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Artigo América 3

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Desobediência Epistêmica: Da Modernidade ao “Bien Vivir”, os desafios ao novo paradigma econômico do Estado PLURINACIONAL
Alvaro Eduardo Magalhães Nunes[2: Graduando no Curso de Licenciatura em História pela universidade de Brasília (UNB). E-mail: magalhaesaemn@gamil.comArtigo apresentado como atividade avaliativa da disciplina História da América 3, sob orientação do Professor Dr. Carlos Eduardo Vidigal, Brasília – DF - 1º semestre de 2017. ]
Resumo: Da modernidade ao “BienVivir”. Um horizonte de contradições e desequilíbrios sociais, dominado pelo autoritarismo e pela violência de minorias detentoras do poder contíguos à marginalidade e resistências das maiorias - “os ausentes da história”, quão os indígenas, negros, campesinos e as massas populares. O presente artigo tem como eixo de análise a inauguração do Estado Plurinacional com as promulgações das constituições do Equador (2008) e Bolívia (2009) e, consequentemente, a sua inclusão do conceito andino de “BienVivier”. Uma ruptura com o mundo do direito moderno, uma nova forma jurídica de organização do estado que propõe um novo olhar sobre o desenvolvimento para a América Latina. Sem prejuízo ao caso equatoriano, analisaremos a Bolívia de Evo Moralles e, em especial, oseu primeiro Plan Nacional de Desarrolho(2006-2011), por acreditar ser uminstrumento capaz de responder se a política econômica adotada pelo governo boliviano representou na prática uma ruptura com o paradigma capitalista ocidental ou apenas manteveemlinhas gerais a continuidade da tradição desenvolvimentista ocidental. 
Palavras – chave:América Latina. Modernidade. Colonialidade. Estado Plurinacional. BienVivir. Desenvolvimento.Bolívia.
Abstract: From modernity to “Bien Vivir”. A horizon of contradictions and social imbalances, dominated by authoritarianism and the violence of power-holding minorities contiguous to the marginality and resistances of the majorities – “absent from history”, such as the indigenous, blacks, peasants and popular masses. The present article analyzes the inauguration of the plurinational state with the promulgations of the constitutions of the Equator (2008) and Bolivia (2009) and, consequently, its inclusion of the Andean concept of “Bien Vivir”. A break with the world of modern law, a new legal form of state organization that proposes a new look at development for Latin America. Without prejudice to the Ecuadorian case, we will analyze Bolivia's EvoMoralles and, in particular, the first Plan Nacional de Desarrolho (2006-2011), because it believes it is an instrument capable of responding if the economic policy adopted by the Bolivian government represented in practice a rupture with the western capitalist paradigm or merely maintained, in general lines, the continuity of the modern developmental tradition.
Key Words:Latin America. Modernity. Coloniality. Plurinational State. Bien Vivir. Development. Bolivia. 
Introdução
As novas constituições da Bolívia e do Equador apresentam-se ao mundo do direito quãoo eixo principal de uma ruptura com o modelo europeu de estado moderno. Assim, nasce oEstado Plurinacional, repleto de propostas frente ao antigo ordenamento jurídico, esse erguido sobre ospilares do colonialismo e do liberalismoque tem permitido manter até os dias atuaiso viés de dominação econômica, política, social e cultural em países como os da América latina. 
Tendo como base a perspectiva pós-colonial de autores como Franz Fanon, Enrique Dussel, AnibalQuijano e ImmanelWalllerstein, que indubitavelmente propuseram um novo lugar de fala a partir do paradigma colonialidade-modernidade, verifica-se a necessidade da desconstrução do mito da estrutura opressora eurocêntrica. Sem embargo, essa nova era marcada pelas promulgações das constituições equatoriana (2008) boliviana (2009) corrobora com esses anseios eassinala a esperança de vivermos numa América menos colonizada, visto que elas obrigatoriamente rompem com a perspectiva cunhadapelo universalismo europeu.[3: A expressão “universalismo europeu” foi cunhada por ImamnuelWalllerstein que designa um fenômeno dos quais os países latino-americanos são produto: a homogeneização do mundo a partir da perspectiva europeia. ]
Na verdade, dilacera com toda nossa formação cultural influenciada por líderes pan-europeus que imprimiram o pensamento de que a expansão dos povos e estados ocidentais pelo resto do mundo, seja através da conquista militar ou por meio da exploração econômica, fazparte de um processo “civilizatório, altamente justificável, ” fruto da modernidade, que implicaria em crescimento, desenvolvimento e progresso econômico. Todavia, em contrapelo, Enrique Dussel, desmascarou cabalmente esse processo: 
Por um lado, o mito da modernidade, se autodefine a própria cultura como superior, “mais desenvolvida”..., por outro lado, a outra cultura é determinada como inferior, rude, bárbara, sempre sujeito de uma imaturidade culpável. De maneira que a dominação, (guerra/violência) que é exercida sobre o outro, é na verdade, emancipação, “utilidade”, “bem do bárbaro que se civiliza, que se desenvolve ou moderniza.[4: Dussel, Enrique.1492: o encobrimento do outro: a origem do mito da modernidade, trad. Jaime A. Clasen, Petrópolis, Editora Vozes, 1993. p. 75. ]
No entanto, são muitos os desafios a serem contornados, porquanto o arquétipo “estado nação” sóse fez sustentável ao tempo frente à lógica do sistema mundo capitalista. Para isso, AnibalQuijano apontacomo uma de suas premissas a sociedade individualizada, ou seja, composta por uma estrutura de poder que reflete sempre a imposição dealgum grupo hegemônico sobre os demais – o outro.O Estado Plurinacional incorpora os princípios da filosofia do “BienVivir”, um modelo de estado onde há uma nação que reconhece o direito de outras várias nações dentro do mesmo território, com isso rejeita o modelo vertical de sociedade que privilegia poucos em detrimento de muitos. O “BienVivir” recupera uma sabedoria ancestral que rompe com o alienante processo de acumulação de capital que sob o lema do “desenvolvimento”, hierarquiza as pessoas e transforma tudo e todos em coisa.[5: Qüijano, Anibal. Colonialidaddel poder, eurocentrismo y América latina. In: LANDER, Edgar. La colonialidaddel saber: eurocentrismo y las ciências sociales perspectivas latino americanas. Primeira edição. Buenos Aires: CLASCO, 2000. p. 226-227.]
