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CURSO BACHARELADO EM ENFERMAGEM SIMONE MONTEIRO BENATHAR CITOESQUELETO BELÉM - PARÁ 2018 SIMONE MONTEIRO BENATHAR CITOESQUELETO Trabalho de Pesquisa de Curso de graduação, apresentado à disciplina Citologia e Histologia, do curso de Enfermagem da Escola Superior da Amazônia – ESAMAZ, como requisito parcial de avaliação. Orientadora: Prof ª. Esp. Elizângela Fonseca de Mendonça BELÉM - PARÁ 2018 SIMONE MONTEIRO BENATHAR CITOESQUELETO Trabalho de Pesquisa de Curso de graduação, apresentado à disciplina Citologia e Histologia, do curso de Enfermagem da Escola Superior da Amazônia – ESAMAZ, como requisito parcial de avaliação. Belém, ....... / ....... / ....... EXAMINADORA _____________________________________ Prof ª. Esp. Elizângela Fonseca de Mendonça BELÉM - PARÁ 2018 RESUMO O citoplasma das células eucarióticas é organizado espacialmente em uma rede de proteínas filamentosas conhecida como citoesqueleto. Essa rede contém três tipos principais de filamentos: filamentos de actina, microtúbulos e filamentos intermediários. Todos esses três tipos de filamentos se organizam em arranjos helicoidais a partir de subunidades que se autoassociam usando uma combinação de contatos proteicos extremidade-extremidade e laterais- laterais. As diferenças na estrutura das subunidades e na maneira pela qual elas se autoassociam conferem aos diferentes filamentos propriedades mecânicas diversas. A dissociação e associação das subunidades remodelam constantemente todos os três tipos de filamentos do citoesqueleto. A actina e a tubulina (as subunidades dos filamentos de actina e dos microtúbulos, respectivamente) ligam e hidrolisam nucleosídeos trifosfato (ATP e GTP respectivamente) e se organizam cabeça-cauda formando filamentos polarizados capazes de gerar força. Em células vivas, as proteínas acessórias modulam a dinâmica e a organização dos filamentos do citoesqueleto, resultando em eventos complexos como a divisão ou a migração celular, e dando origem a uma elaborada arquitetura celular para a formação de tecidos polarizados como os epitélios. A actina é uma proteína do citoesqueleto altamente conservada que está presente em altas concentrações em quase todas as células eucarióticas, cuja, a dinâmica dos filamentos de actina é regulada a cada etapa, e as diversas formas e funções da actina dependem de um repertório versátil de proteínas acessórias. A indução da polimerização dos filamentos de actina na sua superfície permite que patógenos intracelulares sequestrem o citoesqueleto da célula hospedeira, utilizando-o para movimentar-se dentro da célula. Quanto aos microtúbulos, que são polímeros rígidos de moléculas de tubulina, eles se organizam pela adição de subunidades de tubulina ligadas a GTP à extremidade livre de outro, com uma extremidade mas (+) crescendo, dessa forma, mais rapidamente do que a outra. Os centros organizadores desses polímeros, como os centrossomos, protegem as extremidades menos (-) dos microtúbulos e continuamente promovem a nucleação da formação de novos microtúbulos. A cinesina usa, assim como a dineína, a energia da hidrólise de ATP para se mover unidirecionalmente sobre os microtúbulos. O motor de dineína move-se em direção à extremidade menos (-) dos microtúbulos, e seu deslizamento nos microtúbulos axonemais é responsável pela batida dos cílios e dos flagelos. Os cílios primários são órgãos sensoriais não móveis encontrados em muitos tipos de células. Apesar de a tubulina e a actina serem altamente conservadas em termos evolutivos, as proteínas dos filamentos intermediários são muito diversas. Existe uma grande variedade de formas tecido-específicas de filamentos intermediários no citoplasma de células animais, entre elas os filamentos de queratina das células epiteliais, os neurofilamentos das células nervosas e os filamentos de desmina das células musculares. A principal função desses filamentos consiste em proporcionar resistência mecânica. As septinas compreendem um sistema adicional de filamentos que organiza os compartimentos no interior das células. A contração muscular é estimulada pelo cálcio, que provoca o movimento da proteína tropomiosina associada ao filamento de actina, revelando sítios de ligação à miosina e permitindo que os filamentos deslizem uns sobre os outros. O músculo liso e as células não musculares possuem feixes contráteis de actina e miosina menos organizados, que são regulados por fosforilação da cadeia leve da miosina. A miosina V transporta cargas se deslocando sobre os filamentos de actina. Palavras chaves: Citoesqueleto, Forma da célula, Organização geral do citoplasma, Movimentação das células. ABSTRACT The cytoplasm of eukaryotic cells is spatially organized in a network of filamentous proteins known as the cytoskeleton. This network contains three main types of filaments: actin filaments, microtubules and intermediate filaments. All three types of filaments are arranged in helical arrangements from self-associating subunits using a combination of end-to-end and side-to-side protein contacts. Differences in the structure of the subunits and in the manner in which they are self-associating give different filaments different mechanical properties. The dissociation and association of the subunits constantly reshape all three types of filaments of the cytoskeleton. Actin and tubulin (the subunits of actin filaments and microtubules, respectively) bind and hydrolyse nucleoside triphosphates (ATP and GTP respectively) and organize head-tail into polarized filaments capable of generating force. In living cells, accessory proteins modulate the dynamics and organization of cytoskeletal filaments, resulting in complex events such as cell division or migration, and giving rise to elaborate cellular architecture for the formation of polarized tissues such as epithelia. Actin is a highly conserved cytoskeletal protein that is present in high concentrations in almost all eukaryotic cells, whose dynamics of actin filaments is regulated at each step, and the various forms and functions of actin depend on a versatile repertoire of accessory proteins. Induction of the polymerization of actin filaments on its surface allows intracellular pathogens to sequestrate the host cell cytoskeleton by using it to move within the cell. As for microtubules, which are rigid polymers of tubulin molecules, they are organized by the addition of tubulin subunits bound to GTP to the free end of another, with one but (+) end growing in this way faster than the other. The organizing centers of these polymers, such as centrosomes, protect the minus (-) ends of the microtubules and continually promote the nucleation of the formation of new microtubules. Kinesin uses, like dynein, the ATP hydrolysis energy to move unidirectionally over the microtubules. The dynein motor moves toward the minus (-) end of the microtubules, and its slip in the axoneal microtubules is responsible for the striking of the cilia and flagella. Primary eyelashes are non-mobile sensory organs found in many types of cells. Although tubulin and actinare highly conserved in evolutionary terms, the proteins of the intermediate filaments are very diverse. There is a wide variety of tissue-specific forms of intermediate filaments in the cytoplasm of animal cells, among them keratin filaments of epithelial cells, neurofilaments of nerve cells and desmin filaments of muscle cells. The main function of these filaments is to provide mechanical strength. The septins comprise an additional filament system which organizes the compartments within the cells. Muscle contraction is stimulated by calcium, which causes the movement of the tropomyosin protein associated with the actin filament, revealing myosin binding sites and allowing the filaments to slide over each other. Smooth muscle and non-muscle cells have less organized contractile beams of actin and myosin, which are regulated by phosphorylation of the myosin light chain. Myosin V carries charges moving on the actin filaments. Keywords:, Cytoskeleton, Cell shape, General organization of the cytoplasm, Cell movement. