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Núcleo de Educação a Distância - NEAD Universidade de Fortaleza - Unifor Direito da Infância e da Juventude Unidade 01 2 Direito da Infância e da Juventude - Unidade 01 Créditos Núcleo de Educação a Distância O assunto estudado por você nessa disciplina foi planejado pelo professor conteudista, que é o responsável pela produção de conteúdo didático, e foi desenvolvido e implementado por uma equipe composta por profissionais de diversas áreas, com o objetivo de apoiar e facilitar o processo ensino- aprendizagem. Roteiro de Áudio e Vídeo José Glauber Peixoto Rocha Produção de Áudio e Vídeo José Moreira de Sousa Identidade Visual / Arte Francisco Cristiano Lopes de Sousa Viviane Cláudia Paiva Ramos Programação / Implementação Jorge Augusto Fortes Moura Coordenação do Núcleo de Educação a Distância Lana Paula Crivelaro Monteiro de Almeida Supervisão Administrativa Denise de Castro Gomes Produção de Conteúdo Didático Anarda Pinheiro Araújo Ana Paula Araújo de Holanda Cláudio Alcântara Meireles Júnior Diane Espindola Freire Maia Design Instrucional Andrea Chagas Alves de Almeida Projeto Instrucional Bárbara Mota Barros Editoração Camila Duarte do Nascimento Moreira Revisão Gramatical Luís Carlos de Oliveira Sousa O trabalho Direito da Infância e da Juventude - Unidade 01: O Direito da Infância e da Juventude de Anarda Pinheiro Araújo, Ana Paula Araújo de Holanda, Cláudio Alcântara Meireles Júnior, Diane Espindola Freire Maia, Núcleo de Educação a Distância da UNIFOR está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional. 3 Direito da Infância e da Juventude - Unidade 01 Sumário 1. Conceito 3 2. Evolução Histórica 4 3. Autonomia Didática, Legislativa e Jurídica 8 4. Princípios Fundamentais: 9 4.1 Princípio da Prioridade Absoluta 9 4.2 Princípio do Melhor Interesse 10 4.3 Princípio da Municipalização 11 Referências 13 4 Direito da Infância e da Juventude - Unidade 01 Unidade 01 - O Direito da Infância e da Juventude Olá, seja bem-vindo à Nota de Aula da 1ª unidade da disciplina de Direito da Infância e da Juventude. Para alcançar uma melhor compreensão do assunto, é importante que você acompanhe a web-aula, pois lá você tem acesso a vídeos e quizes sobre a temática da unidade, além de dicas e complementos sugeridos no decorrer da disciplina. Boa leitura! Objetivo Discutir os direitos da infância e da juventude, explicando suas autonomias, princípios e relações com outras ciências. 1. Conceito O Direito da Infância e da Juventude tem como objeto de estudo o tratamento jurídico dado às crianças e adolescentes no Brasil, delimitando a autonomia desse ramo do Direito em relação aos demais, analisando seus princípios, a evolução no tratamento da problemática infantojuvenil, bem como os diplomas legais pertinentes. Como será visto adiante, atualmente, o ramo do direito pátrio em estudo tem como enfoque jurídico basilar a doutrina da proteção integral, respeitando a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento, além de haver contemplado a concepção dos infantes como sujeitos de direito. Importante A hodierna política brasileira no trato à infância e juventude trazida pela Constituição Federal de 1988 e consolidada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, fundamentou-se em um preceito que mudou todo o pensamento e estrutura legal que vigorava até então: a Doutrina da Proteção Integral, a qual se baseia na ideia de que a criança e o adolescente são considerados sujeitos de direitos, devendo ser integralmente protegidos ao ser-lhes oferecida prioridade absoluta e imediata. 5 Direito da Infância e da Juventude - Unidade 01 Para que possamos melhor compreender a autonomia desse segmento, bem como seus princípios norteadores e toda a lógica do sistema jurídico voltado à questão infantojuvenil, faz-se necessário, antes de adentrarmos no estudo dogmático da legislação e dos institutos atuais, realizarmos um breve resgate histórico do tratamento dado a esse segmento da sociedade na conjuntura pátria. 