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AULA 2. TEORIA GERAL DOS RECURSOS 1. Objetivos da aula: Nesta aula, serão analisados alguns princípios recursais, os requisitos de admissibilidade dos recursos, tanto intrínsecos quanto extrínsecos, e o juízo exercido a respeito dos mesmos, além de uma introdução sobre os efeitos dos recursos e o mérito recursal. A partir destes conceitos, os alunos serão instigados a aferir as suas evidentes conseqüências práticas1, e como estrategicamente eles se inter-relacionam e são manuseados no sistema jurídico. O objetivo deste encontro é também que o aluno seja apto a distinguir a admissibilidade do mérito recursal, e como os efeitos dos recursos incidem em ambos. 2. Princípios: 2.1.Princípio do duplo grau de jurisdição: para grande parte da doutrina, não constitui garantia constitucional, pois, além de inexistir previsão expressa (há referência do texto constitucional apenas à competência dos tribunais para julgamento de recursos), a própria CF/88 admite hipóteses de instância única (competência originária dos Tribunais Superiores, por exemplo). Entretanto, é importante ressaltar que este princípio está ínsito ao sistema e não pode ser suprimido, representando um dos pilares do regime democrático de direito – controle da atividade estatal por meio dos recursos – e relacionando-se inclusive ao devido processo legal2 2.2. Princípio da Taxatividade – recursos estão expressamente previstos em lei (CPC, lei dos Juizados Especiais Cíveis, dentre outras); 2.3. Princípio da unirrecorribilidade ou unicidade do recurso: para cada decisão há apenas um recurso adequado. Deve-se considerar, neste contexto, a possibilidade de decomposição da decisão em diferentes capítulos (CPC, art. 498). 1 BARBOSA MOREIRA. José Carlos. Que significa “não conhecer” de um recurso. Revista Forense. Vol. 333, pp. 83-95. 2 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v. 1. São Paulo: Malheiros editores, 2001, p. 240. 2.4. Princípio da fungibilidade recursal: se dá diante da existência de zona cinzenta sobre o recurso cabível, tendo como requisitos a dúvida objetiva, ausência de erro grosseiro, e respeito ao prazo. 3. Questões gerais sobre os recursos O recurso, cabível na mesma relação processual em que houver sido proferida a decisão impugnada, é um ato de inconformismo mediante o qual a parte pede nova decisão, diferente daquela que lhe desagrada. A interposição de um recurso instaura no processo um novo procedimento, ainda na fase de conhecimento, um procedimento recursal destinado à produção de novo julgamento sobre a matéria impugnada, evitando- se o advento da preclusão temporal3. São atos sujeitos a recursos as sentenças, decisões interlocutórias, despacho e acórdãos, sendo excluídos deste rol os despachos de mero expediente, sem conteúdo decisório recorrível. Só quem interpõe recurso é a parte vencida (ônus processual), que teve prejuízo ocasionado pela decisão (sucumbência), o que origina o seu interesse em obter julgamento mais vantajoso em grau de recurso, anulando ou revertendo a decisão anterior. Nesta seara, é importante que o aluno tenha em mente a teoria dos capítulos de sentença, a seguir exemplificada em um caso concreto por Dinamarco: “Se peço reintegração de posse em cúmulo com indenização, o dispositivo da sentença que julgar o mérito deverá conter um preceito referente a cada um desses pedidos, ou seja, dois capítulos de sentença – um julgando a possessória e outro, a indenizatória. Se peço 100 e a sentença me concede 80, isso significa que o juiz acolheu a minha pretensão a obter 80 e julgou improcedente a pretensão a obter os outros 20 (decompôs, portanto, um pedido que formalmente era uno). No primeiro caso já a demanda vinha colocada em capítulos (cúmulo de pedidos) e no segundo, não. Mesmo assim, uma singela operação mental de abstração conduz à claríssima percepção de que nos dois casos o julgado continha capítulos4”. 3 DINAMARCO, Cândido Rangel. A nova era do processo civil. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, pp. 115-116. 4 DINAMARCO, Cândido Rangel. Capítulos de sentença. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 10. Sendo vencidos autor e réu, ao recurso interposto por qualquer deles poderá aderir a outra parte (recurso adesivo, previsto no art. 500 do CPC). O recurso adesivo fica subordinado ao recurso principal, e não será conhecido se houver desistência ou se o recurso principal for declarado inadmissível ou deserto. Ademais, o recurso adesivo será interposto perante a autoridade competente para admitir o recurso principal, no prazo de que a parte dispõe para responder, sendo admissível apenas na apelação, nos embargos infringentes, no recurso extraordinário e no recurso especial. O julgamento dos recursos pode se dar coletivamente, por órgão colegiado, ou por juízo monocrático, sendo interessante neste quesito atentar para a gradual expansão dos poderes do relator explicitada nos arts. 557 e 558 do CPC. Quanto às distinções entre a admissibilidade e o mérito recursal, é importante ressaltar que a primeira é pressuposto lógico para o segundo; ou seja, o recurso precisa ser admitido e conhecido para ser provido ou ter negado seu provimento. Caso não seja conhecido, não poderá analisar-se o mérito. Na maioria das vezes é o juízo a quo (juízo de origem) que realiza o processamento do recurso, com triagem a partir dos requisitos de admissibilidade recursal exercida previamente à remessa ao Tribunal, embora haja casos em que o recurso é interposto diretamente perante o juízo ad quem (2ª instância), como é o caso do agravo de instrumento. Em segunda instância, ainda quanto à admissibilidade, o relator do recurso exerce seu controle monocrático (seguimento) e a turma julgadora o seu controle colegiado (conhecimento). Quando no Tribunal não se conhece o recurso, prevalece a decisão de 1ª instância, que tendo julgado o mérito da causa produz coisa julgada material. Por outro lado, o acórdão que no mérito julga o recurso pode substituí-lo por nova decisão (reforma) ou anulá-lo, neste último caso remetendo o processo à primeira instância para o advento de nova decisão do juiz. Para interpor um recurso, a parte deve preencher alguns requisitos, intrínsecos e extrínsecos. 4. Requisitos de admissibilidade dos recursos (preliminares do recurso): Os requisitos de admissibilidade dos recursos podem classificar-se em dois grupos: intrínsecos (concernentes à própria existência do poder de recorrer) e extrínsecos (relativos ao modo de exercê-lo). São requisitos genéricos, embora a lei possa dispensá-los em algumas hipóteses, como ocorre com a desnecessidade de preparo no agravo retido, embargos de declaração, e recursos interpostos pelo Ministério Público, União, Estados, Municípios e respectivas autarquias, que gozam de isenção legal5. 4.1. Requisitos intrínsecos: – Cabimento e adequação – Interesse recursal: sucumbência – Legitimidade recursal – Inexistência de fato impeditivo (CPC, art. 881, caput) ou extintivo (CPC, arts. 502 e 503) 4.2. Requisitos extrínsecos: – Tempestividade – Preparo – Regularidade formal 5. Efeitos dos recursos Suspensivo: suspende os efeitos da decisão impedindo a sua consumação até o julgamento do recurso. Sendo a sentença condenatória, o efeito suspensivo obsta a execução provisória da decisão. 5 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. V.5, 12ª ed. Riode Janeiro: Forense, 2005, p. 263 e ss. Devolutivo: comum a todos os recursos, este efeito adia a formação da coisa julgada e propicia o exame do mérito do recurso6, sendo considerado sob duas perspectivas, a de sua extensão (plano horizontal) e profundidade (plano vertical). o Extensão: pedido (tantum devolutum quantum apelatum) – art. 515, caput e §3º. o Profundidade: fundamentos (causa de pedir) - §§ 1º e 2º do art. 515. A extensão da apelação é determinada pelo pedido do recorrente, que decide qual será a abrangência da matéria a ser impugnada e o âmbito de devolutividade do recurso interposto ao Tribunal (máxima tantum