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 11 2 FUNÇÃO E ORIGEM DO CITOESQUELETO 12 2.1 Filamentos do citoesqueleto adaptam-se para formar estruturas estáveis ou dinâmicas 13 2.2 O citoesqueleto determina a organização e a polaridade celular 17 2.3 Filamentos são polimerizados a partir de subunidades proteicas que lhes conferem propriedades físicas e dinâmicas específicas 19 2.4 Proteínas acessórias e motoras regulam os filamentos do citoesqueleto 22 2.5 A organização e a divisão da célula bacteriana dependem de proteínas homólogas às proteínas do citoesqueleto eucarióticas 24 3. ACTINA E PROTEÍNAS DE LIGAÇÃO À ACTINA 28 3.1 Subunidades de actina se associam em um arranjo tipo cabeça-cauda para criar filamentos polares flexíveis 28 3.2 A nucleação é a etapa limitante na formação dos filamentos de actina 30 3.3 Os filamentos de actina possuem duas extremidades distintas com diferentes taxas de crescimento 33 3.4 A hidrólise de ATP nos filamentos de actina induz o comportamento de rolamento em estado estacionário 35 3.5 As funções dos filamentos de actina são inibidas por químicos tanto estabilizadores quanto desestabilizadores do polímero 37 3.6 Proteínas de ligação à actina influenciam a dinâmica e a organização dos filamentos 37 3.7 A disponibilidade de monômeros controla a polimerização dos filamentos de actina 39 3.8 Fatores de nucleação de actina aceleram a polimerização e geram filamentos lineares ou ramificados 40 3.9 Proteínas de ligação ao filamento de actina alteram a dinâmica do filamento 43 3.10 Proteínas de clivagem regulam a despolimerização do filamento de actina 45 3.11 Arranjos de filamentos de actina de alta complexidade influenciam as propriedades mecânicas celulares e a sinalização 47 4 MICROTÚBULOS 48 4.1 Os microtúbulos são tubos ocos compostos a partir de protofilamentos 49 4.2 Microtúbulos sofrem instabilidade dinâmica 51 4.3 As funções dos microtúbulos são inibidas por fármacos estabilizadores e desestabilizadores dos polímeros 54 4.4 Um complexo proteico contendo ɣ-tubulina promove a nucleação dos microtúbulos 55 4.5 Os microtúbulos irradiam a partir do centrossomo nas células animais 56 4.6 Dois tipos de proteínas motoras movem-se sobre os microtúbulos 59 4.7 Microtúbulos e motores movem organelas e vesículas 63 4.8 Cílios e flagelos motrizes são compostos por microtúbulos e dineínas 67 4.9 Os cílios primários desempenham funções importantes de sinalização nas células animais 70 5 FILAMENTOS INTERMEDIÁRIOS E SEPTINAS 72 5.1 A estrutura dos filamentos intermediários depende do empacotamento lateral e do enrolamento da super-hélice 73 5.2 Filamentos intermediários conferem estabilidade mecânica às células animais 75 5.3 Proteínas de ligação conectam os filamentos do citoesqueleto e o envelope nuclear 79 5.4 Septinas formam filamentos que regulam a polaridade celular 80 6 PROTEINAS CONTRÁTEIS: MIOSINA E ACTINA 82 6.1 Proteínas motoras baseadas em actina são membros da superfamília da miosina 83 6.2 A miosina gera força pelo acoplamento da hidrólise de ATP a alterações conformacionais 85 6.3 O deslizamento da miosina II ao longo dos filamentos de actina provoca a contração muscular 87 6.4 A contração muscular é iniciada por uma súbita elevação da concentração citosólica de Ca2+ 91 6.5 O músculo cardíaco é uma delicada peça de engenharia 96 6.6 A actina e a miosina desempenham uma série de funções em células não musculares 97 7 CONCLUSÃO 101 8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 103 9 SITES CONSULTADOS 104 11 1 INTRODUÇÃOAs células são as unidades funcionais e estruturais dos seres vivos. Apesar da grande variedade de animais, plantas, fungos, protistas e bactérias, existem somente dois tipos básicos de células: as procariontes e as eucariontes (JUNQUEIRA, 2013). Entretanto, para que elas funcionem de forma adequada, é necessário que estejam organizadas no espaço e interajam mecanicamente uma com a outra e com o ambiente ao seu redor, além de apresentar uma conformação correta, ser fisicamente robustas e estar estruturadas de forma adequada internamente. Segundo Bruce (2017), elas também devem ser capazes de modificar sua forma e migrar para outros locais. Além disso, toda célula deve ser capaz de reorganizar seus componentes internos como decorrência dos processos de crescimento, divisão e/ou adaptação a mudanças no ambiente. Essas funções espaciais e mecânicas dependem de um incrível sistema de filamentos chamado citoesqueleto (Figura 01). O citoesqueleto é uma rede complexa de microtúbulos, filamentos de actina (microfilamentos) e filamentos intermediários. Essas proteínas estruturais influem na forma das células e, junto com as proteínas motoras, possibilitam os movimentos de organelas e vesículas citoplasmáticas. O citoesqueleto é responsável também pela contração celular e pela movimentação da célula inteira, como no movimento ameboide (JUNQUEIRA, 2013). Cada tipo de filamento possui funções biológicas, propriedades mecânicas e dinâmicas distintas; no entanto certas características fundamentais são comuns a todos eles. Da mesma forma que necessitamos da ação conjunta de nossos tendões, ossos e músculos, os três sistemas de filamentos do citoesqueleto devem atuar coletivamente para fornecer a uma determinada célula sua resistência, forma e capacidade de locomoção (BRUCE, 2017). Neste estudo, descrevemos a função e a conservação dos três principais sistemas de filamentos. Vamos explicar os princípios básicos subjacentes à associação e dissociação dos filamentos, e como outras proteínas interagem com os filamentos alterando a sua dinâmica, permitindo que a célula estabeleça e mantenha sua organização interna, para dar forma e remodelar a sua superfície e para mover 12 organelas de forma controlada de um lugar para outro. Finalmente, discutiremos como a integração e a regulação do citoesqueleto permite que uma célula mova-se para outros locais. 2 FUNÇÃO E ORIGEM DO CITOESQUELETO Os três principais filamentos do citoesqueleto são responsáveis por diferentes aspectos da organização espacial e propriedades mecânicas da célula. Os filamentos de actina determinam a forma da superfície da célula e são necessários para a locomoção das células como um todo; eles também conduzem a divisão de uma célula em duas. Os microtúbulos determinam o posicionamento das organelas delimitadas por membrana, promovem o transporte intracelular e formam o fuso mitótico que segrega os cromossomos durante a divisão celular. Os filamentos intermediários proporcionam resistência mecânica (Figura 02). Todos esses filamentos do citoesqueleto interagem com centenas de proteínas acessórias que regulam e ligam os filamentos uns aos outros e a outros componentes da célula. As proteínas acessórias são essenciais para a polimerização controlada dos filamentos do citoesqueleto em locais específicos, e incluem as proteínas motoras, incríveis máquinas moleculares que convertem a energia da hidrólise de ATP em força mecânica e que podem mover organelas ao longo dos filamentos ou mover os próprios filamentos (BRUCE, 2017). Figura 01 O citoesqueleto. (A) Uma célula em cultura foi fixada e marcada para mostrar seus arranjos citoplasmáticos de microtúbulos (verde) e de filamentos de actina (vermelho). (B) Esta célula em divisão foi marcada para mostrar seus microtúbulos do fuso (verde) e a rede de filamentos intermediários (vermelho). O DNA de ambas as células está marcado em azul. (A, cortesia de Albert Tousson; B, cortesia de Conly Rieder.). 13 Figura 02 O citoesqueleto. (A) Citoesqueleto no citoplasma. (B) Representação da estrutura do citoesqueleto. (C) Imagem Citoesqueleto Copyright © 2001 by Harcout, Inc. All reserved. Nesta seção, discutiremos as características gerais das proteínas que formam os filamentos do citoesqueleto. Focaremos na sua capacidade para formar estruturas intrinsecamente polarizadas e auto-organizadas que são altamente dinâmicas, permitindo que a célula modifique rapidamente a estrutura e a função do citoesqueleto sob diferentes condições. 2.1 Filamentos do citoesqueleto adaptam-se para formar estruturas estáveis ou dinâmicas Os sistemas do citoesqueleto são dinâmicos e adaptáveis, organizados de tal forma que podem ser melhor comparados a uma trilha de formigas do que a uma grande via expressa. Uma trilha de formigas pode persistir por várias horas do ninho até um delicioso local de piquenique, mas, considerando-se uma única formiga nessa trilha, teremos certamente que afirmar que ela não se encontra estática. Se as formigas de reconhecimento encontrarem uma nova e melhor fonte de alimento, ou se os turistas limparem o local e terminarem seu piquenique, a estrutura dinâmica adaptar-se-á a uma velocidade estonteante. De modo semelhante, grandes (A) (B) (C) 14 estruturas citoesqueléticas podem persistir ou sofrer modificações de acordo com as necessidades, podendo apresentar uma duração que varia de menos de um minuto ao período total de vida da célula. No entanto, os componentes macromoleculares individuais que compõem estas estruturas encontram-se sob um fluxo constante. Assim, da mesma forma que ocorre quando existe uma alteração na trilha das formigas, o rearranjo estrutural em uma célula requer uma quantidade de energia extra relativamente pequena quando as condições sofrem alteração. A regulação do comportamento dinâmico e a polimerização dos filamentos do citoesqueleto permitem que a célula eucariótica construa uma enorme variedade de estruturas a partir dos três sistemas básicos de filamentos. As fotomicrografias do Painel 01 ilustram algumas dessas estruturas. Os filamentos de actina revestem a face interna da membrana plasmática de células animais, conferindo resistência e forma a essa fina bicapa lipídica. Eles também formam diversos tipos de projeções na superfície das células. Algumas dessas são estruturas dinâmicas, como os lamelipódios e os filopódios que as células usam para explorar o território e para se movimentarem. Arranjos mais estáveis permitem que as células fiquem aderidas a um substrato subjacente e permitem a contração dos músculos. Os feixes regulares do estereocílio na superfície de células do ouvido interno contêm feixes de filamentos de actina que vibram como hastes rígidas em resposta ao som, e as microvilosidades, organizadas de modo semelhante na superfície de células epiteliais intestinais, ampliam enormemente a área de superfície apical para aumentar a absorção de nutrientes. Em plantas, filamentos de actina promovem a rápida corrente de citoplasma no interior das células. Os microtúbulos, que são frequentemente encontrados em arranjos citoplasmáticos que se estendem para a periferia da célula, podem rapidamente reorganizar-se para formar um fuso mitótico bipolar durante a divisão celular. Eles podem também formar cílios, que funcionam como chicotes de impulsão ou dispositivos sensoriais na superfície das células, ou feixes firmemente alinhados que servem como pistas para o transporte de materiais sobre longos axônios neuronais. Em células vegetais, arranjos organizadosde microtúbulos ajudam a controlar o padrão da síntese da parede celular e, em muitos protozoários, eles formam a estrutura sobre a qual é construída toda a célula. 