Aspectos Históricos
O Atual cenário vivido pelos povos indígenas na América latina só pode ser compreendido como fruto de um resultado histórico de um processo que se iniciou com a chegada e ocupação pelos europeus em terras americanas há mais de cinco séculos, mediante o qual foram friamente despojados dos seus lócus de reprodução social e cultural e,consequentemente, promoveu uma desvinculação forçada destes com a natureza. Esta irrupção significa a perda da “territorialidade política” das civilizações originárias, bem como a sua soberania espacial o que inaugurou um ciclo de extensa duração histórica. 
Uma ocupação justificada no conceito de terra nullius(literalmente “terra de ninguém”) o que ratifica a ideia de uma ausência de população, ou território habitado por bárbaros. 
À vista disso se somou à criação de instituições destinadas a explorar e aproveitar o trabalho dos indígenas sob o lema do progresso, porquanto frente à incalculável extensão territorial e seus recursos naturais, até então inesgotáveis,sua exploração laboral era inevitável e, doravante, com a consolidação dos novos estados nacionais potencializou-se esta desapropriação com adoção de marcos jurídicos que privilegiaram as formas privadas de propriedade e estabeleceram a primazia do direito individual sobre o coletivo. 
O processo de colonização da América Latina visto quão de superação à cultura indígena em face da cultura ocidental chamada “moderna”. Enrique Dussel (1993) tem no ano de 1492 o marco para o seu nascimento. Originou-se nas cidades europeias medievais, livres, centros de enorme criatividade, a seguir: 
Mas
nasceu quando a Europa pôde se confrontar com o seu outro e controlá-lo, vencê-lo, violentá-lo, como pode se descobrir "como um “ego” descobridor, conquistador, colonizador da Alteridade constitutiva da própria modernidade. De qualquer maneira, esse Outro não foi “descoberto” como outro, mas foi encoberto como o “si-mesmo” que a europa era desde sempre. De maneira que 1492 será o nascimento da Modernidade como conceito, o momento concreto da “origem”de um “mito” de violência sacrifical muito particular, e, ao mesmo tempo, um processo de encobrimento do não- europeu. (DUSSEL, 1993, p.8)
Vê-se a modernidadejustificar-se em sua natureza ontológica, isto é, em sua própria razão de ser. Ao citar Hegel como defensor do eurocentrismo, Dusseltranscreve uma Europa cristã moderna que em nada tem a aprender dos outros mundos, pois ela - a modernidade -tem um princípio em si mesma: a plena realização. 
Para Dussel, o encobrimento do não-europeu estabelece uma necessidade de resgatar as diversas culturas, uma “filosofia da libertação” que parte do sujeito excluído, dominado, do outro, filhos da primeira colônia de uma Europa moderna - a América. Depois do seu descobrimento e reconhecido seu território, passou-se ao controle e dominação das pessoas, pois era necessário “pacificá-las”, começa-se então o intolerante processo de alienação do outro como sujeito de si-mesmo, e deixa de lado a práxis violenta, guerreira de domínio de território para uma pedagogia política, econômica, de domínio dos corpos pelo machismo sexual, da cultura, de tipos de trabalho e de instituições criadaspor uma nova burocracia política. 
Asobrevivênciadessas civilizações até os dias atuais deve-se a sua luta histórica em prol do reconhecimento de seus direitos, este prolongado e tortuoso processo plasmou-senas últimas décadas num rol de reivindicações que se edifica em dois grandes marcos: O Convênio sobre os Povos Indígenas e Tribais de 1989 (Nº169) da OIT, que vem a reconhecer pela primeira vez seus direitos coletivos, e a Declaração Universal das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos indígenas (2007), que propõe o direito desses povos a livre determinação [6: Artigo 2º, Parágrafo 1: “Os governos terão a responsabilidade de desenvolver, com a participação dos povos interessados, uma ação coordenada e sistemática para proteger seus direitos e garantir respeito a sua integridade.” FONTE: Convenção nº 169 sobre povos indígenas e tribais e Resolução referente à ação da OIT. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Convencao_169_OIT.pdf][7: Artigo 3º: “Os povos indígenas têm direito à autodeterminação. Em virtude desse direito determinam livremente sua condição política e buscam livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural. ” FONTE: Declaração Universal das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Disponível em: http://www.un.org/esa/socdev/unpfii/documents/DRIPS_pt.pdf]
Em dias atuais, o caso da Bolívia se torna em um bom exemplo, hoje sua população tem uma presença majoritária de indígenas que gozam de uma importante diversidade cultual, todavia em razão da existência de padrões históricos de constituição da sociedade, os povos indígenas e originários têm estado sujeitos a relações de servidão e atualmente há uma tênue relação entre condição étnica, pobreza e localização rural. 
