNOMA? Não obstante esta evolução apontar no sentido de que a POT amadureceu e se tornou um ramo da Psicologia que estuda o fenómeno comportamental no campo do trabalho e organizações, permanece alguma polémica quanto à sua natureza: trata-se de Psicologia Aplicada ou de um campo científico com autonomia, tanto mais que muitos dos fenómenos listados e muitos dos temas escapam à psicologia geral? A verdade é que, tradicionalmente, de acordo com Roe (1994) a POTRH tem continuado a ser vista como um campo da Psicologia Aplicada, embora a partir de dois pontos de vista algo distintos: 1. POT como um campo da Psicologia aplicada no sentido de Anastasi (1964): o que os psicólogos fazem no seu trabalho quotidiano (ligada aos "práticos" que consideram a POT como uma mera coleção de factos, dados, técnicas e rótulos que podem ser usados para resolver problemas de pessoas nas organizações. Por outras palavras: um conjunto de conhecimentos práticos e métodos sem uma estrutura e sem uma base teórica subjacente - POT como somente "profissão psicológica". 2. POT como a aplicação aos problemas do trabalho da produção de conhecimento oriunda da Psicologia Geral: esta visão define a POT como Psicologia Aplicada definindo psicologia como a procura de conhecimento geral sobre o comportamento humano e considera que se produziu um corpo de conhecimentos válido para uma grande variedade de pessoas e condições. A sua assunção é que este conhecimento, "vertido" para jornais científicos e livros pode ser usado e aplicado quando alguém o desejar. Ambas as perspetivas se referem, com efeito, à POTRH como Psicologia Aplicada mas diferem no se ponto focal (investigação aplicada vs trabalho aplicado): - A primeira concentra-se nos produtos da investigação psicológica e no seu valor prático e ignora o caráter científico da POT e as suas conexões com a Psicologia Geral; implicitamente aceita o isolamento do campo profissional como se ele não tivesse uma base científica nem uma oportunidade real de aproveitar da ciência e para a ciência. PSICOLOGIA DAS ORGANIZAÇÕES 3º Ano | 1º Semestre | Módulo 1: Aula 3: 2709-2017 | Carla Carvalho 8 - A segunda focalizando a Psicologia Geral, ignora as peculiaridades da organização e do trabalho e coloca o profissional numa posição marginal. Ela separa a ciência psicológica do mundo do trabalho e deixa a aplicação e a chamada investigação aplicada para pessoas com interesses práticos o que supostamente não pode contribuir para a psicologia como ciência. Ainda que estas duas perspetivas possam ter algo de correcto, Roe (1994), considera que o desenvolvimento das últimas décadas abriu novas perspectivas para a emergência de uma TERCEIRA PERSPECTIVA, correspondente a uma segunda concepção sobre a natureza da POTRH e que parece mais proveitosa, quer ao nível do conhecimento teórico, quer da aplicação prática: POTRH como um campo/área/disciplina básica/autónoma não passível de reduzir à Psicologia (Geral) Aplicada. Parece, com efeito, existirem razões suficientes para afirmar que a POTRH deixou o estágio de ser somente uma ciência aplicada para passar a ser uma disciplina básica, complementar com outras disciplinas básicas em psicologia (contém já um corpo de conhecimentos, conceitos, modelos e teorias bem como métodos e dados empíricos). Em primeiro lugar o fenómeno estudado pela POTRH é mais específico que o da Psicologia Geral. A Psicologia das Organizações e do Trabalho evoluiu e amadureceu, deu origem a novas conceptualizações e novas questões de investigação emergiram no seu seio, apresentando, hoje, contribuições relevantes no domínio específico da gestão de recursos humanos e da organização do trabalho (por exemplo, o conflito organizacional é mais específico que o conflito em geral). Claro que a POTRH pode e deve articular-se com a Psicologia Geral mas muitas das problemáticas do campo da POTRH não estão simplesmente ligadas aos seus conceitos e teorias. A POTRH em adição a algumas teorias que utiliza da Psicologia Geral (Teorias daAtribuição, da Aprendizagem Social, Teoria do comportamento de decisão,..) desenvolveu várias teorias especificamente relacionadas com o comportamento no trabalho (Teoria das Expectativas, Várias teorias da liderança, Teoria Sociotécnica,..) (Drenth, 1998). Em segundo lugar porque, em comparação com a Psicologia Geral (em que se inclui a Psicologia Social, da Personalidade e do Desenvolvimento) existem algumas diferenças importantes no objeto de estudo: - A PRIMEIRA DIFERENÇA é que a POTRH ao concentrar o seu estudo num fenómeno relativamente complexo considera que as unidades que estuda constituem um todo. Essas unidades não podem ser partidas em elementos pequenos como a Psicologia Geral tem tendência a fazer, sem perder de vista as inter-relações de cada elemento. - A SEGUNDA DIFERENÇA é que muitos dos fenómenos estudados e com importância chave em POTRH são temas que escapam à psicologia geral. Claro que a POTRH pode e deve articular-se com a Psicologia Geral mas muitas das problemáticas do campo da POTRH não estão simplesmente ligadas aos seus conceitos e teorias. Em terceiro lugar, comparada com a Psicologia Geral, a POTRH tem uma muito maior tendência para ter em conta os fatores contextuais. Quanto mais complexo