15 Os filamentos intermediários revestem a face interna do envelope nuclear, formando uma espécie de gaiola protetora para o DNA da célula; no citosol, esses filamentos são trançados sob a forma de fortes cabos que mantêm as camadas das células epiteliais unidas ou que auxiliam a extensão dos longos e fortes axônios das células neuronais. Eles também permitem a formação de determinados apêndices resistentes, como os pelos e as unhas. Painel 01 Os filamentos de actina, os microtúbulos e os filamentos intermediários 16 Um importante e dramático exemplo da rápida reorganização do citoesqueleto ocorre durante a divisão celular, como ilustrado na Figura 03, que mostra o crescimento de um fibroblasto em uma placa de cultura. Após a replicação dos cromossomos, o arranjo de microtúbulos da interfase que se espalha por todo o citoplasma é reconfigurado para formar o fuso mitótico bipolar, que segrega as duas cópias de cada cromossomo cada uma para um dos núcleos das células-filhas. Ao mesmo tempo, as estruturas especializadas de actina que permitem que o fibroblasto rasteje sobre a superfície da placa se reorganizam para que a célula pare de se mover e assuma uma forma mais esférica. A actina e sua proteína motora associada, miosina, formam uma faixa em torno da região central da célula, o anel contrátil, que sofre constrição como se fosse um minúsculo músculo e separa a célula em duas. Quando a divisão está completa, os citoesqueletos dos dois fibroblastos-filhos se organizam em estruturas de interfase e convertem as duas células-filhas arredondadas em versões menores da célula-mãe, achatadas e com capacidade de deslizamento. Diversas células requerem rápidos rearranjos para que funcionem mesmo durante o período de interfase. Por exemplo, os neutrófilos, um tipo de leucócito, perseguem e englobam células bacterianas e fungos que acidentalmente, por exemplo, através de cortes na pele, têm acesso a locais de nosso organismo que Figura 03 Diagrama das alterações na organização do citoesqueleto associadas à divisão celular. O fibroblasto rastejante representado tem um citoesqueleto dinâmico de actina polarizada (mostrado em vermelho) que reúne lamelipódios e filopódios para deslocar sua borda anterior para a direita. A polarização do citoesqueleto de actina é auxiliada pelos microtúbulos do citoesqueleto (verde), constituído por longos microtúbulos que emanam de um único centro de organização de microtúbulos, localizado na frente do núcleo. Quando a célula se divide, o arranjo polarizado de microtúbulos é reorganizado para a formação de um fuso mitótico bipolar, o qual é responsável pelo alinhamento e pela posterior segregação dos cromossomos duplicados (marrom). Os filamentos de actina formam um anel contrátil no centro da célula que divide a célula em duas após a segregação dos cromossomos. Após a completa divisão da célula, ambas as células-filhas reorganizam seus citoesqueletos de actina e de microtúbulos em versões menores daquelas que se encontravam na célula-mãe, permitindo que estas se arrastem em direções opostas. opostas. 17 normalmente deveriam ser estéreis. Como a maioria das células com locomoção, os neutrófilos avançam através da emissão de estruturas e protrusões, as quais estão repletas de filamentos de actina recentemente sintetizados. Quando uma possível presa bacteriana move-se para uma direção diferente, o neutrófilo é obrigado a reorganizar suas estruturas protrusivas polarizadas em uma questão de segundos (Figura 04). Figura 04: Um neutrófilo perseguindo uma bactéria. Nesta preparação de sangue humano, um agregado de bactérias (seta branca) está prestes a ser capturado por um neutrófilo. Conforme as bactérias se movimentam, o neutrófilo rapidamente reorganiza sua densa rede de actina na sua borda anterior (destacada em vermelho) para se movimentar em direção à bactéria (Animação 16.1). A rápida associação e dissociação do citoesqueleto de actina nesta célula permitem que ela altere a orientação e a direção de seu movimento em um intervalo de poucos minutos. (Obtida de um vídeo registrado por David Rogers). 2.2 O citoesqueleto determina a organização e a polaridade celular Nas células que adquiriram uma morfologia diferenciada e estável, como é o caso dos neurônios ou das células epiteliais maduras, os elementos dinâmicos do citoesqueleto também devem prover estruturas grandes e estáveis para a organização celular. Nas células epiteliais especializadas que revestem orgãos como o intestino e os pulmões, as protrusões da superfície celular formadas pelo citoesqueleto, como as microvilosidades e os cílios, são capazes de manter o posicionamento, o comprimento e o diâmetro constantes ao longo de todo o tempo de vida da célula. No caso dos feixes de actina da região central das microvilosidades de células epiteliais intestinais, esse período se restringe a uns poucos dias. No entanto, feixes de actina da região central dos estereocílios de células do ouvido interno mantêm sua organização estável durante toda a vida do animal, tendo em vista que estas células não sofrem reposição. Não obstante, os filamentos de actina individuais permanecem extremamente dinâmicos e são continuamente remodelados, sendo substituídos a cada 48 horas, mesmo em estruturas de superfície celulares estáveis que persistem por décadas. 18 Além de formar protrusões estáveis na superfície das células especializadas, o citoesqueleto também é responsável pela polarização geral das células, permitindo que elas apresentem diferenças entre suas regiões superiores e inferiores ou anteriores e posteriores. A informação de polaridade em grande escala transmitida pela organização do citoesqueleto é muitas vezes mantida durante toda a vida útil da célula. As células epiteliais polarizadas usam arranjos organizados de microtúbulos, filamentos de actina e filamentos intermediários para manter as diferenças essenciais entre a superfície apical e a superfície basolateral. As células também devem manter uma forte aderência entre si para permitir que esta camada única de células atue de maneira eficiente como barreira física (Figura 05). Figura 05: Organização do citoesqueleto em células epiteliais polarizadas. Todos os componentes do citoesqueleto cooperarem para produzir as formas características de células especializadas, incluindo as células epiteliais que revestem o intestino delgado, aqui ilustradas. Na superfície apical (superior), que se volta para o lúmen do intestino, feixes de filamentos de actina (em vermelho) formam microvilosidades que aumentam a área de superfície celular disponível para a absorção de nutrientes a partir dos alimentos. Abaixo das microvilosidades, uma faixa ao longo da circunferência da célula composta por filamentos de actina é conectada às junções aderentes célula- célula que ancoram as células umas às outras. Os filamentos intermediários (azul) estão ancorados a outros tipos de estruturas adesivas, como desmossomos e hemidesmossomos, que conectam as células epiteliais em uma camada rija e as conectam à matriz extracelular subjacente; estas estruturas são discutidas no Capítulo 19. Os microtúbulos (em verde) projetam-se verticalmente do alto da célula até sua base e fornecem um sistema coordenado geral que permite que a célula distribua componentes recém-sintetizadosaos seus locais adequados. 