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UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE DE DIREITO, CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS E ECONÔMICA CURSO DE DIREITO Roberta Tassinari de Sousa ANÁLISE CRÍTICA SOBRE A LEI DE ALIMENTOS GRAVÍDICOS E A INSEGURANÇA TRAZIDA AO SUPOSTO PAI Governador Valadares - MG 2010 1 ROBERTA TASSINARI DE SOUSA ANÁLISE CRÍTICA SOBRE A LEI DE ALIMENTOS GRAVÍDICOS E A INSEGURANÇA TRAZIDA AO SUPOSTO PAI Monografia apresentada como requisito para obtenção do grau de bacharel em Direito pela Faculdade de Direito, Ciências Administrativas e Econômicas, da Universidade Vale do Rio Doce. Orientadora: Luciana da Cunha Pereira Governador Valadares - MG 2010 2 ROBERTA TASSINARI DE SOUSA ANÁLISE CRÍTICA SOBRE A LEI DE ALIMENTOS GRAVÍDICOS E A INSEGURANÇA TRAZIDA AO SUPOSTO PAI Monografia apresentada como requisito para obtenção do grau de Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito, Ciências Administrativas e Econômicas, da Universidade Vale do Rio Doce. Governador Valadares, 24 de junho de 2010. Banca Examinadora: ____________________________________________________ Profª. Drª : Luciana da Cunha Pereira - Orientadora Universidade Vale do Rio Doce ____________________________________________________ Prof. Herbert Campos Dutra Universidade Vale do Rio Doce ____________________________________________________ Profª. Sara Edwirgens Barros Silva Universidade Vale do Rio Doce 3 AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus ensinando-me a cada dia o caminho que leva a vitória. Aos meus familiares, por tudo o que representam e pelo exemplo de perseverança e alegria de vida... A minha orientadora Luciana da Cunha Pereira pela atenção e disponibilidade. Aos meus colegas de curso que tornaram esta jornada mais solidária e mais agradável. Agradeço a todos... 4 “O ser humano, por natureza, é desde a sua concepção; como tal, segue o seu fadário até o momento que lhe foi reservado como derradeiro; nessa dilação temporal, mais ou menos prolongada, a sua dependência dos alimentos é uma constante, posta como condição de vida” Yussef Said Cahali, 2009. 5 RESUMO O presente trabalho objetivou analisar a relevância no ordenamento jurídico e a garantia da estrutura familiar na aplicabilidade da Lei n.11.804/08 que introduziu os chamados “alimentos gravídicos”. Este direito é garantido à mulher no período de gestação, em prol do nascituro e convertido em favor do mesmo quando houver o nascimento com vida. Assim, o alimento gravídico aprecia a obrigação de alimentos, tendo em vista que o nascituro não tem capacidade para se auto-sustentar e carece de auxílio. Foi possível observar que independentemente de lei, o nascituro tem direito a alimentos e ao pleno desenvolvimento do processo de gestação, pois o seu direito fundamental à vida é garantido na Constituição, sem a necessidade de rótulos ou alteração dos dispositivos vigentes. A análise dos achados revelou que a Lei 11.804 de 05 de novembro de 2008, com cunho social, busca resgatar o amparo a mulher grávida que no decorrer da gestação não fique jogada a sorte até o nascimento com vida do nascituro, mesmo com frágeis indícios de paternidade. Daí o intuito de aprofundar os estudos sobre alimentos gravídicos, acreditando que o magistrado seja cauteloso com os indícios de paternidade, para que o suposto pai não venha sofre danos morais. A presente pesquisa, de cunho metodológico, estritamente bibliográfico, fundamentou-se em autores como: Cahali (2009); Dias (2008, 2009); Fonseca (2009); Freitas (2009); Cardoso (2009); Caldeira (2009); Parizatto (2008); Lomeu (2009); Rizzardo (2008); Venosa (2005, 2007) e outros. Palavras chave: Alimentos Gravídicos; Nascituro; Dignidade humana; Lei n. 11.804/2008. 6 ABSTRACT This study aimed to analyze the relevance of the legal system and the security of family structure on the applicability of the Act n.11.804/08 which introduced the so- called "food gestational periods. This right is guaranteed to women during pregnancy and con ¬ poured on to the child when there is a live birth. Thus, food appreciates the pregnancy maintenance in order that the child is unable to sustain itself and needs help. We found that regardless of law, the unborn child has the right to food toss and full development of the process of gestation, since their fundamental right to life is guaranteed in the Constitution, without the need for labels or alter existing arrangements. The analysis of the findings revealed that Law 11,804 of 06 November 2008, with social, seeks to rescue the support that pregnant women throughout pregnancy does not get the chance to move the birth of life of the unborn, even with weak evidence paternity. Hence the aim of further studies on food gestational periods, believing that the judge be careful with the evidence of paternity, that the alleged father will not suffer damage, since it is also protected by law. This research, of a methodological strictly bibliographical, was based on authors such as Cahali (2009), Dias (2008, 2009), Fonseca (2009), Freitas (2009); Cardoso (2009); Caldeira (2009); Parizatto (2008); Lomeu (2009); Rizzardo (2008); Events (2005, 2007) and others. Keywords: Food gravid; Unborn; Human dignity; Law 11804/2008. 7 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO.................................................................................................... 9 2 BASE E DIREITOS DA FAMÍLIA....................................................................... 11 2.1 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA...................................... 11 3 DOS ALIMENTOS EM GERAL.......................................................................... 16 3.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO INSTITUTO...................................................... 16 3.2 CONCEITO DE ALIMENTOS........................................................................... 19 3.3 LEGITIMIDADE E FUNDAMENTAÇÃO LEGAL.............................................. 20 3.4 ATRIBUTOS DA OBRIGAÇÃO LEGAL DE ALIMENTOS................................ 22 3.4.1 Inalienabilidade........................................................................................... 22 3.4.2 Irrenunciabilidade....................................................................................... 22 3.4.3 Reciprocidade.............................................................................................. 23 3.4.4 Solidariedade............................................................................................... 23 3.4.5 Transmissibilidade...................................................................................... 24 3.4.6 Imprescritibilidade...................................................................................... 25 3.4.7 Irrepetibilidade............................................................................................ 25 3.4.8 Alternatividade............................................................................................ 26 3.4.9 Periodicidade...............................................................................................27 3.4.10 Anterioridade............................................................................................. 27 3.4.11 Atualidade.................................................................................................. 28 4 NASCITURO E ALIMENTOS............................................................................. 29 4.1 NASCITURO E O DIREITO AO ALIMENTO.................................................... 30 5 ALIMENTOS GRAVÍDICOS............................................................................... 33 5.1 CONCEITO DE ALIMENTOS GRAVÍDICOS................................................... 33 5.2 A INOVAÇÃO TRAZIDA PELA LEI Nº 11.804/2008........................................ 34 5.2.1 Aspectos processuais................................................................................ 34 5.2.2 Possibilidade de conversão, revisão e extinção dos alimentos gravídicos........................................................................................................ 36 5.2.3 Viabilidade de indenização do réu............................................................. 38 5.3 TEORIA CONCEPCIONISTA EM REALIDADE COM A LEI DE ALIMENTOS GRAVÍDICOS................................................................................................... 41 8 6 CRÍTICA SOBRE A LEI DE ALIMENTOS GRAVÍDICOS E A INSEGURANÇA TRAZIDA AO SUPOSTO PAI.............................................. 44 7 CONCLUSÃO................................................................................................... 48 REFERÊNCIAS................................................................................................... 50 ANEXOS.............................................................................................................. 