Ora, antes ao Estado Plurinacional os índios não eram filhos da Bolívia, eram só sua mão de obra e só. 
O emblemático8 de dezembrode 1982foi marcado por um discurso que começou de maneira bem extrovertida, evocando o navegador Florentino Pigafetta, Garcia Márquez, ao receber o Prêmio Nobel de Literatura, expôs aos habitantes do velho continente a maneira como ao longo dos séculos a Europa descreveu e classificou a geografia latino-americana, o tom jocoso e bem divertidotransformou-se intencionalmentenum tom mais sombrio ao evocar a história contemporânea da América latina, a seguir:
Não temos tido sequer um minuto de sossego. Um prometéico presidente, entrincheirado em seu palácio em chamas, morreu 	lutando contra um exército inteiro, sozinho; e dois suspeitosacidentes de avião, ainda por explicar, abreviaram a vida de um grande presidente e de um militar democrata que tinha ressuscitado a dignidade de seu povo. Já ocorreram cinco guerras e dezessete golpes militares; surgiu um diabólico ditador que está realizando em nome de Deus o primeiro genocídio da América Latina de nosso tempo [...] Os desaparecidos pela repressão chegam a quase 220 mil. É como se ninguém soubesse onde foi parar a população inteira de Uppsala. Várias mulheres presas grávidas deram à luz nas prisões argentinas, e ainda ninguém sabe do paradeiro e a identidade dos seus filhos, que foram furtivamente adotados ou enviados para orfanatos por ordem das autoridades militares. Porque tentarammudar esta situação, quase 200 mil homens e mulheres morreram em todo o continente.[8: O discurso de aceitação do Prêmio Nobel de Literatura de 1982 pode ser visto na íntegra no site oficial http://nobelprize.org/nobel_prizes/literature/laureates/1982/marquez-lecture-sp.html. Há versões em inglês e espanhol.]
Assim, o caráter delativodos processos históricos latino-americanosbrilha em Garcia Márquez. Cumpre no seu discurso de aceitação ao Prêmio Nobel de Literatura uma função singular: Dar significado ao continente. Em outras palavras, falar sobre essa realidade histórica é essencial para entender aquilo que é a América Latina e porque somos assim, um território tomado pela violência, desigualdade e solidão, essa foi a intenção.Assim, Garcia Márquez compõea retórica a partir de uma reconstrução histórica do encontro de dois mundos, o europeu e o que lhe outorga o reconhecimento literário a um escritor latino americano e de um escritor laureado que aproveita os refletores para denunciar a cegueira do anfitrião frente às desmesuras sociais históricas aqui existentes,herança da primeira incompreensão. 
Construindo o“Bien Vivir”
Os indígenas não são pré-modernos nem atrasados. Seus valores, experiências e suas práticas sintetizam uma civilização viva, que demonstrou capacidade para enfrentar a modernidade colonial, sobretudo resistir ao tempo e superar ao processo histórico de total encobrimento do outro. 
De fato, estes quinhentos anos marcam encobrimentos. Magalhães (2012, p. 122) reitera a necessidade de se uniformizar, padronizar, homogeneizar como uma base fundamental para compreensão do estado e o direito moderno, visto que a legitimidade de ambos só se reproduz em sistemas hegemônicos. Daí afloram-se as predominâncias étnicas, econômicas e políticas sobre os demais - o encobrimento do outro. 
Os debates globais só reforçam a visão de mundo dos marginalizados pela história, em especial dos povos e nacionalidades indígenas. Acosta (2016, p. 80) relata que no mundo ocidental capitalista, o funcionamento da economia (desenvolvimento) da própria sociedade se baseia na premissa de que o melhor nível social possível (bem-estar) se alcança deixando em liberdade (valor fundamental) cada indivíduo na busca da realização pessoal (a negação do outro) em um ambiente de competição (mercado) a partir da defesa irrestrita da propriedade privada, fundada num paradigma do “eu-sem-nós”. 
Assim, o “BienVivir” vem propor a superação do tradicional conceito de desenvolvimento ao revelar seus erros e suas limitações no que tange as suas diversas teorias transformadas em enteléquias que regem a vida em grande parte da humanidade.
