Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
TÍTULO 11 SENTENÇA PENAL 1. A TO S PR O C ESSU A IS D O jU IZ E notório o maior rigor terminológico do Código de Processo C ivil ao tratar do conceito de sentença, decisões interlocutórias e despachos. Segundo a redação do art. 162, caput, do CPC, os atos do juiz consistem em sentenças, decisões interlocutórias e despachos. Sentença, segundo o CPC, é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei (CPC, art. 162, §1°). Decisão interlocutória é o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente (CPC, art. 162, §2°), ao passo que despachos são todos os demais atos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte, a cujo respeito a lei não estabelece outra forma (CPC, art. 162, §3°). No âmbito processual penal, a verdade é que não há consenso na doutrina acerca de uma clas- sificação uniforme, o que acaba por prejudicar, a depender do caso concreto, a definição do recurso adequado para a impugnação de determinada decisão, já que a natureza jurídica do provimento é de fundamental importância para se fixar a via impugnativa adequada. Sem embargo dessa falta de sistematização, pensamos ser possível, inicialmente, a classificação dos atos processuais do juiz no seguinte sentido: a) atos reais ou materiais: não solucionam questões, nem tampouco determinam quaisquer providências, subdividindo-se em: a.l) atos instrutórios: consistem na realização de inspeções em pessoas ou coisas; a.2) atos de documentação: ato de rubricar folha dos autos, subscrever termos de audiência, etc; b) provimentos judiciais: abrangem os despachos de mero expediente, as decisões interlocutórias e as sentenças. 2. C LA SSIFIC A Ç Ã O D O S PR O V IM EN T O S JU D IC IA IS A despeito dessa falta de consenso na doutrina processual penal acerca de uma classificação dos provimentos judiciais, pensamos ser possível trabalhar-se com os conceitos e classificações a seguir apresentados. 2.1. Despachos de mero expediente Despachos de mero expediente são aqueles destinados ao impulso do processo, desprovidos de qualquer carga decisória, cujo objetivo é impulsionar o curso do procedimento em direção ao ato culminante, que é a sentença. Exemplos: determinação de intimação das testemunhas para a audiência una de instrução e julgamento, ciência às partes acerca da juntada de laudo pericial, etc. De acordo com o art. 93, XIV, da Constituição Federal, os servidores do Poder Judiciário receberão delegação para a prática de atos de administração e atos de mero expediente sem caráter decisório. Pelo menos em regra, tratando-se de decisões que não acarretam qualquer gravame às partes, pode-se dizer que os despachos de mero expediente são irrecorríveis. Todavia, se caracterizada a presença de error in procedendo, não se pode descartar a possibilidade de utilização da correição 1 4 2 3 RENATO BRASILEIRO DE LIMA MANUAL DE PROCESSO PENAL parcial, providência administrativo-judicial cabível contra despachos do juiz que possam importar em inversão tumultuária do processo sempre que não houver recurso específico previsto em lei. 2.2. Decisões interlocutórias simples e mistas (não terminativas e terminativas) Decisão interlocutória é aquela dotada de carga decisória, podendo acarretar (ou não) a extinção do processo, porém sem enfrentamento do mérito principal, ou seja, sem se pronunciar quanto à culpabilidade ou inocência do acusado. Decisão interlocutória simples é aquela que resolve questões processuais controvertidas no curso do processo, sem acarretar sua extinção. Resolvem incidentes processuais ou questões atinentes à regularidade formal do processo, sem extinguir o procedimento ou uma de suas etapas. Exemplos: decisão que decreta a prisão temporária; conversão da prisão em flagrante em preventiva; concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança; decisão de rejeição das exceções de coisa julgada, litis- pendência e ilegitimidade de parte; recebimento da denúncia ou queixa; decisão que julga procedente a exceção de incompetência, etc. Em regra, essas decisões interlocutórias simples são irrecorríveis, salvo se porventura listadas no rol do art. 581 do CPP, quando, então, será cabível a interposição do recurso em sentido estrito. Caracterizado error in procedendo, que importe em inversão tumultuária do processo, e desde que não haja recurso específico previsto em lei, é possível a interposição de correição parcial. De todo modo, quando irrecorríveis, as interlocutórias simples poderão ter seu conteúdo impugnado por ocasião de futura e eventual apelação, em matéria preliminar, valendo lembrar que, na hipótese de se tratar de nulidade relativa, deve ter havido oportuna arguição (CPP, art. 571), sob pena de preclusão. Nada impede, ademais, a utilização das ações autônomas de impugnação, como o habeas corpus e o mandado de segurança. Decisões interlocutórias mistas são aquelas que extinguem o processo, sem julgamento de mérito, as que determinam o fim de uma etapa do procedimento, tangenciando o mérito do direito de punir (v.g., pronúncia), e as que resolvem procedimentos incidentais de maneira definitiva. Em síntese, são aquelas que, julgando ou não o mérito, põem fim ao procedimento ou a uma de suas fases. Tais decisões são denominadas de interlocutórias porquanto são proferidas no curso de um processo ou procedimento, antes de se completar totalmente e se extinguir o procedimento com a decisão definitiva de seu mérito em sentido estrito. Diferenciam-se das interlocutórias simples porquanto acarretam a extinção do processo ou a extinção de uma fase do procedimento criminal. O instrumento adequado para a impugnação de decisões interlocutórias mistas é o recurso em sentido estrito, mas desde que tal decisão conste do rol do art. 581 do CPP. Caso contrário, a impugnação adequada será a apelação, com fundamento no art. 593, II, do CPP. As decisões interlocutórias mistas subdividem-se em: a) interlocutória m ista terminativa (ou decisões com força de definitivas): são aquelas que extinguem o processo, sem julgamento do mérito, bem como aquelas que resolvem um procedimento incidental de maneira definitiva, sem possibilidade de reexame no mesmo grau. Exemplos: rejeição da peça acusatória; procedência das exceções de coisa julgada e de litispendência; impronúncia;1 decisão que determina o cancelamento do sequestro, porque resolve o incidente em caráter definitivo, sem possibilidade de reexame no mesmo grau; decisão que indefere pedido de restituição de coisa apreendida, independentemente de futura condenação, porque a coisa é ilícita; decisões que julgam 1. Equivocadamente, o art. 416 do CPP refere-se à impronúncia como sentença. Porém, como não há efetiva análise do mérito principal para fins de condenação ou absolvição, tal decisão não pode ser considerada espécie de sentença. 1 4 2 4 MANUAL DE PROCESSO PENAL SENTENÇA PENAL procedentes exceções de litispendência, de coisa julgada, de ilegitimidade ad causam de parte, em que o processo principal é extinto, porém sem julgamento de mérito; impronúncia, etc. b) interlocutória mista náo terminativa: põe fim a uma etapa do procedimento, tangenciando o mérito, porém sem causar a extinção do processo. É o que ocorre, a título de exemplo, com a pronúncia, que encerra um juízo de admissibilidade da imputação de crime doloso contra a vida, autorizando que o acusado seja submetido a julgamento perante o Tribunal do Júri. 2.3. Decisões definitivas São aquelas que julgam o mérito, acarretando a extinção do processo ou do procedimento. Quando se diz “julgar o mérito”, significa dizer julgar o direito de punir do Estado, leia-se, dizer se o Estado tem (ou não) o direito de punir o acusado. Quando se julga o mérito principal, a decisão estará analisando a procedência ou improcedência do pedido de condenação do acusado,para fins de prolação de sentença condenatória ou absolutória. No entanto, o mérito também pode ser julgado sem condenação, nem absolvição. De fato, quando o juiz julga extinta a punibilidade, está julgando o mérito, já que está reconhecendo que o direito de punir do Estado não existe ou deixou de existir, porém não ingressa na análise do “mérito principal” para declarar a inocência ou a culpabilidade do acusado. Essas decisões definitivas subdividem-se em: a) sentença definitiva ou decisão definitiva em sentido estrito: é a decisão em que o juiz aprecia o “mérito principal”, condenando ou absolvendo o acusado; b) decisões definitivas em sentido amplo ou decisões terminativas de mérito: são aquelas em que o juiz decide o mérito e extingue o processo ou o procedimento, mas não condena, nem tam- pouco absolve o acusado. Nesse ponto, convém lembrar que o processo penal não se resume ao de natureza condenatória. Portanto, não existe mérito apenas no sentido de se julgar procedente (ou não) o pedido de condenação do acusado. Com efeito, as ações autônomas de impugnação (habeas corpits, revisão criminal e mandado de segurança) também possuem seu próprio pedido, que não é a pretensão punitiva e, portanto, têm seu próprio mérito, que pode ser matéria exclusivamente processual. Assim, quando se extingue o processo referente a uma ação autônoma de impugnação, tem-se aí uma decisão definitiva em sentido amplo, já que o mérito desta ação foi resolvido e o respectivo processo penal náo condenatório foi extinto. 