19 2.3 Filamentos são polimerizados a partir de subunidades proteicas que lhes conferem propriedades físicas e dinâmicas específicas Os filamentos do citoesqueleto podem se estender de uma extremidade da célula a outra, abrangendo dezenas ou mesmo centenas de micrômetros. No entanto, as moléculas individuais das proteínas que formam os filamentos possuem tamanho de apenas alguns nanômetros. A célula constrói os filamentos organizando um grande número dessas subunidades pequenas, como se fossem tijolos na construção de um enorme arranha-céu. Visto que essas subunidades são pequenas, elas podem difundir rapidamente pelo citosol, enquanto os filamentos organizados não podem. Assim, as células podem promover uma reorganização estrutural rápida, pela dissociação de filamentos em uma determinada região e reassociação em uma região bastante afastada. Os filamentos de actina e os microtúbulos são formados por subunidades compactas e globulares – subunidades de actina no caso dos filamentos de actina e subunidades de tubulina no caso dos microtúbulos –, enquanto os filamentos intermediários são formados a partir de subunidades menores que são elas próprias alongadas e fibrilares. Esses três tipos principais de filamentos do citoesqueleto formam arranjos helicoidais de subunidades que se autoassociam através da combinação de contatos proteicos entre extremidades ou lateralmente. As diferenças entre as estruturas destas subunidades e da resistência das forças de atração existente entre elas são as principais responsáveis pelas diferenças marcantes e características de estabilidade e propriedades mecânicas de cada tipo de filamento. Enquanto ligações covalentes entre suas subunidades mantêm coesa a cadeia principal de vários polímeros biológicos – como o DNA, o RNA e as proteínas – são interações não covalentes fracas que mantêm a estrutura dos três tipos de polímeros do citoesqueleto. Consequentemente, sua associação e dissociação podem ocorrer de forma rápida, sem que ligações covalentes sejam formadas ou quebradas. As subunidades dos filamentos de actina e microtúbulos são assimétricas e ligam-se umas às outras em um sistema cabeça-e-cauda, de tal forma que todas apontam para a mesma direção. Essa polaridade das subunidades confere aos filamentos uma polaridade estrutural ao longo de seu comprimento e faz as duas 20 extremidades de cada polímero terem comportamentos diferentes. Além disso, subunidades de actina e tubulina são ambas capazes de catalisar a hidrólise de um nucleosídeo trifosfato – ATP e GTP respectivamente. Como discutiremos adiante, a energia derivada da hidrólise de nucleotídeos permite que os filamentos sofram uma rápida remodelagem. Ao controlar quando e onde a actina e os microtúbulos são organizados, a célula vincula as propriedades polares e dinâmicas destes filamentos à geração de força em uma direção específica, para avançar a borda anterior de uma célula em migração, por exemplo, ou para segregar os cromossomos durante a divisão celular. Em contraste, as subunidades de filamentos intermediários são simétricas e, portanto, não formam filamentos polarizados com duas extremidades diferentes. As subunidades de filamentos intermediários também não catalisam a hidrólise de nucleotídeos. Não obstante, os filamentos intermediários podem se dissociar rapidamente quando necessário. Na mitose, por exemplo, cinases fosforilam as subunidades, levando à sua dissociação. Os filamentos do citoesqueleto nas células vivas não são formados simplesmente encadeando subunidades em fila única, uma atrás da outra. Por exemplo, 1.000 subunidades de tubulina alinhadas extremidade-a-extremidade ocupariam o equivalente ao diâmetro de uma célula eucariótica pequena, mas um filamento formado desta maneira não teria força para evitar a ruptura provocada pela energia térmica do ambiente, a menos que cada subunidade no filamento estivesse firmemente ligada às duas subunidades vizinhas adjacentes. Um sistema que utilizasse fortes associações entre as subunidades adjacentes limitaria a taxa de dissociação do filamento, fazendo o citoesqueleto ser uma estrutura estática e bem menos útil do que na realidade é. Para fornecer tanto força quanto adaptabilidade, os microtúbulos são constituídos por 13 protofilamentos – cadeias lineares de subunidades unidas extremidade-à-extremidade – que se associam umas às outras lateralmente para formar um cilindro oco. A adição ou perda de uma subunidade na extremidade final de um protofilamento forma ou rompe um número pequeno de ligações. Por outro lado, a perda de uma subunidade da região central do filamento requer o rompimento de muito mais ligações, enquanto a ruptura do filamento em dois requer o rompimento de múltiplas ligações dos protofilamentos ao mesmo tempo (Figura 06). A maior energia necessária para romper múltiplas ligações não covalentes simultaneamente permite aos microtúbulos resistir à ruptura térmica, ao 21 mesmo tempo em que permite a rápida adição e dissociação de subunidades nas extremidades do filamento. Os filamentos de actina helicoidais são muito mais finos e, portanto, requerem muito menos energia para serem rompidos. No entanto, múltiplos filamentos de actina muitas vezes estão agrupados em feixes no interior das células, proporcionando resistência mecânica, ao mesmo tempo em que permitem o comportamento dinâmico das extremidades dos filamentos. Figura 06 Estabilidade térmica de filamentos do citoesqueleto com extremidades dinâmicas. Um protofilamento consistindo de uma única fita de subunidades é termicamente instável, uma vez que o rompimento de uma única ligação entre as subunidades é suficiente para quebrar o filamento. Em contraste, a formação de um filamento do citoesqueleto a partir de mais de um protofilamento permite que as extremidades sejam dinâmicas, ao mesmo tempo em que permite que os filamentos sejam resistentes à ruptura térmica. Em um microtúbulo, por exemplo, a remoção de um único dímero de subunidades da extremidade do filamento exige o rompimento de ligações não covalentes entre um máximo de três outras subunidades, ao passo que a quebra do filamento ao meio requer o rompimento das ligações não covalentes em todos os 13 protofilamentos. Como ocorre em outras interações entre proteínas, as subunidades dos filamentos do citoesqueleto são mantidas unidas por um grande número de interações hidrofóbicas e ligações não covalentes. Os locais e tipos de contato entre as subunidades são diferentes para cada tipo de filamento. Os filamentos intermediários, por exemplo, unem-se formando fortes contatos laterais entre a- hélices supertorcidas, que se estendem ao longo do comprimento quase total de cada subunidade fibrosa alongada. Visto que as subunidades individuais são justapostas no filamento, os filamentos intermediários formam estruturas fortes, semelhantes a uma corda (ou cabo) que toleram muito mais estiramento e dobramento do que os microtúbulos ou os filamentos de actina (Figura 07). 22 Figura 07 Flexibilidade e estiramento em um filamento intermediário. Os filamentos intermediários são formados a partir de subunidades fibrosas alongadas com fortes contatos laterais, o que resulta em resistência às forças de estiramento. Quando uma minúscula sonda mecânica é arrastada sobre um filamento intermediário, o filamento é esticado mais de três vezes o seu comprimento antes de se romper, como ilustrado pelos filamentos marcados com fluorescência nestas fotomicrografias. Essa técnica é denominada microscopia de força atômica (ver Figura 9-33). (Adaptadade L. Kreplak et al., J. Mol. Biol. 354:569–577, 2005. Com permissão de Elsevier). 2.4 Proteínas acessórias e motoras regulam os filamentos do citoesqueleto A célula regula o comprimento e a estabilidade dos filamentos do citoesqueleto, regulando também a quantidade e a geometria deles. Esse controle é feito basicamente pela regulação das ligações que ocorrem entre os filamentos e entre os filamentos e outros componentes celulares, de tal maneira que a célula pode formar uma ampla variedade de estruturas macromoleculares. A modificação covalente direta das subunidades do filamento regula algumas propriedades do filamento, mas a maior parte da regulação é realizada por centenas de proteínas acessórias que determinam a distribuição espacial e o comportamento dinâmico dos filamentos, convertendo a informação recebida através de vias de sinalização em ações do citoesqueleto. Essas proteínas acessórias ligam-se aos filamentos ou às suas subunidades para determinar o local de polimerização de novos filamentos, para regular a distribuição das proteínas poliméricas entre as formas filamento ou subunidade, para modificar a cinética da polimerização e da dissociação dos filamentos, para acoplar a energia para gerar força e para ligar os filamentos uns aos outros ou a estruturas celulares, como as organelas ou a membrana plasmática. 