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Idade média 04/02

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Prévia do material em texto

EA
D
Renovação Urbana 
e Comercial
4
1. OBJETIVOS
•	 Compreender	 e	 analisar	 o	processo	histórico	de	desen-
volvimento	comercial	e	de	reorganização	das	cidades	me-
dievais.
•	 Conhecer	 e	 identificar	 a	 concepção	 e	 a	 organização	 do	
ambiente	urbano	medieval.
2. CONTEÚDOS
•	 Interpretações	historiográficas	sobre	o	movimento	de	re-
novação	urbano-comercial.
•	 Crescimento	comercial	e	urbano	dos	séculos	11	e	12:	ori-
gens	e	consequências.
•	 Movimentos	urbanos:	comunas	e	corporações	de	ofício.	
© História Medieval II
 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO
114
3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE
Antes	de	 iniciar	o	estudo	desta	unidade,	é	 importante	que	
você	leia	as	orientações	a	seguir:
1)	 Você	se	lembra	de	que	na	Unidade	1	estudamos	o	con-
ceito	de	vínculo	espiritual?	Lembra-se	da	relação	de	do-
minium?	Esses	são	conceitos	importantes,	e	não	podem	
ser	deixados	para	 trás.	Caso	você	não	 se	 recorde	bem	
deles,	sugerimos	que	retome	a	Unidade	1	e	releia	a	pro-
posta	de	interpretação	do	sistema	feudal	feita	por	Alain	
Guerreau.	
2)	 Algumas	informações	preliminares	serão	úteis	para	um	
melhor	aproveitamento	do	estudo	desta	unidade:
a)	 O	burgo	era	uma	aglomeração	humana	(fortificada	
ou	não)	que	se	desenvolvia	ao	lado	de	uma	cidade,	
de	um	castelo	ou	monastério.
b)	 Charrua:	tipo	de	arado	conhecido	desde	a	época	ca-
rolíngia,	que	sofreu	algumas	alterações	nos	séculos	
11	e	12.	
c)	 Na	condição	de	local	de	troca	e	produção,	a	cidade	
medieval	esteve	bem	dependente	do	campo.	Seus	
habitantes	 frequentemente	 tinham	 origem	 rural.	
Por	isso,	apesar	de	viverem	no	ambiente	urbano,	al-
guns	conservavam	uma	atividade	agrícola.	
d)	 Baschet	 (2005,	 p.	 146)	 faz	 uma	 afirmação	 impor-
tante	 sobre	 as	 cidades	 da	 Baixa	 Idade	Média:	 "As	
maiores	cidades	atingem,	então,	200	mil	habitantes	
(Paris	e	Milão),	150	mil	(Florença,	Veneza	e	Gênova),	
ou	beiram	as	100	mil	almas	(Gand,	Bruges,	Londres,	
Colônia	e	Trèves).	Mas,	fora	estas	prestigiosas	exce-
ções,	a	maior	parte	das	cidades	não	passa	de	10	mil	
ou	20	mil	habitantes".	
e)	 As	corporações	de	ofício	foram	agrupamentos	eco-
nômicos	 de	 caráter	 quase	 público	 que	 submetiam	
seus	 membros	 a	 uma	 disciplina	 coletiva	 no	 exer-
cício	de	 sua	profissão.	 Seus	mestres	 eram	aqueles	
115© Renovação Urbana e Comercial
que	 possuíam	o	 saber	 sobre	 determinado	 ofício	 e	
dispunham	das	 ferramentas	e	do	 fornecimento	de	
matérias-primas.
f)	 De	acordo	com	a	“dignidade”	e	“riqueza”	do	que	era	
produzido,	os	ofícios	eram	classificados	como	artes	
“maiores”	ou	“menores”.	A	joalheria	ou	a	produção	
de	 peles,	 por	 exemplo,	 eram	 considerados	 ofícios	
superiores.	Os	pedreiros,	carpinteiros	e	açougueiros	
exerciam	ofícios	classificados	como	 inferiores.	Essa	
hierarquia	dos	ofícios	se	refletia	na	política:	os	ofí-
cios	maiores	ascendiam	ao	governo	das	cidades.	
4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Como	vimos	na	Unidade	1,	a	Idade	Média	(particularmente	o	
período	feudal,	entre	os	séculos	11	e	13)	caracterizou-se	por	uma	
diversidade	de	realidades.	Tal	diversidade	era	muito	mais	comple-
xa	do	que	aquele	antigo	esquema	“Senhor-Vassalo	/	Senhor-Servo”	
poderia	explicar	ou	resolver.	
Para	tentar	ampliar	um	pouco	a	compreensão	daquela	rea-
lidade,	convidamos	você	a	nos	acompanhar	por	mais	um	tema	es-
pecífico	da	Baixa	Idade	Média,	o	crescimento urbano e comercial 
da	sociedade	feudal.
Durante	muito	tempo,	o	desenvolvimento	do	ambiente	ur-
bano	 e	 a	 crescente	 movimentação	 comercial	 que	 marcaram	 os	
séculos	11,	12	e	13	foram	interpretados	pela	historiografia	como	
fenômenos	antagônicos	à	supremacia	do	modo	de	vida	feudal.	Vá-
rios	autores	encararam	o	desenvolvimento	das	cidades	e	o	cres-
cimento	da	atividade	comercial	como	elementos	de	um	processo	
histórico	que	culminaria	na	decadência	do	feudalismo.	
Entretanto,	os	documentos	do	período	e	boa	parte	da	histo-
riografia	que	revisa	as	concepções	tradicionais	nos	mostram	que	o	
desenvolvimento	urbano	e	comercial	esteve	atrelado	às	concep-
ções	e	ideologias	produzidas	pelo	feudalismo.	A	tal	ponto	que	mui-
© História Medieval II
 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO
116
tos	 citadinos	 buscavam	materializar	 sua	prosperidade	 financeira	
imitando	modos	de	vida	vindos	da	aristocracia	senhorial	rural.
Dessa	forma,	nosso	objetivo	aqui	é	apresentar	as	principais	
causas	 desse	 desenvolvimento	 urbano-comercial,	 destacando-o	
como	uma	das	formas	de	reprodução	do	sistema	feudal.	