55 9 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como tema os alimentos gravídicos, que são aqueles alimentos destinados à mulher gestante e têm sua previsão expressa na Lei n. 11.804 de 05 de Novembro de 2008, trazendo significativa repercussão no meio jurídico. O objetivo geral é demonstrar a possibilidade legal da genitora, representando o nascituro, pleitear prestação alimentícia junto ao possível genitor, bem como a possível indenização em favor deste, caso venha a ser demonstrado ao final, por eventuais meios probatórios legais, o equívoco apontado pela mãe, no sentido de não ser verdadeira a presunção da paternidade. Trata-se de uma reflexão sobre as implicações jurídicas que a Lei n. 11.804/2008 trouxe ao cenário jurídico brasileiro, sobretudo, se o nascituro tem direitos alimentícios, uma vez que, a lei abraça seus direitos desde a concepção pelo art. 2º do código civil brasileiro de 2002. A obrigação de prestar alimentos ao filho surge mesmo antes do seu nascimento. A recente Lei assegura o que chama de Alimentos Gravídicos, ou seja, alimentos à gestante, que se converte em alimentos ao filho (a) quando de seu nascimento. O que a nova Lei enseja de forma salutar, é afastar dispositivos dos projetos que traziam todo um novo e moroso procedimento, imprimindo um rito bem mais curto do que a lei de alimentos, e não com a intenção de tratar com desigualdade aos credores de alimentos do procedimento que a Lei 5.478 de 1968 traz. Mas não afasta o questionamento quanto ao Princípio da Igualdade. A possibilidade de entrar com pedido de investigação de paternidade não é barrada pela lei, ao mesmo tempo tal lei não deixará de fixar alimentos gravídicos desde a concepção, ou seja, se fixados alimentos gravídicos, sobrevindo a ação investigatória de paternidade, os alimentos já estarão fixados e serão devidos desde a concepção do nascituro, e não a partir da citação da investigatória. A referida lei sustenta que após o recebimento da inicial deferida, o réu terá um prazo para oferecer defesa que poderá negar suposta paternidade. Porém, essa negativa não impede a fixação dos alimentos e nem a manutenção do seu pagamento. 10 Sendo assim, o reconhecimento da paternidade não é o primordial do pedido da ação, a lei não esta condicionada à declaração imediata da paternidade e tampouco está à mercê da prévia realização de exame de DNA. É possível afirmar que tal determinação ensejaria manobras do suposto pai, no sentido de evitar a concretização do ato, como fugir do oficial de justiça, sendo este encontrado somente após o nascimento do nascituro, perdendo-se, assim, a finalidade da Lei n. 11.804/2008. (DIAS, 2009). Através de ação própria o réu da ação de alimentos poderá pleitear indenização contra a mãe que promover o pedido de alimentos gravídicos, se ficar demonstrada má fé ou o exercício abusivo do seu direito. Este trabalho visa promover algumas considerações, a fim de evidenciar pontos importantes e polêmicos, que será desenvolvido em cinco capítulos. Sempre que entra em vigência uma nova lei, surgem questionamentos a respeito de qual norma aplicar diante de situações constituídas na vigência da legislação pretérita e que perpassam para o tempo da nova lei. E são esses limites que o presente trabalho tem a intenção de questionar. Eventual possibilidade de conflitos entre as “leis” e resguardando os direitos da pessoa humana. O primeiro capítulo versa sobre a base e direitos da família considerando o princípio da dignidade da pessoa humana disposto na Constituição Federal. O segundo capítulo analisa o instituto alimentos, sua evolução histórica, conceitos, legitimidade e fundamentação legal, bem como as características da obrigação alimentar. No terceiro capítulo a proposta é analisar alimentos ao nascituro, aspecto bastante controvertido no meio jurídico. O quarto capítulo busca entender os alimentos gravídicos - Lei n. 11.804, que entrou em vigor no dia 05 de novembro de 2008 e a forma como ele será exercido no ordenamento jurídico brasileiro. A proposta para o quinto capítulo versa sobre a insegurança que a citada lei trouxe para o suposto pai. Por fim, às considerações finais sobre o estudado realizado. As citações aqui apresentadas foram embasadas nas fontes metodológicas utilizadas, ou seja, em legislações que abordam o assunto tratado, pesquisas bibliográficas, artigos jurídicos, doutrina e texto sobre o assunto, sobretudo com aporte em revistas e sites jurídicos que versem sobre o direito de família. 11 2 BASE E DIREITOS DA FAMÍLIA 2.1 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA A dignidade é o núcleo dos valores descritos na Constituição e o fator que pauta a defesa da família como instituição formadora da sociedade; a igualdade é tratada no que diz respeito ao tratamento de homem mulher e filhos e filhas e estes entre si, como norteador do respeito que deve haver entre estes; a liberdade é orientadora dos passos que estes membros da família devem trilhar na construção do conforto da família e para que assim seja construída uma ponte para a realização e respeito do que está descrito nos demais princípios; proteção dos valores sociais e proteção do menor também estão inseridas neste contexto generalista dos princípios gerais e fundamentais. (DIAS, 2009). Segundo Pereira (2006, p. 25) O art. 1º da Constituição da República do Brasil bem traduz alguns exemplos de princípios expressos: a soberania; a cidadania; a dignidade da pessoa humana; os valores do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. Estes princípios fundamentais expressos na Carta Magna são os princípios gerais a partir dos quais todo ordenamento jurídico deve irradiar, e nenhuma lei ou texto normativo podem ter nota dissonante da deles. Eles são os orientadores da nossa ordem jurídicae traduzem o mais cristalino e alto espírito do Direito. Para Dias (2009, p. 59) “é no direito das famílias em que mais se sente o reflexo dos princípios eleitos pela Constituição Federal, que consagrou como fundamentais valores sociais dominantes”. Os princípios que regem o direito das famílias não podem distanciar-se da atual concepção da família dentro de sua feição desdobrada em múltiplas facetas. A Constituição consagra alguns princípios, transformando-os em direito positivo, primeiro passo para a sua aplicação. Desta forma devemos recorrer a tal fonte insubstituível de nosso ordenamento para fundamentarmos nossa análise do referido ramo jurídico sempre que necessário for. Venosa (2005) afirma que a Constituição Federal de 1988 consagra a proteção à família no artigo 226, compreendendo tanto a família fundada no casamento, como a união de fato, a família natural e a família adotiva. De há muito, 12 diz o mestre, o país sentia necessidade de reconhecimento da célula familiar independentemente da existência de matrimônio. A convivência familiar também é regulada através das normas consagradas por outros estatutos como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei 8.069/1990) e do Estatuto do Idoso (Lei n.º 10.741/2003), ofertando de maneira ampla a proteção integral a todos os membros das famílias. De acordo com Venosa (2005, p. 22): [...] a célula básica da família, formada por pais e filhos, não se alterou muito com a sociedade urbana. A família atual, contudo, difere das formas antigas no que concernem as suas finalidades, composição e papel de pais e mães. [...] a família deixa de ser uma unidade de produção na quais todos trabalhavam sob a autoridade de um chefe. [...] Os conflitos sociais gerados pela nova posição social dos cônjuges, as pressões econômicas, a desatenção e o desgaste das relações tradicionais fazem aumentar o número de divórcios. [...] a unidade familiar, sob o prisma social e jurídico, não mais temo como baluarte exclusivo o matrimônio. A nova família estrutura-se independentemente das núpcias. A família como formação social, na visão de Perlingieri (2002) é garantida pela Constituição não por ser portadora de um direito superior ou superindividual, mas por ser o local ou instituição onde se forma a pessoa humana. O respeito à dignidade da pessoa humana pressupõe assegure-se concretamente os direitos sociais previstos no artigo 6º da Constituição Federal, que por sua vez está atrelado ao artigo 225, normas essas que garantem como direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, assim como o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Acrescento a esta lista a proteção estatal à família como base da sociedade. Nesse quadro, superficialmente traçado, há inexoravelmente novos conceitos desafiadores a incitar o legislador e o jurista, com premissas absolutamente diversas daquelas encontradas no Código Civil de 1916. Como também, o desenvolvimento tecnológico demonstra hoje ser possível a certeza da paternidade biológica, a fecundação artificial etc. em questões que superam as mais imaginosas ficções científicas de passado bem próximo. A Constituição de 1988 e o Código Civil de 2002 colocam a família sob o enfoque da tutela individualizada dos seus membros, ou seja, a visão constitucional antropocêntrica coloca o homem como centro da tutela estatal, valorizando o 13 indivíduo e não apenas a instituição familiar. Este princípio no direito de família pode assegurar outros tantos direitos e garantias. Este princípio é decorrente do artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal. (MELO, 2006). Gonçalves (2005) ressalta que este princípio é decorrente do artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal. Para o autor, o Direito de Família o mais humano de todos os ramos do Direito. Em razão disso, e também pelo sentido ideológico e