23 Nesses processos, as proteínas acessórias mantêm a estrutura do citoesqueleto sob o controle de sinais intra e extracelulares, entre os quais se incluem aqueles que determinam as drásticas transformações que o citoesqueleto sofre durante cada uma das etapas do ciclo celular. Atuando de forma conjunta, as proteínas acessórias permitem que a célula eu-cariótica mantenha uma alta organização mesmo apresentando uma estrutura interna flexível, podendo, inclusive, em muitos casos, locomover-se. Entre as mais fascinantes proteínas que se associam ao citoesqueleto estão as proteínas motoras. Essas proteínas se ligam a um filamento polarizado do citoesqueleto e utilizam a energia derivada de ciclos repetidos de hidrólise de ATP para se deslocarem ao longo do filamento. Dúzias de diferentes proteínas motoras coexistem em cada célula eucariótica. Elas diferem em relação ao tipo de filamento ao qual se ligam (actina ou microtúbulos), à direção para a qual se movem sobre o filamento e em relação à “carga” que transportam. Diversas proteínas motoras transportam organelas delimitadas por membrana – como mitocôndrias, vesículas do aparelho de Golgi ou vesículas secretoras – rumo a suas posições adequadas dentro da célula. Outras proteínas motoras fazem os filamentos do citoesqueleto exercerem tensão ou deslizarem uns sobre os outros, gerando a força necessária para fenômenos como a contração muscular, o batimento de cílios e a divisão celular. As proteínas motoras do citoesqueleto que se movem unidirecionalmente sobre um caminho de polímeros orientados lembram algumas outras proteínas e complexos proteicos discutidos em outros pontos deste livro, como as DNA e RNA- polimerases, as helicases e os ribossomos. Todas essas proteínas apresentam a capacidade de usar energia química para sua propulsão sobre um caminho linear, a direção do deslizamento dependendo da polaridade estrutural do caminho. Todas elas geram movimento pelo acoplamento da hidrólise de nucleosídeos trifosfato a mudanças conformacionais em larga escala. 24 2.5 A organização e a divisão da célula bacteriana dependem de proteínas homólogas às proteínas do citoesqueleto eucarióticas Ao passo que as células eucarióticas geralmente são grandes e morfologicamente complexas, as células de bactérias em geral possuem um tamanho de poucos micrômetros e assumem uma morfologia simples, em forma de esferas ou bastões. As bactérias também não possuem redes elaboradas de organelas intracelulares delimitadas por membrana. Historicamente, os biólogos assumiram que um citoesqueleto não seria necessário em células assim tão simples. Agora sabemos, no entanto, que as bactérias contêm homólogos de todos os três tipos de filamentos do citoesqueleto eucariótico. Além disso, tubulinas e actinas bacterianas são mais diversificadas do que suas versões eucarióticas, tanto nos tipos de arranjos que formam quanto nas funções que desempenham. Quase todas as bactérias e diversas arqueobactérias contém um homólogo da tubulina, denominado FtsZ, que pode polimerizar em filamentos e organizar-se em um anel (denominado anel Z) na região em que é formado o septo, durante a divisão celular (Figura 08). Apesar de o anel Z persistir por muitos minutos, os filamentos individuais dentro dele são altamente dinâmicos, cada filamento apresenta uma meia-vida média de cerca de 30 segundos. Conforme a bactéria procede sua divisão, o anel Z torna-se menor até sua completa dissociação e desaparecimento. Acredita-se que os filamentos FtsZ no anel Z deem origem a uma força de flexão que impulsiona a invaginação da membrana necessária para que a divisão celular se complete. O anel Z pode também atuar como uma região para a localização das enzimas necessárias à construção do septo entre as duas células- filhas. 25 Muitas bactérias também contêm homólogos da actina. Dois desses homólogos, MreB e Mbl, são encontrados principalmente em células de forma cilíndrica ou em forma espiral, onde eles se agrupam para formar regiões dinâmicas que se movem circunferencialmente ao longo do comprimento da célula (Figura 09A). Essas proteínas contribuem para a determinação da forma celular, servindo como um molde que promove a síntese dos peptidoglicanos da parede celular, semelhantemente à forma como os microtúbulos auxiliam a organização da síntese da parede celular de celulose, nas células dos vegetais superiores (ver Figura 19- 65). Como acontece com FtsZ, os filamentos de MreB e Mbl são altamente dinâmicos, com meia-vida de alguns minutos, e a hidrólise de nucleotídeos acompanha o processo de polimerização. As mutações que interrompem a expressão de MreB ou Mbl causam anomalias extremas relativas à forma da célula e defeitos na segregação dos cromossomos (Figura 09B). Figura 08 A proteína bacteriana FtsZ, um homólogo da tubulina em procariotos. (A) Uma faixa de proteína FtsZ forma um anel em uma célula bacteriana em divisão. Este anel foi marcado pela fusão da proteína FtsZ à proteína verde fluorescente (GFP), o que permite a sua observação em células de E. coli vivas com microscópio de fluorescência. (B) Filamentos e círculos FtsZ, formados in vitro, visualizados por microscopia eletrônica (C) Cloroplastos de uma alga vermelha em divisão (vermelho) também se dividem usando um anel de proteína composto por FtsZ (amarelo). (A, de X. Ma, D.W. Ehrhardt e W. Margolin, Proc. Natl Acad. Sci. USA 93:12998–13003, 1996; B, de H.P. Erickson et al., Proc. Natl Acad. Sci. USA 93:519–523, 1996. Ambos com permissão de National Academy of Sciences; C, de S. Miyagishima et al., Plant Cell 13:2257–2268, 2001, com permissão de 1 _m American Society of Plant Biologists.) 26 Figura 09 Homólogos da actina determinam a forma das células em bactérias. (A) A proteína MreB forma diversas regiões compostas por filamentos lineares ou helicoidais curtos, entrelaçados, que são vistos movendo-se em círculos ao longo do comprimento da bactéria e estão associados com os locais de síntese de parede celular. (B) A bactéria comum do solo Bacillus subtilis normalmente forma células com forma regular em bastonete quando visualizada por microscopia eletrônica devarredura (esquerda). Em contraste, células de B. subtilis que não possuem o homólogo de actina MreB ou Mbl crescem sob formas irregulares ou torcidas e acabam por morrer (no centro e à direita). (A, de P. Vats e L. Rothfield, Proc. Natl Acad. Sci. USA 104:17795–17800, 2007. Com permissão de National Academy of Sciences; B, de A. Chastanet e R. Carballido-Lopez, Front. Biosci. 4S:1582–1606, 2012. Com permissão de Frontiers in Bioscience.) As moléculas relacionadas a MreB e Mbl desempenham funções mais especializadas. Um homólogo da actina em bactérias particularmente intrigante é ParM, que é codificado por um gene em certos plasmídeos bacterianos que também contêm genes responsáveis por resistência a antibióticos e levam à disseminação de resistência a múltiplos fármacos em epidemias. Os plasmídeos bacterianos normalmente codificam todos os produtos gênicos necessários à sua própria segregação, presumivelmente como estratégia para garantir sua herança e propagação em hospedeiros bacterianos após a replicação do plasmídeo. ParM se organiza sob a forma de filamentos que, por sua vez, associam-se em cada extremidade com uma cópia do plasmídeo, e o crescimento do filamento ParM empurra as cópias replicadas do plasmídeo separando-as (Figura 10). Essa estrutura semelhante ao fuso aparentemente surge da estabilização seletiva de filamentos que se ligam a proteínas especializadas recrutadas para as origens de replicação dos plasmídeos. Um parente distante da tubulina e do FtsZ, chamado de TubZ, tem uma função similar em outras espécies bacterianas. 27 Figura 10 Papel do homólogo de actina ParM na segregação de plasmídeos em bactérias. (A) Alguns plasmídeos bacterianos de resistência a fármacos (em laranja) codificam um homólogo da actina, ParM, que sofre nucleação espontânea formando pequenos filamentos dinâmicos (em verde) no interior do citoplasma da bactéria. Uma segunda proteína codificada no plasmídeo chamada ParR (em azul) se liga a sequências específicas de DNA sobre o plasmídeo, além de estabilizar as extremidades dinâmicas dos filamentos de ParM. Quando o plasmídeo se duplica, ambas as extremidades dos filamentos ParM tornam-se estabilizadas, e os filamentos de ParM crescentes empurram os plasmídeos duplicados para extremidades opostas da célula. (B) Nestas células bacterianas, que possuem um plasmídeo de resistência a fármacos, os plasmídeos estão corados em vermelho, e a proteína ParM, em verde. À esquerda, um pequeno feixe de filamentos ParM conecta os plasmídeos-filhos logo após sua duplicação. À direita, filamentos ParM totalmente polimerizados empurram os plasmídeos duplicados para os pólos da célula. (A, adaptada de E.C. Garner, C.S. Campbell e R.D. Mullins, Science 306:1021–1025, 2004; B, de J. Møller-Jensen et al., Mol. Cell 12:1477–1487, 2003. Com permissão de Elsevier.) Assim, a autoassociação de proteínas de ligação a nucleotídeos em filamentos dinâmicos é usada em todas as células, e as famílias da actina e da tubulina são muito antigas, pré-datando a separação entre o reinos eucariótico e as bactérias. Pelo menos uma espécie bacteriana, Caulobacter crescentus, parece conter uma proteína com similaridade estrutural significante com a última das três principais classes de filamentos do citoesqueleto encontradas em células animais, ou seja, com os filamentos intermediários. Uma proteína chamada crescentina forma uma estrutura filamentosa que influencia o incomum formato em semicírculo dessa espécie; quando o gene que codifica a crescentina é interrompido, as células de Caulobacter crescem como hastes retas (Figura 11). 