5. ABORDAGENS HISTORIOGRÁFICAS SOBRE O DE-
SENVOLVIMENTO URBANO E COMERCIAL DOS SÉCU-
LOS FEUDAIS
O	progresso	 das	 cidades	medievais	 foi	 um	dos	 temas	 que	
gerou	 muitas	 controvérsias	 no	 trato	 das	 problemáticas	 sobre	 o	
feudalismo.	Especialmente	porque,	diante	da	experiência	urbana	
moderna,	cuja	referência	centra-se	no	progresso	material	e	inte-
lectual	da	cidade,	parecia	um	contrassenso	compreender	o	desen-
volvimento	desse	ambiente	como	um	fenômeno	aliado	à	experi-
ência	feudal.
Explicar	o	desenvolvimento	urbano	do	Ocidente	durante	os	
séculos	11	e	13	significava	defender	a	necessária	oposição	entre	o	
ambiente	rural	feudalizado	e	o	ambiente	urbano	progressista.	
Nessa	linha	de	interpretação,	a	principal	síntese	explicativa	
foi	feita	por	Henri Pirenne,	que	via	o	fenômeno	de	"renascimen-
to"	das	cidades	medievais	como	um	movimento	de	oposição	e	de	
libertação	do	modo	de	vida	feudal.
De	acordo	com	Pirenne	 (1973),	o	“renascimento das cida-
des”	 esteve	 relacionado	 unicamente	 ao	 “renascimento do co-
mércio no século 11”.	Esses	“renascimentos”	estavam	ligados	ao	
surgimento	de	novas rotas comerciais,	estabelecidas	pelos	comer-
ciantes	saídos	dos	subúrbios	episcopais.	
Com	o	declínio	do	grande	comércio	entre	o	Oriente	e	o	Oci-
dente	(provocado	pela	monopolização	do	mediterrâneo	pelos	sar-
racenos)	e	o	advento	das	invasões	normandas,	os	séculos	9º	e	10	
117© Renovação Urbana e Comercial
representariam	um	período	de	desagregação	do	ambiente	urbano	
que	tinha	sobrevivido	à	época	merovíngia.	
Segundo	Pirenne	(1973),	nos	séculos	9º	e	10	subsistiam	ape-
nas	dois	tipos	de	aglomeração	urbana:
•	 Cidade:	antiga	capital	de	circunscrição	administrativa	sob	
o	Baixo	Império	Romano,	tornou-se	a	sede	episcopal,	de	
onde	o	clero	administrava	seu	“rebanho”	e	seus	bens.	
•	 Burgo:	periferia	que	surgiu	como	organismo	militar	criado	
para	resistir	às	invasões	normandas.	
Mas,	então,	como	o	comércio	e	a	cidade	"renasceram"	no	
século	11?	Para	esse	autor,	o	progresso das técnicas agrícolas	e	o	
consequente	crescimento da produção agrária	deram	origem	ao	
excedente agrícola,	que	estaria	disponível	para	o	comércio.	
Desse	modo,	os	primeiros	mercados	ocidentais	teriam	o	pa-
pel	de	vender	esse	excedente.	E	foi	nos	burgos	que	os	comercian-
tes,	de	viagem	em	viagem,	estabeleceram	seus	entrepostos.	Cria-
ram-se	assim	pontos	de	aglomeração	humana	atrativos	 inclusive	
para	mercadores	estrangeiros.
Essas	 novas	 aglomerações	 suburbanas,	 os	 burgos,	 trouxe-
ram	 ideias	novas	de	emancipação	do	poder	 senhorial,	 entrando	
em	conflito	com	a	organização	senhorial	pré-existente.	
Com	base	na	formação	de	pequenas	associações	(comunas)	
comerciais,	os	mercadores	pretendiam	vencer	a	resistência	dos	se-
nhores	laicos	e	eclesiásticos,	administrando	livremente	o	ambien-
te	e	os	frutos	das	negociações	comerciais.	
Críticas às interpretações de Henri Pirenne
Pirenne	 determina	 que	 tanto	 o	 nascimento	 das	 comunas	
quanto	o	"renascimento"	das	cidades	 tiveram	como	causa	única	
o	fenômeno	de	renovação	comercial.	Porém,	será	que	a	retomada	
do	comércio	teve	esse	caráter	de	progresso	exclusivamente	inter-
no?	 Será	que	o	 comércio	esteve	 fundamentado	apenas	nas	 tro-
© História Medieval II
 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO
118
cas	agrícolas?	Outros	tipos	de	produção	de	bens	não	poderiam	ter	
suscitadoo	crescimento	do	comércio	no	século	11?	
Procuraremos	responder	a	essas	dúvidas	com	o	pensamento	
de	Jacques	Le	Goff (2002,	p.	69):	
Henri	Pirenne	mostrou	de	forma	magnífica	que	a	cidade	medieval	
nasce	e	se	desenvolve	a	partir	de	sua	função	econômica.	Mas	sem	
dúvida	exagerou	no	papel	desempenhado	pelos	mercadores,	mi-
nimizou	o	papel	dos	artesãos,	deu	grande	relevo	ao	renascimen-
to	comercial	em	detrimento	do	desenvolvimento	agrícola	que	lhe	
deu	 sustentação	 ao	 alimentar	 os	 centros	 urbanos	 com	 víveres	 e	
homens.	
Seguindo	a	mesma	perspectiva	de	Pirenne,	mas	com	alguns	
pontos	discordantes,	Maurice	Lombard	(apud LE	GOFF,	2002) 	não	
atribuiu	a	retomada	do	comércio	e	da	circulação	monetária	a	um	
mercado	local	em	projeção	e	com	vistas	a	libertar-se	da	tutela	se-
nhorial.	Atribuiu-a	a	um	elemento	exterior:	a	demanda econômica 
vinda do mundo muçulmano.
Para	 Lombard,	 no	 oriente	muçulmano,	 onde	 se	 formaram	
grandes	cidades	consumidoras	como	Bagdá,	Damasco	e	Cairo,	ha-
via	demanda	por	itens	em	abundância	no	Ocidente,	especialmen-
te	escravos,	minerais	e	madeira.	E	foi	justamente	esse	o	estímulo	
que	suscitou	o	"nascimento"	da	cidade	medieval.	