devolutum quantum apellatum). Pode a apelação ser integral ou parcial (art. 505), incidindo sobre alguns ou todos os capítulos da sentença, sempre dependendo da disposição de vontade do apelante, que deverá definir a extensão de seu recurso (ônus de pedir). É o que dispõe o caput do art. 515 do CPC: “a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada”. Além do pedido de recurso (pretensão recursal), deve o recorrente apresentar as suas razões, ou seja, os fundamentos de sua irresignação, relacionados à profundidade cognitiva dos recursos. Dentro dos limites da extensão do recurso (daí a relação de inter-dependência entre extensão e profundidade), o Tribunal analisará a sua fundamentação, sendo a profundidade dessa análise admitida de forma ampla pela legislação processual civil brasileira. Se o autor deduzir vários fundamentos para o pedido (declaração de nulidade de certidão da dívida ativa - porque constituída irregularmente e por inconstitucionalidade do tributo, por exemplo), e o juiz acolher em sentença a pretensão por apenas um dos fundamentos, a apelação do réu permite ao Tribunal o exame do outro, pois devolverá toda a matéria discutida e suscitada em primeiro grau (ampla atividade cognitiva sobre questões já debatidas). 6 Além dos efeitos devolutivo e suspensivo dos recursos, Nelson Nery defende a existência dos efeitos translativo, expansivo e substitutivo. (JUNIOR, Nelson Nery. Princípios Fundamentais – Teoria Geral dos Recursos . 3ª ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1996, p. 375-414). Os §§1º e 2º do art. 515 do CPC determinam que serão objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro, e, quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais7. A profundidade do efeito devolutivo, assim, independe da fundamentação expressamente aduzida em sede de apelação, podendo levar em consideração outras questões já discutidas e suscitadas no processo. Ressalta Bedaque, todavia, que a amplitude deste efeito está limitada pela causa de pedir deduzida na Inicial (limite objetivo da demanda), sendo inadmissível qualquer inovação que represente surpresa para a parte contrária, que não teve oportunidade de exercer o contraditório a respeito da matéria (julgamento extra petita, considerado nulo por violação à regra de congruência da sentença ao pedido). Bedaque traça um paralelo entre a extensão do efeito devolutivo e o pedido do recurso, e entre a profundidade deste efeito e os fundamentos aduzidos pela parte recorrente8. 6. Análise de caso Carlos Alcântera, recém-formado em medicina, resolve se casar com Lourdes e usar suas economias para a aquisição do primeiro imóvel: um apartamento na zona sul da cidade do Rio de Janeiro, em Copacabana. O apartamento adquirido precisava de alguns reparos, e Carlos resolveu contratar os serviços do engenheiro e arquiteto Marcos Pereira para a reforma do imóvel. Ocorre que várias cláusulas do contrato de prestação de serviços ajustado entre as partes foram descumpridas. Carlos acusa o arquiteto Marcos de ter atrasado a entrega 7 Nelson Nery considera que estes dois parágrafos do art. 515 consagram o caráter bilateral do efeito devolutivo, em benefício comum das partes. (In - Princípios Fundamentais – Teoria Geral dos Recursos . 3ª ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1996, p. 363). 8 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Apelação: questões sobre admissibilidade e efeitos. IN Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis (Coord. Nelson Nery Junior e Teresa Arruda Alvim Wambier), v. 7, São Paulo: RT, 2003, pp. 460. das obras, desrespeitado o projeto original, além de ter causado danos ao vizinho do andar abaixo ao quebrar a tubulação de água durante a reforma da cozinha. Marcos, por sua vez, alega que Carlos não efetuou o pagamento dos serviços, faltando ainda 5 parcelas de R$ 7.500,00. Além disso, diante das alterações do projeto que na versão de Marcos teriam sido autorizadas verbalmente pelo proprietário Carlos, o arquiteto teve custos