Acosta (2016, p. 26) nos fornece linhas gerais nas quais regem o princípio do “BienVivir”, calcado em novas formas de pensar e agir, tratando a relação Homem-Pachamama a partir de uma perspectiva relacional e não de dominação. O homem no centro, ou melhor, o humano ao centro, é a partir daqui que se tenta retirar uma visão predominante de mercado tão cara as sociedades. Isto é, deslocar o conceito de mercado do eixo das sociedades ocidentais modernas, ao passo que, em sua substituição, a solidariedade, quão valor
básico de uma nova economia, passa a dar ritmo a essa inovadora conjuntura, baseada na relação harmoniosa entre o homem e a Pachamama. [9: Mãe Natureza. ]
Conforme Gudynas, “um aspecto central da formulação do “BienVivir” tem lugar na crítica ao desenvolvimento contemporâneo. Se questiona, por exemplo, a sua racionalidade, sua ênfase nos aspectos econômicos e o mercado, sua obsessão ao consumo ou o mito de um progresso continuado. ”[10: GUDYNAS, E. Buen Vivir: Germinando alternativas al desarollho. América latina en movimento, Quito, v. II, n. 462, p. 2, febrero 2011. ISSN 1390-1230.]
Ora, usufruímos de uma falsa sensação de bem-estar, um pseudo bem viver, esse vinculado a ideia de consumo, pois viver bem em sociedades ocidentalizadas implica na cede humana de cada vez mais acumular riquezas, gerar capital, ter propriedades, viajar, frequentar estabelecimentos comerciais, shoppings centers, restaurantes, cinemas e tantos outros mais, tudo isso imbricado a lógica de consumo, onde vigora a competição, estimula o “desenvolvimento” e promove o imaculado“progresso”. 
Vivemos um cárcere mental e cognitivo, onde o ethos do progresso está intimamente entrelaçado com as posturas culturais da própria modernidade a qual molda as mentes humanas. Fanom (2008, p. 263) estabelece que os indivíduos em suas bases psíquicas possuem a capacidade de internalizar as estruturais sociais, para isso há uma necessidade de elucidar imediatamente as realidades sociais e econômicas as quais vivem, visando efetivar um processo de desalienação/descolonização. 
Com isso, Fanonpromove suas análises psicológicas baseadas em sócios diagnósticos, uma vez que, por exemplo, entende a alienação do negro, diante da cultura europeia, não apenas como uma questão individual e sim um fenômeno socialmente construído, isto é, estrutural, que opera como um importante mecanismo do colonialismo, entãoesclarece: [11: Frantz Fanon é autor do livro Piel negra, mascaras blancas, primeiro das quatros obras publicadas em seus 36 anos de vida, com uma carreira de escritor iniciada aos 26 anos o livro trata a fundo sobre o tema da identidade negra e exerce uma poderosa influência sobre os movimentos dos direitos civis e anticoloniais, aponta para a diferença singular existente entre o racismo epidérmico, nítido aos olhos humanos e um racismo estrutural, esse último usado como ferramenta de dominação frente aos anseios predatórios da sociedade capitalista moderna os quais gravitam a níveis de cognição humana. ]
La alienación/colonización de los negros no es reducibleal plano individual. La lucha descolonizadora de los negros se efectúa simultaneamente contra dos niveles: el nível psíquico individual e nível macro estrutural de los processos sociales. [...] Cualquierliberación unilateral que priveligiesolamente uno de los niveles es incompleta, y elerror más grave es crer em su automática interdependência, es dizer, creer que resolviendo um nível automaticamente se resuelveel outro [...](FANON, 2008, p. 264)
Há ummodus operandi análogo ao do racismo, ou seja, algo estrutural que gravita ideologicamente na psique das pessoas e as aprisionam em celas não perceptíveis aos seus próprios olhos, é, por assim dizer, a definição de desenvolvimento ocidental, enquanto ação que edifica a noção moderna de bem-estar. 
Acosta (2016, p.27) adverte quanto à necessidade das pessoas se organizarem para recuperar e assumir o controle de suas próprias vidas, uma vez que o ser humano ao centro representa muito mais que um fator essencial à economia, que visa tão só resgatar e dignificar o trabalho. Um ser ao centro que trabalhe e, por conseguinte, viva em comunidade e harmonia com a natureza, uma noção de família é o desejável. 
Portanto, urge superar o divórcio entre a natureza e o ser humano. Ultrapassar o modelo tradicional de progresso/desenvolvimento já exaustivamente tratadoé questão primeira para a superação de limitações desta concepção desenvolvimentista moderna. 
O homem ao centro constitui uma proposta clara de reverter ainsustentabilidade do atual formato de relação da sociedade com a natureza, uma vez que estabelecer uma via unilateralem que ela- a natureza- é vista como objeto de exploração, separada e estranha ao indivíduo não merece prosperar. 