Discordando	de	Pirenne	e	Lombard,	Le	Goff	defende	que	o	
crescimento	das	cidades	ocorreu	a	partir	do	século	10,	em	virtu-
de	de	um	conjunto	de	fatores	que,	de	acordo	com	o	lugar,	foram	
mais	ou	menos	preponderantes.	Veja	a	seguir	quais	 foram	esses	
fatores:	
1)	 aumento	da	produção	agrícola;	
2)	 crescimento	demográfico;	
3)	 desenvolvimento	comercial;
4)	 desenvolvimento	cultural.	 
O	aumento	da	produção	agrícola	foi	resultado	de	um	cenário	
de	desenvolvimento	rural.	Tal	desenvolvimento	teve	nas	mudanças	
119© Renovação Urbana e Comercial
climáticas	e,	fundamentalmente,	no	aperfeiçoamento	de	técnicas	
e	equipamentos	agrícolas,	a	essência	de	suas	transformações.	
Nesse	 sentido,	 a	 introdução	 da	 rotação	 trienal	 e	 o	 alarga-
mento	das	superfícies	cultivadas	permitiram	a	produção	constante	
de	alimentos	como	tubérculos	e	cereais.	
Além	disso,	o	aperfeiçoamento	da	charrua (Figura	1)	na	pre-
paração	do	solo,	os	moinhos	à	água	e,	mais	tarde,	a	invenção	dos	
moinhos	a	vento,	 liberaram	mão	de	obra	para	outros	 trabalhos,	
como	artesanato	e	a	própria	metalurgia.	Aliás,	é	desse	período	que	
data	o	emprego	do	ferro	nas	ferramentas	agrícolas.	
Figura	1	La Charrue (a charrua) de Nicolas de Lyre, 1395-1402. 
A	melhora	nas	condições	de	vida	no	campo,	especialmente	na	
alimentação,	estimulou	poderosamente	o	crescimento	demográfi-
co.	De	acordo	com	Le	Goff	(2002,	p.	223),	"sobretudo	o	aumento	
da	produção	agrícola	e	o	desenvolvimento	do	artesanato	urbano	
explicam	o	crescimento	demográfico,	sem	o	qual	dificilmente	teria	
se	produzido	o	grande	movimento	de	povoamento	urbano".	
© História Medieval II
 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO
120
6. ORIGENS E FORMAS DAS CIDADES MEDIEVAIS 
Grande	parte	dos	autores	defende	que	as	cidades	medievais	
tiveram	inúmeras	origens.	Como	continuadoras	de	uma	estrutura	
herdada	da	Antiguidade,	Verhults	destaca	as	 cidades	de	Bruges,	
Antuérpia	 e	Ganol.	 Já	 Le	Goff	 chama	a	 atenção	para	 as	 cidades	
italianas	e	sua	proximidade	com	o	modelo	de	cidade	antiga.	
Além	das	cidades	originárias	da	Antiguidade,	ao	 longo	dos	
séculos	10	e	13	foram	criadas	muitas	outras	cidades.	Elas	se	desen-
volviam	perto	de	monastérios	ou	de	castelos,	como	ambientes	de	
refúgio,	como	pontos	estratégicos	para	ações	políticas,	ou	ainda	
como	centros	de	atração	política.	
Como	mostra	Michel	Balard	 (2002),	 três	grandes	áreas	ge-
ográficas	devem	ser	distinguidas	para	que	seja	possível	analisar	a	
origem	e	a	forma	das	cidades	medievais.	
A	primeira	delas	é	a	Europa do Norte,	especificamente	a	In-
glaterra	e	os	países	eslavos,	onde	os	grandes	proprietários	fundiá-
rios	dominavam	uma	população	escassa.	Essas	cidades	medievais	
deram	continuidade	a	estruturas	primitivas,	como	grod slave,	que	
tinha	função	militar,	e	a	wik	nórdica,	que	servia	de	entreposto	a	
qualquer	mercador.	Tanto	a	estrutura	grod slave	quanto	a	estrutu-
ra	wik	nórdica	tem	o	sentido	de	castelos	fortificados	ou	fortes.
A	segunda	grande	área	geográfica	é	a	do	Oeste Europeu.	Ali,	
as	 tradições	 romanas	 foram	mais	 preservadas,	 principalmente	 a	
justaposição	entre	as	aglomerações	de	mercados,	as	cidades	e	os	
burgos.	
Em	contrapartida,	na	terceira	área	geográfica,	a	das	cidades 
mediterrânicas,	manteve-se	a	rede	urbana	antiga.	
Inspirados	nas	estruturas	de	muralhas	das	cidades	fundadas	
na	Antiguidade,	os	novos	ambientes	urbanos	perpetuaram	a	prá-
tica	da	fortificação	por	meio	da	construção	de	muros	e	paliçadas.	
Geralmente,	os	burgos	que	tinham	se	formado	aos	pés	das	mura-
121© Renovação Urbana e Comercial
lhas	de	antigas	cidades	romanas,	conforme	cresciam,	erigiam	no-
vas	fortificações.	
Observe	as	Figuras	2	e	3,	que	retratam	a	cidade	medieval	de	
Toledo,	na	Espanha.	
Figura	2	Imagem da cidade medieval de Toledo/Espanha.	
Figura	3	Fotografia atual da cidade medieval de Toledo/Espanha. 
© História Medieval II
 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO
122
Interdependência entre cidades e campo
Independentemente	de	sua	origem,	a	cidade	medieval	teve	
na	atividade	econômica	seu	papel	mais	importante	dentro	do	sis-
tema	feudal.	Isso	explica	como	a	cidade	pôde	formar	um	mundo	
original	e	novo,	mas	que,	paradoxalmente,	ainda	era	integrado	às	
relações	feudais	(relações	de	dominium	e	solidariedade).	
O	solo	urbano	não	escapava	ao	poder	senhorial	de	comandar	
e	“fazer	justiça”.	Era	na	cidade	que	o	senhor	estocava	seus	grãos,	
aguardando	que	fossem	vendidos.	Também	era	ali	que	gastavam	
o	necessário	para	satisfazer	as	necessidades	de	sua	vida	aristocrá-
tica.	