2. Evolução Histórica Primeiramente, no que diz respeito aos escritos que descrevem o desenvolver da humanidade pela perspectiva da história tradicional, inexistia espaço para a criança e o adolescente, sendo a sua presença meramente secundária, geralmente como uma espécie de propriedade de sua família. No que concerne ao lapso temporal compreendido entre o Brasil Colonial até o início da época pós-independência, a autoridade paternal era absoluta, inclusive sendo permitido ao pai aplicar castigos severos ao seu filho, conforme lhe melhor aprouvesse. Ainda nesse período histórico, existia certa preocupação com os órfãos, inclusive com a utilização da chamada “Roda dos Expostos”, uma espécie de mecanismo no qual a criança era deixada em instituições de caridade. Já na fase do Brasil Império, a repressão aos infratores era a tônica do tratamento dedicado aos infantes, inclusive com previsão de pena de morte por enforcamento, época em que a imputabilidade penal ocorria aos sete anos de idade e a crueldade das penas era a principal característica da seara punitiva. Ainda nesse período imediatamente após a independência, mais precisamente em 1823, foi assegurada à mãe negra e escrava a possibilidade de permanecer com seu filho recém-nascido sob seus cuidados. Entretanto, como fruto da sociedade escravagista dessa época, percebe-se que o escopo dessa medida não seria assegurar à criança o convívio familiar, pois o que se pretendia era a manutenção das crianças sob o poder do senhor de escravos, como propriedade, para tornar-se mais uma mão de obra no futuro. Em 1871 ocorre a decretação da Lei do Ventre Livre, que concedeu liberdade aos escravos nascidos no Brasil após sua data de promulgação. Porém, novamente, isso não representava grande ruptura tampouco benesse. Até a idade de 8 (oito) anos, os filhos de mulheres escravas, chamados de ingênuos, seriam sustentados pelos senhores, permanecendo em seu poder em troca de trabalho. Quando atingida essa idade, poderia o proprietário entregá-lo ao Estado mediante indenização ou mantê-lo consigo até que completasse 21 (vinte e um) anos, período no qual o ingênuo prestaria serviços gratuitos em contrapartida ao sustento, ou seja, permanecia em regime servil (COSTA, 1986). Posteriormente, já no período republicano, observa-se novamente o tratamento legal direcionado às crianças e aos adolescentes com ênfase na lógica punitiva, isso por meio do Decreto nº 17.973-A de 12 de outubro de 1927, o chamado Código de Menores de 1927 ou Código Mello Mattos, nome dado em razão de seu mentor, o jurista José Cândido de Albuquerque Mello Mattos. 6 Direito da Infância e da Juventude - Unidade 01 Importante No plano constitucional, a Carta Magna de 1934 foi pionei- ra ao tratar do tema quando proibiu o trabalho para menores de 14 anos. Mas Otenio, Otenio e Mariano (2008) lecionam que somente com o advento da Constituição de 1937 é que se ampliou a proteção às crianças e adolescentes, sendo atri- buída ao Estado a responsabilidade sobre aqueles em situa- ção de carência. Nessa linha, em 1942 – período especialmente autoritário do Estado Novo – foi criado o Serviço de Assistência ao Menor (SAM), ligado ao Ministério da Justiça. O SAM tinha orientação correcional e previa atendimento diferenciado para adolescentes autores de ato infracional (crime e contravenção) e para menores carentes ou abandonados. Para os adolescentes autores de atos infracionais, eram reservados os Internatos, Reformatórios e Casas de Correção, já para os menores carentesou abandonados, os Patronatos Agrícolas e Escolas de Aprendizagem de Ofícios Urbanos. Pela forma como os infantes eram tratados nesses estabelecimentos e nesse contexto social, o SAM adquire a imagem de repressor e desumano. Em 1946 é promulgada a quarta Constituição Federal Brasileira, após o período ditatorial do Estado Novo, retornando a democracia e propiciando que projetos com influência dos movimentos pós- Segunda Guerra Mundial em favor dos direitos humanos influenciassem o tratamento dado à criança e ao adolescente no Brasil, inclusive com a instalação em João Pessoa-PB do primeiro escritório do UNICEF no Brasil, mais precisamente em 1950, voltado à proteção de crianças e gestantes do nordeste. Entretanto, o Golpe Militar de 1964 viria a mudar radicalmente esse panorama ao interromper o avanço da democracia no Brasil, o que na seara jurídica correspondeu à entrada em vigor dos Atos Institucionais (AIs). Na área da infância e da juventude, para substituir o SAM, a Lei nº 4.513, de 1964, criou a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM), que, apesar da nomenclatura aparentemente progressista, nada mais era do que “um instrumento de controle do regime político autoritário exercido pelos militares”, uma vez que “Em nome da segurança nacional buscava-se reduzir ou anular ameaças ou pressões antagônicas de qualquer origem, mesmo se tratando de menores”, razão pela qual enquanto perdurou a Ditadura Militar “a cultura da internação, para carentes ou delinquentes foi a tônica”, ou seja, “A segregação era vista, na maioria dos casos, como única solução.” (AMIN, 