adicionais na execução das obras, que não foram também adimplidos. Marcos também alega que vem sendo difamado por Carlos para vários clientes. Em outubro de 2007 Marcos ingressou com demanda judicial contra Carlos, deduzindo três pedidos na inicial: pagamento das parcelas faltantes, ressarcimento de despesas e lucros cessantes, a título de danos materiais, e danos morais. A sentença, após a fase de instrução probatória, acolheu apenas os pedidos de pagamento das parcelas faltantes e ressarcimento das despesas, sendo improcedente o pedido de lucros cessantes e danos morais. Marcos apelou tão somente quanto a um dos dois não atendidos (lucros cessantes), de forma que aquele capítulo não impugnado (danos morais) tornou-se imutável e a pretensão respectiva foi definitivamente rejeitada, sendo inadmissível o seu exame em sede recursal (coisa julgada material). Exercício: Como visto na discrição do caso, houve sucumbência recíproca, e apenas uma das partes (no caso, o autor) apelou, de forma que os capítulos da sentença a ele favoráveis e não atacados pelo réu não integram a extensão do efeito devolutivo, assim como o capítulo que lhe foi contrário e não recorrido, de forma que ambos não serão analisados pelo Tribunal, pois a apelação interposta não os abrange. Considere, entretanto, que no Tribunal tenha havido o reconhecimento, em matéria recursal, de carência da ação por ilegitimidade recursal ativa, pois a empresa a que pertencia o arquiteto não foi incluída no pólo ativo da demanda processual. Qual o alcance desta decisão? Restringe-se ao que foi devolvido ou atinge a matéria não impugnada, parte favorável e parte desfavorável ao recorrente, que se tornara imutável? Atividade: A seguir, serão transcritas algumas opiniões doutrinárias e cada aluno deverá aderir a uma delas e justificar o porque da não adoção das demais. É possível a adoção de critérios mistos, constantes em mais de uma posição doutrinária, desde que coerentes entre si. A) Para Bedaque, o capítulo da sentença não abrangido na extensão do efeito devolutivo do recurso não será atingido pela profundidade cognitiva do Tribunal (profundidade limitada pela extensão), em face do próprio princípio da demanda, segundo o qual a atividade jurisdicional só atua mediante provocação e nos limites fixados pela parte (CPC, arts. 2º e 262), além de considerar Bedaque a proibição da reformatio in peius9. B) Para Barbosa Moreira, nesse caso seria necessário o ajuizamento de ação rescisória para atingir o capítulo da sentença que não foi objeto da extensão do efeito devolutivo da apelação, e transitou em julgado10. C)Cândido Rangel Dinamarco, por sua vez, defende que essa contradição lógica entre capítulos válidos e imutáveis, de um lado, e capítulos nulos, de outro, referentes a uma mesma sentença, é plenamente possível, pois a coisa julgada visa a solucionar problemas de ordem eminentemente prática e não lógica11. D) Nelson Nery entende que havendo questões de ordem pública (como as condições da ação e os pressupostos processuais), que devem ser conhecidas de ofício pelo juiz, em qualquer tempo e grau de jurisdição (CPC, art. 267, §3º), o efeito devolutivo é substituído pelo efeito translativo, que transfere ao Tribunal o conhecimento de todas as questões, independentemente do pedido do recorrente, pois nesse caso estaria afastado o princípio dispositivo.12 9 BEDAQUE, Apelação cit, pp. 464. 10BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Correlação entre o pedido e a sentença. RePro nº 83, ano 21, julho-set/1996 11 DINAMARCO, Cândido Rangel. Capítulos de Sentença. São Paulo: Malheiros editores, 2002, p. 113. 12 JUNIOR, Nelson Nery. Princípios Fundamentais – Teoria Geral dos Recursos . 3ª ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1996, p. 409-410. Bibliografia Obrigatória: - DINAMARCO, Cândido Rangel. A nova era do processo civil. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, pp. 142-159 (17p). - CPC, art. 496-513.
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