Como	um	polo	feudal	de	arrecadação	e	também	de	concen-
tração	 de	 renda,	muitas	 cidades	 foram	 criadas	 voluntariamente	
por	senhores,	bispos,	príncipes	ou	reis	desejosos	de	promover	o	
povoamento	e	a	valorização	do	solo	que	dominavam.	Essas	 fun-
dações	 eram	 especialmente	 numerosas	 em	 zonas	 instáveis,	 tais	
como	os	territórios	conquistados	e	os	terrenos	fronteiriços.
Quanto	aos	comerciantes,	em	sua	maioria	vinham	de	senho-
rios	episcopais.	Eram	servidores	encarregados	de	vender	o	exce-
dente	agrícola	dos	domínios	eclesiásticos.	Outros	vinham	das	vi-
zinhanças	das	cidades	–	antigos	camponeses	que	tomaram	gosto	
pelo	comércio	de	mercadorias	locais,	ou	artesãos	vindos	de	outras	
localidades.	
Essa	proximidade	com	o	ambiente	rural	demonstra	que	ha-
via	uma	interdependência	entre	as	cidades	e	o	campo.	Principal-
mente	as	maiores	cidades:	nelas,	desembocavam	as	grandes	rotas	
comerciais.	 Ao	mesmo	 tempo,	 também	 estavam	mais	 próximas	
dos	territórios	agrícolas	mais	produtivos. 
Essa	interdependência	entre	as	cidades	e	o	campo	nos	mos-
tra	que	o	crescimento	das	cidades	medievais	não	foi	um	fenômeno	
externo	ao	sistema	 feudal.	Ao	contrário:	o	desenvolvimento	das	
trocas	e	das	cidades	foi	produzido	dentro	do	próprio	feudalismo,	
123© Renovação Urbana e Comercial
integrando-se	a	ele,	apesar	das	tensões	geradas	com	o	surgimento	
da	corporatio	e	das	comunas,	tema	que	será	abordado	no	próximo	
tópico.	
7. COMUNA: MOVIMENTO DE EMANCIPAÇÃO URBA-
NA
A	 cidade	 medieval,	 como	 uma	 sociedade	 da	 abundância,	
voltada	à	produção	e	trocas	de	bens	e	moedas,	criou	novas	insti-
tuições.	Essas	 instituições	tinham	primeiramente	a	 finalidade	de	
normatizar	as	atividades	econômicas	urbanas	(LE	GOFF,	2002).	
E	quais	seriam	os	meios	encontrados	pelas	cidades	para	se	
emancipar	do	poder	senhorial?
De	acordo	com	Patrick	Boucheron	(1994),	entre	1070	e	1120	
surgiram	nos	meios	urbanos	os	primeiros	movimentos	contesta-
dores	do	poder	senhorial	sobre	a	cidade.	
No	entanto,	 esses	movimentos	 estavam	mais	 próximos	de	
um	processo	de	normalização	das	relações	entre	cidades	e	senho-
res	do	que	de	uma	aspiração	revolucionáriaà	liberdade,	como	quis	
acreditar	a	historiografia	do	século	19.
As	reivindicações	daquele	momento	consistiam	na	obtenção	
de	franquias	e	privilégios	urbanos.	Isso	significa	que,	de	posse	de	
uma	carta	de	imunidade	dada	pelo	senhor,	os	citadinos	estariam	
isentos	de	alguns	deveres	para	com	os	senhores.	De	acordo	com	
Baschet	(2006,	p.	148),	seria	possível	destacar:	
[...]	isenção	do	pagamento	de	taxas	para	o	funcionamento	dos	mer-
cados,	possibilidade	de	cobrar	taxas	por	conta	própria,	privilégios	
permitindo	a	organização	política	autônoma,	o	exercício	da	justiça	
própria	e	a	formação	de	milícias	urbanas.	
Às	vezes	a	conquista	da	autonomia	advinha	de	uma	insurrei-
ção,	como	foi	o	caso	da	comuna	de	Laon	no	ano	de	1112.	Contudo,	
era	mais	frequente	o	estabelecimento	de	compromissos	entre	as	
comunidades	urbanas	e	seus	senhores.
© História Medieval II
 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO
124
De	acordo	com	o	lugar	e	com	os	respectivos	poderes	públi-
cos	instituídos,	os	movimentos	comunais	estabeleciam	estratégias	
para	garantir	maior	autonomia	na	condução	do	meio	urbano.	
Muitos	reis,	senhores	laicos	e	senhores	eclesiásticos	não	ma-
nifestaram	uma	oposição	 irredutível	 contra	o	movimento	comu-
nal.	Como	mostra	Balard	(2002,	p.	157),	
[...]	 os	 senhores	 laicos	 entenderam	 que	 limitando	 suas	 exações,	
favoreciam	o	comércio	e	poderiam	entrar	na	conjuratio	pelo	pa-
gamento	de	uma	pequena	quantia,	além,	claro,	de	permanecerem	
como	mantenedores	da	paz	local”.
A	necessidade	de	autonomia	jurídica	e	administrativa	advi-
nha	da	necessidade	de	garantir	a	segurança	da	cidade	frente	às	pi-
lhagens	senhoriais.	Sobretudo,	era	necessário	escapar	às	disputas	
entre	senhores	pelo	domínio	urbano.	
Essas	pilhagens	senhoriais	e	suas	disputas	pelo	domínio	ur-
bano	tiveram	ainda	outra	consequência:	estimularam	os	citadinos	
a	prestar	juramento	em	conjunto	(conjuratio).	A	conjuratio	cimen-
tava	a	união	da	comunidade	urbana	também	nos	termos	de	uma	
união	deliberada	e	consentida,	como	aquelas	propostas	pelos	vín-
culos espirituais.	
De	acordo	com	Balard	(2002),	mais	do	que	incitações	exte-
riores,	as	comunas	medievais	eram	novas	respostas	do	movimen-
to	pacificador	 (estudado	na	Unidade	2)	ao	contexto	geral.	A	paz	
que	não	somente	selava	um	acordo	entre	os	grupos	urbanos,	mas	
também	 fundamentava	 na	 voluntariedade	 e	 no	 consentimento	
um	pacto	espiritual,	muitas	vezes	sancionado	pelo	clero	local.	Esse	
pacto	usava	o	próprio	modelo	da	união	diocesana	entre	os	 fiéis	
de	uma	paróquia	como	exemplo	a	ser	seguido	ou	adaptado	pelas	
associações	em	bairros	ou	corporações	de	ofício.	