histórico de exclusões, é que se torna imperativo pensar o Direito de Família na contemporaneidade com a ajuda e pelo ângulo dos Direitos Humanos, cuja base e ingredientes estão, também, diretamente relacionados à noção de cidadania. A evolução do conhecimento científico, os movimentos políticos e sociais do século XX e o fenômeno da globalização provocaram mudanças profundas na estrutura da família e nos ordenamentos jurídicos de todo o mundo, Todas essas mudanças trouxeram novos ideais, provocaram um declínio do patriarcalismo e lançaram as bases de sustentação e compreensão dos Direitos Humanos, a partir da noção da dignidade da pessoa humana, hoje insculpida em quase todas as instituições democráticas. (GONÇALVES, 2005). Diniz (2005) ministra que referido princípio constitui base da comunidade familiar, garantido o pleno desenvolvimento e a realização de todos os seus membros, principalmente da criança e do adolescente, e crítica juristas, que ante a nova concepção de família, falam em crise, desagregação e desprestígio, salientando que a família passa, sim, por profundas modificações, mas como organismo natural, ela não se acaba e como organismo jurídico está sofrendo uma nova organização. Sustenta Dias (2009, p. 61) que: O princípio da dignidade da pessoa humana é o maior, fundante do estado Democrático de Direito, sendo afirmado já no artigo da Constituição Federal. A preocupação com a promoção dos direitos humanos e da justiça social levou o constituinte a consagrar a dignidade da pessoa humana como valor nuclear da ordem constitucional. Segundo Sarmento (2000, p. 58) “sua essência é difícil de ser capturada em palavras, mas incide sobre uma infinidade de situações que dificilmente se podem elencar de antemão”. Para Rothenburg (1999, p. 65): 14 Talvez possa ser identificado como sendo o princípio de manifestação primeira dos valores constitucionais, carregado de sentimentos e emoções. É impossível uma compreensão exclusivamente intelectual e, como todos os outros princípios, também é sentido e experimentado no plano dos afetos. O princípio da dignidade humana, de acordo com Pereira (2006, p. 68) é o “mais universal de todos os princípios. É um macro princípio do qual se irradiam todos os demais: liberdade, autonomia privada, cidadania, igualdade e solidariedade, uma coleção de princípios éticos”. No dizer de Sarmento (2000, p. 60): Representa o epicentro axiológico da ordem constitucional, irradiando efeitos sobre todo o ordenamento jurídico e balizando não apenas os atos estatais, mas toda a miríade de relações privadas que se desenvolvem no seio da sociedade. O direito das famílias está umbilicalmente ligado aos direitos humanos, que têm por base o princípio da dignidade da pessoa humana, versão axiológica da natureza humana. Significa também, igual dignidade para todas as entidades familiares. Assim, é indigno dar tratamento diferenciado às várias formas de filiação ou os vários tipos de constituição de família, como o que se consegue visualizar a dimensão do espectro desse princípio, que tem contornos cada vez mais amplos. (DIAS, 2009). Portanto, a dignidade da pessoa humana encontra na família o solo apropriado para florescer. A ordem constitucional dá-lhe especial proteção independentemente de sua origem. A multiplicação das entidades familiares preserva e desenvolve as qualidades mais relevantes entre os familiares - o afeto, a solidariedade, a união, o respeito, a confiança, o amor, o projeto de vida comum , permitindo o pleno desenvolvimento pessoal e social de cada partícipe com base em ideais pluralistas, solidaristas, democráticos e humanistas. Perlingieri (2002, p. 243) ministra que: A família é valor constitucionalmente garantido nos limites de sua conformaçãoe de não contraditoriedade aos valores que caracterizam as relações civis, especialmente a dignidade humana: ainda que diversas possam ser as suas modalidades de organização, ela é finalizada à educação e à promoção daqueles que a ela pertencem. O merecimento de tutela da família não diz respeito exclusivamente às relações de sangue, mas, sobretudo, àquelas afetivas, que se traduzem em uma comunhão espiritual e de vida 15 Afirma Dias (2009), a família adquiriu função instrumental para a melhor realização dos interesses afetivos e existenciais de seus componentes. Nesse contexto de extrema mobilidade das configurações familiares, novas formas de convívio vêm sendo improvisadas em torno da necessidade - que não se alterou - de criar os filhos. No contexto do mundo globalizado, ainda que continue ela a ser essencial para a própria existência da sociedade e do Estado, houve uma completa reformulação do conceito de família. O alargamento conceitual das relações interpessoais acabou deitando reflexos na conformação da família, que não possui mais um significado singular. Assim, afetividade, novos conceitos de família, dignidade, liberdade e igualdade andam em conjunto na preceituação dos fundamentos normativos do Direito de Família contemporâneo, trazendo uma nova leitura da célula primaz da sociedade. A relação de família sofreu alterações consideráveis e tanto a constituição quanto a legislação ordinária subseqüente procurou atender à necessidade e tornar sua aplicação prática de forma rápida e definitiva. Foram fundamentais para essa efetiva aplicação normativa a existência dos preceitos fundamentais constantes em nossa Carta Maior e estes preceitos estão intimamente ligados com tais avanços, devendo ser respeitados e defendidos pelos operadores do direito, buscando sua execução e buscando sua melhoria na evolução dos textos normativos de acordo com o que for necessário a generalidade e globalização dos preceitos. (MELO, 2006). Portanto, a dignidade é o mais universal dos princípios, dando origem aos demais aqui já apresentados (liberdade, autonomia privada, cidadania, igualdade e solidariedade). É o princípio que faz da família um dos mais protegidos patrimônios capazes de serem construídos. 16 3 DOS ALIMENTOS EM GERAL 3.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO INSTITUTO De acordo com Cahali (2009) a evolução histórica do instituto no direito romano terá conhecido a obrigação alimentícia fundada em várias causas: a) na convenção; b) no testamento; c) na relação familiar; d) na relação de patronato; e) na tutela. No direito canônico, em seus primeiros tempos, dilargou substancialmente o âmbito das obrigações alimentares, inclusive na esfera de relações extra familiares. No direito comparado as legislações dos países civilizados cuidam da obrigação por alimentos em extensões variáveis, seja quanto à natureza (côngruos ou necessários), seja quanto às pessoas que a ela estaria vinculada. No direito brasileiro pré-codificado nas Ordenações Filipinas, o texto mais expressivo a respeito da obrigação alimentar (pelo menos mais citado na doutrina) encontra-se no Liv. 1, Tít. LXXXVIII, 15, na medida em que, embora provendo sobre a proteção orfanológica, traz a indicação dos elementos que comporiam a obrigação. Segundo Dias (2009) em um primeiro momento o poder familiar - com o nome pátrio poder - era exercido pelo homem, considerado a cabeça do casal, o chefe da sociedade conjugal. Assim era dele a obrigação de prover o sustento da família o que se convertia em obrigação alimentar quando do rompimento do casamento. O modo como a lei regula as relações familiares acaba refletindo no tema alimentos. O Código Civil de 1916, com o nítido intuito de proteger a família quando de sua edição acabou perpetrando uma das maiores atrocidades contra crianças e adolescentes: simplesmente não permitia o reconhecimento dos filhos ilegítimos, ou seja, filhos havidos fora do casamento. Com isso não podiam eles buscar a própria identidade nem os meios para prover a sua subsistência. Afirma Dias (2009) somente 30 anos após foi permitido ao filho de homem casado promover em segredo de justiça ação de investigação de paternidade apenas para buscar alimentos. Embora reconhecida a paternidade, a relação de parentesco não era declarada, o que só podia ocorrer depois de dissolvido o casamento do genitor. 