2010, p. 7). Nesse sentido, em 1979, foi publicada a Lei nº 6.697, o “Novo” Código de Menores, que indicava a visão que então imperava, introduzindo o conceito de “menor em situação irregular”. Assim, infância 7 Direito da Infância e da Juventude - Unidade 01 e juventude desamparadas eram vistas como detentoras de uma patologia social única, não fazendo diferenciação entre as situações concretas distintas, ocasionando com que o menor se encontrasse nesta chamada “situação irregular”. Contudo, mesmo com a política autoritária presente na sociedade setentista, além de toda a repressão de ideologias dissidentes, no final dos anos de 1970 e início dos anos de 1980, diversos movimentos sociais resultantes das inquietações da sociedade descontente com a política imperante, assim como a consciência humanista, começam a difundir-se, das quais decorre repúdio ético e político sobre a precária assistência oferecida à infância e juventude fruto da PNBEM e do Código de Menores de 1979. Esse momento histórico, o qual pode ser considerado de transição, nasce a perspectiva de que um trabalho educativo e social destinado às crianças e adolescentes, aplicando alternativas e propostas vindas da comunidade, poderia figurar como o início de uma mudança no panorama político nacional. Entre 1982 e 1983, com o apoio do UNICEF, é implantado o Projeto Alternativas de Atendimento a Meninos de Rua, por meio da sociedade civil organizada, que traz à discussão experiências bem- sucedidas de trato com crianças e adolescentes que viviam nas ruas, despertando, assim, o interesse de cada vez mais pessoas para esse assunto. Tais encontros serviam também como programas de capacitação no atendimento e entendimento desses jovens que, pelas mais variadas circunstâncias, tinham como residência as ruas das cidades. O Projeto expandiu-se de tal forma que, em novembro de 1984, Brasília sediou o I Seminário Latino- Americano de Alternativas Comunitárias de Atendimento a Meninos e Meninas de Rua que acabou tendo como consequência, já em 1985, a criação da Coordenação Nacional do Movimento de Meninos e Meninas de Rua. Já em maio de 1986, aconteceu o I Encontro Nacional de Meninos e Meninas de Rua em que foram debatidos assuntos como família, saúde, trabalho, escola, sexualidade e, principalmente, as denúncias de violências praticadas por e contra os jovens. Já no período de redemocratização, foi convocada uma Assembleia Nacional Constituinte que, ao desenvolver uma nova carta maior para este país, terminaria por inserir em seu conteúdo os direitos da criança e do adolescente no Brasil tendo como fundamento a Doutrina da Proteção Integral, que será melhor estudada na Unidade II. A respeito da Constituição Federal de 1988, sabe-se que é caracterizada por possuir conteúdo extremamente amplo, exatamente por haver aglutinado durante o processo constituinte diversos atores sociais. A Carta Magna definiu fins e objetivos para o Estado e a Sociedade, e, nessa linha, o Art. 227 trazido em seu bojo, no que diz respeito à proteção especial dedicada à infância, assim dispôs: 8 Direito da Infância e da Juventude - Unidade 01 Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Tal dispositivo constitucional foi fruto da pressão dos movimentos sociais e da sociedade civil organizada, em especial o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua (MNMMR). Na verdade, com a abertura da Assembleia Constituinte, houve a previsão de mecanismos de participação popular direta na formulação do texto constitucional. Era possível, por exemplo, a apresentação de emendas populares ao anteprojeto de Constituição. Importante Dessa forma, o MNMMR, em conjunto com a Pastoral do Menor, mobilizaram a sociedade brasileira conseguindo regis- trar cerca de 1,5 milhão de assinaturas para a emenda popular denominada “Criança, prioridade nacional”. Tal emenda foi o embrião para o supratranscrito e tão importante Art. 227. Portanto, quando resgatamos a evolução histórica da normatização pertinente ao Direito da Criança e do Adolescente no Brasil, os próprios sujeitos de direito, ou seja, essas crianças e adolescentes, por um movimento popular organizado, tencionaram o Estado pela garantia desses novos direitos contemplados na Constituição de 1988. Observou-se um verdadeiro protagonismo desses “menores”, estigmatizados, ainda hoje, apesar da já positivada Doutrina da Proteção Integral. Em consonância com a Doutrina da Proteção Integral surge a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Ao substituir o Código de Menores de 1979, o ECA introduz uma série de