Quanto	às	cartas	de	imunidade,	que	isentavam	seu	portador	
de	alguns	direitos	senhoriais,	é	importante	destacar	que	elas	não	
eram	privilégio	apenas	dos	citadinos.	Ao	contrário,	a	evolução	po-
lítica	que	entusiasmava	a	autonomia	do	ambiente	urbano	não	era	
diferente	daquela	que	animava	os	campos.	
125© Renovação Urbana e Comercial
As	 imunidades	constituíam	um	meio	de	manter	as	cidades	
sob	o	sistema	feudal,	conferindo-lhes	o	reconhecimento	específico	
de	suas	atribuições	sociais	e	econômicas.	Segundo	Baschet	(2006,	
p.	148),
[...]	a	 formação	das	comunas	urbanas	é	paralela	à	afirmação	das	
comunidades	rurais	e	à	multiplicação	de	suas	cartas	de	franquia.	
Assim	como	estas	últimas,	as	cartas	urbanas	são	muitas	vezes	ob-
jeto	de	um	acordo	negociado	e	 sem	violência,	 neste	 caso,	 entre	
mercadores,	aristocratas	e	autoridade	condal,	por	exemplo,	para	a	
instituição	do	cargo	dos	cônegos	que	exercem	o	poder	nas	cidades	
do	sul	da	França.	
Alguns	historiadores	gostam	de	mostrar	a	cidade	medieval	
como	um	mundo	de	“iguais”,	especificamente	por	conta	do	desen-
volvimento	dos	movimentos	comunais.	Entretanto,	a	exemplo	de	
outros	ambientes	da	vida	feudal,	a	cidade	também	se	constituiu	
sobre	uma	hierarquia	social,	cujo	principal	critério	de	diferencia-
ção	social	repousava	sobre	a	posse	da	riqueza.	Recorramos	nova-
mente	a	Baschet	(2006,	p.	148-149):
As	 comunas	 do	 século	 12	 são	 fruto	 de	uma	 convivência	 entre	 a	
aristocracia	cavaleiresca	e	a	elite	dos	mestres	de	ofícios ,	ou	seja,	
apenas	um	punhado	de	homens.	[...]	As	famílias	aristocráticas	de-
têm	a	posição	de	destaque	na	cidade,	impõem	o	respeito	pela	força	
militar,	impressionam	por	seus	palácios,	pela	abundância	de	seus	
servidores	domésticos,	pelo	fausto	de	suas	festas	e	de	seus	deslo-
camentos.	
A	partir	da	segunda	metade	do	século	12,	com	a	organização	
das	atividades	econômicas	em	corporações	de	ofício, o	fortaleci-
mento	de	uma	aristocracia	urbana	deu	a	artesãos	e	mercadores	o	
controle	político	das	cidades.	Mesmo	assim,	não	se	pode	ignorar	
a	mistura	entre	a	aristocracia	cavaleiresca	e	os	representantes	dos	
ofícios	mais	influentes .
As	corporações	de	ofício	eram	conhecidas	por	seus	estatu-
tos,	que	fixavam	uma	série	de	obrigações	e	interdições	com	obje-
tivo	de	normatizar	a	produção,	os	preços,	os	salários,	as	condições	
de	trabalho	e	a	qualidade	dos	produtos.	Como	um	instrumento	de	
controle	econômico	e	social,	as	corporações	de	ofício	reservavam	
aos	seus	membros	o	monopólio	do	exercício	profissional.
© História Medieval II
 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO
126
Mesmo	 reproduzindo	em	muitos	níveis	 as	 relações	hierar-
quizadas	do	sistema	feudal,	a	cidade	medieval	"é,	 incontestavel-
mente,	a	partir	do	século	12,	um	mundo	novo",	como	afirma	Bas-
chet	(2006,	p.	151).	Retratada	pelos	romances	de	cavalaria	como	
um	ambiente	de	desprezo,	cobiça	e	coabitação	de	grupos	sociais	
diferentes,	a	cidade	era	um	ambiente	 louvado	por	 intelectuais	e	
clérigos,	 especialmente	 pelas	 novas	 ordens	 religiosas	 que	 surgi-
ram	no	século	13.	
Por	 sua	 grande	 circulação	 de	 bens	 e	 de	 pessoas,	 a	 cidade	
medieval	apresenta-se	como	um	novo	lugar,	onde	a	integração	de	
diferentes	categorias	sociais	impõe	formas	de	sociabilidade	até	en-
tão	desconhecidas	pelos	campos	e	aldeias.	Dali	emerge	uma	forma	
de	vida	específica,	baseada	no	uso	cotidiano	do	dinheiro.
8. LEITURA COMPLEMENTAR
A	leitura	complementar	desta	unidade	segue	com	a	série	de	
análises	sobre	gêneros	documentais	e	temas	presentes	no	estudo	
e	na	produção	da	História	Medieval.	As	vidas	de	santos	represen-
tam	um	gênero	documental	que	teve	ampla	produção	e	circulação	
durante	 a	 Idade	Média.	O	 autor	André Luis Pereira	 buscou	 nos	
aproximar	 dos	 usos	 possíveis	 desses	 escritos	 como	documentos	
históricos.	Vamos	à	leitura.	
“Vidas” de santos como fontes históricas? ––––––––––––––
André Luis Pereira
doutorando em História Social pela Universidade de São Paulo (FFLCH), pes-
quisador do Laboratório de Estudos Medievais (USP-Unicamp-Unifesp-UFMG) 
e bolsista da Fapesp
Talvez hoje soe algo estranho falar que um historiador estuda “Vida de santos”, 
pois, ou vão pensar que ele é muito religioso ou vão pensar que ele quer estudar 
a “vida” do santo, isto é, seu desenvolvimento biológico e social. Para outros, o 
assunto pode soar desinteressante, pois, afinal, o que se poderia aprender sobre 
“a história” nesse tipo de narrativa? Eu, por exemplo, não posso negar certa 
inibição quando tenho de contar para pessoas de fora da academia de História 
qual o tema de minha pesquisa. Geralmente, as pessoas arregalam os olhos, 
espantadas, e depois encenam uma cara de: “que interessante sua pesquisa!”, 
etc., mas, no fundo, percebo que não entenderam o que eu faço. 