Limitações? Sim, afinal quantos países têm buscado conscientemente o desenvolvimento como progresso? Quantos têm alcançado? A segunda pergunta é fácil de responder - quase todos. Contestar a terceira tampouco apresenta maior dificuldade - poucos. Então, na realidade o que se observa no mundo é um “mau desenvolvimento”, de alcance generalizado, existente inclusive em países considerados desenvolvidos. A tese é pertinente, uma vez que: 
Es muycomúnsostener que un país se desarrolla si crecesueconomía, y en particular si aumentanlasexportaciones o lasinversiones. Enmuchos casos, los PBI se han incrementado y lasexportaciones se han disparado, pero poço o nada se ha mejoradoencuanto a las condiciones sociales y ambientales. A pesar de ello, esa postura deldesarrolloclásicosigue vigente, y a su vez expresa una firme creenciaenelprogreso y laevolución lineal de la historia. Susejemplosclásicosresidenen considerar a los países latinoamericanos como “subdesarrollados” que debenavanzar por sucesivas etapas imitando latrayectoria de laseconomías industrializadas. (GUDYNAS, 2011, p.3)
 De fato, não há como negar que o desenvolvimento capitalista tenha demonstrado uma grande capacidade produtiva, e ter logrado êxito alargos passos no que se refere aos segmentos tecnológicos, sem precedentes e às vezes substanciais à vida, e inclusive reduziu a pobreza em vários países. Mas não restam dúvidas que produziu também processos sociais desiguais em outros países. Se cria riqueza, mas não são em sua maioria aqueles que não usufruem desse benefício. “
Outra, há uma crise ecológica provocada por uma iniquidade histórica, onde se coloca no epicentro das discussões a necessidade de se mostrar que as formas de produção contaminantes, o extrativismo e a mega urbanização devem ou não serem consideradas como um êxito indiscutível da civilização ocidental capitalista. O capitalismo enquanto “economia-mundo” transformou a natureza em uma fonte de recursos aparentemente inesgotável- o que, como sabemos não é sustentável. [12: Economia-mundo é um conceito defendido por ImannuelWalersthein. Para ele o moderno sistema mundial toma a forma de uma economia mundo capitalista, que teve sua gênese na Europa do Séc. XVI, implico a transformação do modelo de produção feudal num sistema qualitativamente diferente - Sistema Capitalista - que desde então tem se estendido geograficamente até abarcar todo globo. É um autor que se posiciona contra a globalização. ]
Nesse cenário, o “BienVivir” estabelece uma ruptura epistêmica histórica ao propor a transição de uma concepção antropocêntrica para uma sócio-biocentrica. Ou seja, ataca as ideias vertebrais do desenvolvimento moderno, uma vez quecomo pode ser taxado de progresso aquilo que separa o homem da natureza? 
Enquanto a isso, Acosta diz: 
 [...] E o ser humano, com suas formas de organização social antropocêntricas, posicionou-se figuramente fora dela. Chegou-se a definir a Natureza sem considerar a humanidade com sua parte integral. Foi uma espécie de corte ao nó górdio da vida que une a todos os seres vivos em uma única Mãe Terra. Assim abriu-se caminho para dominá-la e manipula-la. (ACOSTA, 2016, p. 1001)
O homem em nada se diferencia dos elementos da natureza, o “BienVivir” estabelece uma relação horizontal entre ambos, ou seja, os minerais, as espécies animais, a vegetação, o ar, a água, a terra, o fogo e etc. todos possuem o mesmo valor ontológico, o humano - ele - só é mais um integrante desse universo místico.
A atual realidade de dominação do homem foge a episteme nativa, retira-o do conjunto, hierarquiza-o, pondo-o em condições de ser superior o que se justifica pelo dogma da modernidade ocidental - a busca pelo progresso. Sem dúvidas, há
uma crise provocada pela superação dos limites da natureza que nos leva obrigatoriamente a questionar a institucionalidade e a organização sociopolítica em qual vivemos. Estamos todos fadados a deixar de existir, inclusive a lógica desenvolvimentista em voga que se contradiz em suas próprias bases, também ruirá:
A economia deve submeter-se à ecologia. Por uma razão muito simples: A Natureza estabelece os limites e alcances da sustentabilidade e a capacidade de renovação que possuem os sistemas para autorenovar-se. Disso dependem as atividades produtivas. Ou seja: Se se destrói a natureza, destroem-se as bases da própria economia. (ACOSTA, 2016, 119)
A natureza em pé de igualdades. O conceito de natureza-sujeito, ligado ao paradigma não antropocêntrico ou biocêntrico, corresponde a reelaboração da relação humana com o meio ambiente em qual vivemos, calcado numa consciência de transe ou alerta, haja vista os perigos pelos quais passam o planeta, por isso é proposto um estado de simbiose entre ambos: homem e natureza.
Posto isto, essa nova categoria Natureza-sujeito tem o condão de estender a personalidade jurídica aos entes naturais. Isso só se dá a partir do movimento Neocontitucionalista Andino, nascidos no seio das constituições do Equador (2008) e Bolívia (2009), essa corrente regional - por enquanto – atesta a insuficiência da linguagem do direito constitucional moderno no Séc. XXI e na América Latina. [13: Título III, Cap. VII, Art. 71. - La naturaleza o Pacha Mama, donde se reproduce y realiza la vida, tienederecho a que se respete integralmente suexistencia y elmantenimiento y regeneración de sus ciclos vitales, estructura, funciones y procesos evolutivos. Toda persona, comunidad, pueblo o nacionalidadpodrá exigir a laautoridad pública elcumplimiento de losderechos de lanaturaleza. Para aplicar e interpretar estosderechos se observaranlosprincipiosestablecidosenlaConstitución, enlo que proceda. El Estado incentivará a las personas naturales y jurídicas, y a loscolectivos, para que protejanlanaturaleza, y promoverá elrespeto a todos los elementos que formanunecosistema. ][14: Sección I, Art. 34. - Cualquier persona, a título individual o enrepresentación de una colectividad, está facultada para ejercitarlasaccioneslegalesen defensa delderecho al medio ambiente, sinperjuicio de laobligación de lasinstituciones públicas de actuar de oficio frente a los atentados contra elmedio ambiente.]