transformações na política de atendimento à infância e à adolescência brasileira, dando ênfase ao processo de descentralização e municipalização da política de atendimento direto e destaca a participação da sociedade civil através de seus Conselhos e Fóruns, como será melhor explicitado adiante (VERONESE, 1997). Por fim, sintetizando de maneira muito apropriada, Válter Kenji Ishida (2014) distingue 3 (três) diferentes períodos em relação ao direito brasileiro direcionado aos infantos, passando de um tratamento apenas no campo criminal, ao momento da marginalização pela dita situação irregular, culminando com o atual momento de maior vanguarda: (I) o direito penal do menor; (II) o período do menor em situação irregular e, finalmente, (III) o período da doutrina da proteção integral. O primeiro período tem como base a delinquência menorista e abrange os Código Penais de 1830 e 1890. Passa pelo Código Mello de Mattos de 1927. O segundo período inicia-se com o Código de Menores de 1979 (Lei nº 6.697/79), orientando o chamado Direito do Menor. O art. 2º do Código de Menores definia as seis situações irregulares. 9 Direito da Infância e da Juventude- Unidade 01 Finalmente, surge, como fase mais recente, a doutrina da proteção integral, com destaque para os direitos fundamentais da criança e do adolescente. Dentre essas diretrizes, surge o próprio ECA, passando a abranger uma gama variada de disciplinas voltadas à proteção dos direitos da criança e do adolescente. (ISHIDA, 2014, p.7) O ECA trouxe de forma mais profunda em seu conteúdo o disposto no Art. 227 da Carta Magna, consolidando a Doutrina da Proteção Integral e o reconhecimento das crianças e dos adolescentes como sujeitos de direitos e garantias fundamentais próprias, merecedores de uma legislação específica. 3. Autonomia Didática, Legislativa e Jurídica Como visto no tópico anterior, no campo da positivação dos direitos concernentes às crianças e adolescentes, passaram-se diversos períodos na história legislativa pátria, sempre refletindo as concepções da sociedade em relação aos infantes. Nesse campo de estudo da dogmática jurídica, tanto os dispositivos constitucionais dispostos na CF/88 como o ECA resultaram em quebra no paradigma de que o Direito da Criança e do Adolescente era uma espécie de apêndice do Direito de Família ou mesmo do Direito Penal. Arnaldo Vasconcelos leciona que (2006, p. 142): “a especialidade, e não a generalidade, é a condição que se impõe à norma jurídica em face da realidade atual”, isso em razão do caráter do Estado Social de cumprir as demandas específicas que surgem da realidade social. Nesse azo, microssistemas jurídicos surgem para comportar as regulamentações especializadas, dando cabo a distintos ramos do Direito, que constituem disciplinas autônomas, com sua própria rede de institutos e base principiológica. Conforme Ishida (2014, p. 6), “a autonomia depende de uma legislação específica e autônoma disciplinando a matéria, quando o ramo do Direito é constitucionalizado e finalmente quando se torna disciplina regular nas Faculdades de Direito.” No que diz respeito aos estudos realizados no âmbito da criança e do adolescente, é de extrema relevância o avanço do pensamento social e jurídico da década de 1980, quando se visualizou a necessidade de um ramo jurídico específico que se dedicasse atenção especial à infância e juventude no direito pátrio. Fruto desse processo, como já dito anteriormente, foi o Art. 227 da Constituição Federal. Sobre o tema, afirma Roberto Alves (2005, p. 10): A CF inaugurou um verdadeiro sistema de proteção de direitos fundamentais que é próprio de crianças e de adolescentes. Assim, estabeleceu princípios que viriam a se converter em diretrizes do ECA: o reconhecimento de que crianças e adolescentes são sujeitos de direito. Destaque-se ainda que no cerne da Constituição Federal e do ECA estão os princípios e garantias assegurados pela Declaração Universal dos Direitos da Criança e do Adolescente, aprovada pelas 10 Direito da Infância e da Juventude - Unidade 01 Nações Unidas em 20 de novembro de 1959, tendo o Brasil como seu signatário. Assim, passaram a figurar como responsáveis pela infância e juventude de sua nação, o Estado e a Sociedade, os quais têm como obrigação realizar os deveres e compromissos postos a seu cargo um direito inalienável. Importante Importante perceber que antes da Constituição de 1988 o ramo do Direito ora estudado, e atualmente dotado de plena autono- mia, estava incorporado ao Direito de Família de tal maneira que somente poderia ser exercido por meio da