28 Figura 11 Caulobacter e crescentina. A bactéria Caulobacter crescentus, que apresenta um formato de foice, expressa uma proteína, a crescentina, que possui uma série de domínios supertorcidos similares em tamanho e organização aos domínios dos filamentos intermediários eucarióticos. (A) A proteína crescentina forma uma fibra (vermelho) que se distribui ao longo da superfície interna da parede celular curva da bactéria. (B) Quando o gene é interrompido, as bactérias crescem como hastes retas (embaixo). (De N. Ausmees, J.R. Kuhn e C. Jacobs-Wagner, Cell 115:705–713, 2003. Com permissão de Elsevier.) 3. ACTINA E PROTEÍNAS DE LIGAÇÃO À ACTINA O citoesqueleto de actina desempenha uma ampla gama de funções em diferentes tipos de células. Cada subunidade de actina, chamada às vezes de actina globular ou actina G, é um polipeptídeo de 375 aminoácidos firmemente associado a uma molécula de ATP ou ADP (Figura 12A). A actina é extraordinariamente conservada entre os eucariotos. As sequências de aminoácidos da actina de diferentes espécies de eucariotos geralmente têm similaridade na ordem de 90%. As pequenas variações na sequência de aminoácidos da actina podem gerar diferenças funcionais significativas. Nos vertebrados, por exemplo, existem três isoformas de actina, denominadas a, b, e g, que diferem ligeiramente em suas sequências de aminoácidos e têm funções distintas. A a-actina é expressa apenas nas células musculares, enquanto a b e a g-actina são encontradas, em conjunto, em quase todas as células não musculares. 3.1 Subunidades de actina se associam em um arranjo tipo cabeça-cauda para criar filamentos polares flexíveis As subunidades de actina unem-se em um arranjo tipo cabeça-cauda para formar uma hélice rígida, destrógira, que forma uma estrutura de aproximadamente 8 nm de largura chamada actina F ou actina filamentosa (Figura 12B e C). Visto que todas as subunidades assimétricas de actina de um filamento apontam na mesma direção, os filamentos são polares e possuem extremidades estruturalmente 29 diferentes: uma extremidade menos ( - ) de crescimento lento e uma extremidade mais ( + ) de crescimento mais rápido. A extremidade menos ( - ) também é referida como a “extremidade da ponta”, e a extremidade mais ( + ), como a “extremidade da pena” em uma alusão à aparência em “seta” do complexo formado pelos filamentos de actina e pela proteína motora miosina (Figura 13). Dentro do filamento, as subunidades estão posicionadas com sua fenda de ligação a nucleotídeos direcionada para a extremidade menos ( - ). Figura 12 Estruturas de um monômero de actina e de um filamento de actina. (A) O monômero de actina possui um nucleotídeo (ATP ou ADP) ligado a uma profunda fenda no centro da molécula. (B) Arranjo de monômeros em um filamento constituído por dois protofilamentos, mantidos juntos por contatos laterais, e que se enrolam um ao outro como duas fitas paralelas de uma hélice, com uma torção repetida a cada 37 nm. Todas as subunidades de um filamento apresentam a mesma orientação. (C) Fotomicrografia eletrônica de filamento de actina em coloração negativa. (C, cortesia de Roger Craig.) Os filamentos de actina individualmente são bastante flexíveis. A rigidez de um filamento pode ser caracterizada por seu comprimento de persistência, o comprimento mínimo do filamento no qual flutuações térmicas aleatórias são suscetíveis de provocar sua curvatura. O comprimento de persistência de um filamento de actina é de apenas algumas dezenas de micrômetros. Em uma célula viva, no entanto, as proteínas acessórias provocam interligações e agrupam os filamentos em feixes, originando estruturas de actina de maior escala que são muito mais rígidas do que os filamentos individuais de actina. 30 Figura 13 Polaridade estrutural do filamento de actina. (A) Esta fotomicrografia eletrônica mostra um filamento de actina polimerizado a partir de um filamento inicial curto de actina associado a domínios motores da miosina, resultandoem um padrão de seta. O filamento cresceu muito mais rapidamente na extremidade “pena” (+) que na extremidade “ponta” (–). (B) Imagem ampliada e modelo mostrando o padrão “seta”. (A, cortesia de Tom Pollard; B, adaptado de M. Whittaker, B.O. Carragher e K.A. Milligan, Ultramicro. 54:245–260, 1995.) 3.2 A nucleação é a etapa limitante na formação dos filamentos de actina A regulação da formação dos filamentos de actina é um importante mecanismo pelo qual as células controlam sua forma e movimento. Pequenos oligômeros de subunidades de actina podem formar arranjos de forma espontânea, mas eles são instáveis e se dissociam facilmente, pois cada monômero é ligado a apenas um ou dois outros monômeros. Para que um novo filamento de actina seja formado, as subunidades devem associar-se em um agregado inicial, ou núcleo, o qual será estabilizado por vários contatos entre as subunidades e, só então, poderá sofrer um rápido crescimento pela adição de novas subunidades. Esse processo é chamado de nucleação do filamento. Figura 14 Curva de tempo da polimerização de actina em um tubo de ensaio. (A) A polimerização de subunidades de actina puras em filamentos ocorre após uma fase de retardo. (B) A 31 polimerização ocorre mais rapidamente na presença de fragmentos pré-formados de filamentos de actina, que atuam como núcleos para o crescimento do filamento. A porcentagem de subunidades livres após a polimerização reflete a concentração crítica (Cc), em que não há mudança líquida no polímero. A polimerização de actina é frequentemente estudada através da observação da mudança na emissão de luz de uma sonda fluorescente, chamada pireno, que foi covalentemente ligada à actina. O pireno-actina fluoresce mais intensamente quando está incorporado a filamentos de actina. Muitas características da nucleação e da polimerização de actina foram estudadas com actina purificada em tubos de ensaio (Figura 14). A instabilidade dos pequenos agregados de actina cria uma barreira cinética para a nucleação. Quando a polimerização é iniciada, essa barreira resulta em uma fase de retardo, durante a qual não são formados filamentos. Durante essa fase de retardo, no entanto, alguns dos pequenos agregados instáveis conseguem fazer a transição para uma forma mais estável que se assemelha a um filamento de actina. Isso leva a uma fase de alongamento rápido do filamento, durante a qual subunidades são rapidamente adicionadas às extremidades dos filamentos nucleados (Figura 14A). Finalmente, conforme a concentração de monômeros de actina diminui, o sistema se aproxima de um estado estacionário no qual a taxa de adição de novas subunidades na extremidade do filamento alcança um equilíbrio exato com a taxa de dissociação de subunidades. A concentração de subunidades livres que permanece em solução nesse momento é chamada de concentração crítica, Cc. Como explicado no Painel 02, o valor da concentração crítica é igual à constante de velocidade para perda de subunidades dividida pela velocidade constante da adição de subunidades – ou seja, Cc 5 koff/kon, que é igual à constante de dissociação, Kd, e o inverso da constante de equilíbrio, K. Em um tubo de ensaio, a Cc para a polimerização de actina – ou seja, a concentração de monômeros de actina livres na qual a fração de actina no polímero para de aumentar – é de aproximadamente 0,2 mM. Dentro da célula, a concentração de actina não polimerizada é muito maior do que isso, e a célula desenvolveu mecanismos para impedir que a maioria dos seus monômeros de actina sejam arranjados em filamentos, como discutiremos mais tarde. A fase de retardo no crescimento do filamento é eliminada se filamentos- base preexistentes (como fragmentos de filamentos de actina que foram quimicamente interligados) são adicionados à solução no início da reação de polimerização (Figura 14B). A célula tira grande proveito dessa necessidade de nucleação: ela utiliza proteínas especiais para catalisar a nucleação de filamentos 32 em regiões específicas, definindo, desse modo, onde novos filamentos de actina deverão ser formados. Painel 02 Taxas de adição e taxas de remoção, Nucleação, Concentração crítica, Curva de tempo da polimerização, Extremidades mais (+) e extremidades menos (–), Hidrólise de nucleotídeos, Capas ATP e capas GTP, Rolamento (ou movimento estacionário) e Instabilidade dinâmica 33 3.3 Os filamentos de actina possuem duas extremidades distintas com diferentes taxas de crescimento Devido à orientação uniforme das subunidades assimétricas de actina no filamento, as estruturas das duas extremidades são diferentes. Essa orientação faz as duas extremidades de cada polímero serem diferentes entre si, e estas diferenças refletirão nas taxas de crescimento do filamento. As