2.4. Sentença Para o Código de Processo Penal, sentença é tão somente a decisão que julga o mérito prin- cipal, ou seja, a decisão judicial que condena ou absolve o acusado. A contrario sensu, as decisões que extinguem o processo sem julgamento de mérito, segundo o CPP, são tratadas como decisões interlocutórias mistas. Em sentido estrito, sentença é o pronunciamento final do juízo de Io grau, geralmente um juiz singular (monocrático), mas o CPP também se refere à sentença quanto às decisões finais de juízos colegiados de Io grau, tais como aquelas oriundas do Tribunal do Júri e dos Conselhos de Justiça, no âmbito da Justiça Militar. Em sentido amplo, a sentença também abrange os acórdãos, que são decisões dos Tribunais, desde que haja julgamento do mérito. Quando o acórdão transita em julgado, é denominado aresto. A expressão “sentença definitiva” a que se refere, por exemplo, o art. 82 do CPP, não se confunde com “sentença transitada em julgado” (v.g., art. 282 do CPP). Sentença definitiva é aquela que põe fim ao processo com julgamento de mérito. Sentença transitada em julgado é aquela contra a qual 1 4 2 5 RENATO BRASILEIRO DE LIMA MANUAL DE PROCESSO PENAL não cabe mais recurso, seja em virtude da preclusão das impugnações cabíveis, seja em virtude do esgotamento da via recursal disponível. Em síntese, como sugere Avena, a identificação de um provimento judicial pode ser feita através de alguns questionamentos:2 1) Cuida-se de ato de mera movimentação (impulso) processual, sem qualquer carga decisória? Em caso afirmativo, haverá despacho de mero expediente. 2) Trata-se de uma decisão condenatória ou absolutória proferida pelo juiz? Em caso positivo, haverá sentença. 3) Trata-se de uma decisão que, não sendo despacho nem sentença, põe termo ao procedimento, importando em seu arquivamento após o trânsito em julgado? Em caso positivo, haverá decisão interlocutória mista terminativa. 4) Trata-se de uma decisão que, não sendo despacho nem sentença, põe termo a uma fase do procedimento, dando início a outra, sem imporrar, contudo, em arquivamento após o trânsito em julgado? Em caso positivo, haverá decisão interlocutória mista não terminativa. 2.5. Sentenças definitivas, decisões definitivas e com força de definitivas O art. 593, I e II, do CPP, faz menção a essas decisões, assim conceituadas pela doutrina: a) sentenças definitivas (CPP, art. 593, I): são aquelas que põem fim ao processo após o esgotamento do procedimento na Ia instância com julgamento do mérito, para fins de absolver ou condenar o acusado; b) decisões definitivas em sentido estrito (ou terminativas de mérito): são aquelas que põem fim à relação processual ou ao procedimento mediante julgamento do mérito, sem, todavia, condenarem ou absolverem o acusado, tais como as que resolvem incidente de restituição de coisa apreendida, que declaram extinta a punibilidade, que autorizam levantamento de sequestro de bens; c) decisões com força de definitivas (ou interlocutórias mistas): são aquelas que põem fim a uma fase do procedimento (não terminativas) ou ao processo (terminativas), sem o julgamento do mérito (v.g., rejeição da peça acusatória em face da inépcia da denúncia ou queixa).3 2.6. Decisões executáveis, não executáveis e condicionais Essa classificação leva em consideração a aptidão da decisão judicial para produzir efeitos imediatos: a) decisões executáveis: são aquelas que podem ser executadas imediatamente. E o que se dá com a sentença absolutória, a qual acarreta a imediata solrura do acusado; b) decisões não executáveis: são aquelas que não admitem a execução imediata. Talvez o melhor exemplo de decisão não executável no processo penal seja uma sentença condenatória, cuja execução está condicionada ao seu trânsito em julgado, em fiel observância ao princípio da presunção de inocência (CF, art. 5o, LVII); c) decisões condicionais: são aquelas que carecem de um acontecimento futuro e incerto, tal como se dá com a decisão que julga extinta a punibilidade do agenre em virtude do decurso do período de prova da suspensão condicional do processo e da verificação do cumprimento das condições acordadas (Lei n° 9.099/95, art. 89, §5°). 2. AVENA, Norberto. Processo penal esquematizado. 2s ed. São Paulo: Método, 2010. p. 983. 3. No sentido do texto: STF, Pleno, AP 488/SE, Rei. Min. Ellen Gracie, j. 11/09/2008, DJe 202 23/10/2008. 1 4 2 6 2.7. Decisões subjetivamente simples, subjetivamente plúrim as e subjetivamente complexas Essa classificação leva em conta o órgão jurisdicional prolator da decisão: a) decisões subjetivamente simples: são aquelas proferidas por apenas uma pessoa (juízo monocrático ou singular). Exemplo: sentença absolutória proferida por juiz singular em processo referente a crime patrimonial; b) decisões subjetivamente plúrimas: são aquelas proferidas por órgão colegiado homogêneo, como câmaras, turmas ou seções dos Tribunais (v.g., acórdão proferido por Turma do T R F/la Região que, em recurso da defesa, conclui pela absolvição do acusado); c) decisões subjetivamente complexas: são aquelas proferidas por órgão colegiado heterogêneo, a exemplo do Tribunal do Júri, em que o Conselho de Sentença decide sobre o crime e autoria, ao passo que ao juiz presidente incumbe a fixação da pena. 2.8. Decisões suicidas, vazias e autofágicas Decisão suicida é aquela cujo dispositivo (ou conclusão) contraria sua fundamentação, sendo, portanto, considerada nula, a não ser que o vício seja sanado pelo órgão jurisdicional em virtude da interposição de embargos declaratórios. Decisões vazias são aquelas passíveis de anulação por falta de fundamentação. Diante da ausência de motivação do ato jurisdicional, é possível o reconhecimento de sua nulidade absoluta, haja vista o disposto no art. 93, IX, da Constituição Federal. Decisões autofágicas são aquelas em que há o reconhecimento da imputação, mas o juiz acaba por declarar extinta a punibilidade, a exemplo do que ocorre com o perdão judicial. 2.9. Decisões condenatórias, deciaratórias, constitutivas (positivas e negativas), mandamentais e executivas É comum acreditar-se que o processo penal se resume àquele de natureza condenatória, em que há uma pretensão deduzida em juízo pelo Ministério Público (ou pelo querelante), objetivando-se o reconhecimentoda responsabilidade penal do acusado pela prática do delito a ele imputado, com a consequente aplicação de uma pena privativa de liberdade, restritiva de direitos ou de multa. Daí, todavia, não se pode concluir que a ação penal condenatória seja a única existente em sede processual penal. De fato, se lembrarmos que há ações de natureza não condenatória no âmbito processual penal, é fácil concluir que existe a possibilidade de decisões de outra natureza, além da condenatória. Decisões deciaratórias são aquelas que se limitam a declarar uma situação jurídica preexistente (v.g., decisão judicial que extingue a punibilidade em face da morte do acusado). A decisão constitutiva é aquela que tem como eficácia preponderante a modificação de situa- ção jurídica, podendo ser de natureza positiva, quando faz surgir uma nova situação jurídica (v.g., decisão concessiva de reabilitação criminal, que conduz o acusado a um novo status, o de reabilita- do),4 ou negativa, que importa em desconstituir um ato jurídico anterior, até então válido e eficaz MANUAL DE PROCESSO PENAL SENTENÇA PENAL 4. Há quem entenda que a reabilitação tem natureza declaratória, pois nela haverá a declaração judicial de reinserção do sentenciado ao gozo de determinados direitos que foram atingidos pela condenação: TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 43 ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2010. p. 653. 1 4 2 7 RENATO BRASILEIRO DE UMA MANUAL DE PROCESSO PENAL (v.g., a revisão criminal visa à desconstituição de sentença condenatória ou absolutória imprópria transitada em julgado). A decisão mandamental pode ser encontrada no âmbito do habeas corpus, quando o juiz ou o Tribunal determinam a emissão de alvará de soltura ou a expedição de um salvo-conduto, retra- tando um provimento judicial que consubstancia uma ordem a ser executada em prol da proteção da liberdade de locomoção do agente. Também existe a possibilidade de sentença executiva no processo penal, ainda que em sede de processos instaurados de ofício ou a requerimento do Ministério Público ou do ofendido, ou mediante representação da autoridade policial (CPP, art. 127). E o que ocorre, a título de exemplo, com a medida assecuratória de sequestro, cabível quando houver indícios veementes de que os bens foram adquiridos com os proventos da infração penal (CPP, art. 125). A eficácia executiva fica evi- denciada a partir da autorização de venda dos bens inscritos no registro de imóveis após a sentença condenatória transitada em julgado (CPP, art. 133). 3. E ST R U T U R A E R E Q U ISIT O S DA SE N T E N Ç A Como observa a doutrina, a sentença encerra um silogismo, que é um raciocínio formado de três proposições, em que a premissa maior é o texto legal, a premissa menor, ou premissa fática, é o fato sub judice e, finalmente, a conclusão, que nada mais representa senão a subsunção do fato examinado à lei.5 Com efeito, a partir da prova constante dos autos, e, subsidiariamente, dos elementos informa- tivos colhidos na fase investigatória, ao proferir a sentença, procura o juiz reconstruir, num trabalho intelectual, a situação fática imputada ao acusado e, com base no direito aplicável, concluir pela condenação ou absolvição, julgando procedente ou improcedente a pretensão punitiva deduzida por meio da peça acusatória. O art. 381 do CPP estabelece que a sentença conterá: I - os nomes das partes ou, quando não for possível, as indicações necessárias para identificá-las; II - a exposição sucinta da acusação e da defesa; III — a indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a decisão; IV — a indicação dos artigos de lei aplicados; V — o dispositivo; VI — a data e a assinatura do juiz. Segundo a doutrina, esses requisitos subdividem-se em intrínsecos — relatório, fundamentação e dispositivo — e extrínsecos, os quais estão relacionados à autenticação da decisão. 