atuação do pai ou da mãe, ou seja, era como se a criança sem família não fosse titular de direito qualquer (CHAVES, 1997). Não por acaso, nos atuais diplomas legislativos, como nos dispositivos de nossa hodierna Constituição, as crianças e adolescentes passaram a ser considerados não como meros objetos de tutela, controle ou repressão, mas como sujeitos de direitos, pessoas em condição de desenvolvimento, promovendo a infância brasileira de “menor em situação irregular” para cidadãos de direitos e garantias. Portanto, não restam dúvidas a respeito da autonomia dessa seara jurídica dedicada ao direito dos infantes, dotada de legislação específica e institutos próprios. No entanto, cabe ressaltar que está intima e intrinsecamente correlacionada com outros campos do conhecimento, tais quais: psicologia, sociologia, assistência social, pedagogia, dentre outros. 4. Princípios Fundamentais: Princípio da Prioridade Absoluta. Princípio do Melhor Interesse. Princípio da Municipalização. Inicialmente, destaque-se que ao utilizarmos a terminologia princípio o critério utilizado é o da generalidade dessa categoria de norma, e não da maneira de aplicação ou de sua estrutura. Por conseguinte, princípios são aqui considerados como aquela categoria de normas dotadas de intenso conteúdo axiológico, que constituem os fundamentos do sistema jurídico de proteção à criança e ao adolescente, detentoras de maior grau de generalidade comparativamente às regras. 4.1 Princípio da prioridade absoluta Passando à análise do princípio da absoluta prioridade dos direitos das crianças e dos adolescentes, diga-se que foi instituído pela primeira vez no direito positivo brasileiro por meio da CF/88, mais precisamente em seu Art. 227, cujo teor foi em parte reproduzido no Art. 4º do ECA. Sobre o referido princípio, leciona Andréa Amin (2010, p. 20): 11 Direito da Infância e da Juventude - Unidade 01 Estabelece primazia em favor das crianças e dos adolescentes em todas as esferas de interesses. Seja no campo judicial, extrajudicial, administrativo, social ou familiar, o interesse infanto-juvenil deve preponderar. Não comporta indagações ou ponderações sobre o interesse a tutelar em primeiro lugar, já que a escolha foi realizada pela nação através do legislador constituinte. Importante Essa prioridade absoluta deve ser assegurada pela família, sociedade e Estado, ou seja, não compete somente ao poder público o dever de assegurar a efetivação dos direitos fundamentais da criança e do adolescente, tal responsabilidade, que tem status de absoluta prioridade, é também da família, da comunidade, enfim, da sociedade em geral. Pode-se tabular o Estado Brasileiro no segmento de Estado do bem-estar social, uma vez que assume o papel de agente da promoção social, ou seja, esperam-se prestações positivas que garantam os diversos direitos sociais constitucionalmente garantidos. Entretanto, a responsabilidade de protetividade e prioridade aos infantes não é somente do agente público ou das autoridades respectivas, mas da sociedade como um todo, como atores sociais que somos. Nesse azo, repita-se que não só o Estado, mas a sociedade como um todo, incluso seu núcleo basilar, a família, devem atuar de maneira a concretizar a proteção integral da infância e da juventude, contribuindo para a consecução da efetividade dos direitos fundamentais da criança e do adolescente, movidos por essa lógica da corresponsabilidade social, ganhando a sociedade civil organizada especial protagonismo. No que tange à atuação do poder público, interessante observar que a própria lei, por meio do parágrafo único do Art. 4º do ECA, elencou o que compreenderia a garantia de prioridade. Impede destacar que se trata de um rol mínimo, ou seja, não é exaustivo, não determina as únicas situações possíveis ou todos os casos específicos, em verdade, pode ser considerada como norma aberta, que possibilita ao aplicador do direito realizar interpretação de amplitude alargada. 4.2 Princípio do melhor interesse Quanto ao princípio do melhor interesse das crianças e dos adolescentes, trata-se de fundamento basilar que deverá influir na interpretação de qualquer caso que envolva os infantes, como explica Andréa Amin (2010, p. 28): Trata-se de princípio orientador tanto para o legislador como para o aplicador, determinandoa primazia das necessidades da criança e do adolescente como critérios de interpretação da lei, deslinde de conflitos, ou mesmo para elaboração de futuras regras. 