17 Já alertava Beviláquia (1971, p. 332 apud DIAS, 2009, p. 322): “a falta é cometida pelos pais, e a desonra recai sobre os filhos. A indignidade está no fato do incesto e do adultério, mas a lei procede como se estivesse nos frutos infelizes dessas uniões condenadas”. Somente em 1989 (Lei n. 7.841/1989) é que foi admitido o reconhecimento dos filhos “espúrios”, em face do princípio da igualdade entre os filhos, consagrado pela Constituição Federal. Em relação à obrigação alimentar decorrente do casamento, era idêntico o perfil conservador e patriarcal da família. Existia somente a obrigação alimentar do marido em favor da mulher inocente e pobre, apesar de o Código atribuir a ambos os cônjuges o dever de mútua assistência. O casamento era indissolúvel, extinguia-se exclusivamente por morte ou anulação. Porém, havia a possibilidade de o matrimônio terminar pelo desquite, o que dava ensejo à separação de fato dos cônjuges, à dispensa do dever de fidelidade e ao término do regime de bens. Mas o vínculo matrimonial permanecia inalterado. Como o casamento não se dissolvia, mantinha-se o encargo assistencial, ao menos do homem para com a mulher, a depender da sua inocência e necessidade, assim reconhecida na ação de desquite. (DIAS, 2009). O dever de sustento somente cessava no caso de abandono do lar sem justo motivo. A preocupação não era com a necessidade, mas com a conduta moral da mulher, pois a sua honestidade era condição para obter pensão alimentícia. Ressalta Dias (2009) que o conceito de honestidade, com relação às mulheres, sempre esteve ligado à sua sexualidade, ou melhor, com a abstinência sexual. O exercício da liberdade sexual fazia cessar a obrigação alimentar, sem qualquer questionamento quanto à possibilidade de ela conseguir se manter ou não. Assim, a castidade integrava o suporte fático do direito a alimentos. Para fazer jus a eles, a mulher precisava provar não só a sua necessidade, mas também que era pura e recatada, além de fiel ao ex-marido. O dever alimentar entre os cônjuges passou a ser recíproco com a Lei do Divórcio, n. 6.515, de 26 de dezembro de 1977. Porém, exclusivamente o consorte responsável pela separação é que pagava alimentos ao inocente. Pois, o cônjuge que tivesse conduta desonrosa ou praticasse qualquer ato que violasse os deveres do casamento, tornando insuportável a vida em comum, era condenado a pagar pensão àquele que não teve culpa pelo rompimento do vínculo afetivo. A lei não dava margem a outra interpretação (LD, art.19): “o cônjuge responsável pela 18 separação judicial prestará ao outro, se dela necessitar a pensão que o juiz fixar”. Ou seja, na interpretação de Dias (2009, p. 456): O culpado pela separação não tinha direito de pleitear alimentos, pretensão assegurada exclusivamente a quem não havia dado causa ao fim do matrimônio. Só o inocente fazia jus à pensão alimentícia. Assim, a demanda precisava envolver a perquirição da causa do rompimento da vida em comum. O autor da ação, para ser contemplado com alimentos, necessitava provar, além da necessidade, tanto sua inocência como a culpa do réu. Até a simples iniciativa judicial de buscar a separação excluía o direito de pleitear alimentos. A Lei n. 8.971/1994, art. 1º e Lei n. 9.278/1996, art. 7º, os conviventes gozavam de situação privilegiada, se confrontada com a do casamento. O encargo alimentar não estava condicionadoà postura dos parceiros quando do fim do relacionamento. A ausência do elemento culpa pelo término do convívio limitava o âmbito de cognição da demanda de alimentos, se comparada com a ação decorrente da relação de casamento. Para Dias (2009, p. 457) tal incongruência foi encarada pela jurisprudência como nítida afronta ao princípio da isonomia: Casamento e união estável têm origem em um vínculo afetivo, nada justificando a distinção. Como a justiça não consegue conviver com o imponderável, nem dar tratamento diferenciado e mais restritivo a direitos de igual natureza, passou a ser dispensada a perquirição da culpa quando a lide envolvia alimentos a cônjuges. Na vigência do Código Civil de 1916, o dever alimentar de origens diversas era regrado em distintos diplomas legais e de modo diferenciado. Assim, sustenta Dias (2009, p. 457): a. A lei civil disciplinava os alimentos que decorriam do vínculo de consangüinidade e da solidariedade familiar. b. A Lei do Divórcio e a legislação da união estável regulavam os alimentos derivados do dever de mútua assistência. Somente em se tratando da obrigação alimentar entre cônjuges indagava-se da responsabilidade pelo fim do casamento. c. O Código anterior vedava a renúncia aos alimentos, havendo tão só a possibilidade de não serem cobrados (CC/1916, art. 404). d. No desquite, não era admitida a renúncia, somente a dispensa da pensão, em face de Súmula do STF - “No acordo de disquete não se 19 admite renúncia aos alimentos, que poderão ser pleiteados ulteriormente, verificados os pressupostos legais”. e. A Lei do Divórcio nada dizia. No entanto, a jurisprudência passou a reconhecer a possibilidade de renúncia na separação e no divórcio. Ou seja, os parentes não podiam renunciar aos alimentos, mas os cônjuges, sim. f. De acordo com CC/1916, art. 402, a obrigação alimentar era intransmissível. A Lei do Divórcio consagrava a transmissibilidade da obrigação de prestar alimentos aos herdeiros do devedor (LD, art. 23). A tendência consolidada na jurisprudência era admitir a transmissão exclusivamente da dívida alimentar, isto é, das prestações vencidas e não pagas até a data do falecimento do devedor de alimentos. Morto o alimentante, extinguia-se o dever de pagar alimentos ao cônjuge sobrevivente. Independentemente da origem do encargo, a identificação de culpa limita o valor dos alimentos, mas não os exclui, o que já é um avanço, o Código Civil em vigor volta o questionamento da responsabilidade. Como afirma Cahali (2009), o Código Civil atual em seus artigos 1.694 a 1.710, trata promiscuamente dos alimentos, não se sabe se por falha, desconhecimento ou real intenção. Não distingue a origem da obrigação, se decorrente do poder familiar, do parentesco ou do rompimento do casamento ou da união estável. A ausência de diferenciação quanto à natureza do encargo tem gerado sérias controvérsias em sede doutrinária. 3.2 CONCEITO DE ALIMENTOS Afirma Parizatto (2008, p. 139): Não obstante o termo utilizado pelos dispositivos legais “alimentos” tem-se que esses indicam o que serve para a alimentação em si, mas também o necessário à educação, moradia, vestuário, saúde, lazer entre outras despesas para a sobrevivência de alguém. 20 Beviláqua (1980, p. 863 apud PARIZATTO, 2008, p. 139) define que: “alimentos, na terminologia jurídica significam sustento, habitação, vestuário, tratamento por ocasião de moléstia, e, quando o alimentário for menor, educação e instrução”. Assim, têm-se que os alimentos abrangem a manutenção da vida, o tratamento e a convalescência de doenças, as vestimentas e as despesas de habitação. Alimentos seriam tudo quanto é necessário para o sustento do alimentado. Portanto, em virtude da presunção de necessidade que tem o alimentando de receber meios para sua subsistência, é que se admite até mesmo a prisão civil do devedor inadimplente de alimentos, como meio coercitivo para tanto. É que se o devedor de alimentos deixa de cumprir com sua obrigação a tempo e modo, o alimentante fica desprovido de recursos para se manter, prejudicando-o, eis que a fome não espera. Daí a seriedade que se impõe a tal instituto de modo a se coibir à falta de pagamento de pensão alimentícia ou a protelação indevida da mesma. (PARIZATTO, 2008). Dias (2009, p. 459) assinala que para o direito, alimento não significa somente o que assegura a vida. Enquanto, Rodrigues (2004, p. 375) afirma que a obrigação alimentar tem um fim precípuo: “atender às necessidades de uma pessoa que não pode prover a própria subsistência”. O Código Civil de 2002 não define o que sejam alimentos. Preceito constitucional assegura a crianças e adolescentes direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura e à dignidade (CF. art. 207). (DIAS, 2009). Assim, afirma Dias (2009), quem sabe aí se possa encontrar o parâmetro para a mensuração de a obrigação alimentar. Talvez o seu conteúdo possa ser buscado no que entende a lei por legado de alimentos (CC art 1920): sustento, cura, vestuário e casa, além de educação, se o legatário for menor. 3.3 LEGITIMIDADE E FUNDAMENTAÇÃO LEGAL A legitimidade do instituto está estabelecida no atual Código Civil em seu artigo 1.694 que “estabelece que os parentes, os cônjuges ou companheiros podem 21 pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação”. O artigo 1.696 do CC estabelece que “o direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros”. Para, o artigo 1.697 estabelece que “na falta dos ascendentes cabe a obrigação dos descendentes guardadas a ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos, como unilaterais”. O Código Civil em seu artigo 1.698 estabelece que: Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide. O Código Civil assegura em seu artigo 1.705 que: “Para obter alimentos, o filho havido fora do casamento pode acionar o genitor, sendo facultado ao juiz determinar, a pedido de qualquer das partes, que a ação se processe em segredo de justiça”. No artigo 1.703 é expresso que “para a manutenção dos filhos, os cônjuges separados judicialmente contribuirão na proporção de seus recursos” Portanto, a responsabilidade da relação alimentícia é em primeiro lugar dos pais e filhos, depois de ascendentes, depois de descendentes e por último dos irmãos. É de se observar que a prestação alimentícia é inerente ao poder familiar, onde ambos os genitores tem o dever de suprir as necessidades básicas dos filhos menores. Enfim, a fundamentação legal do instituto está expressa no atual Código Civil, objeto da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que cuida do assunto nos artigos 1.694 a 1.710 - Subtítulo III, Capítulo VI, Livro IV, Direito de Família. 22 3.4 CARACTERÍSTICAS DA OBRIGAÇÃO LEGAL DE ALIMENTOS 3.4.1 Inalienabilidade Esclarece Dias (2009) que o direito alimentar não pode ser transacionado, sob pena de prejudicar a subsistência do credor. Apenas com relação aos alimentos pretéritos são lícitas transações. Ainda assim, em se tratando de alimentos devidos a menor, o acordo necessita submeter-se à chancela judicial e prévia manifestação do Ministério Público.Reconhecida a inconveniência da transação, não deve ser homologada. Flagrado conflito de interesses entre o credor e seu representante, cabe a nomeação de um curador ao alimentando para buscar a cobrança do débito. Na separação e divórcio extrajudiciais, cabe a fixação de alimentos em favor dos cônjuges ou dos filhos maiores. Embora indisponível o direito aos alimentos, são perfeitamente válidas as convenções estipuladas entre as partes com vistas a fixação da pensão presente ou futura, e ao modo de sua prestação. (CAHALI, 2009). 