3.1. Relatório O relatório é um resumo da demanda. Nele, deve o juiz indicar os nomes das partes ou, quando não for possível, as indicações necessárias para sua identificação, fazer uma exposição sucinta da acusação formulada e das teses apresentadas pela defesa, apontando, ademais, os principais atos praticados no curso da persecução penal. Costuma-se dizer que o objetivo do relatório é demonstrar que o juiz teve pleno contato com a demanda que está prestes a julgar, já que sua elaboração obriga o juiz a tomar conhecimento integral do processo, das provas produzidas, das alegações das partes, dos incidentes verificados, etc. A exigência de identificação das partes, inserida no art. 381, I, do CPP, é de fundamental importância para que possam ser fixados os limites subjetivos da coisa julgada, impedindo, por exemplo, que acusado absolvido por sentença transitada em julgado possa ser novamente processado 5. TOURINHO FILHO, Fenando da Costa. Processo Penal. Vol. 4. 31a ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009. p. 309. 1 4 2 8 MANUAL DE PROCESSO PENAL SENTENÇA PENAL em relação à mesma imputação. Na hipótese de processo penal instaurado por meio de denúncia, não há necessidade de se fazer menção ao nome do Promotor de Justiça, já que este atua em nome da instituição e não em nome próprio, sendo a impessoalidade uma das características do Parquet. No entanto, em se tratando de processo instaurado por meio de queixa-crime, deve haver menção ao nome do querelante. Em relação à identificação do acusado, cuida-se de formalidade essencial da sentença. O art. 381, I, do CPP, permite que, não sendo possível indicar seu nome, conste da sentença apenas indicações necessárias para sua identificação. O dispositivo guarda certa semelhança com o art. 41 do CPP, que permite que a peça acusatória seja apresentada com a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo. Portanto, o fato de ser desconhecida a identificação completa do acusado não é óbice à prolação da sentença, desde que se faça menção a seus traços característicos, permitindo distingui-lo de outras pessoas. Outrossim, eventual erro material quanto ao nome do acusado não é substancial, desde que sua identidade física seja certa, não sendo incomum que acusados sejam processados com nomes falsos sem que isso acarrete a nulidade da sentença. Nessa linha, o art. 259 do CPP dispõe que “a impossibilidade de identificação do acusado com o seu verdadeiro nome ou outros qualificativos não retardará a ação penal, quando certa a identidade física. A qualquer tempo, no curso do processo, do julgamento ou da execução da sentença, se for descoberta a sua qualificação, far-se-á a retificação, por termo, nos autos, sem prejuízo da validade dos atos precedentes”. A sentença também deve fazer menção ao nome da vítima, mesmo na hipótese de processo penal referente a crime de ação penal pública. Isso porque, considerando os efeitos inerentes à sentença condenatória — por exemplo, fixação de valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, que poderá ser executada pelo ofendido no âmbito cível - , é de fundamental importância que seu nome conste da sentença, inclusive para que não haja questionamentos quanto a sua legitimidade para ulterior execução. Todavia, “não há nulidade por ausência de menção do nome da vítima na sentença condenatória, se esta faz alusão constante à denúncia, onde consta a qualificação completa”.6 Prevalece o entendimento de que a ausência de relatório é causa de nulidade absoluta da sentença, nos termos do art. 564, IV, do CPP. A nosso ver, a ausência do relatório, isoladamente considerada, não autoriza a anulação da sentença, sobretudo se restar comprovado que o juiz realmente tinha pleno conhecimento da demanda. Cuida-se, portanto, de nulidade relativa. Prova disso, aliás, é a dispensa do relatório da sentença no âmbito dos Juizados Especiais(Lei n° 9.099/95, art. 81, §3°), o que acaba por confirmar que a decisão pode ser considerada válida mesmo sem esse elemento.7 3.2. Fundamentação De acordo com o art. 93, inciso IX, da Carta Magna, todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade. A garantia constitucional inserida no artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, segundo a qual todas as decisões judiciais devem ser fundamentadas, é exigência inerente ao Estado Democrático de Direito e, por outro, é instrumento para viabilizar o controle das decisões judiciais e assegurar o exercício 6. STJ, 5? Turma, HC 89.324/PE, Rei. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 07/02/2008, DJe 03/03/2008. 7. Nesse contexto, como já se pronunciou o STJ, ainda que não tenha havido a exposição das teses defensivas no bojo do relatório, não há falar em nulidade da sentença penal condenatória se todas elas foram devidamente aprecia- das pelo juízo de 1Q grau na fundamentação de sua decisão: STJ, 53 Turma, HC 69.967/RJ, Rei. Min. Felix Fischer, j. 13/03/2007, DJ 14/05/2007 p. 348. 1 4 2 9 RENATO BRASILEIRO DE LIMA MANUAL DE PROCESSO PENAL do direito de defesa. A decisão judicial não é um ato autoritário, um ato que nasce do arbítrio do julgador, daí a necessidade de adequada fundamentação. Antigamente, entendia-se que a fundamentação das decisões judiciais era apenas uma garan- tia técnica do processo, com objetivos endoprocessuais: através dela, proporcionava-se às partes o conhecimento necessário para que pudessem impugnar a decisão, permitindo, ademais, que os órgãos jurisdicionais de segundo grau examinassem a legalidade e a justiça da decisão. Destacava-se, assim, apenas a função endoprocessual da motivação. Com o passar do tempo, a garantia da motivação das decisões passou a ser considerada também garantia da própria jurisdição. Afinal de contas, os destinatários da fundamentação não são mais apenas as partes e o juízo ad quem, como também toda a coletividade que, com a motivação, tem condições de aferir se o magistrado decidiu com imparcialidade a demanda. Muito além de uma garantia individual das partes, a motivação das decisões judiciais funciona como exigência inerente ao próprio exercício da função jurisdicional. Não por outro motivo, a garantia da motivação vem prevista na Constituição Federal no capítulo pertinente ao Poder Judiciário, e não no capítulo dos direitos e garantias individuais, em que se encontra grande parte das garantias processuais. Des- tarte, sob o enfoque da sociedade, pode-se dizer que a motivação também apresenta uma relevância extraprocessual.8 Funciona, assim, a motivação dos atos jurisdicionais, verdadeira garantia processual de segundo grau, como importante forma de controle das partes sobre a atividade intelectual do juiz, a fim de que verifiquem se este levou em consideração todos os argumentos e provas produzidas pelas partes, e se teria aplicado de maneira correta o direito objetivo ao caso concreto.9 Sendo a sentença um ato decisório de fundamental importância no processo penal, porquanto haverá a análise da pretensão punitiva do Estado para fins de absolver ou condenar o acusado, é evidente que a fundamentação não pode ser dispensada. Incumbe ao juiz, nesse momento, enfrentar todas as questões de fato e de direito que sejam relevantes para a solução do caso concreto, de modo a certificar a realização da hipótese de incidência da norma e os efeitos dela resultantes, justificando, assim, a conclusão a que chegará no dispositivo. Daí dispor o CPP que a sentença conterá a indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a decisão e a indicação dos artigos de lei aplicados (art. 381, III e IV). Essa indicação dos artigos de lei aplicados, todavia, pode ser suprida se houver referência implícita a eles. Exemplifi- cando, por mais que o juiz sequer tenha feito menção ao art. 16 do CP, que trata do arrependimento posterior, não haverá nulidade da decisão se dela constar que foi negada a diminuição da pena pelo fato de não ter sido comprovada a reparação integral do dano até o recebimento da denúncia. Se a fundamentação funciona como regra geral para a prolação de uma sentença, não se pode negar que, no âmbito do Tribunal do Júri, as decisões dos jurados não precisam ser motivadas. Isso porque, de acordo com o art. 5o, inciso XXXVIII, da Magna Carta, tem-se como uma das garan- tias do júri o sigilo das votações. Ou seja, fosse o jurado obrigado a fundamentar sua decisão, seria 8. Nesse sentido: FERNANDES, Antônio Scarance. P ro c e sso p e n a l c o n st itu c io n a l. 3a ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 129. 9. Consoante lição de Ferrajoli, a motivação "exprime e ao mesmo tempo garante a natureza cognitiva em vez da natureza potestativa do juízo, vinculando-o, em direito, à estrita legalidade, e, de fato, à prova das hipóteses acusa- tórias". Ainda segundo o referido autor, "a motivação permite a fundação e o controle das decisões seja de direito, por violação de lei ou defeito de interpretação ou subsunção, seja de fato, por defeito ou insuficiência de provas ou por explicação inadequada do nexo entre convencimento e provas" (D ire ito e ra zã o : te oria do g a ra n tism o p en a l. 25 ed. rev. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 573/574). 