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Feminicídio íntimo
O Mapa da Violência 2015 (Cebela/Flacso) mostra ainda o peso da violência doméstica e familiar nas altas taxas de mortes violentas de mulheres. Dos 4.762 assassinatos de mulheres registrados em 2013 no Brasil, 50,3% foram cometidos por familiares, sendo que em 33,2% destes casos, o crime foi praticado pelo parceiro ou ex. O estudo aponta ainda que a residência da vítima como local do assassinato aparece em 27,1% dos casos, o que indica que a casa é um local de alto risco de homicídio para as mulheres.
“O feminicídio íntimo é um contínuo de violência. Antes de ser assassinada a mulher já passou por todo o ciclo de violência, na maior parte das vezes, e já vinha sofrendo muito tempo antes. A maioria dos crimes ocorre quando a mulher quer deixar o relacionamento e o homem não aceita a sua não subserviência. Este é um problema muito sério.” Adriana Ramos de Mello, juíza titular do 1º Juizado de Violência Doméstica contra a Mulher do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
Assim, diferentemente de outros países da América Latina, em que o homicídio associado à violência sexual por gangues ou desconhecidos é o mais preocupante, no Brasil, uma parcela significativa desses homicídios é praticada por alguém que manteve ou mantém uma relação de afeto com a vítima.
“Se observarmos os dados disponíveis sobre os homicídios de mulheres, como o Mapa da Violência e o Dossiê Mulher do Rio de Janeiro, vamos ver que os crimes em família têm uma característica feminina. O número de mortes de mulheres por pessoas que não são da sua intimidade é bastante inferior ao dos homicídios praticados no espaço doméstico. Da mesma forma, a grande maioria das vítimas de estupro são mulheres e o peso da violência sexual contra as mulheres e meninas é mais alto no espaço familiar.”, Leila Linhares Barsted, advogada, diretora da ONG CEPIA – Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação e representante do Brasil no MESECVI – Mecanismo de Acompanhamento da Convenção de Belém do Pará da Organização dos Estados Americanos.
 
População avalia que risco de feminicídio é real
Segundo a pesquisa Violência e Assassinatos de Mulheres (Data Popular/Instituto Patrícia Galvão, 2013), 85% dos entrevistados acham que as mulheres que denunciam seus parceiros ou ex quando agredidas correm mais risco de serem assassinadas.
O silêncio, porém, tampouco é apontado como um caminho seguro: para 92%, quando as agressões contra a esposa/companheira ocorrem com frequência, podem terminar em assassinato. Ou seja, o risco de morte por violência doméstica pode ser iminente.
“De um lado as estatísticas do Brasil em relação ao resto da América Latina são terríveis, os números em si do Mapa da Violência já mostram essa gravidade. E a pesquisa Violência e Assassinatos de Mulheres (Data Popular/Instituto Patrícia Galvão, 2013) revela a percepção de naturalidade da população, mostrando que, para a maioria, o fim violento por homicídio é passível de acontecer correntemente. Se pensarmos na questão do valor da casa, do abrigo privado, da condição familiar como o espaço mais perigoso para as mulheres, o problema ultrapassa qualquer limite de aceitação. Ou seja, vai além de um grau de civilização, está no plano da barbárie, no qual o espaço privado esconde execuções e torturas.” Fátima Pacheco Jordão, socióloga e especialista em pesquisas de opinião.
 
Racismo e violência: homicídio de negras aumenta 54% em 10 anos
O Mapa da Violência 2015 também mostra que a taxa de assassinatos de mulheres negras aumentou 54% em dez anos, passando de 1.864, em 2003, para 2.875, em 2013. Chama atenção também que no mesmo período o número de homicídios de mulheres brancas tenha diminuído 9,8%, caindo de 1.747, em 2003, para 1.576, em 2013.  
Evolução da taxa de homicídios de negras e brancas (por 100 mil) – Mapa da Violência 2015
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Impactos e importância da Lei de Feminicí­dio
“O primeiro passo para enfrentar o feminicídio é falar sobre ele.”,
Nadine Gasman, representante da ONU Mulheres no Brasil.
O principal ganho com a Lei do Feminicídio (Lei nº 13.104/2015) é justamente tirar o problema da invisibilidade. Além da punição mais grave para os que cometerem o crime contra a vida, a tipificação é vista por especialistas como uma oportunidade para dimensionar a violência contra as mulheres no País, quando ela chega ao desfecho extremo do assassinato, permitindo, assim, o aprimoramento das políticas públicas para coibi-la e preveni-la.
