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Silêncios e Palavras Assim como as palavras, os silêncios também têm seus significados. Durante uma conversa podemos ficar em silêncio enquanto o outro fala, enquanto selecionamos as palavras que julgamos certas para aquela ocasião e para aquele interlocutor, quando não sabemos o que dizer, quando não queremos dizer, quando não podemos dizer ou, ainda, quando não devemos dizer. Então, o silêncio é uma maneira diferente de dizer as coisas e, da mesma forma que as palavras, ele constitui a linguagem. Numa conversa face a face é possível observar as hesitações dos interlocutores pelas pausas que eles fazem enquanto falam, pelas suas expressões faciais, pelos seus gestos etc. Podemos, então, interpretar os sentidos dos silêncios, levando em consideração as circunstâncias em que ocorre a conversa e que assuntos são interditados às pessoas daquele grupo social, naquele determinado momento histórico. A linguagem escrita também tem recursos para indicar os silêncios. Veja o recado deixado no Orkut por um adolescente de 13 anos à sua namorada: Carlos deixou um recado público para sua namorada Rita. Sabia que muitas pessoas iriam ler este recado. Desse modo, algumas coisas não aparecem ditas na sua escrita, aparecem como silêncios que apenas a Rita pode compreender. Os outros leitores que não o conhecem podem tentar completar os sentidos através das pistas que ele deixa neste texto e nos outros que também escreve no Orkut. Também é possível completar os silêncios se levarmos em consideração o que costumam fazer e dizer os namorados adolescentes, aqui no Brasil, atualmente. Assim, o uso das reticências, dos espaços duplos entre as linhas, das reticências entre colchetes [...] e de algumas perguntinhas que faz (“heim?!”, “ok?!!!”, oO”?), indicam que ele está silenciando algo aos leitores comuns. Além do silêncio que constitui a linguagem, há também o silêncio construído discursivamente, ao longo da história, nas diferentes culturas e sociedades. Através das relações de poder, o silêncio sobre alguns assuntos é imposto a determinadas pessoas ou grupo de pessoas. Temos, então, aquilo que é da ordem do dizível, ou seja, que pode ser dito naquele momento histórico, por alguns grupos sociais. É um processo de silenciamento, que interdita a produção e a circulação de alguns discursos em determinados espaços sociais. Desse modo, sempre que um discurso é silenciado, outro é colocado em circulação para atender aos interesses daqueles que detém o poder. Por exemplo, para silenciar os discursos que reivindicam uma igualdade de direitos entre homens e mulheres e o fim da violência contra as mulheres, circulam em nossa sociedade o discurso de que “mulher gosta de apanhar” e também o discurso de que “mulher tem que apanhar para aprender”. O silenciamento é, portanto, um processo discursivo que resulta de práticas sociais, regidas por relações de forças de dominação e resistência. É preciso compreender, que mesmo os discursos silenciados podem “escapar” e aparecer de formas inusitadas, em espaços inesperados. São os movimentos de resistência que transformam as práticas sociais e discursivas de uma sociedade. (3.119 caracteres) Referências AUTHIER-REVUZ, J. Palavras Incertas. Campinas, Editora da Unicamp, 1989. FOUCAULT, M. A Ordem do Discurso. São Paulo, Edições Loyola, 2000 _________________ História da Sexualidade 1 – A Vontade de Saber. São Paulo, Edições Graal Ltda, 2007. GERALDI, J.W. Portos de Passagem. São Paulo, Martins Fontes, 2000. ORLANDI, E. P. As Formas do Silêncio – No Movimento dos Sentidos. Campinas, Editora d aUnicamp, 1995. WATERSON B. Calvin e Haroldo: e foi assim que tudo começou. São Paulo, Editora Conrad, 1989. ATIVIDADES Falando nisso... 1) Fizemos a seguinte pergunta para o senhor Sandoval, engraxate de 80 anos, da cidade de São Paulo: Em sua opinião, a prostituição é um crime, um pecado ou uma atividade profissional? Veja a resposta que ele nos deu: Algo não está dito na resposta de Sandoval. Ele faz uma série de perguntas que deixa sem respostas. Como é que vai o quê? Como é que fica o quê? Como é que ia fazer o quê? O que está silenciado na fala do Sandoval? 