1 4 3 0 MANUAL DE PROCESSO PENAL SENTENÇA PENAL possível identificar-se o sentido de seu voto. Daí a desnecessidade de fundamentação do voto do jurado, limitando-se o mesmo a um singelo “sim” ou “não” para cada quesito que lhe for formulado, nos exatos termos do art. 486, caput, do CPP. Perceba-se que essa desnecessidade de motivação aplica-se apenas às questões apreciadas pelos jurados — materialidade, autoria, eventual absolvição do acusado, causas de diminuição de pena, qualificadoras e causas de aumento de pena —, já que apenas o juiz leigo está protegido pela garantia constitucional do sigilo das votações. Todavia, quanto à pena a ser aplicada pelo juiz presidente, há necessidade de fundamentação do decreto condenatório, já que vigora, em relação ao juiz togado, o sistema do livre convencimento motivado. Quanto à valoração da prova pelo magistrado por ocasião da sentença condenatória, o orde- namento pátrio adota, pelo menos em regra, o sistema do livre convencimento motivado (ou da persuasão racional do juiz), em virtude do qual o magistrado tem ampla liberdade na valoração das provas constantes dos autos, as quais têm, legal e abstratamente, o mesmo valor. Como aponta Gomes Filho, “a liberdade na apreciação das provas não se confunde com uma autorização para que o juiz adote decisões arbitrárias, mas apenas lhe confere a possibilidade de estabelecer a verdade judicial com base em dados e critérios objetivos e de uma forma que seja controlável”.10 Este sistema confere ao juiz discricionariedade na hora da valoração das provas, isoladamente e no seu conjunto, mas desde que tais provas estejam no processo (id quod non est in actis non est in mundus — o que não está nos autos não existe), sendo admitidas pela lei e submetidas a um prévio juízo de credibilidade, não podendo ser ilícitas ou ilegítimas. A discricionariedade de avaliação do quadro probatório soma-se a obrigatoriedade de motivação da conclusão do magistrado. A obrigação de fundamentar permite às partes não somente aferir que a convicção foi realmente extraída do material probatório constante dos autos, como também analisar os motivos legais que levaram o magistrado a firmar sua conclusão.11 A propósito, o art. 155 do CPP estabelece que o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundam entar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares,não repetíveis e antecipadas. Da adoção do sistema da livre persuasão racional do juiz, derivam importantes efeitos: a) não há prova com valor absoluto; b) deve o magistrado valorar todas as provas produzidas no processo, mesmo que para refutá-las; c) somente serão consideradas válidas as provas constantes do processo: não se pode emprestar validade aos conhecimentos privados do magistrado. Quanto à possibilidade de utilização de elementos informativos produzidos na fase investigatória - portanto, sem a obrigatória observância do contraditório e da ampla defesa - para fundamentar a prolação de uma sentença, prevalece o entendimento de que sua utilização pode se dar de maneira subsidiária, complementando a prova produzida em juízo sob o crivo do contraditório. Como já se pronunciou a 2a Turma do STF, os elementos do inquérito podem influir na formação do livre convencimento do juiz para a decisão da causa quando complementam outros indícios e provas que passam pelo crivo do contraditório em juízo.12 10. GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As re fo rm a s n o p ro c e s so p e n a l: a s n o va s le is d e 2 0 0 8 e os p ro je to s d e re fo rm a . Coordenação Maria Thereza Rocha de Assis Moura. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 249. 11. Nesse sentido: GRECO FILHO, Vicente. M a n u a l d e p ro c e s so p e n a l. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 203. 12. STF, 25 Turma, RE-AgR 425.734/MG, Rei. Min. Ellen Gracie, DJ 28/10/2005 p. 57. Em sentido semelhante: STF, 25 Turma, HC 89.877/ES, Rei. Min. Eros Grau, j. 07/11/2006, DJ 15/12/2006; STF, V Turma, RE 287.658/MG, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 03/10/2003 p. 22. 1 4 3 1 RENATO BRASILEIRO DE LIMA MANUAL DE PROCESSO PENAL A ausência da fundamentação é vício de extrema gravidade, mas daí não se pode falar em inexistência jurídica do ato. Na verdade, a ausência de fundamentação acarreta a nulidade absoluta da sentença, nos exatos termos do art. 93, IX, da Constituição Federal. Não por outro motivo, em caso concreto em que, por ocasião do julgamento de apelação, deter- minado Tribunal de Justiça limitou-se a transcrever a sentença de primeiro grau, sem o acréscimo de fundamentação própria, concluiu o STJ que o dever de motivar as decisões implica necessariamente cognição efetuada diretamente pelo órgão julgador, restando certo que a mera repetição da decisão impugnada, além de violar o art. 93, IX, da Carta Magna, também é causa de evidente prejuízo ao duplo grau de jurisdição, na exata medida em que não conduz à substancial revisão judicial da primitiva decisão, mas à cômoda reiteração de seus termos.13 No mesmo contexto, em recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público Militar contra decisão do Superior Tribunal Militar, que deixou de lavrar acórdão proferido em agravo regi- mental, sob o argumento de que constava dos autos a certidão de julgamento, o STF considerou que, não obstante o agravo regimental ter sido julgado em sessão pública, a falta do respectivo acórdão tornaria impossível o conhecimento das razões e dos fundamentos da decisão judicial, violando o preceito constitucional do art. 93, IX. Daí por que a Suprema Corte deu provimento ao RE para fins de determinar o retorno dos autos ao STM a fim de providenciar a lavratura do acórdão havido no julgamento do agravo regimental.14 Quanto à necessidade de enfrentamento de todas as teses apresentadas pela defesa por ocasião da prolação da sentença, os Tribunais Superiores têm entendido que não há falar em nulidade da sentença se ficar evidenciado que todas elas foram apreciadas pelo magistrado, ainda que de maneira sucinta, direta ou indiretamente. Embora seja necessário que o Magistrado aprecie todas as teses ventiladas pela defesa, torna-se desnecessária a menção expressa a cada uma das alegações se, pela própria decisão condenatória, restar claro que o Julgador adotou posicionamento contrário. Assim, não se tem como omissa uma sentença que, conquanto não se refira, expressamente, a um suposto álibi apresentado pelo acusado, fundamente sua condenação com base em elementos probatórios válidos que confirmem a prática delituosa e a respectiva autoria.15 O instrumento a ser utilizado para a impugnação de sentença desprovida de fundamentação é a apelação com a alegação de error inprocedendo intrínseco, o que, evidentemente, não impede a utilização do habeas corpus, se acaso houver risco à liberdade de locomoção. Na hipótese de sentença citra petita, ou seja, uma decisão que não analisa todos os fatos delituosos imputados ao acusado, apesar de sua evidente nulidade, é plenamente possível a oposição de embargos de declaração, que terão efeitos infringentes, já que a apreciação de ponto omisso da decisão pode provocar a modifi- cação do sentido da decisão. 13. STJ, 6a Turma, HC 91.894/RS, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 03/11/2009, DJe 23/11/2009. 14. STF, lã Turma, RE 540.995/RJ, Rei. Min. Menezes Direito, j. 19/02/2008, DJe 78 30/04/2008. 15. No sentido de que, apesar de ser necessário que o juiz aprecie as teses ventiladas pela defesa, torna-se despiciendo a menção expressa a cada uma das alegações se, pela própria decisão condenatória, resta claro que o Julgador adotou posicionamento contrário: STJ, 5a Turma, HC 61.715/RJ, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 29/08/2007, DJ 08/10/2007 p. 325. Na mesma linha: STJ, 5a Turma, HC 166.533/SP, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 14/06/2011, DJe 30/06/2011; STJ, 5a Turma, HC 87.095/MG, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 08/05/2008, DJe 02/06/2008. Em outro julgado, o STJ afirmou que, para cumprir a determinação constitucional de fundamentação das decisões judiciais, é desnecessário que o Magistrado transcreva ou responda a toda sorte de alegações suscitadas no transcorrer do processo penal, bas- tando que examine as circunstâncias fáticas e jurídicas relevantes, podendo, na fundamentação, apresentar tese contrastante com aquela defendida pelas partes, valer-se da doutrina e da jurisprudência, além, por óbvio, das provas produzidas, desde que fique claro, pela sua exposição, as razões que embasaram o seu convencimento: STJ, 5a Turma, HC 89.324/PE, Rei. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 07/02/2008, DJe 03/03/2008. 1 4 3 2 Reconhecida a ausência de fundamentação pelo Tribunal no julgamento de eventual apela- ção (ou babeas corpus), a sentença deve ser anulada, com a remessa dos autos ao primeiro grau de jurisdição para a prolação de uma nova decisão. Há quem entenda que, nesse caso, seria aplicável subsidiariamente o disposto no art. 515, §3°, do CPC, que autoriza que o tribunal de segundo grau anule a sentença e passe, de imediato, à prolação de uma nova decisão de mérito da demanda. Porém, essa posição é minoritária, já que o enfrentamento do mérito pelo Tribunal poderia acarretar verdadeira supressão de instância. Outrossim, declarada nula a sentença condenatória, por ausência de fundamentação, des- constitui-se a causa interruptiva da prescrição correspondente (CP, art. 117, IV, primeira parte), contando-se o prazo a partir da causa interruptiva anterior, qual seja, o recebimento da denúncia (CP, art. 117, I), pelo menos enquanto não houver a publicação de nova sentença condenatória.16 3.2.1. Fundamentação per relationem Há controvérsias em torno da possibilidade da adoção da denominada fundamentação per relationem. Fundamentação per relationem é aquela em que a autoridade judiciária adota como fundamento de sua decisão as alegações contidas na manifestação das partes. A nosso juízo, em se tratando de sentença condenatória e/ou absolutória, é inadmissível a funda- mentação per relationem, porquanto viola, à evidência, o disposto no art. 93, IX, da Constituição Federal. Afinal, nesse tipo de fundamentação, não há explicitação, por