127© Renovação Urbana e Comercial
O fato é que, em nossa sociedade, os valores são tão diferentes dos do pas-
sado que nós já não sabemos o que pensar acerca de certos hábitos antigos: 
preferimos a confortável opinião de que tudo aquilo que nos escapa, que não 
entendemos, que é confuso para nós, é crendice, superstição, fanatismo, para 
não dizer mais. Com muita freqüência, o homem contemporâneo olha para o 
passado arremessando sobre ele todo o seu cabedal valorativo: elecrê que o 
mundo foi sempre o mesmo mundo, que as pessoas foram sempre como ele, 
supondo a continuidade das estruturas de pensamento. Mal ele entende o seu 
mundo e quer interpretar o mundo dos outros como se ambos os mundos fossem 
os mesmos só porque ambos existiram num mesmo planeta.
A hagiografia (‘hagios’, santo; ‘grafia’, escrita), por exemplo, hoje é ignorada pela 
maioria das pessoas, mesmo as que professam alguma religião. Mas, no passa-
do antigo (Antiguidade Tardia e Medievo) esse gênero de escrita era tão conhe-
cido, praticado e recebido que ainda hoje nós podemos contar aos milhares o 
número de manuscritos que nos sobraram; quantos mais não teríamos se o tem-
po não tivesse destruído boa parte desse acervo! Se a hagiografia, como prática 
“literária”, não é mais importante para o homem contemporâneo, não quer dizer 
que não o foi para os homens do passado. E, se queremos conhecer o passado 
dentro da lógica que lhe foi própria e não segundo a nossa lógica (que seria ana-
cronismo), então, não podemos fazer vistas grossas a esse material tão farto. 
Contudo, não podemos nos equivocar e atribuir aos textos hagiográficos, “his-
tóricos” ou cronísticos do passado os mesmos conceitos que formulamos hoje 
acerca de nossos textos. Aquilo que atualmente interpretamos como verdade, 
clareza, originalidade, de forma alguma era interpretado assim antes do século 
XVIII. Aquilo que hoje para nós é “verdade histórica”, isto é, adequação da narra-
tiva aos fatos narrados, jamais foi pensado assim pelos nossos ancestrais.
“História”, no mundo antigo, nem de longe tinha qualquer conotação ‘científica’; 
era um gênero narrativo, como os outros. Aristóteles, em sua Poética, assim de-
fine: “[...] não é ofício de poeta narrar o que aconteceu; é, sim, o de representar 
o que poderia acontecer, quer dizer: o que é possível segundo a verossimilhança 
e a necessidade. Com efeito, não diferem o historiador e o poeta por escreve-
rem verso ou prosa (pois que bem poderiam ser postos em versos as obras de 
Heródoto, e nem por isso deixariam de ser história, se fossem em verso o que 
eram em prosa) – diferem, sim, em que diz um as coisas que sucederam, e ou-
tro as que poderiam suceder. Por isso a poesia é algo de mais filosófico e mais 
sério do que a história, pois refere aquela principalmente o universal, e esta o 
particular.” Para Cícero, a história era a mestra da vida (magistra vitae), ou seja, 
não era fonte de conhecimento do passado, pura e simplesmente, mas livro de 
aprendizado de normas de condutas, modelo de virtudes, bravura e consciência 
cívica. A narração do passado tinha, grosso modo, um interesse futuro. Diante 
disso, o que fazer então? Desistir de estudar o passado? Acredito que não; basta 
que saibamos penetrar na lógica dos homens antigos e fazer as perguntas dentro 
dos paradigmas condizentes com a época deles.
Dentre as obras narrativas do mundo antigo estão as biografias e hagiografias. 
Precisemos o que vem a ser um e outro. A ‘biografia’, como gênero narrativo, é 
uma prática muito antiga. Plutarco e Suetônio são os grandes modelos da bio-
grafia antiga. Esse tipo de obra se ocupava com a narração da vida de grandes 
personagens, seus feitos, suas virtudes, seus vícios, as grandezas que construí-
ram etc. Para Plutarco, por exemplo, a ‘biografia’ se distingue da ‘história’ porque 
aquela se ocupa dos feitos ‘cotidianos’ de seus personagens, enquanto essa, 
a história, se ocupa com os grandes feitos, as batalhas, as vitórias, as grandes 
© História Medieval II
 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO
128
obras. As biografias, grosso modo, eram compostas para exaltar esses perso-
nagens importantes, para imortalizar a memória de seus feitos. A questão da 
memória e da imortalização é importante para o mundo antigo. Sobre isso, é pre-
ciso lembrar que para Platão, ‘verdade’ é grafada como ‘aletheia’, literalmente, 
o não-esquecimento [lethos = esquecimento]. Como gênero, a ‘biografia’ devia 
seguir os mesmos paradigmas das demais artes poéticas.
O fato é que, no mundo contemporâneo, a noção de verdade mudou muito: hoje 
a entendemos como adequação entre a palavra e a coisa, entre a narração e o 
fato. O homem contemporâneo, quando se acerca da biografia, espera encontrar 
a ‘veracidade’ dos fatos e da narrativa. Ele quer ter certeza de que tudo o que 
foi dito, de fato, aconteceu. Nesse sentido, biografias fantasistas são desvalori-
zadas. O que entendemos por ‘biografia’, hoje, não tem quase nada a ver com 
o gênero antigo. A palavra é a mesma, mas o sentido é quase outro. O homem 
antigo, por sua vez, esperava encontrar a edificação e um repositório de modelos 
de conduta que o levassem a dar um salto qualitativo de vida, não na condição 
social. O homem contemporâneo espera ser convencido da verdade, espera a 
originalidade daquela vida narrada (“o que ela tem de diferente da minha?”). O 
homem antigo quer ver seu personagem inserido na tradição narrativa – topoi –, 
saber se o seu personagem foi comparável aos grandes homens do passado, 
uma vez que não se importava com a originalidade.