2) Perguntamos a alguns padres e pastores que tipo de agressão poderia justificar um divórcio. Veja a resposta que nos deu um padre do interior de São Paulo: Pra mim é uma atividade profissional. Porque desde que existe o mundo, existe. Por que se não tiver a prostituta, como é que vai? Como é que fica? Por exemplo, aqui em São Paulo, os homens vêm tudo de outros estados do país – e se não tivesse a prostituta? Como que ia fazer? Então é uma necessidade. A entrevista que fizemos com este padre é bastante longa, mas apenas com esta pergunta ele se mostrou hesitante. a) Por que esta resposta do padre apresenta tantos silêncios? b) Indique como os silêncios foram marcados na escrita desta fala? c) Se há um discurso interditado, que discurso outro é colocado no lugar neste processo de silenciamento? Olha, o... o... o... divórcio, qualquer tipo de agressão poderia justificar o divórcio, que significa a separação. Ninguém... é... O ser humano jamais deve ser agredido, muito menos também os animais, como nós também temos tanta defesa dos animais hoje em dia. Mas... Ahm... A mulher... como eu costumo dizer... a mulher não é nenhum objeto para ser espancado, de forma alguma. Acho que toda pessoa que tem a mente coerente há de concordar comigo, portanto a mulher tem o direito de buscar todas as... os seus direitos junto... seja a Igreja, as autoridades civis, para escapar de uma violência que tenha no lar, seja de filho, seja de marido. Agora, como eu disse... Ah... Na verdade essa anulação não deixa de ser uma separação também. Não é usado o nome divórcio, Por quê? É provado pelo uso de violência daquela pessoa, daquele homem, que aquele casamento é inválido, porque não houve nenhuma intenção de respeito e de verdadeiro amor, portanto a Igreja vai concordar em anular esse casamento. Agora, a palavra divórcio em si, realmente, nós não... não acolhemos essa palavra, não aceitamos, porque... Ahm... Ela se torna fria para... Ahm... Uma posição religiosa. Hora do Debate 1) Em Pernambuco, mulheres de diferentes classes sociais, idades e etnias formaram uma Organização Feminista chamada Loucas de Pedras Lilás. Desde 2006 elas saem às ruas, descem as ladeiras, em vigília, mensalmente, para denunciar os crimes de violência contra mulher e lutar pelos direitos da mulher. Utilizam para isso a linguagem artística: a música, o teatro, o humor, a picardia e a irreverência. Procuram sensibilizar as pessoas pelo olhar, pelo riso, pelo corpo e pelo encantamento. Veja algumas fotos que nossa equipe fez durante uma vigília que as “Loucas” fizeram em 2008, em Palmares – PE. Fotos: Mariana Cestari e Letícia Canelas Leia agora um trecho da entrevista que a Cristina, uma das militantes da Organização nos concedeu: Que discurso da vitimização é esse a que Cristina se refere e o que ele silencia? Estamos na luta pelo fim da violência, que a gente chama de vitória contra a violência. Porque a gente não tá mais no discurso da vitimização. Tá, nós mulheres sofremos muitos tipos de opressões, mas não estamos mais no campo da coitadinha, né? A gente ta no campo da luta de lutar, de brigar, de botar os olhos na rua, de botara nossa indignação,falar dentro dos espaços de negociação de políticas públicas, de controle social. Palavreando A literatura de cordel é uma manifestação artística e cultural que narra os fatos e as histórias populares através de versos de sete sílabas poéticas, com rimas. São cantigas e poesias que são cantadas e recitadas por seus autores e também impressas em folhetos de maneira artesanal. Estes folhetos são depois pendurados em barbantes para serem vendidos em praças e feiras livres. Trazem histórias de amor, luta, perseguição, humor, fé, mistério e problemas sociais. Leia agora o cordel feito por Verônica Azevedo sobre a Lei Maria da Penha, que prevê dispositivos legais para amparar as vítimas de violência doméstica, assim como punir os agressores. Verônica é formada em direito e jornalismo, atua junto à comunidades e os movimentos sociais, visando a prevenção e o combate à violência de gênero, discriminação racial, homofobia e o enfrentamento ao tráfico de seres humanos. É Delegada de Polícia Civil e coordena a Unidade Policial da Mulher da Polícia Civil Foto disponível em: http://www.lendo.org/o-que-e-literatura-de-cordel- autores-obras/ de Pernambuco. Faz parte da ONG “Delegados pela Cidadania”. Publicou diversos artigos sobre violência doméstica e produziu e dirigiu vídeos educativos. www.policiacivil.pe.gov.br dpmulher@gmail.com Certa vez em Pernambuco Lá pros lados de Vicência Um cumpadre e uma cumadre Cometeram uma imprudência Acharam que só num discurso Cumprido que nem “inscelência” Iam achar a origem Dessa tal de violência A cumadre mais esperta Propôs com sabedoria Vamos falar de um tema Que a gente acabe num dia De um tipo de violência Que aqui se cometida Mas em nome da família Nem a Igreja combatia Argumentou com o diacho Uma coisa coerente A mudança de conceito Daqueles que são valente Pois pra provar que era macho Lá pras bandas do serão Caboclo enfrentava