parte do Magistrado, das suas razões de decidir, cuja ausência não pode ser supridapelo simples reenvio à justificação con- tida na manifestação de uma das partes, o que afetaria até mesmo a própria imparcialidade da decisão, porquanto não é certo que as razões de uma decisão condenatória (ou absolutória) sejam dadas por uma das partes. Na dicção de Antônio Magalhães Gomes filho, “incumbe ao juiz efe- tivamente decidir sobre esse ponto, até porque sua função é indelegável, não cabendo remissão ao que entenderam a autoridade policial ou o órgão da acusação, sendo imprescindível, portanto, a fundamentação expressa.”17 Com entendimento semelhante, o STJ já teve a oportunidade de concluir que, no julgamento de apelação pela instância superior, a simples remissão do desembargador relator aos fundamentos da sentença impugnada e ao parecer ministerial, sem sequer transcrever os trechos indicativos da motivação acolhida, não permite que as partes possam aferir as razões que teriam sido incorpora- das à decisão do juízo ad quem. Logo, deve ser reconhecida a nulidade do acórdão por ausência de motivação. Segundo a Corte, se é verdade que tem sido admitido que, no bojo da fundamentação, o órgão jurisdicional se reporte a outras peças constantes do processo - fundamentação ad relatio- nem —, também é verdade que o julgado deve expor, de forma clara, as razões que o motivaram e ensejaram a adoção de determinada decisão, garantindo-se às partes e à sociedade a possibilidade de acessá-las e compreendê-las.18 MANUAL DE PROCESSO PENAL SENTENÇA PENAL 16. STJ, 63 Turma, REsp 931.151/RJ, Rei. Min. Hamilton Carvalhido, j. 11/03/2008, DJe 29/09/2008. 17. GOMES FILHO, Antônio Magalhães. A m o tiv a ç ã o d a s d e c isõ e s p e n a is . São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. p. 221. 18. STJ, 53 Turma, HC 176.238/SP, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 24/05/2011. Todavia, em recente julgado, a Corte Especial do STJ entendeu que, apesar de não ser a melhor forma de se decidir uma controvérsia, a reprodução dos fundamen- tos declinados pelas partes ou pelo órgão do MP ou mesmo de outras decisões proferidas nos autos da demanda atende ao comando normativo e constitucional que impõe a necessidade de motivação das decisões judiciais, já que o que não se admite é a ausência de fundamentação: STJ, Corte Especial, EREsp 1.021.851/SP, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 28/06/2012. 1 4 3 3 RENATO BRASILEIRO DE LIMA MANUAL DE PROCESSO PENAL Perceba-se que fomos enfáticos ao dizer que não se admite a fundamentação per relationem quanto à sentença condenatória e/ou absolutória. Porém, no tocante às decisões interlocutórias, sobretudo aquelas referentes às medidas cautelares de natureza urgente (v.g., prisão temporária, pre- ventiva, etc.), parece-nos ser plenamente possível que o juiz adote como fundamento de sua decisão as alegações da autoridade policial, do Ministério Público ou do querelante, desde que nelas haja argumentos suficientes a autorizar a imposição da referida medida, sendo desnecessária, inclusive, a sua reprodução nos mesmos autos.19 3.3. Dispositivo Trata-se da conclusão decisória da sentença, representando o comando da decisão no sentido de condenar ou absolver o acusado. É a parte da sentença responsável pela geração dos efeitos da decisão, transformando o mundo dos fatos. O dispositivo é a conclusão do juiz que decorre da fun- damentação. No dispositivo, deve o juiz indicar os artigos de lei aplicados (CPP, art. 381, IV e V). Em se tratando de sentença absolutória, deve o juiz declinar um dos fundamentos a que faz menção o art. 386 do CPP. Isso porque, a depender do fundamento adotado pelo magistrado, a sentença absolutória pode (ou não) fazer coisa julgada no âmbito cível. Evidentemente, a ausência de menção expressa a um dos incisos do art. 386 pode ser suprida se for possível deduzir, a partir do conteúdo da motivação da sentença, qual teria sido o fundamento que deu ensejo à absolvição do acusado. Na hipótese de sentença condenatória, deve o juiz indicar o dispositivo legal no qual se dá o juízo de tipicidade da conduta delituosa imputada ao acusado. A não indicação da capitulação legal autoriza o reconhecimento da nulidade da sentença, que pode ser sanada, todavia, se houver referência ao nomen iuris do delito. A ausência de dispositivo é vício gravíssimo, até mesmo pela conclusão lógica de que uma decisão sem dispositivo não é propriamente uma decisão, já que nada decide. Por isso, é tratada pela doutrina como hipótese de inexistência jurídica do provimento judicial, que deve ser tratado como um não ato. 3.4. Autenticação Para além dos requisitos intrínsecos da sentença, há também os requisitos extrínsecos: a) data e assinatura (CPP, art. 381, VI); b) rubrica do juiz em todas as páginas, se a sentença for digitada (CPP, art. 388). Caso a sentença seja proferida oralmente em audiência, hipótese em que geralmente é registrada por meio da estenotipia ou gravada, o provimento jurisdicional somente terá valor como decisão judicial quando houver sua conferência, revisão e assinatura. Prevalece o entendimento no sentido de que a não aposição da assinatura do juiz torna a decisão inexistente, já que é ela que confere autenticidade à sentença. Há, todavia, quem entenda que, desde * 53 19. Admitindo fundamentação p e r r e la t io n e m em decisão que decreta a prisão preventiva, desde que a cota ministerial esteja devidamente fundamentada: STJ, 53 Turma, HC 29.29B/SC, Rei. Min. Jorge Scartezzini, DJ 10/05/2004 p. 312. No mesmo sentido: STJ, 6- Turma, HC 31.015/SP, Rei. Min. Paulo Gallotti, j. 19/05/2005, DJ 20/03/2006, p. 355; STJ, 53 Turma, HC 84.262/SP, Relatora Ministra Jane Silva, DJ 22/10/2007 p. 336; STJ, 63 Turma, HC 25.352/SC, Rei. Min. Hamilton Carvalhido, j. 20/05/2003, DJ 30/06/2003, p. 318. No julgamento do HC 102.864/SP, entendeu a 13 Turma do Supremo que, muito embora o sucinto decreto de prisão preventiva tivesse adotado como fundamentação o requerimento do Ministério Público, sem, entretanto, transcrevê-lo, a constrição cautelar teria sido baseada em fatos concretos, portanto, em conformidade com o disposto no art. 312 do CPP: STF, 13 Turma, HC 102.864/SP, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, j. 03/08/2010, DJe 173 16/09/2010. 1 4 3 4 que ainda seja possível que o juiz prolator da decisão aponha validamente sua assinatura na sentença, trata-se de mera irregularidade. Especificamente em relação à rubrica do juiz em todas as páginas da sentença (CPP, art. 388), há precedentes do STJ no sentido da irrelevância dessa formalidade.20 4. SE N T E N Ç A A B SO LU T Ó R IA 4.1. Espécies de sentença absolutória A sentença absolutória subdivide-se em: a) sentença absolutória própria: é aquela que julga improcedente o pedido condenatório formulado pela acusação, importando em reconhecimento pleno da inocência do acusado, da qual não decorre a imposição de medida de segurança. b) sentença absolutória imprópria: é aquela que, reconhecendo a prática de conduta típica e ilícita pelo inimputável do art. 26, caput, do CP - leia-se, por agente que era, ao tempo da ação ou omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento em virtude de doença mental ou desenvolvimento incompleto ou retardado —, a ele impõe o cumprimento de medida de segurança, nos termos do art. 386, parágrafo único, III, do CPP. c) absolvição sumária: prevista no art. 397 (procedimento comum) e no art. 415 (primeira fase do procedimento do júri) do CPP, esta decisão também funciona como espécie de sentença absolutória, já que o fato de se tratar de um julgamento antecipado da demanda não lhe retira a natureza jurídica de sentença, sobretudo se considerarmos que há efetivo julgamento do mérito, reconhecendo o juiz categoricamente, por exemplo, tratar-se de conduta manifestamente atípica. Em outras palavras, o fato de se tratar de uma decisãoproferida no limiar do processo não tem o condão de alterar sua natureza jurídica de sentença, já que há efetiva análise do mérito, para fins de se absolver o acusado. Ressalva especial, todavia, deve ser feita quanto à hipótese do art. 397, IV, do CPP, que elenca a extinção da punibilidade como uma das causas de absolvição sumária. Pelo menos no âmbito do STJ - veja-se o teor da súmula n° 18 - , a decisão que reconhece a extinção da punibilidade tem natureza declaratória, e não absolutória. d) absolvição sumária imprópria: consiste no julgamento antecipado da demanda para fins de absolvição do acusado inimputável do art. 26, caput, do CP, que, porém, sofre a imposição de medida de segurança (internação ou tratamento ambulatorial). Quanto à possibilidade de absolvição sumária imprópria, ou seja, a absolvição da qual decorre a imposição de medida de segurança proferida no limiar do processo, é sabido que, no âmbito do procedimento comum, o art. 397, inciso II, do CPP, veda a possibilidade de absolvição sumária do inimputável. No âmbito do Júri, todavia, o art. 415, parágrafo único, do CPP, autoriza que o juiz absolva sumariamente o acusado inimputável do art. 26, caput, do Código Penal, desde que a inimputabilidade seja a única tese defensiva. e) sentença absolutória anômala: é a decisão que concede o perdão judicial ao acusado. Tal decisão é denominada de anômala porque não existe uma verdadeira absolvição, mas sim um pronunciamento que só formal e impropriamente pode ser chamado absolutório, visto que, subs- tancialmente, é de condenação. MANUAL DE PROCESSO PENAL SENTENÇA PENAL 20. STJ, 6 ^Turma, RHC 3.155/SP, Rei. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, j. 08/11/1993, DJ 13/12/1993. 