Para confundir tudo isso veio somar-se o advento da psicanálise freudiana, pois, 
além da verdade ‘científica’, ‘empírica’, agora queremos entender os ‘sentimen-
tos’, os ‘pensamentos’, os ‘desejos’, os ‘medos’ de nossos “heróis”. Coisas do 
âmbito da psicologia. A seqüência narrativa biográfica adotada atualmente segue 
os padrões da vida biológica: (família), nascimento, crescimento, fase adulta, 
velhice e morte. A morte, como última etapa, encerra a possibilidade vital do “he-
rói”: depois disso, ele sai de cena. Essa seqüência também é estranha ao mundo 
antigo, pois, não raro, as hagiografias situam a morte do santo como o início da 
fase mais importante de sua “vida”. 
Por isso, quando digo que estudo ‘Vidas de santos’, insisto para não se confundir 
‘hagiografia’ com ‘biografia moderna’, pois o sentido antigo de biografia, com 
o qual a hagiografia partilha o estilo e os pressupostos, já se perdeu da men-
talidade comum, mesmo entre pessoas intelectuais. Após esse percurso, deve 
estar claro que a expressão ‘Vidas de santos’ se refere a um tipo de obra escrita 
que tem a ver com a vida (com ‘v’ minúsculo) de uma pessoa santificada, mas 
que não se esgota nisso. Para se ter uma idéia, basta reparar na quantidade 
de títulos que a tal ‘hagiografia’ recebeu no passado: Vida, Legenda, Florilégio, 
Espelho de santos, entre outros. A diversidade de nomes indica a natureza vária 
das obras santorais: oralidade, escritura, prosa, poesia, epopéia, encenação. O 
corpus hagiográfico possui, assim, forma múltipla e mista cujas especificidades, 
quando prescindidas, inviabilizam e reduzem o alcance das interpretações desse 
material.
Apesar da multiplicidade formal, as composições santorais possuem certa afini-
dade de conteúdo. Grosso modo, é possível dizer que tais obras formavam um 
grande acervo de informações acerca da vida e dos feitos de santos cuja exis-
tência era considerada real ou histórica. As Vidas, pois, constituíram-se como 
fenômeno de longa duração, conhecendo várias fases, características composi-
cionais e usos diversos. Em princípio, as Vidas ou Legendas tiveram forte inspi-
ração nos registros mortuários e nos necrológios cristãos, sobretudo em decor-
rência do martírio infligido aos membros da comunidade, cuja morte era relatada 
aos membros de outras igrejas. 
129© Renovação Urbana e Comercial
A morte assumida como testemunho de fé e adesão aos princípios cristãos foi 
revestida de forte sacralização, possibilitando o nascimento de um culto, no início 
local, que destacava os mártires dos outros mortos e os distinguia pela capaci-
dade de fazer milagres (taumaturgia). Assim, os registros da existência de tais 
heróis foram se tornando imprescindíveis na manutenção e difusão da memória 
e do culto que se formou ao redor deles. Daí a natureza predominantemente 
panegíricada hagiografia.
Em linhas gerais, podemos observar que durante séculos, as Vidas de santos es-
tiveram envolvidas na promoção do culto a esses mortos especiais, mártires ou 
não, que a sensibilidade cristã tinha por próximos de Deus e, nesse caso, capa-
zes de intervirem junto a ele em favor dos vivos. Não tardou e esses escritos co-
meçaram a ser utilizados para incentivar a perseverança dos fiéis nos quadros da 
pertença religiosa, visto que os martírios dos santos favoreciam a edificação dos 
cristãos ameaçados. Cessado o período das perseguições, o exemplo advindo 
da renúncia ascética dos eremitas e monges do deserto substituiu o afã martirial 
e possibilitou a continuação, senão a solidificação das composições santorais. 
Nessa nova fase da produção hagiográfica, a ênfase narrativa recaiu sobre a 
doutrina e os atos [verba et gesta sanctorum] desses homens e mulheres possu-
ídos pelo ardor das penitências de cujas práticas os fiéis recolhiam exemplos de 
renúncia ao mundo. Coisa parecida sucedeu com as Legendas dos santos bis-
pos e padres os quais, diferente de seus próceres eremitas, santificaram-se nas 
cidades e na atenção às suas ovelhas. Por um lado, a exaltação da excepciona-
lidade eloqüente de figuras ímpares da comunidade cristã; de outro, a vontade, 
por vezes velada, de seguir-lhes o exemplo: a hagiografia oscilou sempre entre 
esses dois movimentos que, por mais de uma razão, devem ser vistos como 
concomitantes e inter-relacionados. 
Nas Vidas e Legendas, o passado não é pensado em termos históricos, mas em 
termos escatológicos/salvíficos, como se a composição hagiográfica, de certa 
forma, procurasse reverter a “condenação de Adão” e fazer o caminho de retorno 
a uma situação primordial que restabelecesse o paraíso, “o lugar ideal”. Então, 
aprofundando esse raciocínio, podemos dizer que a narrativa hagiográfica esta-
beleceria um elo entre o passado mítico-primordial-paradisíaco e o presente que 
se procurava modelar, tendo em vista o futuro escatológico que se esperava ao 
final do percurso da vida, no encontro com a potência divina.
Em grande medida, os principais beneficiadores da ‘popularidade’ das produções 
hagiográficas foram os homens da Igreja, cujos esforços cristianizadores procu-
raram forjar um discurso específico que possuía sentido parenético [moralizante] 
e perlocutório [que efetiva o que diz]. Tão logo os eclesiásticos perceberam a 
eficiente divulgação desses relatos por entre as várias camadas sociais, intuíram 
também a sua utilização pastoral. E o fizeram em consonância com o patrimônio 
cultural consagrado e cristianizado pela tradição da Igreja. O próprio santo Agos-
tinho, na obra De doctrina christiana, já havia posto as bases para a adequação 
da tradição antiga aos propósitos da fé. Nesse caso, não me parece exagerado 
pensar que o gênero hagiográfico tenha sido fruto das práticas letradas comuns 
ao período de implantação, difusão e maturação do cristianismo, no Oriente e 
Ocidente, práticas essas inspiradas pelas produções letradas da Antigüidade 
greco-romana, sobretudo a retórica. 