até O rastro de Lampião Quem agride mulher e menino E pensa que é o Valentão Cruzando com Virgulino Se borra todo no chão Longe estava do cumpadre Fazer mais apologia Pois na guerra de sexos Já sabia que perdia Em número de habitantes Hoje somos a maioria Já dá pra passar uma régua E começar novo dia Com mais direitos para todos Comida e autonomia Construiremos um futuro Com Justiça e Democracia Pois pra mudar uma cultura Patriarcal e machista É preciso repensar Todo o modelo sexista O cumpadre me perdoe Mas cumadre tem razão As conquistas vêm de luta Nunca nos deram na mão Alegando um compromisso Pois não é tolo nem nada O cumpadre de fininho Foi batendo em retirada Mas a cumadre faceira Diante da mulherada Pediu palmas, vivas e urras Pela lei sancionada A lei Maria da Penha Como foi denominada Homenageia uma cearense Mulher brava arretada Que mesmo debilitada Deu lição a toda a gente Que não se ganha uma guerra Deixando batalha pendente Para entender das conquistas Dessa lei que é parada Minha cumadre se instruiu Com a doutora Delegada Dizia com segurança E espírito combativo Esse crime não é mais Menor potencial ofensivo Pois bater em mulher e idoso Nem mesmo na tentativa Deve dar pro criminoso Mera pena alternativa Pois não tem mil cestas básicas Que cicatrize a ferida De amar e confiar E sempre ser agredida Essa lei veio corrigir Toda essa distorção Quem em casa grita alto Fica manso na prisão Pra vítima de violência doméstica Ter uma maior garantia Acabou-se aquela história Que toda a gente conhecia Não se retira mais queixa Com o ilustre delegado Quem agride a mulher Que se acerte com o togado Em pouco tempo o agressor Terá sua vida mudada Pois sua excelência não aceita Desculpa esfarrapada Os homens bons estão serenos Tranqüilos que nem patativas. Mas os patifes que aguardem Os pedidos de preventiva Pode chorar e berrar Que não tem apelação E quem descumprir a medida Terá ordem de prisão Afastado do seu lar Pela perda da ração Terá a guarda suspensa Pelo oficial de plantão E pra aprender que o escárnio Não tem previsão vitalícia O Juiz vai lhe arbitrar Uma pensão alimentícia E a lei até dispensa Em caso de agressão Que a mulher necessite Mandar representação Transformou essa ação Em pública incondicionada Não adianta nem rezar Pelas almas mais penadas Estando a vítima correndo Algum tipo de perigo O juiz que atender Lhe enviará a um abrigo Pois isso é importante Construir uma parceria Do governo e Município Pra oferecer mais garantia Programas de assistência São de enorme valia Pois refazer uma vida Não se consegue num dia Qualificar seu trabalho E emprego de garantia Promover o alimento Saúde e moradia Só o acesso à dignidade E uma vida com decência Permite que a mulher vítima Se livre da violência Vai ter muito cabra macho Se ajoelhando no andor Pra não esquecer que em mulher Bater nem com uma flor Outra grande inovação Por essa lei pretendida É respeitar a orientação sexual Da companheira agredida Mas pra lei sair do papel Temos que ter garantia Que ela é de domínio público De Chico, Joana e Maria Das Dores lá de Orocó De Lourdes de Saquarema De Fátima lá de Passira Adelaide e Iracema Tomara meu Jesus Cristo Que a humanidade se acerte Quem sabe a partir dessa lei O rumo da prosa se inverte. Agora, reúna-se com um ou dois colegas de classe e pesquisem mais sobre a literatura de cordel. Em seguida, juntos, façam uma cantiga que trate sobre a questão da violência doméstica. Reflexão, diversão e arte Como sugestão de leitura, deixamos o livro Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar, publicado pela Companhia das Letras. O livro é narrado em primeira pessoa pelo personagem André, filho do meio de camponeses, que observa a vida, as tragédias, os sentimentos de cada pessoa da casa e os silêncios que rondam a família. É uma novela trágica, premiada e lida em todo o mundo, que mostra as amarguras, as dúvidas e os anseios guardados em segredos por André. Trata de um assunto que assombra muitas famílias nas mais diversas sociedades, embora seja sempre silenciado: o incesto. O livro recebeu três prêmios: “Coelho Neto”, da Academia Brasileira de Letras; “Jabuti”, da Câmara Brasileira do Livro e “Revelação”, da Associação Paulista dos Críticos de Arte – além de uma adaptação cinematográfica em 2001. Atividade para o site Programa: Violência Contra a Mulher e Conflitos de Classes Tema: Interditos e relações de poder Direitos autorais: Internet Literatura de Cordel http://www.lendo.org/o-que-e-literatura-de-cordel-autores-obras/ http://literaturadecordel.vilabol.uol.com.br/
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