1 4 3 5 RENATO BRASILEIRO DE LIMA MANUAL DE PROCESSO PENAL Esta terminologia - absolvição anômala — é usada por poucos doutrinadores,21 já que há intensa controvérsia quanto à natureza jurídica da decisão que concede o perdão judicial. Há quem entenda que, na verdade, referida decisão tem natureza condenatória, pois o juiz somente perdoa o imputado, nas hipóteses expressamente previstas em lei, após valoração da prova e verificação da procedência da acusação. Caso contrário, não haveria razão para perdoá-lo. Prevalece, todavia, o entendimento de que a decisão concessiva do perdão judicial é simplesmente declaratória de extinção da punibili- dade. Nesse sentido, aliás, a súmula n° 18 do STJ preconiza que “a sentença concessiva do perdão judicial é declaratória da extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório”. 4.2. Presunção de inocência e regra probatória Antes de passarmos à análise das causas que autorizam a absolvição do acusado, é conveniente lembrar que, em sede processual penal, vigora o princípio da presunção de inocência, por força do qual ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (CF, art. 5o, LVII). Desse princípio deriva a denominada regra probatória, segundo a qual recai sobre a acusação o ônus de demonstrar a culpabilidade do acusado além de qualquer dúvida razoável. Essa regra probatória deve ser utilizada sempre que houver dúvida sobre fato relevante para a decisão do processo. Na dicção de Badaró, cuida-se de uma disciplina do acertamento penal, uma exigência segundo a qual, para a imposição de uma sentença condenatória, é necessário provar, eliminando qualquer dúvida razoável, o contrário do que é garantido pela presunção de inocência, impondo a necessidade de certeza.22 4.3. Fundamentos Formando sua convicção de acordo com a livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, sem prejuízo da utilização subsidiária dos elementos informativos colhidos na investigação (CPP, art. 155, caput), deve o juiz julgar improcedente a pretensão acusatória, absolvendo o acusado, quando ocorrer uma das hipóteses mencionadas no art. 386 do CPP: I — estar provada a inexistência do fato: nesse caso, o juiz formou sua convicção no sentido da inexistência do fato delituoso. Não se trata de falta de provas, ou de um estado de dúvida. Na verdade, há prova nos autos que confirmam peremptoriamente que o fato delituoso imputado ao acusado não ocorreu; II - não haver prova da existência do fato: essa decisão deve ser proferida pelo magistrado quando, por ocasião da sentença, persistir dúvida quanto à existência do fato delituoso. Em outras palavras, o fato delituoso pode até ter existido, mas o juiz conclui que não há provas suficientes que atestem sua existência. Trata-se, pois, de decisão baseada no in dubio pro reo; III - não constituir o fato infração penal: sempre que o legislador utiliza a expressão “não constituir o fato infração penal”, refere-se à atipicidade da conduta imputada ao agente, seja no plano formal, seja no plano material. Exemplificando, constatada a mínima ofensividade da conduta, a ausência de periculosidade do agente, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a lesão jurídica inexpressiva, pressupostos indispensáveis para a aplicação do princípio da insignificância, deve o juiz absolver o acusado com base no inciso III do art. 386 do CPP, haja vista a atipicidade material da conduta; 21. MÉDICI, Sérgio de Oliveira. R e v isã o c r im in a l. 2§ ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 174. 2 2. BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ô n u s d a p ro v a n o p ro c e s s o p e n a l. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 285. Para mais detalhes acerca da regra probatória que deriva do princípio da presunção de inocência, remetemos o leitor ao Título introdutório deste Manual. 1 4 3 6 MANUAL DE PROCESSO PENAL SENTENÇA PENAL IV — estar provado que o acusado náo concorreu para a infração penal: nos mesmos mol- des que a decisão do inciso I, esta decisão absolutória também é baseada em um juízo de certeza, porém, nesse caso, no sentido de que o acusado não concorreu para a prática delituosa na condição de autor, coautor ou partícipe. A título de exemplo, é possível que a instrução probatória demonstre que o autor, efetivamente, não poderia ter praticado o fato delituoso, seja porque outro o autor, seja porque faticamente impossível a sua realização, vez que comprovada sua localização, temporal e espacial, em local diverso do crime; V - não existir prova de ter o acusado concorrido para a infração penal: cuida-se de decisão baseada na existência de dúvida razoável acerca da autoria, coautoria ou participação. A título de exemplo, em processo penal no qual seja imputada ao acusado a execução de um crime patrimonial, se apresentado um álibi pela defesa, e o Ministério Público não conseguir provar a contento que o acusado encontrava-se efetivamente no local do crime, deve o magistrado absolver o acusado com fundamento no art. 386, V, do CPP; VI - existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o acusado de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e §1° do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência: havendo certeza (ou mesmo fundada dúvida) sobre a existência de causa excludente da ilicitude ou da culpabilidade, incumbe ao juiz absolver o acusado. Apesar de o dispositivo fazer menção expressa apenas aos dispositivos da parte geral do Código Penal, é evidente que a absolvição também será possível diante de causa excludente da ilicitude ou da culpabilidade prevista na parte especial do Código Penal ou no âmbito da legislação especial (v.g., art. 128 do CP). VII - não existir prova suficiente para a condenação: sem dúvida alguma, reside neste inciso a hipótese mais comum de absolvição. Como se demanda um juízo de certeza para a prolação de um decreto condenatório, caso persista uma dúvida razoável por ocasião da prolação da sentença, o caminho a ser adotado é a absolvição do acusado. 4.4. Efeitos decorrentes dasentença absolutória.23 4.4.1. Efeito principal: colocação do acusado em liberdade Sem dúvida alguma, o principal efeito decorrente da sentença absolutória própria, ou seja, aquela da qual não decorre a imposição de medida de segurança, é a imediata colocação do acusado em liberdade, já que o recurso de apelação contra essa decisão não é dotado de efeito suspensivo, pouco importando a natureza do crime e os antecedentes do agente. Daí dispor o art. 386, parágrafo único, do CPP, que, na sentença absolutória, mandará o juiz, se for o caso, colocar o acusado em liberdade. De seu turno, o art. 596, caput, do CPP, preceitua que a apelação da sentença absolutória não impedirá que o acusado seja posto imediatamente em liberdade. Embora pareça óbvio que o acusado absolvido deva ser colocado imediatamente em liberdade, é bom lembrar que, ao tempo da redação originária do Código de Processo Penal, havia previsão legal no sentido de manutenção da prisão, mesmo após a prolação da sentença absolutória, quando se tratasse de imputação de crime cuja pena máxima fosse igual ou superior a 8 (oito) anos de reclusão. Ocorre que, por força da Lei n° 5.941/73, a redação do art. 596 do CPP acabou sendo modificada, passando a prever, então, a imediata colocação do acusado em liberdade, independentemente do quantum de pena cominado ao delito. 23. Para mais detalhes acerca dos efeitos civis da sentença absolutória, remetemos o leitor ao Título referente à ação penal e à ação civil ex delicto. 1 4 3 7 RENATO BRASILEIRO DE LIMA MANUAL DE PROCESSO PENAL Na hipótese de sentença absolutória imprópria, da qual resulta a aplicação de medida de segu- rança, há de se ficar atento ao caso concreto: a) se o acusado foi submetido ao longo de toda a persecução penal à medida cautelar de inter- nação provisória (CPP, art. 319, VII, com redação determinada pela Lei n° 12.403/11), significa dizer que o juiz visualizou a presença de fum us comissi delicti epericulum libertatis. Logo, por ocasião da sentença absolutória imprópria, deve ser mantida a imposição da referida medida. Todavia, se o magistrado constatar a superveniente cessação da periculosidade, é plenamente possível a revogação da medida, a fim de que o acusado aguarde em liberdade o trânsito em julgado da decisão, para, somente então, ser executada a medida de segurança; b) se, a despeito da constatação da inimputabilidade à época do fato delituoso, o acusado tiver permanecido em liberdade durante o curso do processo, significa dizer que o juiz não vislumbrou a necessidade de imposição da medida cautelar de internação provisória. Logo, em regra, se o inimpu- tável permaneceu solto durante o curso da persecução, deve permanecer solto, a não ser que surjam motivos que autorizem a imposição da medida cautelar de internação provisória. Portanto, não se pode falar em aplicação provisória de medida de segurança, restando preju- dicado o disposto no art. 596, parágrafo único, do CPP, à luz da regra de tratamento que deriva do princípio da presunção de inocência. A medida de internação provisória a que se refere o art. 319, VII, do CPP, só poderá ser decretada se presentes o fum us comissi delicti e o periculum libertatis, jamais como efeito automático da sentença absolutória imprópria, e desde que o crime tenha sido praticado com violência ou grave ameaça e haja risco de reiteração. 