3.4.2 Irrenunciabilidade No artigo 404 do Código Civil/1916 vedava a renúncia aos alimentos. Segundo Dias (2009) com relação ao desquite, a matéria foi sumulada pelo STF (Súmula 379) no mesmo sentido. A Lei do Divórcio silenciou sobre o ponto. Rodrigues (2004) diz que a jurisprudência aceitava a renúncia até mesmo para poupar as partes, por exemplo, da constrangedora prova da culpa para buscar a inexistência da obrigação. Com isso reconhecia-se a possibilidade de renúncia à pensão, sob o fundamento de que a irrenunciabilidade estava prevista somente no Código Civil, que tratava apenas dos alimentos decorrentes do parentesco. Como inexistia regra nesse sentido na Lei do Divórcio e nas leis reguladoras da união estável, a justiça aceitava a renúncia manifestada por cônjuges e companheiros. 23 Segundo Dias (2009) o Código Civil consagra a irrenunciabilidade aos alimentos, admitindo apenas que o credor não exerça o direito (art. 1.707). Como não está prevista qualquer exceção, inúmeras são as controvérsias que existem em sede doutrinária. Mas a lei é clara: não é mais possível admitir a renúncia. Todavia, pode haver a dispensado pagamento da pensão, o que não veda ulterior pretensão alimentar. 3.4.3 Reciprocidade Como já foi estudado a obrigação alimentar e recíproca entre cônjuges companheiros (art. 1.694) e parentes (art. 1.696). É mutuo o dever de assistência a depender das necessidades de um e das possibilidades do outro. Com relação aos alimentos decorrentes do poder familiar não há falar em reciprocidade (CF, art. 229). Porém, no momento em que os filhos atingem a maioridade, cessa o poder familiar e surge, entre pais e filhos, obrigação alimentar recíproca em decorrência do vínculo de parentesco. Para Dias (2009, p. 462): Ainda que exista o dever de solidariedade da obrigação alimentar a reciprocidade só é invocável respeitando um aspecto ético. Assim, o pai que deixou de cumprir com os deveres inerentes ao poder familiar não pode invocar a reciprocidade da obrigação alimentar para pleitear alimentos dos filhos quando atingirem eles a maioridade. Cahali (2009, p. 110) diz que “à evidência, reciprocidade não significa que duas pessoas devam entre si alimentos ao mesmo tempo, mas apenas que o devedor alimentar hoje pode tornar-se credor alimentar no futuro”. 3.4.4 Solidariedade Segundo Cahali (2009) nunca declinou a lei a natureza de a obrigação alimentar. O silêncio do Legislador sempre ensejou acirrada controvérsia. 24 Segundo Dias (2009) como a solidariedade não se presume (Código Civil, art. 265), pacificaram-se doutrina e jurisprudência entendendo que o dever de prestar alimentos não era solidário, mas subsidiário e de caráter complementar, pois condicionado às possibilidades de cada um dos obrigados. Sua natureza divisível sempre serviu de justificativa para reconhecer que não se trata de obrigação solidária. Assim, no caso de existir mais de uma obrigação, cada um responde pelo encargo que lhe foi imposto, não havendo responsabilidade em relação à totalidade da dívida alimentar. 3.4.5 Transmissibilidade Afirma Dias (2009) que o Código Civil concede tratamento uniforme ao dever alimentar e prevê (Código Civil, 1.700): a obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor. O Código Civil anterior, que regulava os alimentos entre parentes, dizia que o encargo era intransmissível (Código Civil/1916 402). A Lei do Divórcio, ao tratar do dever entre cônjuges, consagrava sua transmissibilidade (LD, art. 23). As leis reguladoras da união estável nada diziam. A aparente contradição legislativa era solvida pela jurisprudência, atentando ao fato de serem encargos diferenciados: a lei civil regulava os alimentos entre parentes, e a Lei do Divórcio tratava da obrigação entre cônjuges. A doutrina sustenta que cabe a imposição do encargo alimentar até ser ultimada a partilha dos bens, mediante a devida compensação, para que o alimentado-herdeiro não receba duplamente. Essa, porém, não é a orientação da jurisprudência, em face dos claros termos da lei. As parcelas recebidas a título de alimentos não são compensadas do seu quinhão hereditário. Mas o que se transmite é a obrigação alimentar, que pode ser cobrada dos sucessores. Para isso não é necessário que o encargo tenha sido imposto judicialmente antes do falecimento do alimentante. A ação de alimentos pode ser proposta depois da morte do alimentante. Devedor não é apenas quem se acha obrigado por débitos vencidos, mas também a pessoa legalmente obrigada à prestação, mesmo que esteja em dia com os pagamentos ou não lhe tenha sido 25 cobrada a prestação. O herdeiro que não está na posse do acervo hereditário pode promover ação de alimentos, no foro do seu domicílio, e não no juízo do inventário. Os herdeiros não respondem por encargos superiores às forças da herança (Código Civil, 1.792). Não havendo bens, ou sendo insuficiente o acervo hereditário para suportar o pagamento, não há como responsabilizar pessoalmente os herdeiros pela manutenção do encargo. Surge o direito de pleitear os alimentos frente aos parentes. Mas é obrigação de outra origem, tendo por fundamento a solidariedade familiar (Código Civil, art. 1.694) (DIAS, 2009). 3.4.6 Imprescritibilidade Segundo Rizzardo (2008) o direito aos alimentos é imprescritível. A todo tempo o necessitado está autorizado a pedir alimentos. Para Parizatto (2008) tem-se como imprescritível o direito a alimentos. No que se refere ao exercício da pretensão a alimentos, é de se observar que o Código Civil em seu artigo 206, parágrafo 2º, estabelece que prescreva em dois anos, a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que se vencerem. Anteriormente o prazo era de cinco anos (Código Civil/1916, art. 178, parág. 10º, I). 3.4.7 Irrepetibilidade Sustenta (Dias, 2009, p. 463-464): Talvez um dos mais salientes princípios que rege o tema dos alimentos seja o da irrepetibilidade. Como se trata de verba que serve para garantir a vida e destina-se à aquisição de bens de consumo para assegurar a sobrevivência. Assim, inimaginável pretender que sejam devolvidos. Esta verdade é tão evidente que até é difícil sustentá-la. Não há como argumentar o óbvio. Provavelmente por esta lógica ser inquestionável é que o legislador não se preocupou sequer em inseri-la na lei. Daí que o princípio da irrepetibilidade é por todos aceitos mesmo não constando do ordenamento jurídico. 26 Portanto, em nome da irrepetibilidade, afirma Dias (2009) não se pode dar ensejo ao enriquecimento injustificado. É o que se vem chamando de relatividade da não restituição. Conforme Madaleno (1999, p. 57), “soa sobremaneira injusto não restituir alimentos claramente indevidos, em notória infração ao princípio do não enriquecimento sem causa”. A boa-fé é um princípio agasalhado pelo direito (Código Civil, art. 113 e 422). Admite-se a devolução exclusivamente quando comprovado que houve má-fé ou postura maliciosa do credor. 3.4.8 Alternatividade Em regra, os alimentos são pagos em dinheiro, dentro de determinada periodicidade. O parente podefornecer uma prestação pecuniária, ou fornecer hospedagem e sustento ao parente, bem como educação, quando menor (Código Civil, art. 1.701). Segundo Rizzardo (2008) há de se considerar tal faculdade de acordo com as circunstâncias, como sugere o parágrafo único, pelo qual “compete ao juiz, se as circunstâncias o exigirem, fixar a forma do cumprimento da prestação”. Com efeito, cumpre se examine cada caso em particular. Afirma Cahali (2009), contudo, o poder de disposição do magistrado, não pode ser levado ao extremo de permitir a contraprestação de serviços do devedor ao credor, ou de disciplinar o modo de vida do alimentado. O descumprimento da obrigação comporta execução de obrigação de fazer, com a estipulação de pena pecuniária (CPC 461 § 5°). Sendo a obrigação prestada por terceiro, este fica sub-rogado no direito do credor, podendo fazer uso da demanda executória. (DIAS, 2009). 27 3.4.9 Periodicidade A pensão alimentícia é paga, em geral, mensalmente, menos quando se estipula a satisfação através da entrega de gêneros alimentícios ou rendimentos de bens. (RIZZARDO, 2008). De acordo com Dias (2009, p. 468): Como o encargo de pagar alimentos tende a estender-se no tempo - ao menos enquanto o credor deles necessitar -, indispensável que seja estabelecida a periodicidade para seu adimplemento. Quase todos percebem salários ou rendimentos mensalmente, daí a tendência de estabelecer este mesmo período de tempo para o atendimento de a obrigação alimentar. No entanto, nada impede que seja outro o lapso: quinzenal, semanal e até semestral. Essas estipulações dependem da concordância das partes ou da comprovação por parte do devedor da necessidade de que assim seja. De qualquer modo, dispondo o encargo do prazo que tiver em qualquer hipótese, cabível o uso da demanda executória. Mesmo que os alimentos sejam fixados semestralmente - o que é comum quando os devedores se dedicam à agricultura -, tal não retira a atualidade da obrigação para a cobrança pelo rito da coação pessoal (CPC, art. 733). 