12 Direito da Infância e da Juventude - Unidade 01 O referido princípio está delineado no Art. 3º, Item 1, da Convenção Sobre os Direitos da Criança, promulgada no Brasil pelo Decreto nº 99.710/90, in verbis: “Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem-estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança.” Destaque-se que, como o dever de assegurar os direitos fundamentais da criança e do adolescente é partilhado pela família, sociedade e Estado, conforme prescrição constitucional, o referido princípio não se restringe à atuação das autoridades governamentais, mas estende-se a todas as condutas referentes aos diversos atores sociais, as quais deverão ser tomadas levando em consideração o que é melhor para o infante. Importante ainda observar que o que é de melhor interesse da criança ou adolescente não necessariamente coincidirá com o desejo do mesmo. Tal princípio tem sido bastante utilizado como base de fundamentação de diversos julgados, em especial em decisões que tratam de colocação em família substituta, tema que será abordado futuramente. Dessa maneira, na análise do caso concreto, o julgador por vezes, no momento de decidir uma querela quanto à guarda ou adoção do infante, leva em consideração o que considera do melhor interesse para o desenvolvimento adequado do infante, mesmo que contrário ao próprio desejo deste. 4.3 Princípio da municipalização O princípio da municipalização é prescrição contida no Art.. 204 da CF/88, ao tratar das ações governamentais na área da assistência social, e é pertinente à seara jurídica da infância e juventude em razão do § 7º do já exaustivamente referido Art. 227 da CF/88. Remeta-se novamente à lição de Andréa Amin (2010, p. 29-30): A municipalização seja na formulação de políticas locais, através do CMDCA [Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente], seja solucionando seus conflitos mais simples e resguardando diretamente os direitos fundamentais infanto-juvenis, por sua própria gente, escolhida para integrar o Conselho Tutelar, seja, por fim, pela rede de atendimento formada pelo poder público, agências sociais e ONGS, busca alcançar eficiência e eficácia na prática da doutrina da proteção integral. Trata-se de descentralização administrativa, contemplando os Municípios como corresponsáveis pela gestão da política assistencial muito em razão da proximidade da população e conhecimento de suas necessidades e aspirações. Dessa forma, cabe aos Municípios a realização, em âmbito de base, dos programas de atenção direta, que também poderão ser desenvolvidos pelas entidades não-governamentais que atuam em âmbito municipal. Por fim, diz-se que tal municipalização constitui um dos maiores avanços para a democratização da sociedade brasileira, uma vez que importa na participação efetiva da população. Tanto é assim que 13 Direito da Infância e da Juventude - Unidade 01 o Art. 227, § 6º da CF/88 regulamenta esta participação da população por meio de suas organizações representativas, tanto na formulação como no controle das ações em todos os níveis. Conversando Encerra-se aqui a 1ª unidade da disciplina do Direito da Infância e da Juventude. Lembre-se de acessar sua web-aula, e não esqueça que você ainda conta com o apoio do ambiente virtual para esclarecer dúvidas e participar de discussões sobre a temática aqui abordada. Boa aprendizagem! 14 Direito da Infância e da Juventude - Unidade 01 Referências ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e da Juventude. São Paulo: Saraiva, 2005. AMIN, Andréa Rodrigues. In MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (Coord). Cur- so de Direito da Criança e do Adolescente. 4.ed. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2010. ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1981. CHAVES, Antônio. Comentários ao estatuto da criança e do adolescente. 2 ed. São Paulo: Ltr, 1997. COSTA, Emília Viotti da. A Abolição. 1. ed. São Paulo: Global, 1986. ISHIDA, Valter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: Doutrina e jurisprudência. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2014. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2012. OTENIO, Cristiane Corsini Medeiros; OTENIO, Marcelo Henrique; MARIANO, Érika Roberta. Políticas Públicas para Criança no Brasil. 2008. Disponível em <http://www. jf.estacio.br/revista/edicao06/EC06_politicas_publicas.pdf>. VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria da Norma Jurídica. 6. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006. VERONESE, Josiane Rose Petry. Temas de Direito da Criança e do Adolescente. São Paulo: Ltr, 1997.
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