4.4.2. Efeitos secundários A doutrina costuma citar outros efeitos decorrentes de um decreto absolutório, que podem variar a depender da hipótese em análise: 1) restituição integral da fiança: segundo o art. 337 do CPP, se passar em julgado a sentença que houver absolvido o acusado, o valor que a constituir, atualizado, será restituído sem desconto; 2) impossibilidade de novo processo em face da mesma imputação: ainda que a sentença abso- lutória tenha sido proferida por juízo absolutamente incompetente, ninguém pode ser processado duas vezes pela mesma imputação por força do princípio do ne bis in idem processual. Apesar de não previsto expressamente na Constituição Federal, o princípio do ne bis in idem consta da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, a qual é dotada de status normativo supralegal (Dec. 678/92, art. 8o, n° 4). Supondo-se que determinado indivíduo tenha sido absolvido em um processo criminal pela prática de furto em virtude da ausência de provas, operando-se o trânsito em julgado, não será possível o oferecimento de nova denúncia (ou queixa) em relação à mesma imputação, mesmo que surjam, posteriormente, provas cabais de seu envolvimento no fato delituoso; 3) levantamento do sequestro: de acordo com o art. 131, III, do CPP, se o acusado for absolvido por sentença transitada em julgado, será determinado o levantamento de sequestro incidente sobre bens supostamente adquiridos com o produto da infração penal; 4) levantamento do arresto ou cancelamento da hipoteca: de acordo com o art. 141 do CPP, o arresto será levantado ou cancelada a hipoteca, se, por sentença irrecorrível, o acusado for absolvido ou julgada extinta a punibilidade; 5) retirada da identificação fotográfica dos autos do processo: de acordo com o art. 7o da Lei n° 12.037/09, no caso de não oferecimento da denúncia, ou sua rejeição, ou absolvição, é facultado ao indiciado ou ao réu, após o arquivamento definitivo do inquérito, ou trânsito em julgado da sentença, requerer a retirada da identificação fotográfica do inquérito ou processo, desde que apre- sente provas de sua identificação civil. 1 4 3 8 5. SE N T E N Ç A C O N D EN A T Ó R IA Sentença penal condenatória é a decisão judicial que atesta a responsabilidade criminal do acu- sado em virtude do reconhecimento categórico da prática da conduta típica, ilícita e culpável a ele imputada na peça acusatória (ou aditamento), impondo-lhe, em consequência, uma pena privativa de liberdade, restritiva de direitos ou multa. Para tanto, há necessidade de um juízo de certeza acerca da existência da infração penal e da respectiva autoria e/ou participação, sendo inviável a prolação de um decreto condenatório com base em um mero juízo de possibilidade e/ou probabilidade, sob pena de violação à regra probatória que deriva do princípio da presunção de inocência. 5.L Fixação da pena A individualização da pena tem assento constitucional entre nós (art. 5o, XLVI). Segundo Alberto Silva Franco, tal princípio garante, em resumo, a todo cidadão, condenado num proces- so-crime, uma pena particularizada, pessoal, distinta e, portanto, inextensível a outro cidadão, em situação fática igual ou assemelhada. Trata-se, pois, de verdadeiro direito fundamental do cidadão posicionado frente ao poder repressivo do Estado. Daí porque, nas palavras do autor, “não é possível, em face da ordem constitucional vigente, a cominação legal de pena, exata na sua quantidade, nem a aplicação ou execução de pena, sem intervenção judicial, para efeito de adaptá-la ao fato concreto, ao delinquente ou às vicissitudes de seu cumprimento”.24 São três os momentos distintos em que se dá essa individualização: a) individualização legislativa: processo por meio do qual são selecionados os fatos puníveis e cominadas as sanções respectivas, estabelecendo seus limites e critérios de fixação da pena. Por violar o princípio da individualização da pena, em sua acepção legislativa, o Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou, incidentalmente, a inconstitucionalidade da expressão vedada a conversão em penas restritivas de direitos, constante do §4° do art. 33, e do art. 44, ambos da Lei 11.343/2006. Sob o argumento de que a vedação, em abstrato, da possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, é incompatível com o princípio da individu- alização da pena, por ser vedado ao legislador subtrair do juiz a possibilidade de se movimentar com certa discricionariedade no sentidode determinar a espécie de pena suficiente para castigar e, ao mesmo tempo recuperar socialmente o apenado, prevenindo comportamentos do gênero, foi concedida a ordem em habeas corpus não para assegurar ao paciente a imediata substituição, mas pelo menos para remover o obstáculo da Lei n° 11.343/06, devolvendo ao juiz da causa a tarefa de aferir a presença das condições objetivas e subjetivas listadas no art. 44 do Código Penal.25 b) individualização judicial: elaborada pelo juiz na sentença, é a atividade que concretiza a individualização legislativa que cominou abstratamente as sanções penais. Por meio do procedimento de aplicação da pena, a ser estudado mais adiante, é vedado que o julgador imponha uma sanção padronizada ou mecanizada, olvidando os aspectos únicos do delito cometido; c) individualização executória: ocorre durante o cumprimento da sanção penal, objetivando a ressocialização do sentenciado. Considerando que o juiz da execução também precisa dispor de instrumentos para buscar a individualização do cumprimento da reprimenda imposta ao conde - MANUAL DE PROCESSO PENAL SENTENÇA PENAL 24. FRANCO, Alberto Silva. C rim e s h e d io n d o s. 4S ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 163. Em sentido semelhante: NUCCI, Guilherme de Souza. In d iv id u a liz a ç ã o da p e n a . 2- ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 338. 25. STF, Pleno, HC 97.256/RS, Rei. Min. Ayres Britto, j. 01/09/2010, DJe 247 15/12/2010. Por conta dessa decisão, o Senado Federal deliberou pela suspensão da execução da expressão "vedada a conversão em penas restritivas de direitos" do §49 do art. 33 da Lei n9 11.343/06, nos termos do art. 52, X, da Constituição Federal (Resolução n9 5, de 2012). 1 4 3 9 RENATO BRASILEIRO DE LIMA MANUAL DE PROCESSO PENAL nado, o Supremo acabou por declarar a inconsdtucionalidade da redação original do art. 2o, §1°, da Lei n° 8.072/90, que determinava que o condenado por crime hediondo devia cumprir sua pena em regime integralmente fechado. Na visão da Corte, a progressão no regime de cumprimento da pena, nas espécies fechado, semi-aberto e aberto, tem como razão maior a ressocialização do preso que, mais dia ou menos dia, voltará ao convívio social. Daí porque não se pode privar o preso, em abstrato, do direito à progressão.26 Nesse momento, o que nos interessa é a individualização judicial. Se é verdade que o legislador confere ao juiz certa discricionariedade por ocasião da individualização da pena na sentença con- denatória, também é verdade que todas as operações realizadas na dosimetria da pena devem ser devidamente fundamentadas, apontando o magistrado como valorou cada uma das circunstâncias analisadas, desenvolvendo um raciocínio lógico e coerente que permita às partes e à própria socie- dade entender os critérios utilizados nessa valoração, evitando-se, assim, quaisquer arbitrariedades. Antes da reforma da Parte Geral do Código Penal pela Lei n° 7.209/84, discutia-se na dou- trina qual seria o melhor sistema a ser adotado quanto à fixação da pena. De um lado, o critério defendido por Roberto Lyra preconizava que a pena devia ser aplicada percorrendo-se apenas duas fases (sistema bifásico): num primeiro momento, seriam avaliadas as circunstâncias judiciais em conjunto com as agravantes e atenuantes; em seguida, as causas de aumento e de diminuição de pena seriam levadas em consideração. Nelson Hungria, por sua vez, advogava que 03 (três) deve- riam ser as fases de aplicação da pena (sistema trifásico): primeiro, deveriam ser consideradas as circunstâncias judiciais, isoladamente; em seguida, agravantes e atenuantes; por último, causas de aumento e de diminuição de pena. Com o advento da Lei n° 7.209/84, o Código Penal passou a adotar expressamente o sistema proposto por Nelson Hungria. De fato, segundo o art. 68 do Código Penal, o cálculo da pena deve ser feito em três fases distintas: primeiro, deve ser encontrada a pena-base, analisando-se, para tanto, as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP; segundo, com base nas circunstâncias atenuantes e agravantes, deve ser fixada a pena provisória; por fim, chega-se à pena definitiva, levando-se em consideração as causas de aumento e de diminuição de pena. Antes de passar à análise do sistema trifásico, incumbe ao magistrado estabelecer os limites abstratos com os quais irá trabalhar, ou seja, o mínimo e máximo a serem levados em consideração. Para tanto, deve analisar as elementares da conduta delituosa imputada ao agente e, assim, fazer o juízo de subsunção para definir o tipo penal em que o acusado está incurso. Deve, ademais, analisar a presença de eventuais qualificadoras (v.g., CP, art. 155, §4°) ou privilégios (v.g., CP, art. 317, §2°), que podem acarretar a alteração dos limites mínimo e máximo. Se alternativa a pena (privativa de liberdade ou multa), deve escolher qual delas se ajusta ao caso concreto e ao acusado. Se cumulativa a pena (privativa de liberdade e multa), ambas deverão ser aplicadas. Na hipótese de incidência de mais de uma qualificadora, apesar de haver certa divergência, prevalece o entendimento de que uma delas deve ser utilizada para estabelecer o novo limite abs- trato (o mínimo e o máximo da figura qualificada), ao passo que as demais devem ser levadas em 26. STF, Pleno, FiC 82.959/SP, Rei. Min. Marco Aurélio, j. 23/02/2006, DJ 01/09/2006. Posteriormente, a Lei ne 11.464/07 conferiu nova redação à Lei n- 8.072/90, que passou a prever que a pena deve ser cumprida in ic ia lm e n te em regime fechado, devendo a progressão em crimes hediondos se dar após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente. O Supremo, por sua vez, editou a súmula vinculante n- 26: "Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2S da Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico". 