Ao se reconheceremesses direitos – ou seja, considerar a natureza como sujeito de direitos e, por conseguinte, concedê-la o direito a ser integralmente reparada em caso de dano ou degradação, se estabeleceu um ponto de partida, um marco na civilização moderna, pois retira dela a mera condição de objeto a serviço da vontade humana. 
O “Bien Vivir”: Rupturas ou continuidades? 
A partir do momento da promulgação de suas constituições, as experiências de governos na Bolívia e no Equador cruzam-se a fim de atingirem ao mesmo objetivo: fazer com que as novas linhas escritas em suas cartas magnas não plasmem apenas no plano dasideais e daretórica. 
Na contramão dessa hipótese e a fim de implementarem uma coerência entre o discurso e a prática em ambos os países foram instituídos planos de políticas e ações para transpor à realidade, no caso equatoriano recebe destaque o Plan Nacional para elBuen Viver de Ecuador (2009-2013) e na Bolívia as iniciativas se concretizam na proposta do Plan Nacional de Desarrollo de Bolívia (2006-2011).[15: Equador (2009). Plan Nacional para elBuenVivir 2009-2013: Construyendoun Estado Plurinacional e Intercultural. Quito, Ecuador: Senplades. Disponível em: <http://plan.senplades.gob.ec/>. Acesso em: 29 maio 2017. ][16: Bolívia. (2007). Plan Nacional de Desarrollo 2006-2011. Bolivia digna, soberana, productiva y
democrática para VivirBien. La Paz: Ministerio de PlanificacióndelDesarrollo. Disponível em:
<http://www.ine.gob.bo/indicadoresddhh/archivos/Plan%20Nacional%20de%20Desarrollo.pdf> Acesso em: 29 maio. 2015.]
Sem prejuízo ao caso equatoriano, mas objetivando racionalizar os meios de análise, debruçamos sobre o exemplo boliviano. Em 2006, o governo do movimento ao socialismo (MAS), colocou em vigência El Plan Nacional de Desarrollo (PND): Bolívia digna, soberna, produtciva y democrática para vivirbien(2006-2011), a qual traça a estratégia de gestão do governo nas áreas econômica, social, das relações internacionais e democrática institucional. 
Assim, consta-se que o PND-B toma os princípios do “VivirBien” como fundamento em detrimento à ótica ocidentalocêntrica desenvolvimentista: [17: PND-B: Plano Nacional de Desenvolvimento da Bolívia (2006-2011).]
La nuevapropuesta de desenrrollo se basaenlaconcepcióndelVivirBien, propia de las culturas originarias e indígenas de Bolivia. A partir de los elementos comunitário enraizados enpueblosidígenas, comunidades agrárias, nomádas y urbanas de las terras bajas y altas, elvivirbien postula uma visióncomoscéntirca que supera loscontenidos etnocêntricos tradicionais do desenrrollo. (BOLÍVIA, 2007, p. 2)[18: Comoscêntrico se refere a que o cosmos é o centro da dinâmica espiritual, material, econômica, social e política das sociedades. ]
Dado o contexto histórico de refundação do Estado, no qual movimentos sociais se organizam com o intuito de derrocar as estruturas de poder que oprimiam a população há séculos, uma nova lógica estatal é inserida: 
El estado descolonizado controlará el excedente econômico para eldesarrollo ampliado de la vida humana, asumiráel rol productor y distribuidor de la riqueza y cumpliráel papel rector da actividad econômica. El estado recupera las funciones, lasatribuciones y las competências que o neoliberalismo lecercenó progressivamente hasta convertilo em um aparato subsidiário. (BOLÍVIA, 2007, p. 8)
Sendo assim, entendendo o desenvolvimento da vida humana como o único fim da ação política do estado e tendo o “BienVivir” como paradigma em sua fase de construção e instauração, se faz necessário recortarmos do PND-B um dos seus aspectos mais relevantes da Boliviaproductiva,que versasobre a melhora do sistema de transporte nacional em todas as suas modalidades (ferrovias, estradas, aeroportos, hidrovias e etc.). E, por entendê-lo como componente significativo ao desenvolvimento e ponte a ampliação da integração dos mercados, que viabilizaria o aumento da produção boliviana, e sua consequente saída do estágio de subdesenvolvimento econômico, a questão da mobilidade assim se estabelece: 
El estado recuperará y fortalecerá su presencia y capacidad de decisiónenlacondiccion de la política caminera, ferroviária, aeronáutica y fluvial lacustre. 