e específico é o fenómeno a estudar maior é a probabilidade de ele estar dependente de fatores de contexto. PSICOLOGIA DAS ORGANIZAÇÕES 3º Ano | 1º Semestre | Módulo 1: Aula 3: 2709-2017 | Carla Carvalho 9 Muitos estudos em POTRH mostraram a influência do que chamamos por "fatores de contingência" que determinam as relações entre as variáveis em estudo. Com efeito, muitos dos fenómenos que a POTRH estuda parecem em algum grau dependentes do tipo de indústria, da economia, cultura, factores demográficos, etc.. Isto explica porque a POTRH tem múltiplas ligações com outras disciplinas nas quais estes fatores são centrais e como ela pode fazer parte de uma ciência interdisciplinar do Trabalho e das Organizações. Não são somente os Psicólogos (Organizacionais e outros) que fornecem conhecimentos a este campo pois ela utiliza conhecimentos de outras áreas tais como a gestão, economia, comunicação, sociologia,etc. Quando se aborda uma problemática nas organizações, um Psicólogo Organizacional precisa de compreender a relevância dos contributos de outras áreas. Em quarto lugar porque, embora de acordo com Smither (1988) uma importante característica da Psicologia Organizacional é o facto de se tratar de uma ciência aplicada - isto é, a investigação é efetuada com o propósito de ser usada na vida real, para Roe (1994) a observação mostra que uma parte considerável da investigação em POTRH não é já conduzida diretamente pelos problemas da vida organizacional conduzindo à aplicação de conhecimentos da Psicologia Geral mas pelos interesses dos investigadores, característica das disciplinas básicas (esta conclusão é suportada por Drenth, 1993). É importante salientar que ambos os aspetos - a teoria e a sua aplicação - são instrumento fundamental na Psicologia Organizacional. QUE IMPLICAÇÕES TEM ESTA VISÃO DA POTRH PARA A TEORIA E PARA A PRÁTICA E PARA AS RELAÇÕES ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA PROFISSIONAL? É incorrecto sugerir que a POTRH se tornou uma ciência básica sem interesse em resolver problemas no terreno. Como resultado de décadas de investigação em psicologia aplicada POTRH compreende também um vasto leque de métodos, técnicas e instrumentos quer para diagnóstico quer para intervenção (e.g., Análise e descrição de funções, qualificação de funções, Desenho de Tarefas, Avaliação de Desempenho, Enriquecimento de tarefas, Desenvolvimento Organizacional, Team-Building…) PARA ROE (1994) ESTA VISÃO APROXIMA E ARTICULA DE FORMA MAIS ADEQUADA A TEORIA E A PRÁTICA. DO PONTO DE VISTA TEÓRICO: Em Primeiro lugar, o seu conhecimento teórico é mais completo (porque mais específico e mais exaustivamente estudado) que o da Psicologia Geral. Em segundo lugar, a sua especificidade (menor nível de abstração) conduz a lidar com as complexidades dos problemas da vida real muito melhor do que a Psicologia Geral e faz com que o conhecimento produzido seja mais importante para os problemas em estudo. DO PONTO DE VISTA PRÁTICO/TECNOLÓGICO (métodos e instrumentos): Ainda que muitos métodos e instrumentos tenham resultado de décadas de investigação em psicologia aplicada e de campos como a psicometria, tecnologia educacional, ciências de gestão os especialistas em POTRH desenvolvem tecnologia (quer para diagnóstico quer para intervenção) adequada à real necessidade do campo do trabalho e das organizações, a partir de modelos e teorias específicas. PSICOLOGIA DAS ORGANIZAÇÕES 3º Ano | 1º Semestre | Módulo 1: Aula 3: 2709-2017 | Carla Carvalho 10 DO PONTO DE VISTA DE ARTICULAÇÃO DOS DOIS DOMÍNIOS: Uma grande vantagem para o Psicólogo profissional em POTRH é que o trabalho teórico em comportamento nas organizações se tornou mais congruente com o trabalho técnico. Quanto mais se focar a investigação do fenómeno comportamental no campo do trabalho e da organização mais se permite avançar no conhecimento e adicionar desenvolvimento tecnológico, aproximando a teoria da prática. O desenvolvimento interactivo quer teórico específico quer da tecnologia e da aplicação de métodos confronta o profissional com a oportunidade e a necessidade de levar o seu desempenho para níveis mais elevados, permite maior domínio e certeza na sua intervenção aumentando a autonomia, o poder, o estatuto e a satisfação. Implicações também na perspetiva acerca do que é o Profissional da Psicologia das Organizações (no terreno e na investigação) – Scientist-Practictioner. Muitos Psicólogos POTRH descrevem-se como "scientist-practitioner": ao mesmo tempo que procuram resolver problemas relacionados com o funcionamento individual, grupal e organizacional testam hipóteses e recolhem dados que permitem à ciência avançar. As actividades quotidianas de alguns psicólogos (Organizacionais) colocam maior ênfase na área "científica" embora outras actividades enfatizem o aspecto "prático". Mais do que qualquer outra área da Psicologia, a POTRH é caracterizada por uma constante interação entre teoria e aplicação - ou abordagens científica e prática. Este aspecto é fundamental ser compreendido e integrado a despeito de alguns investigadores quererem somente ser cientificamente rigorosos e alguns práticos quererem somente aplicações imediatas (prática).
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