“A tipificação em si não é uma medida de prevenção. Ela tem por objetivo nominar uma conduta existente que não é conhecida por este nome, ou seja, tirar da conceituação genérica do homicídio um tipo específico cometido contra as mulheres com forte conteúdo de gênero. A intenção é tirar esse crime da invisibilidade.”
Carmen Hein de Campos, advogada doutora em Ciências Criminais e consultora da CPMI-VCM.
Invisibilidade do contexto da violência
Um levantamento realizado no Distrito Federal em 2013 (Pesquisa Impacto dos Laudos Periciais no Julgamento de Homicídios de Mulheres em Contexto de Violência Doméstica ou Familiar no Distrito Federal (Anis/Senasp, 2013) revelou que nos Tribunais do Júri, onde são julgados os crimes contra a vida, os operadores de Justiça ainda aplicam pouco a Lei Maria da Penha nos casos de homicídio de mulheres: a menção expressa à Lei nº 11.340/2006 apareceu em apenas 33% das peças do processo de homicídio de mulheres, entre os anos de 2006 e 2011.
Esse resultado sugere que o contexto da violência sistêmica contra as mulheres, que está nas raízes de grande parte dos assassinatos, ainda é pouco reconhecido pelos operadores do Direito, o que acaba por interferir na aplicação da Justiça, pois a Lei Maria da Penha introduziu no Código Penal a violência contra a mulher como circunstância agravante de pena.
“O dado mais impressionante dos processos é a baixa aplicação da agravante prevista na Lei Maria da Penha nas condenações. No caso do homicídio, o sistema já falhou em proteger a mulher, o que restaria seria agravar a pena ou ao menos mencionar isso, mas nem simbolicamente o problema da violência de gênero aparece em muitos casos.”
Janaína Lima Penalva da Silva, pesquisadora e professora de Direito Constitucional na UnB, é integrante do Anis: Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero e uma das coordenadoras da pesquisa realizada no DF.
>> Saiba mais sobre a pesquisa Pensando a Segurança, que contou com um capítulo dedicado a avaliar “o impacto dos laudos periciais no julgamento de homicídio de mulheres em contexto de violência doméstica ou familiar no Distrito Federal”
“Quando dizemos que é preciso dar visibilidade às mortes em razão de gênero não estamos querendo dizer que esses crimes são os mais graves que acontecem no País e por isso precisam ser punidos de forma mais grave, mas mostrar que esses crimes têm características particulares, especificidades, que o feminicídio não acontece no mesmo contexto da insegurança urbana, mas afeta a mulher pela sua própria condição de existência.
E, se considerarmos que a maior parte dos casos acontece no contexto doméstico, familiar e afetivo, o homicídio se inscreve em uma conjuntura em que a violência é recorrente e se expressa de diferentes formas, o que faz com que a mulher possa passar a vida toda exposta a uma situação de violência e acabar morrendo. O que queremos enfatizar é a qualidade do crime, não sua gravidade pura e simples, para que ele possa ser punido e seja possível resolver esse sério problema.”
Wânia Pasinato, socióloga, pesquisadora e consultora da ONU Mulheres no Brasil. (Leia mais)
Três impactos importantes esperados com a tipificação penal
1) Trazer visibilidade: para conhecer melhor a dimensão e o contexto da violência mais extrema contra as mulheres.
2) Identificar entraves na aplicação da Lei Maria da Penha: para evitar ‘mortes anunciadas’. 
3) Ser instrumento para coibir a impunidade: refutar teses comuns – não só no Direito, mas em toda a sociedade, incluindo a imprensa – que colocam a culpa do
crime em quem perdeu a vida.
Recomendação global
A preocupação em criar uma legislação específica no Brasil para punir e coibir o feminicídio segue uma tendência crescente entre organizações internacionais: órgãos da ONU discutem a criação de protocolos para investigar e enfrentar o problema, enquanto outros 15 países latino-americanos já criaram leis específicas ou com dispositivos para lidar com o assassinato de mulheres.
O debate sobre o feminicídio também marcou a 57ª Sessão da Comissão sobre a Situação da Mulher (CSW) da ONU, realizada em Nova York em 2013, com a presença de representantes dos 45 países membros. No encontro, houve o reconhecimento internacional do crime de assassinato de mulheres relacionado à sua condição de gênero e, diante da constatação, foi recomendado o fortalecimento de legislações nacionais para lidar com o grave fenômeno.