A travésde lanueva política de transportes, el estado orientará sus recursos enlaperpectiva de vertebrar internamente al pais. enlaconsecución de este objetivo, se benefiaráprimeroa los bolivianos, sobre todo a aquellos que vivenen zonas rurales y alejados de lasprincipalesciudades. (BOLIVIA, 2007, p. 145)
No entanto, identificamos uma tênue fronteira a ser contornada pelo Estado Plurinacional Boliviano no que tange a operacionalizar a utopia em construção do “BienVivir”versus à perceptiva econômica desenvolvimentista tradicional, ambas bem candentes no PND-B. Pois, tamanha contenda atinge seu clímax no conflito envolvendo o Parque Nacional e Território Indígena do TIPNIS e a gestão do então presidente do Estado Plurinacional Evo Morales, porquanto frente suas declarações a respeito da construção de uma estrada que ligaria Villa Tunari y San Ignacio de Moxos sairia com ou sem o consentimento dos povos Moxeños, Chimanes e Yuracaré. 
O TIPNIS está situado entre os departamentos de Beni (Província de Moxos) e Cochabamba (Província de Chapre). Os municípios envolvidos são San Ignácio de Moxos e Loreto em Beni, e Vila Tuanri e Morochata em Cochabamba, com uma superfície aproximada de 12.363 Km², de fato, representa um paraíso terreno completamente preservado, uma das mais ricas reservas em biodiversidade do continente, com abundantes
bosques primários e rios, encontram-se no sopé dos Andes.Habitam nesse paraíso terrestre três etnias, Los Chimanes, Los Yuracaré e os Moxeños. Emsetembro de 2008 logo após tomarem conhecimento da subscrição de um contrato para a elaboração de um estudo de viabilidade técnica,econômica e de impacto ambiental, bem como o projeto do traçado final do trecho da rodovia que ligaria Villa Tunari-San Ignácio de Moxos, representantes dessas etnias convocaram uma assembleia de emergência na qual deliberaram contra, uma vez que punha em risco seu habitat e, por conseguinte, e o futuro das suas gerações. O Produto desse encontro gerou uma redação por escrita dirigida ao presidente Evo Moralles: [19: Segundo o censo 2001 do INE, há 6.351 Chimanes na Bolivia. As primeiras referencias se deram no século XVIII, quando os Jesuítas fundaram a missão de São Francisco de Borja (1693) que provocou forte questionamentos e resistências por eles. Atualmente seus principais problemas se derivam da presença de comerciantes, os madeireiros e os colonos. O matrimonio é preponderantemente monogâmico, com forte tendência a poligamia. Desenvolvem uma atividade agrícola de subsistência. ][20: Segundo o censo 2001 do INE, há 1.809 Yuracarés. Estão localizados nos departamentos de Cochabamba e Bení. A colonização republicana de Chapre pressiono esse grupo até terra adentro, e desta maneira até sua dispersão. Se diz que não reconhecem a um chefe único, devido principalmente, a sua dispersão geográfica. A caça, a pesca e coleta se combinam com os trabalhos da agricultura. ][21: Segundo o censo 2001 do INE, há 4.220 Moxeños. Vivem no departamento de Beni, nas províncias de cercado, Moxos, Balliván e Mrban, municípios de San Javier, San Pedro e San Ignácio de Moxos. A partir dos anos 70 em que produziu inundações importantes, se observa um acentuado processo de migração desde áreas rurais até os centros urbanos como trindade e ainda até o departamento de Santa Cruz e outras regiões. ]
Figura 1: Trecho da carta enviada ao Presidente da Bolívia Evo Moralles
Fonte: Boletim CEADL, n º 7,p. 11
Umacríticaao Movimento ao Socialismo (MAS) –especificamente ao presidente Evo Moralles - se deve quanto sua postura frente a qualdireção realmente ele deveria seguir. Em primeiro lugar se declara indigenista, mas na prática atua com alguns meios que sempre utilizaram os governos neoliberais, ao compactuar com um verdadeiro etnocidio em pleno Estado Plurinacional. 
	Conquanto, Lineraressalta essa contradição como algo inevitável, visto que que há uma lógica que se define a partir da inclusão no bloco conducente e dirigente do estado a figura campesina-indígena. Isto é, se tornaram parte do estado, pois anteriormente eram excluídos da cidadania e do poder econômico. [22: Álvaro García Linera, além de vice-presidente da Bolívia, é uns dos maiores intelectuais do país, no qual se coloca no lugar de interprete do complexo processo político e social iniciado em 26 de janeiro de 2006 com a chegada de Evo Moralles ao poder. ]
À vista disso,em parte, se leva até o âmbito estatal uma dialética de relação com a natureza, todavia adverte que esse estado necessita, por sua vez, de recursos e excedentes que cresçam para atenderem as necessidades básicas de todos os bolivianos, e, principalmente, os dos mais desprovidos como as comunidades populares indígenas-urbanas-rurais, a seguir:
Por un lado, la resistência frente a la lógica depredadora del Estado capi-talistapermitíó potenciar politicamente, desplegar estratégias de protección de estructuras campesinas y comunitárias, que hanayudado a llegar al poder del Estado. Pero yaenel Estado, se necesitadelpropiotrabajo y laproducción estatal engran escala para asegurarlaexpansióndel excedente económico que se requiere administrar para satísfacerlasnecesidades básicas de lasociedad y para reforzar y proteger a laspropias comunidades asediadas por lógicas mercantiles. Por tanto, tíenes que caminarconlos dos pies: expandir como política de Estado laproteccióndel médio ambiente, el uso sostenible de lanaturaleza, pero a la vez necesitasproducirengran escala, implementar procesos de industrialización expansiva que te habilite n excedente social para s u redistribuci n y para elapoyo aotrosprocesos de modernización campesina, comunitária y artesanal.[23: SVAMPA, M.; STEFANONI, P.; FORNILO, B. El punto de bifurcación es el momento en cual se midem ejércitos. In: MARISTELLA SVAMPA, P. S. B. F. Debatir Bolivia: Perspectivas de un Proyecto de Descolonización. 1ª. ed. Buenos Aires: Alfaguara, v. I, 2010. Cap. 2, p. 137-165.]