3.4.10 Anterioridade Trata-se de encargo que necessita ser cumprido antecipadamente. Como os alimentos destinam- se a garantir a subsistência do credor, precisam ser pagos com antecedência, tendo vencimento antecipado. Esta regra encontra-se expressa na lei ao tratar do legado de alimentos (Código Civil, art. 1.928, parágrafo único): “se as prestações forem deixadas a título de alimentos, pagar-se-ão no começo de cada período. Para Dias (2009, p. 469), 28 [...] nada justifica deixar de aplicar tão salutar regra em toda e qualquer obrigação de natureza alimentar. Assim, a partir do dia em que os alimentos são fixados, já são devidos. Deve o devedor ser intimado para pagar imediatamente, cabendo ao juiz fixar-lhe um prazo razoável, quem sabe entre três ou cinco dias. Nunca, porém, pode ser determinado o pagamento - como ocorre diuturnamente - para o mês subseqüente ao vencido. Não há como pretender que o credor espere o decurso de 30 dias para receber os alimentos. Portando, fixados os alimentos e não pagos imediatamente, possível o uso da via executória, pois existe mora e a obrigação torna-se exigível. Na ação de oferta de alimentos, mister que o autor, quando do ingresso da ação, deposite em juízo o valor oferecido, pois se trata de obrigação já devida. Só estará liberado de tal depósito se comprovar que vem procedendo ao pagamento desde quando houve o rompimento do vínculo de convívio com o credor. (DIAS, 2009). 3.4.11 Atualidade Segundo Parizzato (2008, p. 144) “levando-se em consideração que a prestação alimentícia tem a finalidade de garantir a sobrevivência de alguém, tem-se que tal direito é atual, pois que visa a satisfação momentânea da pessoa, não se podendo, pois exigir-se alimentos de épocas passadas. A Constituição Federal (CF, art. 7º, IV) veda a vinculação do salário mínimo para qualquer fim, mas os alimentos oriundos de indenização por ato ilícito têm como base de cálculo o salário mínimo (CPC, art. 475-Q § 4°). Pacífica a orientação doutrinaria e jurisprudencial admitindo esse indexador nas obrigações alimentares no âmbito do direito das famílias. (DIAS, 2009). 29 4 NASCITURO E ALIMENTOS Segundo o dicionário jurídico o significado de nascituro é: “ser humano já concebido, mas ainda por nascer. Por uma ficção do direito, é considerado provisoriamente com certa capacidade jurídica: direito do “nascituro”. (FELIPPE, 1999, p. 217). Venosa (2007, p. 135) afirma que: O nascituro é um ente já concebido que se distingue de todo aquele que não foi ainda concebido e que poderá ser sujeito de direito no futuro, dependendo do nascimento, tratando-se de uma prole eventual. Essa situação nos remete à noção de direito eventual, isto é, um direito em mera situação de potencialidade, de formação, para que nem ainda foi concebido. É possível ser beneficiado em testamento o ainda não concebido. Por isso, entende-se que a condição de nascituro extrapola a simples situação de expectativa de direito. Sob o prisma do direito eventual, os direitos do nascituro ficam sob condição suspensiva. A questão está longe de estar pacífica na doutrina. Conforme Queiroz (2010), conhecida e fecunda é a discussão sobre a personalidade do nascituro, mormente a teor do texto do artigo 4º do Código Civil de 1916: “A personalidade civil do homem começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro”, que vem praticamente repetido no texto do artigo 2º do novo Código Civil. Neste contexto, digladiam-se os adeptos da teoria natalista, da teoria da personalidade condicional e da teoria concepcionista, afirma Queiroz (2010). Segundo a teoria natalista, “o nascituro teria mera expectativa de direitos, mesmo porque a personalidade, na dicção do caput do artigo 4º do Código Civil de 1.916, somente se adquiriria a partir do nascimento com vida”. (RODRIGUES, 1997, p. 37 apud QUEIROZ, 2010, p. 1). Os adeptos da teoria da personalidade condicional, por sua vez, “asseveram que o nascituro teria direitos que estariam subordinados a uma condição suspensiva consistente no nascimento com vida”. (MONTEIRO, 1989, p. 58-59 apud QUEIROZ, 2010, p. 1). 30 Já para os partidários da teoria concepcionista “o nascituro é sujeito de direitos e obrigações desde o momento da concepção. (ALMEIDA, 2000, p. 161 apud QUEIROZ, 2010, p. 1). Segundo Queiroz (2010) argumentos em prol de uma ou de outra teoria há vários e respeitáveis, principalmente aqueles baseados na situação exclusivamente jurídica do tema, independentemente de assertivas de cunho ideológico, moral e religioso. Portanto, a natureza jurídica dos direitos dos nascituros, e, principalmente, quais são esses direitos, têm despertada profunda controvérsia doutrinária. No entanto, afirma Almeida Júnior (2009): embora não seja considerada pessoa, tem a proteção legal dos seus direitos desde a concepção. Em suma, no ordenamento brasileiro, seja qual for a explicação dogmática, o nascituro, conquanto ainda não haja adquirido personalidade jurídica, tem direito que lhe seja compatível. Entre esses direitos extrai-se a proteção á vida, ao ponto da legislação penal punir o crime de aborto com pesadas penas. E essa vida é protegida desde que o óvulo fecundado esteja nidado no útero da mulher. É a proteção da dignidade do nascituro que leva cada vez mais decisões no sentido de lhe conceder direitos das mais variadas matizes, não obstante ainda não sejam reconhecidas como pessoas para efeitos civis, na medida em que não detém personalidade jurídica, que somente se adquire com o nascimento com vida. 4.1NASCITURO E O DIREITO AOS ALIMENTOS Miranda (1974, p. 215 apud CAHALI, 2009, p. 346) acrescenta: O dever de alimentos em favor do nascituro pode começar antes do nascimento e depois da concepção, pois antes de nascer, existem despesas que tecnicamente se destinam à proteção do concebido e o direito seria inferior à vida se acaso recuasse atendimento a tais relações entre inter-humanos, solidamente fundadas em exigências de pediatria. Tais cuidados não interessam à mãe; interessam ao concebido. A Constituição Federal de 1988 preocupou-se em tutelar as garantias fundamentais do homem, prevê em seu artigo 5º, caput, a proteção ao direito à vida, como cláusula 31 pétrea, sendo que esse dispositivo da Carta Magna é interpretado por Moraes (2001, p. 20), nos seguintes termos: O início da mais preciosa garantia individual deverá ser dado pelo biólogo, cabendo ao jurista, tão somente, dar-lhe um enquadramento legal, pois do ponto de vista biológico a vida se inicia com a fecundação do óvulo pelo espermatozóide, resultando o ovo ou zigoto. Assim, a vida viável, começa com a nidação, quando se inicia a gravidez (...). A Constituição, é importante ressaltar, protege a vida de forma geral, inclusive uterina. Em seu artigo 1º, III, assegura a dignidade da pessoa humana, impedindo que seja ameaçada a integridade física e a saúde de todos, inclusive do nascituro, o que consiste na plena proteção à dignidade deste ser humano ainda em formação, mas já protegido pelo ordenamento jurídico. Por conseguinte, o ordenamento jurídico protege o nascituro, garantindo- lhe a vida mediante a possibilidade de percepção de alimentos, incluído neste conceito todas as despesas necessárias ao seu nascimento, despesas estas, que compreendem a assistência médica-cirúrgica, pré-natal, a dieta adequada, o enxoval e as despesas referentes ao parto. Venosa (2007) defende que ao nascituro é possível a prestação alimentícia, sob fundamento de que a lei ampara a concepção. Queiroz (2010) sustenta que o Estatuto da Criança e do Adolescente, interpretado sistematicamente em meio ao ordenamento jurídico, ao tratar da proteção integral à criança, também incluiu os nascituros no rol dos destinatários de suas normas protetivas. Tal conclusão se confirma a partir da leitura, de alguns dispositivos específicos da Lei 8.069/90: • Artigo 7º “estabelece que a criança tem direito à proteção de sua vida e saúde, cumprindo às políticas sociais públicas garantir-lhe o nascimento sadio”. Ora, se a lei quer garantir o nascimento sadio da criança, evidentemente deve proporcionar-lhe condições adequadas que sejam anteriores ao fato do nascimento. • Assim é que o artigo 8º do mesmo estatuto assevera que a gestante terá acompanhamento médico durante a gestação, com vistas à proteção do nascituro. Portanto, vê-se que não é propriamente a gestante a destinatária da norma protetiva - até porque ela pode ter mais do que dezoito anos de idade, 32 estando fora do alcance do artigo 2º da Lei 8.069/90, mas sim o seu filho que ainda está por nascer. Segundo o ordenamento jurídico brasileiro, e principalmente a teor do Estatuto da Criança e do Adolescente, o nascituro é sujeito de direito, tendo, assim, personalidade, independentemente dos discutíveis textos do artigo 4º do Código Civil de 1916 e do artigo 2º do novo Código Civil, já citados. Deve ser ainda, aplicado ao nascituro, o artigo 130 do atual Código Civil que prevê que o titular de direito individual pode praticar atos para conservar a condição suspensiva ou resolutiva de seu direito. Ressalta Tepedino (1999, p. 22 apud QUEIROZ, 2010, 3), [...] espera-se tão-somente que tais modestas reflexões, que não excluem - antes recomendam - o seu aprofundamento, tampouco que não esgotam todos os possíveis argumentos no sentido de sua conclusão, possam contribuir para o aprimoramento da discussão acerca da personalidade do nascituro, sem perder de vista a necessidade da interpretação sistemática do ordenamento jurídico, sempre à luz do texto maior da Constituição. E com o advento da Lei n. 11.804 de 05 de novembro de 2008, o nascituro passa a pleitear alimentos, pois havendo indícios de paternidade, poderão os alimentos ser fixados, mesmo antes do nascimento, a fim de serem custeadas as despesas decorrentes do seu nascimento. Assim dispõe o art. 6º da citada lei: “o juiz, convencido da existência de indícios de paternidade, fixará alimentos gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança, sopesando as necessidades da parte autora e as possibilidades da parte ré”. 