A mesma recomendação é feita pelo Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher da ONU (CEDAW):
“O Comitê entende que é importante essa explicitação e se manifesta aos países com a recomendação de que realizem tipificações como essa, que são positivas por dar visibilidade ao feminicídio.”
Silvia Pimentel, advogada, professora da PUC-SP e integrante do Comitê CEDAW. 
Uma violência extrema que pode ser evitada
Por ser frequentemente precedido por outras formas de violência, muitas vezes, o feminicídio íntimo poderia ser evitado.
De acordo com o Mapa da Violência 2012 (Cebela/Flacso), altas taxas de feminicídio costumam ser acompanhadas de elevados níveis de tolerância à violência contra as mulheres e, em alguns casos, são exatamente o resultado dessa negligência.
“São grupos familiares que, repetidamente, à revelia, violentam as mulheres e seguem como se nada tivesse acontecido. Esse é um problema que tem que ser enfrentado, pois se trata de um grupo vulnerável, que legalmente deve ter proteção prioritária e está sendo oprimido.”
Julio Jacobo Waiselfisz, sociólogo e pesquisador responsável pelo Mapa da Violência.
A impunidade e culpabilização da vítima de violência doméstica e familiar aparecem nas raízes de grande parte dos casos em que as agressões se perpetuam até o desfecho extremo do assassinato.
“Falamos de Eloá, Eliza, Mércia, Isabella, Michelle, Sandra, Daniella, Maristela, Ângela e tantas outras mulheres que foram mortas por não aceitarem permanecer numa relação violenta, por não aceitarem cumprir com as regras ou expectativas de seus companheiros ou da sociedade, por serem vistas como objetos sexuais, por terem sido invisíveis ao Estado e ao sistema de justiça, que, na maioria dos casos, não foram capazes de ouvi-las e, portanto, de prevenir tais mortes anunciadas.”
Aline Yamamoto, secretária adjunta de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres da SPM-PR, e Elisa Sardão Colares, analista de Políticas Sociais da Secretaria de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres da SPM-PR.
Lei Maria da Penha pode impedir ‘mortes anunciadas’
“São muitas mortes anunciadas. Na maioria das vezes as mulheres sofrem por muito tempo antes de fazer a denúncia. E, além disso, nem sempre, ao fazer a denúncia, o atendimento é imediato. Em algumas situações, nos diversos Estados onde a CPMI passou, percebemos que muitas vezes a mulher faz a queixa, mas demora a receber proteção e, em um número significativo de casos, nesse período ela acaba sendo assassinada.”
Ana Rita, ex-senadora (PT-ES), que esteve à frente dos trabalhos da CPMI que avaliou a situação das políticas públicas de enfrentamento à violência contra as mulheres no Brasil.
Entre as propostas para evitar essas ‘mortes anunciadas’, uma é mais recorrente na avaliação dos profissionais que atuam no campo da violência contra as mulheres: o engajamento das instituições públicas para efetivar plenamente a Lei Maria da Penha é um caminho, tanto no sentido de proteção à vida das mulheres em situação de violência, no curto prazo, quanto para coibir o problema, por meio das ações de prevenção no longo prazo.
Segundo a pesquisa Avaliando a Efetividade da Lei Maria da Penha (Ipea, 2015), a Lei fez diminuir em cerca de 10% a taxa de homicídios contra mulheres praticados dentro das residências das vítimas, o que “implica dizer que a Lei Maria da Penha foi responsável por evitar milhares de casos de violência doméstica no País”.
A ampla e efetiva aplicação da Lei Maria da Penha e a atualização da doutrina jurídica para inclusão das inovações que ela trouxe indicam, assim, um caminho para evitar que as vidas de milhares de mulheres tornem-se estatísticas alarmantes.
“São necessárias também políticas de prevenção e reeducação, porque a Lei sozinha não extingue o crime. Nesse sentido, a responsabilidade do Estado, e também da sociedade, é trabalhar na implementação dos serviços que a Lei Maria da Penha propõe, como políticas de educação, uma rede intersetorial de atendimento em Saúde, Assistência Social, Segurança Pública e Justiça. Precisamos que sejam implementadas em todo o País as Defensorias das Mulheres, as Varas de Enfrentamento à Violência Intrafamiliar e contra as Mulheres, casas abrigo e serviços de atenção psicossocial.”
Ana Flávia D’Oliveira, médica e pesquisadora do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Mulheres assassinadas com medida protetiva em mãos

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