1 4 4 0 MANUAL DE PROCESSO PENAL SENTENÇA PENAL consideração como circunstâncias agravantes, quando previstas legalmente, ou como circunstância judicial, subsidiariamente.27 Por fim, é importante registrar que não se admite que o juiz sentenciante altere o quantum de pena cominado a determinado delito a título de aplicação do princípio da isonomia (ou proporcio- nalidade). Também não é dado ao Poder Judiciário combinar previsões legais, criando uma terceira espécie normativa, não prevista no ordenamento, sob pena de ofensa ao princípio da Separação de Poderes e da Reserva Legal. Afinal, não há pena sem prévia cominação legal. Recentemente, algumas decisões de tribunais estaduais vinham trabalhando com a possibilidade de modificação do quantum de pena pelo juiz em relação ao crime de furto qualificado, por enten- derem que a duplicação da pena do crime de furto na hipótese de presença de uma qualificadora (CP, art. 155, §4°) seria desproporcional quando confrontada com o crime de roubo, que se limita a autorizar o aumento da pena de 1/3 (um terço) a 1/2 (metade) - CP, art. 157, §2° - , sobretudo se considerado que há circunstâncias semelhantes em ambos os delitos (v.g., concurso de duas ou mais pessoas). Perante os Tribunais Superiores, todavia, acabou prevalecendo o entendimento de que é inviável a aplicação, por analogia, da majorante prevista para o roubo circunstanciado pelo concurso de agentes para o furto qualificado em razão da norma expressa do §4° do art. 155, já que a analogia, para o seu uso, pressupõe uma lacuna involuntária (Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, art. 4o), ausente na hipótese.28 5.1.1. Fixação da pena-base A fim de seestabelecer a pena-base, que não pode ser fixada aquém do mínimo ou além do máximo previsto pelo tipo penal incriminador, são levadas em consideração todas as circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal, as quais devem ser investigadas pelo juiz durante o curso da instrução probatória e, posteriormente, individualizadas e valoradas, na sentença. E por esse motivo, aliás, que o próprio CPP prevê que o interrogatório será constituído de duas partes: sobre a pessoa do acusado e sobre os fatos (art. 187, caput). Tendo em conta que todas as circunstâncias judiciais, em conjunto ou isoladamente conside- radas, podem ser favoráveis ou desfavoráveis ao acusado, impõe-se ao magistrado uma análise indi- vidualizada de cada uma delas, sendo insuficiente, portanto, considerações genéricas e superficiais. De todo modo, convém destacar que, na visão da jurisprudência majoritária, eventual deficiência na fundamentação da fixação da pena não acarreta a nulidade da decisão se aquela for fixada no mínimo legal, o que, no entanto, não impede a interposição de apelação pela acusação, objetivando a majoração da pena.29 Na hipótese de todas as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP serem favoráveis ao acusado, a pena-base deve ser fixada no mínimo previsto no preceito secundário. Caso alguma circunstância seja desfavorável, deve afastar-se do mínimo; se, todavia, o conjunto for desfavorável, a pena pode se aproximar do chamado termo médio, representado pela média da soma dos dois extremos, quais 27. Nesse sentido: STJ, Turma, HC 170.135/PE, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 14/06/2011, DJe 28/06/2011; STJ, 63 Turma, HC 202.035/SP, Rei. Min. Og Fernandes, j. 02/06/2011, DJe 15/06/2011. 28. STF, 13 Turma, HC 95.351/RS, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, j. 21/10/2008, DJe 211 06/11/2008; STF, 23 Turma, HC 92.628/RS, Rei. Min. Joaquim Barbosa, j. 19/08/2008, DJe 241 18/12/2008. Na mesma linha, de acordo com a súmula ns 442 do STJ, é inadmissível aplicar no furto qualificado pelo concurso de agentes a majorante do roubo. 29. Essa admissibilidade de aplicação da pena mínima sem fundamentação dá origem à chamada política da pena mínima, assim compreendido o costume judiciário reiterado no Brasil de se fixar a pena-base sempre no menor patamar possível como consequência da ausência de análise individualizada e fundamentada das circunstâncias judiciais. 1 4 4 1 MANUAL DE PROCESSO PENALRENATO BRASILEIRO DE LIMA sejam, limites mínimo e máximo. Na prática, como destaca Bitencourt, o cálculo tem início a partir do limite mínimo e só excepcionalmente, quando o conjunto das circunstâncias do art. 59 revelar especial gravidade, se justifica a fixação da pena-base distanciada do mínimo legal.30 Vejamos, em breve síntese, quais são e em que consistem as circunstâncias judiciais: a) culpabilidade: deve ser compreendida como o juízo de reprovabilidade do comportamento do agente, apontando a maior ou menor censurabilidade da conduta delituosa. A circunstância judicial “culpabilidade”, disposta no art. 59 do CP, atende ao critério constitucional da individualização da pena. Para o Supremo, a análise judicial das circunstâncias pessoais do réu é indispensável para fins de adequação temporal da pena, em especial nos crimes perpetrados em concurso de pessoas, nos quais se exige que cada um responda na medida de sua culpabilidade (CP, art. 29). Quando cotejada com as demais circunstâncias descritas no art. 59 do CP, o dimensionamento da culpabilidade revelaria ao magistrado o grau de censura pessoal do réu na prática do ato delitivo, representando verdadeira limitação da discricionariedade judicial na tarefa individualizadora da pena-base;31 b) antecedentes: compreendem todos os dados favoráveis ou desabonadores da vida pregressa do agente. São maus antecedentes aqueles que merecem a reprovação da autoridade pública e que representam expressão de sua incompatibilidade para com os imperativos ético-jurídicos. Inquéritos instaurados e processos criminais em andamento, absolvições por insuficiência de provas, prescrições abstratas, retroativas e intercorrentes não podem ser considerados como “maus antecedentes”, sob pena de violação ao princípio da presunção de inocência. E nesse sentido, aliás, o teor da súmula n° 444 do STJ: “E vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena base”.32 Daí por que, na prática, restam como maus antecedentes apenas condenações cri- minais com trânsito em julgado que não mais caracterizem a reincidência, em virtude do decurso do lapso temporal de 5 (cinco) anos previsto no art. 64, inciso I, do CP. Assim, se uma pessoa foi condenada irrecorrivelmente e a sanção já se encontra cumprida ou extinta há mais de 5 (cinco) anos, esse dado não produzirá reincidência, mas é tido como caracterizador de maus antecedentes.33 Portanto, o magistrado é livre para considerar, na fixação da pena, condenações pretéritas, ainda que tenha transcorrido lapso temporal superior a cinco anos entre o efetivo cumprimento das penas e a infração posterior, pois, embora não sejam aptas a gerar a reincidência, nos termos do art. 64, I, do CP, são passíveis de serem consideradas como maus antecedentes no sopesamento negativo das circunstâncias judiciais. Todavia, segundo a 5a Turma do STJ, o aumento da pena do crime doloso por crime culposo cometido em passado distante afrontaria os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade na fixação da pena privativa de liberdade.34 Se o acusado possui contra si sentença condenatória com trânsito em julgado, e ainda não transcorreu o lapso temporal de 5 (cinco) anos, a reincidência deve ser levada em consideração como circunstância agravante. Logo, o fato de o acusado registrar uma única condenação transitada 30. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. Parte Geral. Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 675. 31. STF, Pleno, HC 105.674/RS, Rei. Min. Marco Aurélio, j. 17/10/2013. 32. Se houve o arquivamento do inquérito, absolvição, reabilitação, ou a extinção da punibilidade pelo advento da prescrição da pretensão punitiva, não é possível o reconhecimento de maus antecedentes: STJ, 6^ Turma, RMS 29.273/SP, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 20/09/2012. 33. No sentido de que configura maus antecedentes a existência de condenações pretéritas, ainda que transcorrido lapso temporal superior a cinco anos entre o efetivo cumprimento das penas e a infração posterior: STJ, 5â Turma, HC 198.557/MG, Rei. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 13/0/2012. 34. STJ, 5- Turma, HC 198.557/MG, Rei. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 13/03/2012, DJe 16/04/2012. 1 4 4 2 em julgado não pode ser valorado, ao mesmo tempo, como circunstância judicial desfavorável e agravante de reincidência, sob pena de bis in idem ,35 c) conduta social: diz respeito ao comportamento do agente no meio em que vive, abrangendo sua conduta no ambiente de trabalho, nos momentos de lazer, no âmbito de seu lar, etc. Para os tribunais superiores, o fato de o acusado ser usuário de drogas não pode ser considerado como má-conduta social para o aumento da pena-base;36 d) personalidade: funciona como a síntese das qualidades morais e sociais do indivíduo. Nesta circunstância, incumbe ao juiz aferir a boa (ou má) índole do acusado, sua maior ou menor sensi- bilidade ético-social, a presença ou não de eventuais desvios de caráter, de modo a se verificar se o crime constitui (ou não) um episódio acidental em sua vida. A despeito de haver certa controvérsia, prevalece o entendimento de que atos infracionais praticados pelo acusado durante a menoridade podem servir para a análise da personalidade do agente, raciocínio este que também se aplica a eventuais infrações penais por ele cometidas após o crime objeto do processo sob julgamento. Havendo registros
Compartilhar