33 5 ALIMENTOS GRAVÍDICOS 5.1 CONCEITO DE ALIMENTOS GRAVÍDICOS Existe a manifestação de vários autores sobre o assunto. A Lei n. 11.804/2008, nos termos do seu art. 1º, concede a gestante o direito de buscar alimentos durante a gravidez - daí “alimentos gravídicos”. Lomeu (2008, p. 58) afirma: Alimentos gravídicos compreendem-se aqueles devidos ao nascituro, mas percebidos pela gestante ao longo da gravidez. Em outras palavras, constituem-se valores suficientes para cobrir despesas inerentes ao período de gravidez e dela decorrentes, da concepção ao parto, ou que o magistrado considere pertinente. O rol, portanto, não é exaustivo. Agora, com o nome de gravídicos, os alimentos são garantidos desde a concepção. A explicitação do termo inicial da obrigação acolhe a doutrina que há muito reclamava a necessidade de se impor a responsabilidade alimentar com efeito retroativo a partir do momento em que são assegurados direitos ao nascituro. Ainda que inquestionável a responsabilidade parental desde a concepção, o silêncio do legislador sempre gerou dificuldade para a concessão de alimentos ao nascituro. Assim, em muito boa hora é preenchida injustificável lacuna (DIAS, 2009). Nesses moldes, já afirmava Venosa (2007), o nascituro também pode demandar a paternidade, como autoriza o art. 1.609, parágrafo único. Nesse sentido, vale ressaltar o valioso ensinamento de Pereira (2006, p. 517-519): “Se a lei põe a salvo os direitos do nascituro desde a concepção, é de se considerar que o seu principal direito consiste no direito à mãe necessitada fossem recusados os recursos primários à sobrevivência do ente em formação em seu ventre”. 34 5.2 A INOVAÇÃO TRAZIDA PELA LEI Nº 11.804/2008 A inovação trazida pela Lei n. 11.804, de 05 de novembro de 2008, disciplina o direito de alimentos da mulher gestante e a forma como será exercido. Afirma Dias (2009, p. 481-482): Bastam indícios da paternidade para a concessão dos alimentos, os quais irão perdurar mesmo após o nascimento, oportunidade em que a verba fixada se transforma em alimentos a favor do filho. Os alimentos mudam de natureza. Como deve ser atendido ao critério da proporcionalidade, segundo os recursos de ambos os genitores, nada impede que sejam estabelecidos valores diferenciados, vigorando um montante para o período da gravidez e valores outros, a título de alimentos ao filho, a partir do seu nascimento. Isto porque o encargo decorrente do poder familiar tem parâmetro diverso, pois deve garantir o direito do credor de desfrutar da mesma condição social do devedor (CC art. 1.694). A transformação dos alimentos em favor do filho ocorre independentemente do reconhecimento da paternidade. Caso o genitor não conteste a ação e não faça o registro do filho, a procedência da ação deve ensejar a expedição do mandado de registro, sendo dispensável a instauração do procedimento de averiguação da paternidade para o estabelecimento do vínculo parenta. (DIAS, 2009). Ressalta Dias (2009), é assegurada a revisão dos alimentos, sem aexigência da alteração do parâmetro possibilidade/necessidade. De forma salutar, foram afastados dispositivos do projeto que traziam todo um novo e moroso procedimento, imprimindo um rito bem mais emperrado do que o da Lei de Alimentos. Da redação originária permaneceu somente uma regra processual: a definição do prazo da contestação em cinco dias (Lei n.11.804/2008, 7º). Com isso fica afastado o poder discricionário do juiz de fixar o prazo para a defesa (Lei n. 5.478/1968 5°, § 1°). 5.2.1 Aspectos processuais Freitas (2009, p. 36) afirma que: 35 A natureza dos alimentos gravídicos é sui generis, tanto no aspecto material como processual. No tocante ao viés material, o instituto agrega elementos da pensão alimentícia e da responsabilidade civil. Da primeira, se apropria a primazia de tutela em relação a outras obrigações (inclusive permitindo execução nos moldes do art. 732 e 733); da segunda, a novel Lei se vale das regras de integral reparação patrimonial (já que a lei retroage o início da responsabilidade do suposto pai a “concepção”, ou seja, a data do acontecimento, como na responsabilidade civil (que juros e correção contam-se da data do fato e as medidas são de promover a restauração financeira do status quo ante). A ação de alimentos gravídicos, evidentemente inicia-se com uma petição inicial, com a narrativa dos fatos. Diferentemente da ação de alimentos da Lei n. 5.478, de 25 de julho de 1968 a ação de alimentos gravídicos não exige a prova pré- constituída da paternidade. Desse modo, afirma Almeida Júnior (2009) convencido da existência de indícios de paternidade, o juiz fixa os alimentos. Trata-se de juízo de cognição, que não denota prova inequívoca. A lei contentou-se com os indícios da paternidade. Em linhas gerais, quando houver um relacionamento estável entre pessoas de sexo diferente e a mulher engravidar, haverá indício da paternidade do parceiro (quer casado, quer companheiro, quer concubino, quer namorado), e o juiz poderá fixar os alimentos. Segundo Cahali (2009) a Lei se limita a dispor que o réu será citado para apresentar resposta em cinco dias (art.7º), seguindo-se o enunciado genérico (art. 11) no sentido de aplicação supletiva, nos processos regulados pele referida Lei, do Código de Processo Civil e da Lei de Alimentos. Afirma Cahali (2009, p. 354): Essa dúplice remissão supletiva justifica a preocupação do professor Francisco José Cahali ao criticar o prazo especial de contestação, inovando quanto ao rito processual a ser adotado, criando um procedimento próprio de defesa, mas sem esclarecer como se seguirá o processo a partir de então, quando melhor teria sido manter o rito da Lei de Alimentos. Portanto, reduzindo em alguns dias o prazo geral para a resposta, foi vetado o art. 5º do projeto que dispunha que “recebida a petição inicial, o juiz designará audiência de justificação onde ouvirá a parte autora e apreciará as provas da paternidade em cognição sumária, podendo tomar depoimento da parte ré e de testemunhas e requisitar documentos. 36 De acordo com Cahali (2009) fundamentou-se o veto em que o art. 5º, ao estabelecer o procedimento a ser adotado, determina que seja obrigatória a designação de audiência de justificação, procedimento que não é obrigatório para nenhuma outra ação de alimentos e que causará retardamento, por vezes, desnecessário para o processo. Vetado também o art. 8º do projeto, que dispunha que, havendo oposição à paternidade, condicionava a sentença de procedência do pedido do autor à realização de exame pericial, não se pode delimitar ainda mais a função do julgador na verificação da existência de indícios da paternidade do nascituro imputada à parte ré. Afirma Cahali (2009, p. 355): Embora o legislador deixe transparecer certa liberdade, ao referir-se que bastaria para a fixação de alimentos gravídicos que esteja o juiz convencido da existência de indícios da paternidade (art. 6º), recomenda a prudência que tais indícios tenham alguma consistência, sejam seguros e veemente, especialmente diante do fato de a contribuição prestada pela parte ré ser considerada não repetível ou reembolsável. Seria leviandade pretender que o juiz deva satisfazer-se com uma cognição superficial. Assim, conquanto os alimentos chamados gravídicos, obviamente, somente podem ser reclamados depois de verificada a gravidez se sujeita eles à regra do art. 13, 2º, da Lei 5.478/68: “Em qualquer caso, os alimentos fixados retroagem à data da citação” (na ação promovida pela genitora grávida) (CAHALI, 2009). 5.2.2 Possibilidade de conversão, revisão e extinção dos alimentos gravídicos Segundo Cahali (2009, p. 354): Preservando o exato elastério do art. 2º do atual Código Civil, dispõe a nova Lei, no parágrafo único do art. 6º, que, após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos ficam convertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que uma das partes solicite a revisão. 