constantes cinéticas de 34 velocidade para a associação e a dissociação de subunidades de actina – kon e koff, respectivamente – são muito maiores para a extremidade mais do que para a extremidade menos. Isso pode ser visto quando se permite o arranjo de uma solução extremamente concentrada de monômeros de actina purificados sobre filamentos marcados de acordo com a polaridade – a extremidade mais do filamento se alonga até dez vezes mais rápido. Se os filamentos são rapidamente diluídos, de tal modo que a concentração de subunidades livres venha a situar-se abaixo da concentração crítica, a extremidade mais (+) também sofrerá uma dissociação mais rápida. É importante observar, no entanto, que as duas extremidades de um filamento de actina têm a mesma afinidade líquida pelas subunidades de actina, se todas as subunidades estiverem no mesmo estado de nucleotídeo. A adição de uma subunidade a qualquer uma das extremidades de um filamento com n subunidades resultará em um filamento de n +1 subunidades. Então, a diferença de energia livre e, como consequência, a constante de equilíbrio (e a concentração crítica) devem ser as mesmas para a adição de subunidades em qualquer uma das duas extremidades do polímero. Nesse caso, a razão das constantes de velocidade, koff/kon, deve ser idêntica nas duas extremidades, mesmo que os valores absolutos das constantes de velocidade sejam muito diferentes em cada extremidade (ver Painel 02). A célula aproveita-se da dinâmica e da polaridade dos filamentos de actina para realizar trabalho mecânico. O crescimento do filamento ocorre de forma espontânea quando o equilíbrio de energia livre (DG) para a adição de subunidades solúveis é menor que zero. Esse é o caso quando a concentração de subunidades em solução excede a concentração crítica. Uma célula pode acoplar um processo energeticamente desfavorável a esse processo espontâneo; assim, a célula pode usar a energia livre liberada durante a polimerização espontânea do filamento para mover uma carga associada. Por exemplo, ao orientar as extremidades mais (+), de rápido crescimento, dos filamentos de actina em direção à sua borda anterior, uma célula com capacidade de movimento pode empurrar a sua membrana plasmática para a frente, como discutiremos mais tarde. 35 3.4 A hidrólise de ATP nos filamentos de actina induz o comportamento de rolamento em estado estacionário Até agora, em nossa discussão da dinâmica dos filamentos de actina, ignoramos o fato crítico que a actina pode catalisar a hidrólise do nucleosídeo trifosfato ATP. No caso das subunidades de actina livres, essa hidrólise ocorre de forma bastante lenta; no entanto o processo é acelerado quando as subunidades estão incorporadas nos filamentos. Logo após ocorrer a hidrólisede ATP, o grupo fosfato livre é liberado de cada subunidade, mas o ADP permanece preso na estrutura do filamento. Assim, dois tipos diferentes de estruturas de filamento podem existir, um sob a “forma T” referente ao nucleotídeo ligado (ATP) e outro sob a “forma D” também referente ao nucleotídeo ligado (ADP). Quando o nucleotídeo é hidrolisado, grande parte da energia livre liberada pela clivagem da ligação fosfato-fosfato é armazenada no polímero. Isso faz a alteração de energia livre para a dissociação de uma subunidade de polímero da forma D mais negativa que a alteração de energia livre para a dissociação de uma subunidade de polímero na forma T. Consequentemente, a razão de koff/kon para o polímero sob a forma D, que é numericamente igual à sua concentração crítica Cc(D), é maior do que a razão correspondente para o polímero sob a forma T. Dessa forma, Cc(D) é maior do que Cc(T). Em determinadas concentrações de subunidades livres, os polímeros de forma D sofrerão encurtamento, enquanto os polímeros de forma T estarão em crescimento. Em células vivas, a maioria das subunidades de actina solúveis está sob a forma T, visto que a concentração livre de ATP é aproximadamente dez vezes maior que a de ADP. No entanto, quanto mais tempo as subunidades estiverem nos filamentos de actina, mais provavelmente terão seu ATP hidrolisado. A velocidade de hidrólise em comparação com a velocidade de adição de subunidades define se a subunidade em cada extremidade de um filamento estará sob a forma T ou D. Se a concentração de monômeros de actina é maior que a concentração crítica para ambas as forma T e D do polímero, então serão adicionadas subunidades ao polímero em ambas as extremidades antes que os nucleotídeos nas subunidades adicionados anteriormente tenham sido hidrolisados; como resultado, as pontas dos filamentos de actina permanecerão sob a forma T. Por outro lado, se a concentração 36 de subunidades é menor do que as concentrações críticas para ambas as formas T e D do polímero, então a hidrólise poderá ocorrer antes que a próxima subunidade seja adicionada, e ambas as extremidades do filamento estarão sob a forma D e encurtarão. Sob concentrações intermediárias das subunidades de actina, é possível que a velocidade de adição de subunidades seja mais rápida do que a hidrólise de nucleotídeos na extremidade mais (+), porém mais lenta do que a hidrólise de nucleotídeos na extremidade menos (-). Nesse caso, a extremidade mais (+) do filamento permanecerá na conformação T, enquanto a extremidade menos (-) adotará a conformação D. O filamento, então, sofre uma adição líquida de subunidades na extremidade mais (+), enquanto simultaneamente perde subunidades na extremidade menos (-). Isso leva a uma propriedade característica do filamento denominada rolamento (Figura 15; ver Painel 02). Sob uma concentração intermediária particular de subunidades, o crescimento do filamento na extremidade mais (+) se encontra exatamente balanceado pela dissociação de subunidades da extremidade menos (-). Nessas condições, as subunidades alternam rapidamente entre os estados livre ou ligado ao filamento, enquanto o comprimento total do filamento permanece inalterado. Esse ponto de “rolamento de repouso” requer consumo constante de energia sob a forma de hidrólise de ATP. Figura 15 O rolamento de um filamento de actina é possível devido à hidrólise de ATP após a adição de subunidades. (A) Explicação para as diferentes concentrações críticas (Cc) nas extremidades mais (+) e menos (-). As subunidades com ATP ligado (subunidades na forma T) sofrem polimerização em ambas as extremidades do filamento crescente e, em seguida, passam por hidrólise de nucleotídeos dentro do filamento. Conforme o filamento cresce, o alongamento é mais rápido que a hidrólise na extremidade mais (+) neste exemplo, e as subunidades terminais desta extremidade estão, portanto, sempre sob a forma T. No entanto, a hidrólise é mais rápida do que o alongamento na extremidade menos (–), de tal forma que as subunidades terminais nesta extremidade estão sob a forma D. (B) O rolamento ocorre em concentrações intermediárias de subunidades livres. A concentração crítica para polimerização em uma extremidade do filamento sob a forma T é menor do que em uma extremidade do filamento sob a forma D. Se a concentração real de subunidades está em algum ponto entre esses dois valores, a extremidade mais (+) cresce, enquanto a extremidade menos (–) diminui, resultando no rolamento. 37 3.5 As funções dos filamentos de actina são inibidas por químicos tanto estabilizadores quanto desestabilizadores do polímero Compostos químicos que estabilizam ou desestabilizam os filamentos de actina são ferramentas importantes para o estudo do comportamento dinâmico dos filamentos e de suas funções nas células. As citocalasinas são produtos de fungos que impedem a polimerização da actina pela ligação à extremidade mais (+) dos filamentos de actina. A latrunculina impede a polimerização da actina pela sua ligação a subunidades de actina. As faloidinas são toxinas isoladas do cogumelo Amanita que se ligam firme e lateralmente aos filamentos da actina estabilizando-os e evitando a despolimerização. Todos esses compostos causam mudanças dramáticas no citoesqueleto de actina e são tóxicos para as células, indicando que a função dos filamentos de actina depende de um equilíbrio dinâmico entre os filamentos e os monômeros de actina (Tabela 1). 