Assim, não há como evitar o choque. Existe uma lógica estatal de uso sustentável da natureza e a necessidade sócio-estatal programática de gerar excedentes a cargo do estado. Se trata de uma tensão, como aquela entre democratização do poder (estado de movimentos sociais) e monopólio das decisões (movimento social-estado), por isso teremos que continuarmos a viver com essa contradição histórica.Linera (2010, p. 160), afirma: “ mas junto ao direito de um povo a terra está o direito do estado, do estado conduzido pelo movimento indígena-populare campesino, se sobrepor ao interesse coletivo maior de todos os povos. “
ConSIDERAÇÕES FINAIS
	Há tempos que a dinâmica de contextualização da América Latina tem sido marcada por um cenário construído pela resistência de seus povos contra a dominação interna e submissão externa, a Bolívia de Evo Moralles é apenas mais um reflexo contiguo dessa lógica. 
	Trata-se numa trajetória erguida na lógica da colonização que segundo Dussel (1993) se travesti na aquilo que denominou o “Mito da Modernidade”, o qual promoveu um horizonte de contradições e desequilíbrios sociais, esse dominado pelo autoritarismo e pela violência de minorias detentoras do poder coadunado a marginalidade e resistências das maiorias - “os ausentes da história”, quão os indígenas, negros, campesinos e as massas populares. 
	O caso do TIPNIS na Bolívia faz ressuscitar séculos de violência aos povos originários, uma ação estatal legitimada no conceito eurocêntrico de desenvolvimento, um feitiço que se prolonga como ponte que conduzirá uma nação ao seu objetivo primário, ao bem-estar. 	Ao questionar o conceito eurocêntrico de bem-estar, antes de tudo, o “BienVivir” se afirma como uma proposta de luta contra colonialidade do poder, e, contra isso, enquanto alternativa ao desenvolvimento moderno exige outra economia. Uma economia sustentada em princípios fundacionais entre os quais se destacam a solidariedade e a sustentabilidade. Põe fim na concepção equivocada de um desenvolvimento calcado em explorar “inesgotáveis” recursos naturais, alinhada a difusão de certos padrões de consumo. Assim, o “BienVivir” não se apresenta como um novo modelo de desenvolvimento, ou um desenvolvimento alternativo, muito pelo contrário, é uma alternativa contra ele. 
	Acosta (2016) alerta sobre os desafios a serem contornados quanto a sua assimilação, visto que como ele mesmo denota o “BienVivir” é uma teoria ainda em construção, cabendo as sociedades lapidá-las sem destituir seu núcleo essencial cujo teor coloca a Pachamama em pé de igualdades com os seres humanos. Há uma batalha a ser vencida: romper uma lógica europeia desenvolvimentista intrínseca a mente humana e favorável ao capital dominante. 
	TIPNIS só é mais um campo dessa batalha. A gestão de Evo Moralles demonstra um movimento pendular entre os princípios da Pachamama, o qual se diz representante, e a lógica desenvolvimentista moderna, o que em muito se justifica nas palavras de Linera (2010, p. 158), seu “co-piloto” e vice-presidente, quando afirma: “há necessidade de caminhar com os dois pés”. Ou seja, expandir como política de estado a proteção do meio ambiente, o uso sustentável da natureza, mas às vezes o estado precisa expandir em grande escala, programar largos processos de industrialização que habilitem excedentes sociais para sua redistribuição. A essa armadilha, Wallerstein (1979)já sinalizava que o desenvolvimentismo
não explica a realidade social emque vivemos e que vários autores buscaram uma alternativa de explicação à perspectiva da“economia-mundo”. 
Fontes: 
BOLÍVIA. Constituição (2009). Constituição da República da Bolívia, 2009. Disponível em: <http://pdba.georgetown.edu/Constitutions/Bolivia/bolivia09.html>. Acesso em: 30 abr. 2017.
EQUADOR. Constituição (2008). Constituição da República do Equador, 2008.Disponível em: <pdba.georgetown.edu/constitutions/ecuador/ecuadorhtml>.Acesso em: 30 abr. 2017.
BOLÍVIA. (2007). Plan Nacional de Desarrollo 2006-2011. Bolivia digna, soberana, productiva y
democrática para Vivir Bien. La Paz: Ministerio de Planificación del Desarrollo. Disponível em:<http://www.ine.gob.bo/indicadoresddhh/archivos/Plan%20Nacional%20de%20Desarrollo.pdf> Acesso em: 25 abr. 20117.

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