37 Nessas linhas, nada impede que o juiz estabeleça um valor para a gestante e, atendendo ao critério da proporcionalidade, fixe novos alimentos para a criança. A revisão dos alimentos gravídicos, que se torna inexistente após o nascimento com vida, esta descrito no artigo 7º da lei 11.804/2008: "O réu será citado para apresentar resposta em 5 (cinco) dias.", que se faz imprescindíveis pois são distintas as funções dos alimentos gravídicos e a pensão de alimentos, inclusive seus valores. Como afirma Dias (2009, p. 532): A revisão dos alimentos é possível sempre que houver afronta ao princípio da proporcionalidade, quer porque houve alteração nas condições de qualquer das partes, quer porque esse princípio foi desatendido por ocasião da fixação dos alimentos. Desimporta que tenham sido fixados por acordo ou judicialmente. Até o parto, a gestante reclama o auxílio-maternidade do futuro pai, agindo em nome próprio, em função do seu estado gravídico. Somente depois de dar a luz ao filho, passa a mesma a agir como representante do menor na execução ou revisão da pensão alimentícia que passa a ser devida a este. Colocada a questão nos termos da lei, afasta-se desde logo a discussão envolvendo o problema da legitimidade do Ministério Público para postular em juízo, em nome da mãe, a co- participação do futuro pai nas “despesas adicionais” do período da gravidez, ainda que ressalve a hipóteses de ser a futura genitora menor ou incapaz. A típica “pensão alimentícia” em favor do filho menor, em forma de conversão, somente ser devida com seu nascimento com vida, ao adquirir o mesmo a condição de pessoa dotada de capacidade civil. (CAHALI, 2009). Sustenta Freitas (2009, p. 37): Ocorrendo o nascimento com vida, a revisão dos alimentos deverá ser feita cumulativamente com a investigação de paternidade, caso não seja esta reconhecida, mediante exame de DNA, lembrando, é claro, que não há possibilidade de retroagir os valores já pagos se der negativo o referido exame, haja vista a natureza desta obrigação. Portanto, a revisão independe do reconhecimento da paternidade, por serem os critérios fundantes da fixação do quantum da pensão de alimentos e dos 38 alimentos gravídicos diferentes, não sendo suficientes ou demasiados. Essa revisão acontece de acordo com Lei Civil de 2002, verbis: Art. 1.699. Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação financeira de quem os supre, ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução ou majoração do encargo. Ressalta Freitas (2009) tal revisão poderá ser realizada, também, durante a gestação, embora pela morosidade processual, dificilmente se verá o fecho da demanda antes do nascimento do menor. Mas,após seu nascimento, quando convertido em pensão de alimentos, não há qualquer óbice à revisão do quantum devido a título de pensão alimentícia. Quanto à extinção da ação dos alimentos gravídicos se dará automaticamente em casos de aborto ou de natimorto e, também, após o nascimento, comprovado que a paternidade não é daquele obrigado pelos alimentos gravídicos. (FREITAS, 2009). 5.2.3 Viabilidade de indenização do réu Quando o suposto pai, que demonstrou por prova pericial não ser o pai biológico, poderá ingressar com uma ação indenizatória em face da autora da ação de alimentos gravídicos por danos morais. A base legal para esta ação indenizatória está presente no art. 186 do Código Civil: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Portanto, a obrigação de indenizar está prevista no art. 927 do CC: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem fica obrigado a indenizá-lo”. Para Freitas (2009) uma da viabilidade de indenização do réu, se o resultado do exame de DNA for ao sentido da ausência de paternidade, além da má fé (multa por litigância ímproba), poderá a autora ser também condenada por danos materiais e/ou morais, se restar provado que se valeu do instituto para lograr auxílio 39 financeiro de terceiro que sabia não se tratar do suposto pai. Isto, sem dúvida, configura-se exercício irregular de um direito, um ato ilícito e que é fundamento para a responsabilidade civil. Para Fonseca (2009, p.13): “Uma imputação de paternidade indevida, poderá destruir casamentos, uniões estáveis, bem como possibilitar o desembolso de quantia alimentar muitas vezes irrecuperável”. Nessa mesma linha, Caldeira (2009, p. 32) afirma que: Certamente, um indigitado pai que não for o pai biológico sofrerá graves danos na sua vida pessoal, familiar, financeira e profissional. Ações indenizatórias por dano moral provavelmente não serão capazes de reparar as perdas. No caso do suposto pai estar certo que não é o pai biológico, será aconselhável propor uma ação negatória de paternidade para, com o resultado do exame pericial, obter a exoneração da pensão alimentícia. Dias (2008) entende que é preciso impor-se extremo cuidado e atenção na análise das provas produzidas contra o suposto pai, para não corre o risco de fomento de ações fundamentadas em indícios de paternidade. Por isso, Francisco José Cahali se diz simpático à rígida apuração da responsabilidade civil da mãe, caso a paternidade do réu venha a ser afastada após o pagamento de diversas parcelas da pensão. Segundo ele, mesmo vetado o artigo que previa tal responsabilização, há possibilidade de isso ocorrer, em face do Direito Comum (Código Civil), inclusive por danos morais, se preenchidos os requisitos. Portanto, as pessoas que agirem ilicitamente deverá, caso a caso, responder por seus atos. Para coibir isso, o Poder Judiciário deverá agir com extremo rigor contra essas pessoas, afirma Dias (2008). Na concepção do Instituto de Direito de Família - IBDFAM, a gestante pode ser responsabilizada por danos matérias e morais se a paternidade indicada for negativa, pois afronta o princípio constitucional do acesso à justiça, ao abrir um grave precedente de o réu ser indenizado pelo fato de ter sido acionado em juízo. (ALMADA, 2008). O dano moral explora a possibilidade ou não de reparação de danos que são imateriais, estando presente em nosso ordenamento jurídico de forma expressiva na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º, inciso V e X, que prescrevem: 40 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; [...] X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (BRASIL, 2008). Para Cahali (2009), o dano moral é caracterizado "como a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranqüilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos”. Foi vetado o artigo 10 do projeto de lei respectivo (Projeto 7376/2006), que dispunha sobre a responsabilidade da autora da ação quanto aos danos morais e materiais causados ao réu, no caso de resultado negativo do exame pericial da paternidade, nas razões de trata-se de norma intimidadora, pelo fato de criar hipótese de responsabilidade objetiva em detrimento ao exercício regular de um direito. Porém, permanece a aplicabilidade da regra geral da responsabilidade subjetiva, constante do artigo 186 do Código Civil, já citado, pela qual a autora pode responder pela indenização cabível desde que verificada a sua culpa, ou seja, desde que verificado que agiu com dolo (vontade deliberada de causar o prejuízo) ou culpa em sentido estrito (negligência ou imprudência) ao promover a ação. Portanto, afirma De Plácido e Silva (2008), que essa regra geral da responsabilidade civil está acima do princípio da irrepetibilidade dos alimentos, daquele princípio pelo qual se a pensão for paga indevidamente não cabe exigir a sua devolução. Portanto, não fica ao desabrigo aquele que é demandado numa ação de alimentos gravídicos caso se apure não ser o pai, sendo a ele assegurado o direito à reparação de danos morais e materiais com fundamento na regra geral da responsabilidade civil. Afirma também Miranda (2000, p. 288): "os alimentos recebidos não se restituem, ainda que o alimentário venha a decair da ação na mesma instância, ou em grau de recurso". Sustenta Arnold Wald (1981, p.32 apud CAHALI, 2009, p. 108): 41 Admite-se a restituição dos alimentos quando quem os prestou não os devia, mas somente quando se fizer a prova de que cabia a terceiro a obrigação alimenta, pois o alimentado utilizando-se dos alimentos não teve nenhum enriquecimento ilícito. A norma adotada pelo nosso direito é destarte a seguinte: quem forneceu os alimentos pensando erradamente que os devia, pode exigir a restituição do valor dos mesmos do terceiro que realmente devia fornecê-los. Torna-se claro para Cahali (2009), de todo o suposto pai que foi lesado, por não ser pai e realizou o pagamento de tais alimentos no período da gravidez e até mesmo após o parto, de todo não fica desamparado, apesar da irrepetibilidade de alimentos, este pode pleitear a restituição a aquele que realmente os deve. Verifica-se, já existem instrumentos legais suficientes para se impor a obrigação do suposto pai. Portanto, não seria justa a criação de dispositivo na mesma lei que também que "especificamente" punisse com o mesmo rigor os casos comprovados de má intenção, quiçá na parte penal? Como fica o direito de ampla defesa? Observa-se que os indícios de paternidades são frágeis, contudo, necessário é que o convencimento do magistrado seja cauteloso e mesmo com tais indícios não sendo fundamentados de forma sólida, e sendo evidenciada a necessidade da genitora não é acolhido seu pedido caso não conste o mínimo de veracidade em tais indícios. 5.3 TEORIA CONCEPCIONISTA EM REALIDADE COM A LEI DE ALIMENTOS GRAVÍDICOS A teoria concepcionista conta com alguns defensores, dentre os quais se destacam Cahali (2009), Vieira de Carvalho (2007) e outros. Esta teoria ancora-se nos seguintes fundamentos: I - O nascituro é titular de direitos
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