3.6 Proteínas de ligação à actina influenciam a dinâmica e a organização dos filamentos Em um tubo de ensaio, a polimerização da actina é controlada simplesmente pela sua concentração, como descrito anteriormente, pelo pH e pela concentração de sais e ATP. Dentro de uma célula, no entanto, o comportamento da actina é também regulado por numerosas proteínas acessórias que se ligam aos monômeros ou filamentos da actina (resumido no Painel 03). No estado estacionário, in vitro, quando a concentração do monômero é igual a 0,2 mM, a meia-vida do filamento, uma medida referente a quanto tempo um monômero de actina individual gasta em 38 um filamento em rolamento, é de aproximadamente 30 minutos. Em uma célula não muscular de vertebrados, a meia-vida da actina nos filamentos é de apenas 30 segundos, demonstrando que fatores celulares modificam o comportamento dinâmico dos filamentos de actina. As proteínas de ligação à actina alteram drasticamente a dinâmica e a organização dos filamentos da actina por meio de controle espacial e temporal da disponibilidade do monômero, da nucleação do filamento, do alongamento e da despolimerização. Nas seções a seguir, descreveremos como essas proteínas acessórias modificam a função da actina na célula. Painel 03 Filamentos de Actina 39 3.7 A disponibilidade de monômeros controla a polimerização dos filamentos de actina Na maioria das células não musculares dos vertebrados, aproximadamente 50% da actina estão em filamentos, e 50%, em solução – e, mesmo assim, a concentração do monômero em solução é de 50 a 200 mM, bem acima da concentração crítica. Por que tão pouco da actina polimeriza em filamentos? A razão é que as células contêm proteínas que se ligam aos monômeros de actina e tornam a polimerização muito menos favorável (uma ação semelhante à droga latrunculina). A mais abundante dessas proteínas é uma pequena proteína chamada de timosina. Os monômeros de actina ligados à timosina estão em um estado de bloqueio, não podendo associar-se nem à extremidade mais (+) nem à extremidade menos (-) dos filamentos de actina, e não são capazesde hidrolisar ou modificar o nucleotídeo ao qual estão ligados. Como, então, as células recrutam monômeros de actina a partir desse conjunto bloqueado para utilizá-los para a polimerização? A resposta depende de uma outra proteína de ligação a monômeros chamada de profilina. A profilina liga-se à face do monômero de actina que é oposta à fenda de ligação ao ATP, bloqueando a lateral do monômero que normalmente se associaria à extremidade menos (-) do filamento, ao mesmo tempo em que deixa exposto o sítio do monômero que se liga à extremidade mais (+) (Figura 16). Quando o complexo de profilina-actina liga-se a uma extremidade mais (+) livre, uma mudança conformacional na actina reduz a sua afinidade pela profilina e ela é liberada, tornando o filamento de actina uma subunidade mais longa. A profilina compete com a timosina pela ligação a monômeros de actina individuais. Assim, regulando a atividade local da profilina, as células podem controlar o movimento de subunidades de actina sequestradas ligadas à timosina para as extremidades mais (+) dos filamentos. Vários mecanismos regulam a atividade da profilina, entre eles a fosforilação da profilina e sua ligação a fosfolipídeos inositol. Esses mecanismos podem definir as regiões onde a profilina atuará. Por exemplo, a profilina é necessária para a polimerização do filamento na membrana plasmática, onde ela é recrutada por uma interação com fosfolipídeos acídicos da membrana. Nesse ponto, sinais extracelulares podem ativar a profilina de modo a produzir polimerização localizada 40 de actina, provocando também a extensão de estruturas de locomoção ricas em actina como filopódios e lamelipódios. Figura 16 Efeitos da timosina e da profilina na polimerização da actina. Um monômero de actina ligado à timosina é estericamente impedido de ligar-se e alongar a extremidade mais (+) de um filamento de actina (esquerda). Um monômero de actina ligado à profilina, por outro lado, é capaz de prolongar um filamento (direita). A timosina e a profilina não podem, ambas, ligarem-se a um único monômero de actina ao mesmo tempo. Em uma célula na qual a maioria dos monômeros de actina está ligado à timosina, a ativação de uma pequena quantidade de profilina pode produzir uma rápida organização dos filamentos. Como indicado (imagem inferior), a profilina se liga a monômeros de actina que são transitoriamente liberados do conjunto de monômeros ligados à timosina, encaminha- os para as extremidades mais (+) dos filamentos de actina, e é então liberada e reciclada para novos ciclos de alongamento do filamento. 3.8 Fatores de nucleação de actina aceleram a polimerização e geram filamentos lineares ou ramificados Além da disponibilidade de subunidades de actina ativas, um segundo pré- requisito para a polimerização da actina celular é a nucleação do filamento. As proteínas que contêm motivos de ligação a monômeros de actina ligados em sequência medeiam o mais simples dos mecanismos de nucleação do filamento. Essas proteínas de nucleação de actina aproximam várias subunidades de actina para formar um ponto de nucleação. Na maioria dos casos, a nucleação da actina é catalisada por um de dois tipos diferentes de fatores: pelo complexo Arp 2/3 ou pelas forminas. O primeiro desses fatores é um complexo de proteínas que inclui duas 41 proteínas relacionadas à actina (ARPs, actin-related proteins), cada uma apresentando aproximadamente 45% de similaridade com a actina. O complexo Arp 2/3 provoca a nucleação do crescimento do filamento de actina na extremidade menos (-), permitindo rápido alongamento na extremidade mais (+) (Figura 17A e B). Esse complexo pode se ligar lateralmente a um outro filamento de actina, ainda permanecendo ligado à extremidade menos (-) do filamento que inicialmente nucleou, dessa forma dando origem a filamentos individuais organizados em uma rede ramificada (Figura 17C e D). Figura 17 Nucleação e formação da rede de actina pelo complexo Arp 2/3. (A) As estruturas de Arp2 e Arp3, comparadas à estrutura da actina. Apesar de a face da molécula equivalente à extremidade mais (+) (superior) tanto em Arp2 quanto em Arp3 ser bastante similar à extremidade mais (+) da actina, as diferenças nas laterais e na extremidade menos (-) evitam que essas proteínas relacionadas à actina possam formar filamentos associando-se entre si ou coassociando-se no interior dos filamentos à actina. (B) Um modelo para a nucleação do filamento de actina pelo complexo Arp 2/3. Na ausência de um fator de ativação, Arp2 e Arp3 são posicionadas por suas proteínas acessórias em uma orientação que evita induzirem a nucleação de um novo filamento de actina. Quando um fator de ativação (indicado pelo triângulo azul) liga-se ao complexo, Arp2 e Arp3 são posicionadas em uma nova conformação, a qual se assemelha à extremidade mais (+) de um filamento de actina. As subunidades de actina podem, então, ser adicionadas sobre esta estrutura, o que supera a etapa limitante da nucleação do filamento. (C) O complexo Arp 2/3 promove a nucleação de filamentos de maneira mais eficiente quando este se liga à lateral de um filamento de actina preexistente. O resultado é uma ramificação que cresce em angulo de 70° em relação ao 42 filamento original. Ciclos repetidos de nucleação ramificada geram uma rede ramificada de filamentos de actina. (D) Em cima, fotomicrografias eletrônicas de filamentos de actina ramificados formados a partir da mistura de subunidades purificadas de actina com complexos Arp 2/3 purificados. Embaixo, imagem reconstruída de uma ramificação onde a estrutura cristalizada da actina (rosa) e do complexo Arp 2/3 foram sobrepostas à densidade eletrônica. O filamento-mãe está direcionado de cima para baixo, e o filamento-filho se ramifica à direta, no ponto em que o complexo Arp 2/3 se liga a três subunidades de actina sobre o filamento-mãe. (D, superior, de R.D. Mullins ET al., Proc. Natl Acad. Sci. USA 95:6181–6186, 1998, com permissão de National Academy of Sciences; inferior, de N. Volkmann et al., Science 293:2456–2459, 2001, com permissão de AAAS.) As forminas são proteínas diméricas que promovem a nucleação do crescimento de filamentos não ramificados, lineares, que podem ser interligados a outras proteínas para formar feixes paralelos. Cada subunidade de formina possui um sítio de ligação à actina monomérica, e o dímero de formina parece ser capaz de nuclear a polimerização de um filamento de actina pela captura de dois monômeros. Enquanto ocorre o crescimento do filamento recém-nucleado, o dímero de formina permanece associado à extremidade mais (+), de rápido crescimento e, ao mesmo tempo, permite a adição de novas subunidades a essa extremidade (Figura 18). Esse mecanismo de polimerização do filamento é nitidamente diferente daquele usado pelo complexo Arp 2/3, que permanece estavelmente ligado à extremidade menos (-) do filamento, impedindo a adição ou a perda de subunidades nessa extremidade. O crescimento do filamento de actina dependente de formina é fortemente reforçado pela associação dos monômeros de actina com a profilina (Figura 19). Assim como no caso da ativação pela profilina, a nucleação dos filamentos de actina por complexos Arp 2/3 e forminas ocorre principalmente na membrana plasmática, e a maior densidade de filamentos de actina na maioria das células está presente na periferia da célula. A camada logo abaixo da membrana plasmática é denominada córtex celular, e os filamentos de actina nessa região determinam a forma e o movimento da superfície celular, permitindo que a célula altere sua conformação e rigidez rapidamente em resposta a mudanças no seu ambiente externo.
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