Não é de hoje o interesse dos historiadores pelas Vidas de santos; contudo, uma 
grande parcela deles não leva em consideração as regras de funcionamento 
dessa ‘retórica biográfica’ e preferem procurar fatos verídicos de acordo com o 
© História Medieval II
 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO
130
conceito atual de história. Não nego que esse método teve seus méritos, mas é 
medonho o risco de anacronismo que ele apresenta. Em contrapartida, se são 
respeitados os pressupostos do gênero e se sua lógica é desvendada, a uma 
só vez se descortinam a ‘história da obra’, a ‘história da sociedade’ e a ‘história 
da recepção dos textos’ que são, a meu ver, resultados muito mais apreciados. 
Desse ponto de vista, a historiografia só tem a ganhar com o estudo das Vidas 
de santos. 
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
9. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Confira,	a	seguir,	as	questões	propostas	para	verificar	o	seu	
desempenho	no	estudo	desta	unidade:
1)	 Quando	se	fala	das	cidades	ou	mesmo	da	atividade	comercial	presente	nos	
séculos	em	que	esteve	presente	o	sistema	feudal,	você	poderia	até	imaginar	
que	essas	experiências	parecem	contrárias	à	realidade	medieval.	Especial-
mente	porque	o	senso	comum	concebe	o	feudalismo	e	toda	a	Idade	Média	
como	uma	sociedade	estática,	agrupada	em	estamentos	imóveis	e	fixada	ao	
campo,	onde	alguns	senhores	exerciam	seu	domínio	sobre	grande	parte	da	
população.	Será	que	essa	visão	sobre	aquela	época	está	correta?	Reavalie	
suas	ideias	após	o	estudo	desta	unidade	e	registre	suas	conclusões.	
2)	 Você	notou	que	a	explicação	para	o	renascimento	do	comércio	e	das	cidades	
que	estudamos	nesta	unidade	se	baseia	em	acontecimentos	materiais	e	eco-
nômicos?	Qual	é	a	sua	visão	sobre	essa	maneira	de	interpretar	a	História?
3)	 Na	explicação	historiográfica,	percebe-se	a	importância	da	disputa	entre	as-
sociações	comerciais	e	senhores	laicos	e	eclesiásticos	pelo	poder	social.	Na	
sua	opinião,	o	entendimento	desses	conflitos	sociais	pelo	poder	pode	ajudá--
-lo	a	compreender	melhor	a	sociedade	atual?	
4)	 Vimos	que	os	meios	empregados	na	agricultura	influenciam	outros	setores	
sociais.	E	no	mundo	atual?	Qual	é	a	importância	das	tecnologias	aplicadas	na	
agricultura	para	o	desenvolvimento	social?	
5)	 O	próprio	sistema	feudal	dá	origem	a	um	fenômeno	(as	cidades)	que	acaba-
rá	por	destruí-lo,	ou	seja,	um	determinado	sistema	social	desenvolve	forças	
contrárias	a	si	mesmo.	Você	havia	notado	essa	afirmação	implícita	no	texto?	
Comente.
6)	 De	acordo	com	o	que	estudamos	até	aqui,	qual	é	sua	opinião	sobre	o	senso	
comum	de	que	no	sistema	feudal	não	havia	uma	movimentação	ou	conflito	
social?
7)	 Qual	é	a	origem	do	crescimento	urbano-comercial	do	século	10?
8)	 Como	a	cidade	funciona	no	sistema	feudal?
9)	 Quais	são	as	características	dos	movimentos	comunais?
131© Renovação Urbana e Comercial
10. CONSIDERAÇÕES 
Nesta	unidade,	você	estudou	os	principais	aspectos	do	de-
senvolvimento	urbano	e	comercial	pelo	qual	passou	boa	parte	das	
regiões	ocidentais	entre	os	séculos	11	e	13.	
Você	acompanhou,	também,	os	debates	historiográficos	em	
torno	da	origem	das	cidades	medievais,	além	de	conhecer	algu-
mas	características	de	sua	estruturação.
Além	disso,	foram	estudadas	as	organizações	sociais,	como	
as	 comunas	 e	 as	 corporações	de	ofício,	 e	 sua	 crescente	 interfe-
rência	política	no	período	medieval.	Sobretudo,	demonstramos	o	
quanto	o	ambiente	urbano,	mesmo	apresentando	inúmeras	inova-
ções,	ainda	estava	vinculado	ao	sistema	feudal.
Na	próxima	unidade,	você	acompanhará	os	debates	em	tor-
no	de	outro	 fenômeno	de	 renovação:	o	 "renascimento"	 cultural	
do	século	12.
11. E-REFERÊNCIAS
Figura 1 La Charrue (a charrua) de Nicolas de Lyre, 1395-1402.	Disponível	em:	<http://
classes.bnf.fr/ema/grands/ca080.htm>.	Acesso	em:	17	mar.	2011.
Figura 2 Imagem da cidade medieval de Toledo/Espanha.	Disponível	em:	<http://www.
ndsu.nodak.eduinstructdcollito322Moors.html.jpg>.	Acesso	em:	26	maio	2008.	
Figura 3 Fotografia atual da cidade medieval de Toledo/Espanha.	Disponível	em:	<http://
www.stormfront.orgforumshowthread.phpcountry-thread-spain-425153p4.html.jpg>.	
Acesso	em:	26	maio	2008.	
12. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BALARD,	M.;	GENET,	J.;	ROUCHE,	M.	Le Moyen Âge en Occident. Paris:	Hachette,	2002. 
BASCHET,	J.	A civilização feudal. Do	ano	mil	à	colonização	da	América.	São	Paulo:	Globo,	
2006.	
BOUCHERON,	P.	Villes	et	sociétés	urbaines	en	Occidente	du	XI	au	XIII	siècle.	In:	KAPLAN,	
M.	(Dir.).	Le Moyen Âge XI-XV siècle. Paris:	Bréal,	1994.
LE	GOFF,	J.	Cidades.	In:	LE	GOFF,	J.;	SCHMITT,	J.	Dicionário temático do ocidente medieval.	
Bauru:	Edusc,	2002.	v.	1
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132
______.	O apogeu da cidade medieval.	São	Paulo:	Martins	Fontes,	1992.______.	Por amor às cidades.	São	Paulo:	Editora	Unesp,	1998.	
PIRENNE,	H.	As cidades da idade média.	Lisboa:	Publicações	Europa-América,	1964.
______.	História econômica e social da idade média. São	Paulo:	Mestre	Jou,	1973.

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